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Crescimento e Puberdade O período da adolescência é marcado por intensa metamorfose, além da ativação gonadal e do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, o crescimento na adolescência envolve mudanças na composição corporal e desenvolvimentos dos sistemas cardiovascular e circulatório e, na fase final do processo, desaceleração e parada do crescimento. O início do desenvolvimento puberal é universal e, possivelmente, geneticamente determinado, embora possa sofrer influência de fatores ambientais, étnicos, nutricionais e emocionais. Doenças crônicas também podem retardar o início da puberdade. O desenvolvimento psicossocial é dependente de aspectos culturais, sociais e econômicos, embora existam indícios consistentes de que a modulação desses comportamentos seja também influenciada pelo desenvolvimento desarmônico entre as estruturas subcorticais e a porção ventral do córtex pré-frontal. CRESCIMENTO O crescimento, que se inicia desde a concepção e termina ao final da adolescência, tem períodos variáveis de velocidade, relacionados com maior ou menor ação hormonal nas placas de crescimento epifisário. O acompanhamento do crescimento físico e das variações da velocidade de crescimento (VC) por meio de gráficos específicos traz informações relevantes acerca da saúde individual e populacional, constituindo-se em importante indicador de saúde. O processo de crescimento físico é dinâmico e contínuo e inicia-se após a concepção, apresentando diferentes velocidades em razão das fases de desenvolvimento. Na fase intrauterina, a VC é muito alta (1 a 1,5 cm/semana) e, após o nascimento, há uma desaceleração gradual, e a criança cresce 25 cm no primeiro ano e 15 cm no segundo ano. Entre o terceiro ano e o início da puberdade há um crescimento estável e constante, entre 5 e 7 cm/ano. Na fase puberal ocorre novamente uma aceleração durante um período de 2 a 3 anos (VC de 10 cm/ano) e, na fase final da puberdade, há uma desaceleração abrupta com VC entre 1 e 1,5 cm/ano. Fatores extrínsecos podem influenciar negativamente o crescimento em todas as suas etapas. Agravos físicos e emocionais (privação afetiva), falta de acesso a macro e micronutrientes equilibrados na alimentação e o sedentarismo são fatores que atuam restringindo o alcance do potencial genético determinado desde a concepção. O fator intrínseco mais determinante da estatura final do indivíduo é a carga genética familiar, que pode ser estimada por meio do cálculo do alvo parental. Esse cálculo, meramente estatístico, utiliza a altura dos pais para prever o potencial da estatura final, não significando uma meta a ser alcançada. REGULAÇÃO ENDÓCRINA DO CRESCIMENTO A atividade hormonal e o potencial genético do indivíduo parecem ter papel secundário no crescimento fetal, importando mais, nessa fase, a integridade uteroplacentária e sua adequação em suprir o feto com oxigênio e nutrientes. Na fase pós-natal, o hormônio do crescimento (GH) estimula o crescimento por sua ação direta na diferenciação celular, na placa de crescimento e no hepatócito, onde aumenta a secreção de fator de crescimento insulina-símile (IGF-1). O IGF-1, secretado pelos hepatócitos, tem ação específica na expansão e hipertrofia da placa epifisária, e é transportado por uma proteína carreadora (IGFPB3), a qual tem a função de aumentar a meia-vida plasmática dos IGF. Os hormônios tireoidianos são necessários para o crescimento desde a infância, por sua ação de estímulo à produção e secreção de GH, síntese de IGF-1 e ação direta sobre a placa epifisária. Na fase inicial da puberdade, além da elevação dos níveis séricos dos esteroides sexuais, há um aumento na frequência e na amplitude dos pulsos de GH, com aumento de duas a até dez vezes a quantidade de GH secretada a cada pulso, o que aumenta a produção de IGF-1 pelo fígado. Age, também, em outros órgãos, como musculatura cardíaca, diafragma, adipócitos e sistema hematopoético, o que é essencial para adequar esses órgãos às novas necessidades impostas pelo crescimento. Entretanto, durante a puberdade, em ambos os sexos, os esteroides sexuais, principalmente os estrógenos, são essenciais para acelerar o crescimento por meio da ação em receptores específicos da placa epifisária, promovendo crescimento, mas também decretando o fechamento das epífises. O crescimento na adolescência é desproporcional, iniciando-se, primeiramente, pelas extremidades distais. Após o crescimento dos pés e mãos, ocorre o crescimento das extremidades proximais e, por último, o do tronco, retomando, então, a harmonia e a proporcionalidade. As meninas, além de iniciarem a puberdade mais cedo, apresentam um pico de velocidade de crescimento (PVC) mais precocemente que os meninos, entre os estádios 2 e 3 de Tanner. No entanto, desaceleram mais cedo e, após a menarca, o restante do crescimento esperado é entre 5 e 6 cm. Os meninos apresentam um PVC entre os estádios 3 e 4 de Tanner e acabam desacelerando mais tarde. Existe uma estreita relação da altura da criança, no início da puberdade, com a sua altura final. Em geral, os adolescentes apresentam um ganho de altura, durante os anos puberais, que varia de 20 a 25 cm nas meninas e 25 a 30 cm nos meninos. PUBERDADE NORMAL Desde o terceiro trimestre de gestação até os 6 meses de vida, há uma ativação parcial do sistema hipotálamo-hipófise-ovário (HHO) que ocasiona algumas manifestações clínicas como telarca, trofismo genital e acne neonatal (minipuberdade). A partir dos 6 meses de idade há uma redução significativa dos níveis de hormônio luteinizante (LH) e hormônio folículo-estimulante (FSH), que permanecem baixos até o início da puberdade. Em dado momento, os fatores chamados permissivos (neuropeptídios, leptina, insulina, IGF-1 e estímulos oriundos de centros cerebrais superiores) atuam sobre o sistema HHO, provocando aumento da frequência e amplitude da produção de hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH) pelos neurônios hipotalâmicos que, via sistema porta hipofisário, ativam receptores específicos localizados na adenoipófise, desencadeando aumento da produção de gonadotrofinas (FSH e LH). A liberação de FSH e LH estimula ovários e testículos a produzirem os esteroides sexuais que induzirão todo o processo de modificações corporais, capacitando o organismo para as funções reprodutivas. Embora o eixo HHO seja crucial nesse momento, há necessidade de ativação de outros mecanismos que terão ação sinérgica no crescimento e desenvolvimento físico na puberdade. A produção de androgênios pelas glândulas adrenais, controlada pelo ACTH, é anterior à produção de esteroides gonadais, ocorrendo entre 6 e 8 anos de idade (adrenarca). É responsável por modificações no odor das secreções, aumento da oleosidade da pele e aparecimento e manutenção da pilificação axilar e púbica durante a puberdade. O desenvolvimento e a maturação sexual podem ser acompanhados utilizando-se os critérios de Marshall e Tanner, pois, em condições normais, há uma sequência cronológica de modificações. Em ambos os sexos, avalia-se a quantidade e distribuição dos pelos púbicos (P). Para o sexo feminino, a evolução do desenvolvimento mamário (M) e, para o sexo masculino, o desenvolvimento da bolsa escrotal e do pênis (G). A puberdade feminina inicia-se em média aos 9,7 anos, mais precocemente quando comparada aos meninos (10,9 anos). A primeira manifestação clínica na menina é o aparecimento do broto mamário (telarca) em resposta ao início da produção estrogênica pelos ovários. No menino, observa-se como primeira manifestação o aumento de volume testicular atingindo 4 mL ou cm3. Nas jovens, a partir do início da puberdade e por ação dos esteroides sexuais, começam a ocorrer as modificações corporais que vão redundar em umindivíduo com capacidade reprodutiva estabelecida. Assim, as meninas, além do aumento das mamas, começam a apresentar outras mudanças na forma corporal com aumento dos depósitos de gordura na região dos quadris e das mamas. A menarca ocorre cerca de 2 anos após o início da puberdade (M2), geralmente no estágio M4 de Tanner, portanto, em época de desaceleração do crescimento. O crescimento é limitado a, em média, 4 a 6 cm nos anos subsequentes. Os ciclos iniciais da adolescente podem apresentar certa irregularidade nos primeiros 2 a 4 anos (ciclos anovulatórios). Além da ativação gonadal e do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, o crescimento na adolescência envolve mudanças na composição corporal e desenvolvimento dos sistemas cardiovascular e circulatório e, na fase final do processo, desaceleração e parada do crescimento. No menino, ocorre acentuação do crescimento biacromial, aumento da massa muscular, da força e da resistência física. A primeira ejaculação ocorre mais tardiamente, quando os testículos atingem 10 a 12 mL de volume, algumas vezes durante o sono (polução noturna). No final da puberdade ocorre alteração no timbre da voz pela ação hormonal na laringe. PUBERDADE PRECOCE Por definição clássica, puberdade precoce ocorre quando o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários acontece antes dos 8 anos em meninas e antes dos 9 anos em meninos. No sexo feminino a puberdade precoce central (PPC) tem origem idiopática em 90% dos casos, por ativação precoce do eixo HHO, manifestando-se inicialmente pelo desenvolvimento das mamas. No sexo masculino, 70% são de causa orgânica. O desencadeamento da PPC tem origem genética fundamentada, pois em estudos familiares foi evidenciado que em 1/4 dos casos havia, pelo menos, mais um familiar acometido. Os estudos genéticos identificaram, em alguns casos, supressão ou ativação de peptídios, que seriam responsáveis pela ativação precoce do eixo HHO. No entanto, não conseguiram identificar as mesmas alterações em estudos com grande número de casos, considerados idiopáticos. As causas secundárias de PPC incluem exposição crônica a esteroides sexuais usados para tratamento de outras doenças e a síndrome de McCune-Albright. Mais recentemente, tem sido estudado o papel dos chamados disruptores endócrinos, substâncias presentes em plásticos, solventes, pesticidas, cosméticos e poluentes industriais que, por sua ação estrogênica ou antiandrogênica, podem causar diversos efeitos na fisiologia neuroendócrina. A puberdade precoce pode ser de origem central, dependente de gonadotrofinas, ou periférica, independente das gonadotrofinas. Outro dado a ser valorizado, além da idade do aparecimento, é a velocidade observada nas mudanças, que podem ocorrer de forma lenta, como na puberdade normal, ou rapidamente progressiva, que requer reconhecimento e tratamento precoce. Para o diagnóstico, o aparecimento dos caracteres sexuais secundários, classificados segundo critérios de Tanner, seguindo a cronologia normal, isto é, aparecimento de mamas nas meninas e aumento do volume testicular nos meninos acima de 4 mL, pode indicar PPC. A dosagem de LH basal, a radiografia de punho e mão não dominantes para avaliação da idade óssea em ambos os sexos e, nas meninas, a ultrassonografia pélvica para avaliação do volume ovariano e uterino e, nos meninos, a dosagem de testosterona, são exames indicados para complementar a avaliação. A ressonância magnética encefálica é útil para o diagnóstico diferencial entre as formas orgânica ou idiopática. A base do tratamento da PPC é o bloqueio da produção de gonadotrofinas com objetivo de estabilizar ou fazer regredirem os caracteres sexuais secundários e desacelerar a maturação esquelética para preservar a estatura dentro do alvo familiar. A escolha terapêutica recai sobre os análogos agonistas sintéticos do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH), que agem na hipófise anterior de forma competitiva ao GnRH endógeno. Atualmente, estão disponíveis em injeções mensais ou trimestrais, e o tratamento, quando mantido até os 11 anos de idade cronológica e 12 anos de idade óssea, parece estar associado a melhor resultado na estatura final. ATRASO PUBERAL Considera-se como atraso puberal a falta de desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários aos 13 anos de idade nas meninas e 14 anos nos meninos, ou seja, ausência de broto mamário e testículo menor que 4 mL, respectivamente. Tem como causa mais comum o atraso constitucional do crescimento e da puberdade (ACCP), condição duas vezes mais frequente nos meninos do que nas meninas, com herança genética consistente com padrão autossômico dominante. As causas patológicas de atraso puberal podem ser classificadas, do ponto de vista bioquímico, em hipogonadotrófica ou hipergonadotrófica. Nos meninos, o hipogonadismo hipogonadotrófico, além da ausência de caracteres sexuais e de desenvolvimento testicular, apresenta baixos níveis séricos de testosterona e concentrações normais ou baixas dos hormônios FSH e LH, sejam basais ou após estímulo com GnRH injetável. Nas meninas, ocorre ausência de desenvolvimento puberal aos 13 anos de idade e baixos níveis de FSH e LH. Lesões infiltrativas, infecciosas e traumas são causas de pan-hipopituitarismo. O uso de análogos do GnRH também induz atraso puberal. A anorexia nervosa é a principal causa em meninas. Algumas doenças sistêmicas que cursam com balanço energético negativo também podem causar atraso puberal de origem central. O papel das influências ambientais tem que ser considerado quando do diagnóstico de atraso puberal. A prática de exercícios intensos está claramente implicada em atraso puberal. O hipogonadismo associado à anosmia ou hiposmia está presente na síndrome de Kallmann. Síndromes genéticas como Prader-Willi e Laurence-Moon têm como apresentação fenotípica o hipogonadismo central. O hipogonadismo hipergonadotrófico pode ter como etiologia doenças que afetam as gônadas ou procedimentos cirúrgicos que afetem os ovários ou testículos. A síndrome de Turner (45,XO), nas meninas, e a síndrome de Klinefelter (47,XXY), nos meninos, são as causas mais frequentes e serão confirmadas por cariótipo. Tanto a puberdade quanto a maturação óssea e o crescimento estão atrasados por falta de ativação do eixo HHO. O exame clínico deve ser normal para a idade óssea e sem alterações olfativas. O diagnóstico será confirmado definitivamente quando ocorrer o desenvolvimento puberal, pois quando não ocorre espontaneamente, pode se tratar de hipogonadismo. Os exames laboratoriais disponíveis atualmente podem não fazer a distinção entre as duas situações. A dosagem de inibina B basal pode se tornar uma alternativa, mas são necessários maiores estudos para que possa vir a fazer parte das rotinas clínicas. No tratamento do hipogonadismo, nos casos de doenças em que não há possibilidade de tratamento e correção da disfunção que originou o distúrbio hormonal, a reposição hormonal tem por objetivo induzir o desenvolvimento puberal e consequentemente o estirão puberal, a incorporação da massa óssea e a função sexual, além de, se houver possibilidade, garantir a fertilidade. Nos meninos, o acompanhamento clínico é importante avaliando- se a evolução do volume mamário. As doses vão sendo aumentadas progressivamente ao longo do período médio de 2 anos. Várias formulações estão disponíveis: estrogênio oral (micronisado 2 mg), esterificado (1,25 mg), efenil estradiol (8 a 10 mg), estrogênio conjugado (0,625 mg), transdérmico e gel. A associação com progesterona pode ser iniciada após os 2 anos de terapia com estrogênio ou quando houver sangramento vaginal. Nas meninas, o acompanhamento clínico é importante avaliando-se a evolução dovolume mamário. As doses vão sendo aumentadas progressivamente ao longo do período médio de 2 anos. Várias formulações estão disponíveis: estrogênio oral (micronisado 2 mg), esterificado (1,25 mg), etinil estradiol (8 a 10 mg), estrogênio conjugado (0,625 mg), transdérmico e gel. A associação com progesterona pode ser iniciada após os 2 anos de terapia com estrogênio ou quando houver sangramento vaginal. Em adolescentes com ACCP que, apesar das orientações adequadas com relação à evolução natural do processo, se encontrem com repercussões emocionais importantes, a indução da puberdade, após os 13 anos nas meninas e 14 anos nos meninos, trará melhora na autoestima e na adequação social, pois a percepção da imagem corporal é de extrema importância para essa fase da vida. A reposição hormonal segue as mesmas doses usadas no hipogonadismo e deve ser mantida por 3 a 6 meses, tempo em que a testosterona leva para ativar o eixo HHO. Há necessidade de controles clínicos e laboratoriais periódicos para avaliar a resposta.
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