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1 Marcela Oliveira – Medicina 2021 A sutura constitui a aproximação das bordas de tecidos lesionados ou seccionados. Tem como propósito a manutenção de uma correta contiguidade dos tecidos, visando facilitar as fases iniciais do processo de cicatrização, ao mesmo tempo em que fornece uma força tênsil necessária à união desses tecidos. FASES DA CICATRIZAÇÃO O processo de cicatrização corresponde a uma cascata de eventos que culminam com a reconstituição tecidual. É dividido em 3 etapas: inflamatória, regenerativa e fase de maturação. Fase Inflamatória Essa fase caracteriza a reação imediata do tecido à lesão, na qual ocorre hemostasia e inflamação. Essa fase representa a tentativa de limitar o dano mediante a parada de sangramento, selamento da superfície da ferida e remoção de qualquer tecido necrótico. Apresenta uma maior permeabilidade vascular, migração de células para a ferida por quimiotaxia, secreção de citocinas e fatores de crescimento. Logo que ocorre a formação da ferida, poucas horas após a aproximação das suas bordas, já ocorre um vedamento desta por um coagulo de fibrina, constituindo uma barreira protetora contra a entrada de agentes infecciosos. Ocorre acumulo de polimorfonucleares, linfócitos e monócitos até o 5º dia. A partir do 5º dia, as respostas agudas de hemostasia e inflamação começam a desaparecer e a estrutura aguarda o reparo da ferida. Fase proliferativa (fase de granulação) É o momento no qual a ferida passa a ser povoada por fibroblastos, macrófagos e mononucleares, formando o tecido de granulação, gerando intensa reposição de colágeno, fibronectina e acido hialurônico, conferindo a ferida um rápido ganho de força tênsil. No entanto, ainda é necessária uma resistência suplementar mantida pelos fios de sutura. Sutura 2 Marcela Oliveira – Medicina 2021 Fase de maturação (remodelamento) Essa fase tem inicio no 14º dia e se caracteriza por uma constante remodelação do tecido conjuntivo. Nesse momento, a ferida apresenta 10% de resistência de um tecido sadio, o que já é o suficiente para garantir uma sustentação. A partir de então, a ferida começa a sofrer um processo continuo de remodelação e moldagem que culmina em ganho de força tênsil, evoluindo progressivamente por ate 2 anos. MATERIAIS DE SUTURA Para que o procedimento de sutura seja bem sucedido é preciso fazer uma boa escolha do fio a ser utilizado, uma vez que serão eles os responsáveis pela junção do tecido. A escolha dos fios deve basear-se em critérios como biocompatibilidade, força tênsil, elasticidade, sítio anatômico a ser suturado, tensão à qual será submetida a sutura, idade do paciente e grau de contaminação da ferida. Nenhum fio de sutura contempla todas essas características desejáveis, por isso a 3 Marcela Oliveira – Medicina 2021 escolha do fio deve ser a que melhor se enquadra em cada situação. PROPRIEDADES DOS FIOS Absorção Os fios absorvíveis são aqueles que ao passarem por um processo de fagocitose, hidrólise, se desintegram e não deixam resíduos no organismo. Também podem ser definidos como fios que perdem rapidamente sua força tênsil, de modo que se mantém aproximadamente 60 dias sem perder suas características. Os fios inabsorvíveis permanecem um tempo maior em contato com o corpo humano e são definidos como fios que apresentam maior força tênsil e durabilidade maior que 60 dias. É importante dizer que ao longo do tempo estes fios também se desintegram. Configuração Fios Monofilamentares possuem apenas um filamento e por isso são menos maleáveis e possui maior memoria, o que torna mais difícil seu manuseio e diminui a segurança dos nós. No entanto, tem como vantagem o fato de causarem menos lesão durante sua passagem. Fios Multifilamentares possuem vários filamentos trançados ou torcidos entre si, conferindo maior flexibilidade, porem causam traumas maiores ao tecido e possibilitam maior adesão bacteriana entre seus filamentos. Origem Os fios de origem biológica (animal ou vegetal) podem causar uma intensa reação inflamatória. Os fios sintéticos provocam menos reatividade tecidual e podem ser manipulados de acordo com as necessidades. Força tênsil É o termo utilizado para definir a força necessária para que o fio sofra algum rompimento. Devemos ter em mente que a força tênsil de um fio não deve ser maior ou menor do que a do tecido na qual será utilizado. 4 Marcela Oliveira – Medicina 2021 Elasticidade É a capacidade de um fio se alongar quando está sob tensão e retornar ao seu comprimento habitual após o fim desta. Memória É definida como a capacidade do fio em retornar a sua forma original após ser manipulado. É uma propriedade não desejada nos fios de sutura, uma vez que permite que os nós se desfaçam com mais facilidade. Segurança dos nós Está relacionada com o coeficiente de fricção dos fios, ou seja, sua capacidade de deslizar através do tecido. Fios com baixo coeficiente de fricção, como os monofilamentares, afrouxam com mais facilidade. Reação tecidual Determinados tipos de fios podem induzir a exacerbação da resposta inflamatória, culminando em anormalidades da cicatrização. Os fios monofilamentares inabsorvíveis são os que desencadeiam menor resposta inflamatória. Já entre os fios absorvíveis, os de origem biológica são os que desencadeiam maior reação tecidual, atingindo seu pico máximo no 7º dia após a realização da sutura. Diâmetro/Calibre do fio Os fios apresentam diâmetros ou calibres variados expressos em números de zeros. O numero de zeros corresponde a um diâmetro capaz de determinar a resistência tênsil. Quanto maior o numero de zeros, mais fino é o fio. Tipos de fios de sutura Fio 6-0: Mais fino. Utilizado em face e áreas com importância estética. Fio 5-0: Utilizado em suturas da mão e dedos. Fio 4-0: Utilizados para reparo de extremidades proximais e tronco. Fio 3-0: Fio de grande calibre, utilizado para planta do pé e escalpo. Fio 2-0: Couro cabeludo. 5 Marcela Oliveira – Medicina 2021 FIOS ABSORVÍVEIS Categute: Conforme o tempo de duração pode ser simples (absorção mais rápida em torno de 8 dias) ou cromados (absorção mais lenta em torno de 20 dias). Esse tipo comporta-se biologicamente como um corpo estranho desencadeando uma resposta inflamatória intensa ao seu redor. São mais utilizados em suturas gastrointestinais, amarraduras de vasos na tela subcutânea, cirurgias ginecológicas e urológicas. Ác. Poliglicólico: a reabsorção ocorre por hidrolise entre 60 e 90 dias. Entretanto, a resistência tênsil é perdida na terceira semana. Usada na sutura de músculos, fáscias, tecido celular subcutâneo. Ocasiona pouca reação inflamatória e é multifilamentado. Ác. Poligaláctico (Vicryl): o tempo de absorção assemelha-se ao acido poliglicolico. É utilizado em cirurgias gastrointestinais, urológicas, ginecológicas, oftalmológicas e na aproximação do tecido celular subcutâneo. PDS: é um fio que tem a vantagem de ser monofilamentado e possui absorção lenta com manutenção da resistência tensil por longo período. É utilizado na sutura de tensões, capsulas articulares e fechamento da parede abdominal. FIOS NÃO ABSORVÍVEIS Nylon: é um fio de pouca reação, mas de difícil manipulação, duro. Perde resistência tensil ao longo do tempo. Prolene: produz pouca reação tecidual, muito usado em cirurgia vascular e ideal para cirurgia intardermica. 6 Marcela Oliveira – Medicina 2021 AGULHAS As agulhas são o principal agente traumático em suturas e tem como função promover a passagem do fio pelo tecido com o menor trauma possível. Dividem-se em fundo ou olho (região em contato com o fio), corpo e ponta. Podem ser classificadas em traumáticase atraumáticas. As agulhas antigas que necessitavam de inserção dos fios eram mais traumáticas, mas já estão em desuso. Já as agulhas acopladas ao fio têm um amplo uso na atualidade e causam um trauma necessário apenas para a passagem do fio. As agulhas também podem ser classificadas em cilíndricas, triangulares (cortantes) ou espatuladas. Seu corpo varia entre retangular, redondo e espatulado. 7 Marcela Oliveira – Medicina 2021 Agulhas cortantes facilitam a técnica cirúrgica em tecidos resistentes, como a derme, por exemplo. Porém, tecidos nobres como fígado ou córnea podem exigir menos trauma local, sendo indicada a utilização de agulhas rombas e espatuladas nesses tecidos. Quanto ao seu formato, podem ser retas ou circulares. As circulares têm curvatura relacionada à fração de um círculo (1/4, 3/8, ½, 5/8). Suturas Todas as suturas promovem em maior ou menor grau três efeitos básicos nos tecidos: 1. Síntese (aproximação): em que a tensão da sutura terá o efeito de propiciar a cicatrização primaria da ferida. 2. Recobrimento das estruturas: ocorre o recobrimento das estruturas abaixo da sutura. 3. Efeito hemostático: decorrente da tensão dos pontos, da aproximação dos tecidos e do recobrimento dos planos. As suturas podem ser classificadas quanto: 1. Permanência: absorvíveis (temporárias) ou inabsorviveis (permanentes); 8 Marcela Oliveira – Medicina 2021 2. Técnica: sutura descontinua ou sutura continua; 3. Planos: planos separados ou planos conjuntos; 4. Posição das bordas: coaptante, eversante ou inversante. Condições para uma boa sutura Algumas condições favorecem o sucesso da sutura, como: Lavagem com solução salina para retirada de corpos estranhos; Antissepsia ao redor da lesão evitará a deiscência (abertura espontânea dos pontos) da sutura devido a processos infecciosos. Apresentação adequada das bordas da ferida permite uma sutura sem irregularidades ou falhas de aproximação; Hemostasia previa diminui o risco de infecções e infiltração dos tecidos. Ausência de tensão entre as bordas, evita deiscências por erro técnico e propicia cicatrizes com melhor qualidade. Evitar espaços mortos ou tecidos desvitalizados previne complicações. Anestesia local diminuirá a dor do paciente. Além disso, deve-se observar o tipo de ferida, e se há a possibilidade ou não de suturá-la considerando o tamanho, gravidade da lesão e o risco de infecção. Nem toda lesão é passível de sutura imediata, muitas vezes utiliza-se retalhos. Técnica anestésica local No caso da realização de suturas, o anestésico geralmente utilizado é a lidocaína com vasoconstritor em extremidades proximais (ex: couro cabeludo) e sem vasoconstritor em extremidades distais (ex: dedos). A técnica mais adequada é o bloqueio de campo, no qual a infiltração local de anestésico é realizada delimitando uma área circunscrita em torno da lesão a ser tratada. Essa delimitação deve ser realizada através da infiltração em botões anestésicos em pelo menos dois pontos opostos. Deve-se introduzir a agulha obliquamente até os planos mais profundos respeitando a área circunscrita. Aspira-se a seringa previamente à administração do anestésico local para verificar se há retorno de sangue e se certificar que o anestésico não está sendo injetado na corrente sanguínea. Pré-requisitos para uma sutura ideal: 9 Marcela Oliveira – Medicina 2021 Técnica Feridas profundas com mais de 1 cm de comprimento podem ser tratadas com suturas de pontos separados. Existe ainda a possibilidade de fazer o fechamento com colas biológicas ou ainda deixar cicatrizar por segunda intenção, o que é a melhor opção para feridas antigas e infectadas. O tempo e o local da lesão interferem na indicação das suturas. Enquanto feridas na face ou no couro cabeludo podem ser suturadas mesmo 24h após a lesão. Lesões nos dedos ou nas mãos devem ser suturadas nas primeiras 6 horas, pois quanto mais precoce for a sutura, menor o risco de infecção. Lavar as mãos, calcar luva estéril ou de procedimento e examinar a ferida; Explicar ao paciente o procedimento; Se necessário lavar a ferida com agua corrente; Posicionar o paciente de forma a deixar a ferida bem exposta; Aplicar clorexidina ou iodo-povidona na pele em volta da ferida. Anestesiar com infiltração de lidocaína a 1% com adrenalina (usar sem vasoconstrictor nas extremidades com vascularização reduzida, como dedos, pênis, nariz, lóbulo da orelha). Infiltrar o subcutâneo injetando em todo o trajeto da ferida. Lavar a ferida com jato de soro fisiológico. Trocar as luvas por outro par estéril. Pegar a agulha com o porta agulha presa no inicio do seu terço médio. Elevar a borda da ferida com a ponta da pinça e passar a agulha pela primeira borda e fazer um movimento seguindo a curvatura da agulha. Passar a agulha na borda contralateral da ferida pegando a mesma quantidade de tecido que o lado anterior. Passada a agulha, puxar o fio ate que sobre apenas 2-3 cm no outro lado. Soltar a pinça e agulha, segurar a parte do fio próximo a agulha com os dedos e dar o Primeiro semi-nó enrolando duas vezes em torno da porta-agulha. Pegar a extremidade do fio com a ponta do porta agulha e esticar esse seminó para seu 10 Marcela Oliveira – Medicina 2021 lado, apertando o nó apenas o suficiente para aproximar as bordas da ferida, provocando leve eversão e sem exagero que possa causar isquemia. Repetir o semi-nó mais duas vezes alterando o sentindo em que o porta-agulha é puxado. Completado o ponto, girá-lo lateralmente para que o nó fique fora da linha de sutura e corta os fios a cerca de 1 cm do nó. Tipos de sutura Suturas descontínuas Esses tipos de pontos apresentam como vantagens: o afrouxamento ou queda de um nó não interfere no restante da sutura; Há menor quantidade de corpo estranho no interior do ferimento cirúrgico; Os pontos são menos isquemiantes. Ponto Simples De fora pra dentro e de dentro para fora. Dê os nós. Corte as extremidades do fio. Pode ser usada em suturas internas (vísceras) e externas (pele) Ponto simples invertido Igual ao simples separado, só inverte a ordem. De dentro para fora e de fora para dentro. O nó ficará para baixo, "escondido" dentro do tecido. Ideal para fios que não precisam ser retirados 11 Marcela Oliveira – Medicina 2021 Ponto donatti ou u vertical "Longe - longe - perto - perto" Importante: manter simetria! Aplicada para produzir hemostasia em suturas com tensão (cirurgias de hérnias, suturas de aponeurose, aproximação de tecidos friáveis). Ponto em u horizontal 2 Pontos simples em sequência (de fora p dentro e de dentro p fora), porém EM DIREÇÕES OPOSTAS (segundo ponto inverter a posição da agulha), um seguido do outro. Ponto em X 2 pontos simples em sequência na MESMA DIREÇÃO (não inverte a agulha), um seguido do outro. 12 Marcela Oliveira – Medicina 2021
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