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Katarina Matos Dor é conceituada pela Associação Internacional de Estudos da Dor como “experiência sensorial e emocional desagradável, associada a dano presente ou potencial.” Embora a avaliação da dor tenha um componente subjetivo, tem-se procurado criar instrumentos para uniformizar o acompanhamento dos pacientes portadores de doenças ou lesões com características álgicas. Os instrumentos utilizados são constituídos por questionários e índices para quantificar a intensidade da dor, seu impacto nas atividades do dia a dia e na qualidade de vida, além de descrever suas demais características clínicas. Eles podem ser classificados em: unidimensionais (analisam apenas uma característica, em geral a intensidade, são vantajosos por sua aplicação fácil e rápida e ainda de baixo custo) e os multidimensionais (avaliam a dor em mais de uma das dimensões citadas anteriormente, possuem a vantagem de conseguir avaliar a dor em toda a sua complexidade como, por exemplo, intensidade, localização e qualidades afetivas e sensoriais da dor). Os instrumentos unidimensionais são utilizados frequentemente na mensuração da intensidade da dor. Dentre eles podemos citar as escalas ordinais numéricas, nominais e analógico-visuais. As escalas ordinais numéricas são de fácil aplicação, já que o ser humano está em contato com números desde a sua infância. Da mesma forma, as escalas nominais são muito úteis, já que os adjetivos utilizados são de fácil entendimento pelas pessoas e que podem expressar a dor de forma qualitativa com precisão. Elas utilizam categorias do tipo leve, moderada e severa. Isso se mostra uma fragilidade nessa metodologia, já que as pessoas avaliadas tendem a optar pelos extremos da escalas, prejudicando seu resultado. A escala visual analógica (EVA) é constituída por uma linha de 10 cm que tem, em geral, como extremos as frases “ausência de dor e dor insuportável”. Apesar das vantagens já apontadas, idosos e crianças, às vezes, sentem dificuldades em utilizá-la devido à abstração necessária para sua compreensão. Nessa população específica, existem instrumentos propostos que usam outros recursos visuais como desenhos representando expressões faciais. Os instrumentos multidimensionais avaliam várias dimensões da dor, como as seguintes: sensitivo- discriminativa que diz respeito a características espaciais, de pressão, tensão, térmicas e de vivacidade da dor; afetivo-motivacional, que trata de sentimentos de cansaço, medo, punição e reações autonômicas; e avaliativas, que se refere à situação global vivenciada pelo indivíduo. No entanto, é importante considerar que fatores sensoriais, emocionais e culturais podem influenciar na sua interpretação e resposta. A utilização desses questionários tem se incorporado nas rotinas de atendimento. A variedade desses instrumentos faz que com que haja a necessidade de uma análise de sua aplicabilidade nos vários cenários de clínicas. O alívio da dor é visto como um direito humano básico e, portanto, trata-se não apenas de uma questão clínica, mas também de uma questão ética que envolve todos os profissionais de saúde. Existe ainda o reconhecimento de que a dor não tratada pode afetar adversamente o bem-estar do paciente, pode evoluir para um estado de dor persistente (crônica), de longo prazo e, obviamente, com custos financeiros e sociais. A dor afeta milhões de pessoas em todo o mundo e se mostra como o principal motivo de consultas médicas. Vários estudos demonstram que, apesar do desenvolvimento de numerosos medicamentos analgésicos, muitos pacientes ainda vivenciam dores intensas. A maioria dos profissionais de saúde desconhece o impacto da dor sobre o paciente. De fato, a subestimação da dor do indivíduo, bem como a subprescrição e a não administração de medicamentos têm-se mostrado como fatores contribuintes para esse atual problema médico. ➢ Genoma e ecomapa: possibilidade de utilização na estratégia de saúde da família: O conhecimento do funcionamento da família, de suas características, do contexto social, cultural e econômico no qual está inserida, é de fundamental importância para a realização do planejamento das intervenções de saúde. O trabalho com famílias ocorre em contextos variados; na área da saúde, pode ocorrer no ambiente hospitalar e na comunidade. Os anos 90 trouxeram para o setor saúde uma revalorização do tema Família culminando, em 1994, com a criação do Programa de Saúde da Família (PSF), com a proposta de reacender a atenção primária à saúde centrada nas dimensões comunidade e família. O Ministério da Saúde, na tentativa de reorganizar a atenção básica em saúde, assumiu o desafio da estratégia de saúde da família, embasada nos princípios da universalidade, equidade e integralidade da assistência. A abordagem no PSF é a atenção centrada na família, a qual é vista e entendida a partir do seu ambiente físico e social. Essa prática propicia uma compreensão ampliada do processo saúde-doença e da necessidade de intervenções que vão para além das práticas curativas. O PSF tem como pressuposto uma atuação Katarina Matos diferenciada, em que o vínculo, a co-responsabilidade e o sentimento de pertencer à comunidade são traduzidos em valorização profissional; tem as famílias como aliadas na construção de uma vida saudável e no processo de cura e de reabilitação; pressupõe uma grande interação com a comunidade, para o conhecimento da sua realidade, definição das prioridades, desenvolvimento de ações individuais e coletivas, que promovam a qualidade de vida na direção do município saudável. O objetivo geral do programa é melhorar o estado de saúde da população, mediante a construção de um modelo assistencial de atenção baseado na prevenção, promoção, proteção, diagnóstico precoce, tratamento e recuperação da saúde, em conformidade com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e dirigido aos indivíduos, à família e à comunidade; incorporar os agentes comunitários de saúde ao SUS, com a finalidade de contribuir para a sua consolidação, bem como na construção de um novo modelo assistencial, mais compatível com as necessidades da população. O desenvolvimento de instrumentos sistematizados para a avaliação da família facilita a compreensão da estrutura, funcionamento e dinâmica familiar, compreendendo, dessa maneira, a família em seus aspectos sociais, emocionais e de saúde, podendo identificar, assim, suas potencialidades e dificuldades. A equipe do PSF poderá utilizar alguns instrumentos para desenvolver seu trabalho junto às famílias de seu território, entre outros, a consulta médica, de enfermagem e de outros profissionais, os grupos educativos, o acolhimento e a visita domiciliar. O PSF utiliza a ficha de cadastro das famílias, denominada ficha A, que compõe o prontuário da família, a qual permite à equipe de saúde conhecer as condições de vida das pessoas na sua área de abrangência, sendo fonte inicial de contato e coleta de dados familiares. Contém dados sobre o número de pessoas que compõe a família, a idade, o sexo, os perfis de alfabetização, a ocupação, crianças em idade escolar, se estão estudando ou fora da escola, as doenças ou situações de saúde, além de condições de moradia, saneamento básico, utilização de serviços de saúde, lazer e transporte. Caracteriza-se como fonte de informação sobre morbidade referida. O PSF possui, ainda, fichas de acompanhamento de gestantes, de crianças, diabetes, hipertensão arterial, tuberculose e de hanseníase. O genograma é a elaboração da árvore da família, uma prática antiga que vem, recentemente, sendo usada como uma técnica de avaliação clínicadas famílias. Ele fornece informações demográficas, de posição funcional, recursos e acontecimentos críticos na dinâmica familiar. A aplicação do genograma em saúde da família permite uma visualização do processo de adoecer, facilitando o plano terapêutico e, à família, uma melhor compreensão sobre o desenvolvimento de suas doenças. Analisando o genograma, pode-se ter uma visão histórica de como a família enfrenta os acontecimentos críticos e, particularmente, as mudanças no ciclo de vida. O genograma é frequentemente associado ao ecomapa. Esses dois instrumentos mostram o desenvolvimento e formato da estrutura da família, fornecem informações sobre o contexto de vida da família. Durante a construção do genograma, a família é envolvida ativamente, relatando a história de sua origem, as particularidades dos seus membros, os acontecimentos significativos de suas histórias e as condições de saúde da família. O ecomapa fornece uma visão ampliada da família, desenhando a estrutura de sustentação e retratando a ligação entre a família e o mundo. Esse instrumento conecta as circunstâncias ao meio ambiente e mostra o vínculo entre os membros da família e os recursos comunitários. É um diagrama das relações entre a família e a comunidade e ajuda a avaliar os apoios e suportes disponíveis e sua utilização pela família. ➢ Genograma familiar: O bisturi do Médico de Família: Na prática clínica diária o método mais usado de avaliação do contexto familiar consiste na realização de um genograma familiar. A construção e interpretação de um genograma familiar é uma competência básica de um médico de família. É um instrumento de trabalho tão importante para o médico de família como o bisturi é para o cirurgião. Se o médico quiser avaliar e registar, ainda num contexto mais amplo, todos os elementos do seu meio e da natureza e qualidade das interacções entre eles, pode realizar um Ecomapa. Definição Pode definir-se como um instrumento de avaliação familiar que consiste num sistema de colheita e registo de dados e que integra a história biomédica e a história psicossocial do paciente e da sua família. Indicações O genograma familiar tem indicações para a sua realização, a sua realização está indicada nas seguintes situações: • Nas consultas de 1ª vez, como método de diagnóstico apoiando o raciocínio e decisão clínica. Deve ser completado em próximas consultas, sempre que surja informação nova e relevante; • Quando o modelo biomédico não dá resposta satisfatória aos problemas dos pacientes – por dificuldade de diagnóstico, por falta de adesão ao plano de ação, na alta frequência de doenças agudas ou Katarina Matos quando ocorre doença crónica terminal; • Em particular, tem interesse nas seguintes situações clínicas: ansiedade crónica, depressão e ataques de pânico, consumo de drogas, violência doméstica e sexual, problemas de comportamento infantil. Limitações • A sua realização aumenta o tempo de consulta e pode demorar anos a completar; • É estático no tempo, como uma fotografia com data; • Existe o Efeito Rashomam, em que numa família o mesmo acontecimento suscita várias versões; • Não avalia a dinâmica nem a funcionalidade familiar; • Existem problemas de fiabilidade (grande diversidade de dados anotados, diagnósticos realizados por terceiros, falibilidade da memória, Efeito Rashomam, etc.); • Tem baixa aplicação nas famílias de poucos elementos e o seu interesse é diminuto nas pessoas sós; • Certos pacientes são relutantes ou resistentes a prestarem informação de índole familiar. Fazer diagnósticos ou extrair implicações clínicas ou terapêuticas só pela interpretação de um genograma, por mais completo que ele seja, será comcerteza um erro. O genograma familiar deve ser considerado pelo médico como mais um elemento a ter em conta quando avalia clinicamente qualquer sintoma ou problema de saúde de um paciente. O seu uso sistemático contribui para que o médico preste cuidados de saúde, sejam mais compreensivos e longitudionais. Os médicos que utilizam rotineiramente o genograma obtêm mais dados sobre a estrutura das famílias, os acontecimentos vitais, as doenças de transmissão hereditária, e o relacionamento familiar do que os médicos que colhem esta informação sem usar o genograma. Componentes Existe consenso sobre um conjunto de componentes que devem estar presentes na realização de qualquer genograma: • Símbolos e regras: Descrição dos elementos da família e sua estrutura familiar: – Primeiros nomes e ano de nascimento dos elementos da família; – Relações biológicas e legais do casal; – Anos de casamento, separação e divórcio; – Filho mais velho inscrito sempre à esquerda, os outros a partir dele, por ordem de nascimento; – Falecimentos com ano e causa de morte; – Indicação dos elementos que vivem na mesma casa; • História clínica: Doenças crónicas ou graves e problemas de saúde, especialmente de transmissão hereditária, segundo abreviaturas, categorias da ICPC e à direita do símbolo a que se refere; • Padrões de relações familiares: Opcional, se for complexo registar em separado: – Padrões de dominância; – Relações próximas ou distantes; – Relações conflituais; – Relações com triangulações ou alianças; • Outra informação familiar: Caso seja de especial importância: – dados étnicos, profissionais, de escolaridade, de migração, de violência física ou sexual, abuso álcool e drogas, tabaco, etc.; • Data de realização do genograma familiar. Construção Convencionou-se que as mulheres são representadas por círculos e os homens por quadrados e, na representação gráfica da família, o pai/marido vem à esquerda e a mulher/mãe é colocada à direita, unidos pela linha de casamento ou geracional. O primeiro filho que nasce em cada geração é colocado à esquerda, seguindo-se os irmãos por ordem de nascimento. Cada geração é representada na mesma linha e os seus de cada um dos cônjuges, e cada uma destas pode ser identificada por um número romano. É útil começar pela geração intermédia e depois recolher informação sobre as outras. Sempre que vivam na mesma casa outras pessoas não pertencentes à família, estas devem ser representadas pelos respectivos símbolos e colocadas no genograma mas não ligadas por linhas contínuas, de sangue. Todos os indivíduos que coabitam serão circundados por uma linha a tracejado, representando o agregado familiar. O paciente ou casal que justificaram a construção do genograma devem ser indicados com um símbolo duplo ou uma seta. Se o médico utilizar símbolos para além dos estandardizados deve anotar a chave da simbologia usada. O genograma pode ser desenhado pelo paciente, pelo médico ou com o contributo dos dois, que é o mais habitual. Sempre que possível deve ser iniciado na 1ª consulta, pelo menos, ao nível da estrutura da família. Se o médico usa o processo clínico em tamanho A4, o genograma deve ser desenhado na contracapa da ficha familiar. Se tem um software clínico que o permita registar informaticamente deve fazê-lo. Interpretação As categorias são a composição e a estrutura familiar, o ciclo de vida familiar, os padrões de repetição ao longo das gerações e o equilíbrio/desequilíbrio familiar. O primeiro nível de interpretação permite-nos responder à questão: quem é quem na família? Avalia a composição da família, em particular interessa-nos Katarina Matos informação sobre a descendência: o número, o sexo, a ordem de nascimento, o intervalo entre os nascimentos e outros dados relevantes sobre os filhos. E avalia também a estrutura familiar, determinando a sua tipologia. Trata-se de uma família nuclear íntegra (1ª casamentocom filhos biológicos), de uma família nuclear com parentes próximos (casal com filhos biológicos mas, por exemplo, com o apoio de avó que vive perto), uma família nuclear extensa (casal com filhos biológicos e avó ou empregada que vive na mesma casa), família extensa ou alargada (várias gerações na mesma casa num esforço comum e com patriarca), família binocular ou recombinada (quando um ou os dois pais se voltam a casar e podem ter filhos) ou de uma família monoparental (pai ou mãe só com os filhos). O segundo nível de interpretação centra-se no ciclo de vida familiar. Em que fase do ciclo de vida familiar se encontra a família (família de recém-casados, família com adolescentes, etc.) e se estão a passar por alguma crise normativa (saída do único filho de casa, etc.) ou acidental (morte prematura de um elemento da família nuclear, diagnóstico de neoplasia, divórcio, etc.), ou se têm que cumprir mais do que uma fase em simultâneo. O terceiro nível avalia a eventual existência de padrões de repetição nas diferentes gerações da família. Padrões de funcionamento como no caso de pacientes com alcoolismo, com consumo de drogas ilícitas ou de tabaco, com comportamentos violentos ou suicidários ou padrões de relacionamento quando se repetem alianças ou triangulações em duas ou três gerações, ou ainda repetição de padrões estruturais quando nas famílias surgem casos de divórcio ou de casamentos múltiplos. Por fim, é possível observar a repetição de padrões de morbilidade, como a doença cardiovascular nos homens, ou enxaquecas nas mulheres da família. Por fim, o quarto nível de interpretação que é o mais difícil de realizar. Pretende avaliar até que ponto a família tem um nível de funcionamento adequado às suas necessidades. Se o balanço equilíbrio/desequilíbrio familiar tem uma resultante favorável em que a família cumpre os desafios de sobrevivência e crescimento. O que permite • Combinar informação biomédica e psicossocial de determinada família; • Compreender o indivíduo no contexto da família e o impacto da família no indivíduo; • Localizar o problema de saúde apresentando-o no seu contexto histórico; • Clarificar padrões transgeracionais de doença, de comportamento e deuso dos serviços de saúde; • Permite ao clínico e ao paciente olhar e explorar os mitos familiares e mudar os seus guiões; • Permite o aconselhamento nos conflitos conjugais e de pais/filhos; • Tem não só certo valor diagnóstico como terapêutico.
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