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Matheus de Castro Brandão ABATE, COMERCIALIZAÇÃO E CONSUMO DE RÉPTEIS NO BRASIL A carne é um alimento que apresenta características nutricionais importantes para os seres humanos, rica em proteínas, aminoácidos essenciais, gordura, vitaminas e sais minerais. É um alimento com importante significado social e cultural. Entender como um alimento afeta a sociedade humana ao longo do tempo, e o ponto em que essa mudança ocorre, pode ser importante para o entendimento de hábitos e costumes regionais. Em alguns países, a carne tem sido considerada um alimento estratégico, sendo a cadeia produtiva cada vez mais sustentável e com rígidas normas de segurança alimentar. No entanto, os desafios do mundo na área de alimentos e agricultura são altamente complexos e multidisciplinares, envolvendo as interações e dinâmica das comunidades humanas. Os répteis são criados para o consumo humano em diversas partes do mundo, incluindo jacarés na América do Sul. No Brasil, assim como em outros países da América, África e Ásia, a fauna silvestre representa uma importante fonte proteica na alimentação humana e de renda, principalmente nas regiões mais carentes. É visível o aumento de criações comerciais de animais silvestres no país, impulsionado pelo mercado em expansão das carnes exóticas e do couro. A criação racional de jacarés no Brasil é uma atividade que vem se desenvolvendo ao longo de 15 anos, cujo objetivo principal é a obtenção de peles com melhor qualidade, ao contrário daquelas provenientes de animais capturados da natureza. Associada às novas leis ambientais, a exploração racional pode contribuir na manutenção do equilíbrio ecológico, desta espécie, no Pantanal Mato-Grossense, reduzindo a caça predatória. O interesse por essa atividade tem como objetivo principal o comércio do couro, que atinge no mercado internacional valores altamente compensadores. Dessa forma, na linha de abate, a venda de carne será uma atividade complementar lucrativa ao comércio de couro. Sua carne é comercializada em restaurantes especializados e com uma boa aceitação, reforçando assim, a viabilidade da utilização da mesma, como mais uma opção de fonte proteica de origem animal. > Consumo de carne de répteis: Taxonomicamente, os répteis pertencem à classe Reptilia, que inclui numerosos vertebrados com alta diversidade biológica. A utilização de répteis no Brasil teve início no período colonial e hoje algumas espécies têm sido utilizadas como animais de companhia (lagartos, jabutis, cágados, serpentes); outras são exploradas zootecnicamente para a produção de veneno (serpentes), pele (serpentes, lagartos, jacarés e crocodilos), carne (crocodilos, jacarés, serpentes, lagartos, tartarugas e cágados) e compondo coleções em zoológicos. A carne reptiliana compartilha características de composição semelhantes com a de anfíbios e aves, sendo alta a umidade, com pequenas quantidades de proteína e teor de gordura reduzido. Na criação de répteis para o consumo da carne, existe possibilidade de contaminação com microrganismos patogênicos, dependendo das instalações onde os animais são criados, alimentação, práticas de higiene e técnicas de abate. Para os répteis criados em ambientes aquáticos, a qualidade da água também é importante. No entanto, o abate e o processamento de produtos e subprodutos em condições precárias de higiene fazem com que o consumo de carne proveniente de répteis seja um risco para a saúde pública. O conhecimento de agentes patogênicos de alimentos, aos quais estamos vulneráveis, e o risco oferecido pela exploração zootécnica de determinadas espécies animais, principalmente selvagens, tornam-se fatores de relevância, quando o sistema de produção é submetido a condições controladas. As doenças transmitidas por alimentos consomem uma quantidade substancial de recursos com cuidados de saúde e causam considerável mortalidade e morbidade em todo o mundo. A qualidade microbiológica dos alimentos está correlacionada a quantidade e ao tipo de microrganismos presentes, e a multiplicação destes microrganismos no alimento. A integridade da matéria-prima e a higiene (de ambientes, manipuladores e superfícies) representam o risco de contaminação inicial, e o tipo de alimento e as condições ambientais regulam esta multiplicação. A carne e todos os produtos cárneos derivados de seu processamento estão sujeitos a alterações ocasionadas pelas enzimas teciduais e pela atividade microbiana. Répteis podem ser portadores de uma variedade de agentes, e a carne pode ser contaminada por fatores intrínsecos ao ambiente, como as condições de armazenamento do alimento fornecido ao animal, e as condições de higiene do local onde são criados ou abatidos. Pouco se sabe a respeito de características de carcaça, principalmente quanto aos aspectos físico-químicos e microbiológicos. Sabe-se, entretanto, que os répteis são potenciais carreadores e transmissores de Salmonella sp. e Campylobacter spp. . A microbiologia de alimentos estuda a forma de atuação dos microrganismos nas características dos produtos alimentícios de consumo humano ou animal. Os microrganismos podem desempenhar funções muito importantes, dependendo do tipo de interação existente com o alimento e seus nutrientes, e podem ser classificados em três grupos distintos: úteis; deteriorantes e patogênicos. Esta classificação é elaborada segundo suas propriedades morfológicas e fisiológicas. Microrganismos úteis quando presentes em um alimento causam alterações benéficas, modificando as suas características originais, de forma a transformá-los em um novo alimento. Os microrganismos deteriorantes causam alterações químicas não-benéficas nos alimentos que resultam na alteração de cor, odor, sabor, textura e aspecto do alimento. Essas alterações derivam das atividades metabólicas naturais dos microrganismos, os quais tentam perpetuar a espécie, utilizando o alimento como fonte de energia. Por fim, os microrganismos patogênicos presentes em alimentos são aqueles que podem causar doenças aos seres humanos e animais, proporcionando sérios problemas econômicos e de saúde pública. A carne apresenta uma composição de nutrientes diversificada, o que a faz um ambiente ideal para o crescimento e propagação de microrganismos deteriorantes e patogênicos. Durante o manuseio e processamento, a carne e os produtos cárneos são facilmente contaminados por microrganismos e, portanto, métodos corretos de preservação devem ser aplicados para a manutenção da segurança e da qualidade. As infecções alimentares representam ainda hoje um sério problema de saúde pública pela frequência elevada, mortalidade e pelo grande número de microrganismos que podem estar envolvidos em um simples evento epidêmico. Diversos patógenos alimentares são conhecidos por causarem doenças, estando veiculados a alimentos e água, e dentre estes as bactérias constituem um grupo altamente significativo. > Abate e comercialização de Répteis no Brasil: O ponto principal para que se crie animais silvestres no Brasil para o processo de abate e comércio é, dentre outras coisas, a competição entre atividades agropecuárias tradicionais (mercado interno e externos, subsídios) e também aumentar o valor agregado dos produtos. Em respeito à Lei de Proteção da Fauna Silvestre, animais destinados para abate devem ser apenas aqueles criados em cativeiro. - Sistemas de produção: O Brasil possui três sistemas de produção - o de pequeno (subsidiário), intermediário e de grande (empreendimento) porte. No sistema de pequeno porte, a utilização da carne produzida é basicamente para consumo próprio, e eventuais vendas de alguns quilos de carne. Quando se tratando de abate caseiro (situação de cerca de 90% dos criadores), não se pode comercializar o produto. Já no sistema intermediário, temos a presença já de um criatório específico, onde sãoalojadas cerca de 50 matrizes. Nesse sistema, o abate acontece 2 ou 3 vezes por ano e tem atividade comercial, atendendo a alguns clientes. No sistema de grande porte entra em cena a figura das fazendas-criatório, onde a criação de animais silvestres é a principal atividade da fazenda. O destino da produção, no sistema de grande porte, é o mercado atacadista ou até mesmo a exportação. O ideal para o produtor é começar na primeira categoria, para adquirir experiência com planteis pequenos, mobilizando capitais para passar à segunda categoria, minimizando as ocorrências de prejuízo. Pode-se notar, também, que quando há produção em pequena escala, há um aumento nos custos com produção, transporte, abate, embalagem e venda. - Abate comercial: O abate caseiro é considerado sem Inspeção Sanitária, logo ele é proibido para a comercialização, sem mencionar o fato de que esse tipo inviabiliza um abate de maior número de animais. Já o abatedouro específico de animais silvestres é um estabelecimento registrado junto às autoridades sanitárias, como abatedouros de suínos, abatedouros de bovinos, e registrados juntos ao IBAMA para abate desses animais. Para a criação de um abatedouro, as alternativas são viáveis? Deve-se ter em mente investimentos em infraestruturas, custos de operação - ofertas de animais para abate, demanda para a carne produzida - além da viabilidade econômica, que deve girar em torno de cerca de 3 mil animais abatidos por ano. > Abate humanitário: conjunto de procedimentos que garantem o bem estar dos animais desde o embarque na propriedade rural até o manejo no frigorífico. O manejo pré-abate inadequado envolve: estresse dos animais, comprometimento do bem-estar dos animais, dor e sofrimentos desnecessários, hematomas, contusões e fraturas. As etapas consistem em, desde a captura até a condenação (ou não) da carcaça. A captura dos animais deve ser feita com um cambão, no pescoço e em uma das axilas. Deve-se segurar firmemente, pois é um animal que gira sobre o seu próprio eixo com muita força. Por isso deve-se esperar que ele gire até se cansar e pare. O período de descanso corresponde ao tempo de transporte. O transporte também é um processo altamente estressante. Distâncias maiores do que 330km aumenta a ocorrência de carnes com o pH >6,0. A insensibilização deve manter a inconsciência, evitando o sofrimento até o momento da sangria. Geralmente feita com uma pistola pneumática. Assim que o animal cai, ele é suspenso por um gancho em um dos membros posteriores, e a sangria é realizada na jugular e na carótida (duração de no mínimo 3min) e o sangue é coletado no “tanque de coleta”. A carcaça é lavada com água quente para a retirada da sujeira mais grossa. A lavagem e a esfola vai de acordo se tem interesse, ou não, no couro do animal. A esfola é feita no tanque escaldador, na água a 70 graus por 1min, facilitando a soltura das escamas e da pele. Faz-se a retirada das unhas com um alicate e posterior retirada da cabeça, é feita mais uma lavagem com um jato de água quente e se dá prosseguimento na evisceração. No processo de evisceração, primeiramente, são retiradas as vísceras do abdômen e posteriormente as do pescoço. As vísceras caem na bacia de coleta e são enviadas a mesa de inspeção, onde são verificadas alterações na consistência, cor, presença de nódulos, abcessos, cistos, etc. Em casos de anomalias, a carcaça e órgãos são encaminhados para a inspeção detalhada do veterinário do serviço de inspeção - após essa inspeção há descarte das vísceras, e não aproveitamento comercial. As carcaças são divididas em hemicarcaças, e submetidas a mais um processo de inspeção. São, posteriormente, carimbadas e refrigeradas de 2 a 7 graus por 24 horas, e enviadas para a divisão dos cortes. Fonte: Google Imagens (Internet) Feito a divisão dos cortes, a carne segue para o processamento de embalagem. As embalagens podem ser: filmes de PVC, embalagens à vácuo - remoção de ar do interior da embalagem, impede o crescimento de microrganismos, aumenta a vida de prateleira e tem validade de até 90 dias quando refrigerada a 0 graus. Na rotulagem deve conter informações obrigatórias como: espécie, corte, identificação e endereço do abatedouro, nível de inspeção sanitária (municipal, estadual, federal) e número de registro junto ao IBAMA. Depois de embalados, os cortes são armazenados em caixas de papelão e mantidos congelados a -10 graus, e destinados à comercialização. Fonte: Google Imagens (Internet) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALEIXO, V. M.; COTTA, J. T. B.; LOGATO, P. V. R.; OLIVEIRA, A. I. G.; FIALHO, E. T. Efeitos da adição de diferentes teores de farelo de soja na dieta sobre o desenvolvimento de filhotes de jacaré- do-pantanal [Caiman yacare (Daudin, 1802)]. Ciência e Agrotecnologia, Lavras: Editora UFLA, v. 26, n. 2, p. 411-417, 2002. Alves RRN, Pereira Filho GA. Commercialization and use of snakes in North and Northeastern Brazil: implications for conservation and management. Anim Biodivers Conserv.Barcelona.2007;16:969–985. Alves RRN, Santana GG. 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