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Educação e pobreza

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ISSN 2176-1396 
 
 
ESCOLA, POBREZA E APRENDIZAGEM: 
REFLEXÕES SOBRE A EDUCABILIDADE 
 
Maria Helena de Paula Brito1 - BAGOZZI 
Neivaely Aparecida de Oliveira de Arruda2 – BAGOZZI 
Humberto Silvano Herrera Contreras3 – BAGOZZI 
 
Grupo de Trabalho – Cultura, Currículo e Saberes 
Agência Financiadora: não contou com financiamento 
 
Resumo 
 
O artigo discute a Educabilidade e como ela se constitui diante da realidade da educação atual. 
A pesquisa questiona: Qual a relação entre a pobreza e a educação? Quais as suas implicações 
na aprendizagem escolar? Qual o papel da escola nesse processo? Propõe uma análise sobre a 
questão da pobreza no Brasil, bem como sua relação com a educação e quais as implicações e 
consequências na aprendizagem, causadas por uma situação de carência e exclusão social. 
Analisa também questões sobre demandas de uma sociedade capitalista que exige uma 
qualificação cada vez maior e uma educação de excelência esbarrando na segregação de escola 
para ricos e pobres, que determina e interfere na realidade do sujeito perante a sociedade. 
Coloca-se em questionamento a meritocracia e o currículo na busca de uma educação 
democrática e igualitária. Chegando a reflexões sobre a normalização da exclusão que passa 
despercebida pela a sociedade, a chamada “inclusão excludente” muito presente no âmbito da 
educação. E finalmente a questão da desinstitucionalização da escola e suas consequências, 
buscando definir o papel da instituição na educação, bem como as responsabilidades dos 
profissionais da educação, mais especificamente do pedagogo, em busca de uma educação 
ideal. A relação pobreza e escola estão intimamente relacionadas. As condições sociais 
interferem na aprendizagem escolar, e as desigualdades sociais se traduzem, de forma geral, em 
desigualdades escolares, e vice-versa. 
 
Palavras-chave: Educabilidade. Escola. Pobreza. Aprendizagem. 
 
1 Licenciada em Pedagogia na Faculdade Padre João Bagozzi. E-mail: helenabritto@hotmail.com 
2 Licenciada em Pedagogia na Faculdade Padre João Bagozzi. E-mail: neivaelyarruda@gmail.com 
3 Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná. Licenciado em Filosofia e Pedagogia pela Faculdade 
Padre João Bagozzi. E-mail: humberto.herrera@faculdadebagozzi.edu.br 
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Introdução 
O artigo discute a problemática da educabilidade, ou seja, fatores que contribuem ou 
interferem na constituição do ato de educar, especificamente na relação ensino-aprendizagem, 
abordando reflexões sobre a pobreza e as suas implicações na escola. 
A intenção desta pesquisa é analisar como se dá a aprendizagem diante das condições 
de pobreza e qual a ação da escola, bem como a contribuição do pedagogo nesse processo. Em 
classes menos favorecidas a baixa renda familiar tem como consequência uma alimentação 
inadequada e moradia precária sem condições de descanso ou ambiente adequado para o estudo. 
Além disso, a maioria dessas pessoas só tem contato com livros e outros bens culturais de um 
modo geral quando vão para escola e veem nela a oportunidade de mudar as suas condições de 
vida. No entanto, muitas vezes quando chegam à escola se deparam com um ambiente com 
problemas, causados principalmente pela falta de recursos que comprometem a infraestrutura e 
o trabalho educacional. 
Sendo assim, a pesquisa questiona: Qual a relação entre a pobreza e a educação? Quais 
as suas implicações na aprendizagem escolar? Qual o papel da escola nesse processo? 
Considera-se que diante de tantas discussões e leis que pleiteiam direitos iguais para 
todos, a educação em pleno século XXI ainda não é considerada uma prioridade na política 
governamental, o que se traduz nos desafios de financiamento e gestão da educação. Talvez 
sejam questões governamentais, políticas e administrativas ou até culturais. Ou então, além de 
todas as dificuldades reais que a pobreza traz, haja também a barreira comportamental de 
comodismo, achando que sempre foi assim, que não é possível mudanças, pensamento que 
provém tanto da parte do sujeito como da própria comunidade educacional. 
A relação pobreza e escola estão intimamente relacionadas. As condições sociais 
interferem na aprendizagem escolar, e as desigualdades sociais se traduzem, de forma geral, em 
desigualdades escolares, e vice-versa. 
Sabe-se que ao longo da história a educação passou por diversas transformações que 
foram acompanhadas por leis e discussões acerca dos rumos que deveria tomar. No entanto é 
importante saber para quem essa educação é pensada. Segundo a Constituição Federal de 1988, 
art. 205, “a Educação é um direito de todos, visando o pleno desenvolvimento da pessoa [...]” 
(BRASIL, 1988). Porém, o que se vê é um país com cerca de 9% de analfabetos acima de 10 
anos, o que equivale a 18 milhões de brasileiros (IBGE 2010)4, sem contar os analfabetos 
 
4 Disponível em http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/educacao Acesso em 22/11/2014 às 22h30min. 
http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/educacao%20Acesso%20em%2022/11/2014
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funcionais e cidadãos em condições de extrema pobreza. A responsabilidade sobre essa 
educação é, segundo a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96, cap. III, art. 2°, “[...] dever da família 
e do Estado e tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando”. Portanto, quando a 
família e/ou o Estado não cumprem satisfatoriamente o seu papel, cabe à escola suprir essa 
carência visando o pleno desenvolvimento da pessoa. 
O pedagogo tem a missão de educar os olhares para os processos educativos e/ou 
pedagógicos dentro e fora da escola, contribuindo com a aprendizagem. É função deste, 
também, conhecer os alunos e a realidade da comunidade em que está inserido, bem como suas 
demandas educacionais. Além da interação com sua equipe e com os conteúdos pedagógicos, 
metodológicos e curriculares, servindo de ponte no intuito de que o ensino e aprendizagem 
caminhem juntos de forma significativa na construção do conhecimento. 
É fato que a pobreza influencia na aprendizagem, mas não é a única responsável, os 
problemas são bem mais complexos e interferem direta e indiretamente na educação. As 
políticas educacionais não atendem satisfatoriamente as necessidades básicas de grande parte 
das escolas, empobrecendo o sistema educacional no que se refere aos subsídios necessários 
para o bom funcionamento das escolas. E é também sobre essa pobreza associada à 
educabilidade que esta pesquisa pretende refletir, com o intuito de identificar as principais 
contribuições que o pedagogo pode ter nesse processo, as possibilidades e limitações para a 
aprendizagem mesmo em condições adversas, a fim de minimizar o problema da falta de 
condições básicas necessárias para a aprendizagem escolar, tanto das crianças quanto das 
escolas. 
O artigo está organizado em 2 capítulos. No primeiro capítulo estuda-se a relação entre 
pobreza e educação, por meio da análise dos principais problemas e dificuldades encontrados 
dentro da escola no processo de educabilidade, a escola e seus desafios. No segundo capítulo 
discute-se a questão da escola, inclusão social e educabilidade, o papel da escola e da sociedade 
e a importância de ampliar o entendimento dos profissionais da educação, e até da família, sobre 
os problemas sociais, e de como estes podem ser considerados nas políticas curriculares e nos 
processos didáticos. 
O trabalho foi realizado através de pesquisa bibliográfica e documental. 
A relação entre pobreza e educação escolar 
A pobreza no seu sentido etimológico vem do latim probe, proueza (s. XIII) e significa 
“falta daquilo que é necessário à vida” (CUNHA, 2007). 
18673 
 
Quando o assunto é pobreza é comum associar a palavras como: fome, miséria, 
necessidade, falta de recursos financeiros, indigência. No entanto essas palavras isoladamentenão conceituam a pobreza. Esse tema é complexo e defini-lo não é uma tarefa simples. 
A definição de pobreza depende do contexto de determinada sociedade, ou seja, está 
relacionada aos seus recursos materiais, às políticas e desenvolvimento social e produtivo. De 
modo geral a redução da pobreza está relacionada a mudanças estruturais no sistema 
educacional que garantam acesso à educação de qualidade para todos. As diferenças 
educacionais entre os indivíduos gera uma desigualdade no mercado de trabalho, que gera 
desigualdade na renda, que resulta na persistência da pobreza entrando em um ciclo vicioso. 
Embora a pobreza seja um fenômeno complexo associado a muitas causas, está fortemente 
correlacionada ao baixo nível de escolaridade. A redução da pobreza e da desigualdade social 
passa pela democratização do ensino de qualidade. Desse modo, o segundo capítulo desta 
pesquisa pretende abordar a relação entre a pobreza e a educação (ROCHA, 2003). 
Estamos diante de uma sociedade capitalista em constante evolução social e tecnológica 
que se intensificou ainda mais com a globalização. Essa nova realidade tem gerado uma nova 
demanda na formação do cidadão principalmente com relação à qualificação profissional. 
Entretanto, se por um lado o desenvolvimento tecnológico substituiu o trabalho humano, 
aumentando o desemprego. Por outro, a tecnologia otimiza tempo, espaço e cria oportunidades, 
gerando portanto, a necessidade de um trabalho mais pensado. Em outras palavras, a força física 
trocada pelo raciocínio cria uma demanda de qualificação profissional. Sendo assim exige-se 
cada vez mais da educação buscando a qualificação necessária no desenvolvimento, e acima de 
tudo uma equalização no ensino de modo geral, no intuito de minimizar essa disparidade social 
crescente, em parte causada pela desigualdade nas condições da aprendizagem. De acordo com 
Gentili (2005, p. 11): 
A maneira como a escola trata a pobreza constitui uma avaliação importante do êxito 
de um sistema educacional. Crianças vindas de famílias pobres são, em geral, as que 
têm menos êxito, se avaliadas através dos procedimentos convencionais de medida e 
as mais difíceis de serem ensinadas através dos métodos tradicionais. Elas são as que 
têm menos poder na escola, são as menos capazes de fazer valer suas reivindicações 
ou de insistir para que suas necessidades sejam satisfeitas, mas são, por outro lado, as 
que mais dependem da escola para obter sua educação. 
Diante disto, discutem-se programas compensatórios na educação no intuito de melhorar 
a qualidade da educação pública. Entretanto é preciso atentar para algumas questões. 
Primeiramente, sabe-se que a falta de estrutura causada pela má distribuição de renda influencia 
negativamente a qualidade da aprendizagem. Tendo em vista que a maioria das escolas públicas 
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encontra-se com estruturas precárias, sem recursos físicos e financeiros necessários às praticas 
educacionais. Além da falta de incentivo aos profissionais da educação, gerando desmotivação 
e falta de condições para investir numa formação continuada, que vise um aperfeiçoamento da 
prática docente necessária para uma educação de qualidade. 
Há que se analisar também o currículo estabelecido para a educação que não leva em 
conta as diversidades sociais. Um currículo engessado e tradicional que busca uma excelência 
baseada nas práticas educacionais historicamente constituídas pelas classes mais altas, e que se 
torna ineficiente para o contexto educacional de uma classe menos favorecida. Entretanto o 
problema não está só na qualidade e nível do ensino, mas sim na forma que determina as 
condições do aluno pelas notas obtidas, através de uma avaliação hegemônica que não considera 
a evolução e conhecimentos diversos do educando. Nesse sentido a escola pública requer 
mudanças tanto no currículo quanto na avaliação com práticas que valorizem uma construção 
de conhecimento mais abrangente, considerando outros saberes e as múltiplas aprendizagens. 
Sobre o currículo, Paro (2007) reafirma a dimensão conteudista, em que a escola é vista como 
uma mera transmissora de conhecimentos e informações. 
Educação e pobreza são temas muito discutidos nos órgãos governamentais e na 
sociedade civil. Por um lado a educação como sendo fundamental para o futuro do país, por 
outro a pobreza como uma barreira para essa educação. Políticas sociais são criadas no intuito 
de minimizar a pobreza, que no Brasil são mais de 50% da população acima dos 10 anos (IBGE, 
2010). 
A educação se dá em diferentes espaços e a escola é um dos quais crianças pobres, têm 
mais acesso, sendo esta a principal forma de educação. O fato é que a escola precisa encarar a 
pobreza como uma realidade e que o sistema educacional deve empenhar esforços no sentido 
de tornar a aprendizagem possível e adequada às reais necessidades dos alunos. 
No entanto, há que se considerar que a educação, como escreve Connell (1995, p.12), 
“não é uma panaceia para a pobreza”, porém pode contribuir na formação de cidadãos mais 
conscientes, capazes de enxergar possibilidades de transformação de suas realidades. 
O sistema educacional era no início do séc. XX, de segregação, escola para ricos e escola 
para pobres. Após as lutas dos diferentes movimentos sociais as distâncias diminuíram, ou seja, 
a educação formal ficou mais acessível, com garantias legais. O direito à educação previsto no 
art.205 da Constituição Federal do Brasil de 1988, no art. 28 da convenção da ONU5, 1989, 
 
5 Disponível em http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10120.htm 
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sobre os direitos da criança e na LDB, 1996, Título III Do Direito à Educação e do dever de 
educar, representando igualdade de acesso e permanência para todos ainda não atinge a todas 
as classes. Crianças pobres, proletárias, de minorias étnicas continuam tendo desempenho 
inferior, maior probabilidade de reprovação e evasão escolar e menos chances de chegar à 
universidade. Essa afirmativa é a confirmação do chamado “ciclo de pobreza” no qual o baixo 
rendimento escolar leva ao fracasso no mercado de trabalho e à continuidade da pobreza na 
próxima geração (CONNELL, 1995). 
Entretanto não se pode afirmar que essas pessoas não tenham o mesmo interesse das 
outras em relação à educação. O fato é que quando da elaboração das políticas educacionais, os 
principais envolvidos, que são aqueles diretamente ligados aos fatos e teriam mais condições 
de colaborar para essas políticas não têm voz. Segundo Connell (1995, p. 20) o problema está 
em pensar que: “Dos professores/as espera-se que implementem as políticas públicas, não que 
as formulem. As pessoas pobres são definidas como os objetos dessas políticas, não como 
autoras da transformação social”. 
A escola como instituição representante de um relativo poder do Estado não pode se 
omitir diante de situações adversas livrando-se do problema, ou seja, é preciso admitir que 
necessite de mudanças nos métodos de trabalho, contribuindo dessa forma para que todos os 
alunos independentemente da situação econômica tenham condições de aprender e se 
desenvolver. 
Nesse sentido, o currículo é extremamente importante como estratégia de aproximação 
com a realidade dos alunos. O sucesso da metodologia utilizada pela escola é medido através 
do progresso dos alunos no currículo, que na maioria das escolas é mensurado através de provas 
e notas. Porém, esse método tradicional de ensino e de avaliação já está sendo questionado, pois 
ao impô-lo divide os alunos entre uma minoria bem sucedida e uma maioria fadada ao fracasso. 
É preciso transformar o modo tradicional de ensinar e de avaliar que ainda domina o cotidiano 
nas salas de aula (PARO, 2007). 
Segundo Connell (1995), é necessária uma mudança na forma como o conteúdo é 
ensinado em escolas em desvantagem, ou seja, ter um currículo mais negociado com mais 
participaçãodos alunos na prática da sala de aula, sendo o professor um articulador nesse 
processo. De fato, quando o aluno participa da aula com sugestões e ações a aprendizagem se 
torna mais significativa. Essa mudança implica não somente na maneira de ensinar o conteúdo, 
mas no próprio conteúdo. É a chamada “justiça curricular” segundo (CONNELL, 1995, p.32), 
que são as relações produzidas nos processos educativos e através deles, e que valorizam os 
18676 
 
conhecimentos e cultura de cada educando. Para que isso ocorra devem-se levar em 
consideração as estratégias, os objetivos, os meios e as condições políticas. 
O objetivo de pensar em mudança curricular, mudança na maneira de ensinar os 
conteúdos, fomentar a participação dos alunos nas decisões e ações é propiciar ao sujeito um 
ensino que lhe dê condições de pensar na sua situação, de modo que ele possa agir para melhorar 
essa condição. Propiciar meios para que o educando queira e possa aprender, pois só fazendo-
se sujeito ele aprende (PARO, 2007). 
Essa ideia vem de encontro ao atual sistema educacional que avalia de modo a colaborar 
com a competitividade, que só aumenta a desigualdade quando se trata de escolas com número 
significativo de pobres, ou seja, pessoas sem condições financeiras de igualdade no que diz 
respeito aos bens culturais e materiais. “Se quisermos que haja uma mudança na educação das 
crianças em situação de pobreza, temos que ver os/as professores/as como força de trabalho da 
mudança.” (CONNELL, 1995, p. 35). De fato os professores ocupam uma posição privilegiada 
no que diz respeito ao contato direto com o aluno. E isso possibilita que ele, mais que qualquer 
outra pessoa conheça as peculiaridades de cada aluno, tendo ele, condições de diagnosticar a 
real situação e onde e como intervir pedagogicamente no sentido de contribuir da melhor forma 
com a aprendizagem. 
Escola, inclusão social e educabilidade 
Segundo o sociólogo francês Robert Castel (1997 apud Gentili, 2007), existem três tipos 
de exclusão, a supressão completa de uma comunidade, os mecanismos de confinamento ou 
reclusão e finalmente o segregar incluindo. E é esta última que muito preocupa no âmbito da 
educação e vem crescendo temerariamente por se tratar de uma forma invisível de exclusão. 
Indivíduos incluídos socialmente, mas excluídos por falta de condições e que acabam passando 
despercebidos por se tratar de uma situação comum e rotineira que acabou banalizada. Pobres, 
desempregados, sem-teto, negros, índios, pessoas com necessidades especiais, meninos de rua, 
são tantos convivendo em meio à sociedade que esta realidade acaba sendo naturalizada por 
ela. (GENTILI, 2007). 
Discutem-se problemas de exclusão social e políticas que contornem esta situação, 
porém essa preocupação em resolver o problema, acaba mascarando uma realidade 
preocupante, a normalização dos olhares, tornando ainda mais difícil a compreensão das 
verdadeiras necessidades desta realidade tão presente. Encontrar pessoas em condições sub-
humanas já se tornou tão rotineiro que não causa mais tanta indignação, não por falta de 
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humanização, mas por ter se tornado algo comum. Entretanto, quando se trata de criar 
programas de ajuda todos se manifestam a favor demonstrando consciência do problema. Ou 
seja, uma realidade discutida, mas não percebida. 
Na escola não é diferente, ao longo dos últimos anos a educação atingiu alguns números 
positivos, como diminuição do índice de analfabetismo, reprovação e evasão. Políticas adotadas 
por consequência do desenvolvimento educacional, historicamente constituído, acabam por 
intensificar esta separação entre escolas, oferecendo uma educação pobre para os pobres, 
permitindo apenas à elite a possibilidade de acesso a uma educação de excelência. É a chamada 
“inclusão excludente”, que proporciona ao indivíduo acesso a escola sem garantia de qualidade. 
Uma segregação determinada a partir das dificuldades causadas pela falta de condições do aluno 
e estrutura da instituição. 
Todos têm a mesma capacidade de aprender, o que interfere são as condições sociais 
para esta aprendizagem, o contexto em que o indivíduo se encontra e sua realidade. Uma criança 
pobre que não tem acesso aos mesmos recursos que outra em melhores condições não vai se 
desenvolver da mesma forma, o que não quer dizer que não possa aprender o mesmo conteúdo. 
E é nesse sentido que a educação vem falhando, perpetuando a “escola para pobre” e “escola 
para a elite”. 
As condições para o desenvolvimento tanto na educação quanto em sua condição social, 
não devem somente ser proporcionadas e sim conquistadas pelo sujeito. Ou seja, é preciso 
entender e trabalhar as causas que levam a esta falta de condições, pois assim elas não tornarão 
a se repetir rompendo este ciclo vicioso. 
Sendo assim a escola como espaço privilegiado para formação e desenvolvimento do 
ser humano em sua totalidade, torna-se fundamental para conscientização e formação deste. 
Uma escola justa e democrática deve formar um sujeito crítico e consciente de sua realidade, 
apontando caminhos para que este possa intervir, mudar ou superar as condições adversas, 
criando possibilidades na busca das condições necessárias para uma vida digna. 
Desse modo o questionamento de Dubet (2004, p.540) sobre o que é uma escola justa 
complementa esta análise. Segundo ele: 
18678 
 
A definição do que seria uma escola justa é das mais complexas, ou mesmo das mais 
ambíguas, pois podemos definir justiça de diferentes maneiras. Por exemplo, a escola 
justa deve: - Ser puramente meritocrática, com uma competição escolar justa entre os 
alunos social e individualmente desiguais? - Compensar as desigualdades sociais, 
dando mais aos quem têm menos, rompendo assim com o que seria uma rígida 
igualdade? – Garantir a todos os alunos o que seria um mínimo de conhecimentos e 
competências? – Preocupar-se principalmente com a integração de todos os alunos na 
sociedade e com a utilidade de sua formação? – Tentar fazer com que as desigualdades 
escolares não tenham demasiadas consequências sobre as desigualdades sociais? - 
Permitir que cada um desenvolva seus talentos específicos, independentemente de seu 
desempenho escolar? 
Definir o que seria uma escola justa leva a contradições, pois ao mesmo tempo em que 
se considera que o ideal é uma escola democrática onde as conquistas são em função do mérito 
de cada um, ou seja, do seu esforço e talentos, também se fala em igualdade de condições e 
acesso dentro da escola, onde todos têm as mesmas oportunidades. 
A meritocracia escolar não diminui as desigualdades sociais, ao contrário, tende a 
evidenciar ainda mais, pois aquele sujeito que se encontra em situação de pobreza, que de uma 
forma ou de outra teve acesso à escola não tem garantido o seu sucesso, uma vez que a 
desigualdade social pode deixar marcas na trajetória escolar. Em outras palavras, os resultados 
escolares sempre farão parte das preferências no acesso, principalmente ao mercado de trabalho. 
De acordo com Dubet (2004), existem muitas dificuldades na concepção meritocrática 
de justiça escolar. Em resumo, primeiro as desigualdades entre as pessoas no que diz respeito 
às diferenças sociais que interferem no seu desempenho. Depois, as desigualdades entre os 
sexos onde os mais favorecidos têm vantagens decisivas e onde as condições sociais dos pais e 
o seu envolvimento com a educação dos filhos têm papel fundamental. A igualdade na oferta 
escolar ignorando as desigualdades sociais dos alunos, o que não ocorre, pois os socialmente 
privilegiados sempre serão beneficiados, inclusive com melhores cursos e professores mais 
motivados e experientes. Outro fator é a injustiça que ocorre devido ao “fracasso” de alguns 
alunos que aos olhos de muitos, deixam de serem vítimas e passam a ser vistos como 
responsáveis por esse fracasso, porque tiveram as mesmas chances dos outros, como 
consequênciaesses alunos perdem a autoestima e aumenta a exclusão social. O modelo 
meritocrático padroniza a competição submetendo todos os envolvidos às mesmas provas, e 
isso acaba evidenciando ainda mais as diferenças entre os alunos, alguns perdem, se desesperam 
e desanimam seus professores sendo deixados de lado e marginalizados com currículos 
diferenciados. 
18679 
 
 E por fim, o que é mérito? É algo que se conquista como consequência de virtudes 
herdadas? E quem não as herda? Acaso não têm direitos? É uma forma de ressaltar as virtudes 
ou de evidenciar as desigualdades? Que mérito é esse? 
“Nenhuma escola consegue sozinha, produzir uma sociedade justa” (DUBET, 2004, p. 
545). De fato, seria necessário um esforço coletivo com o propósito de equilibrar as 
desigualdades existentes dentro da escola, ou seja, encontrar uma forma de compensá-las, 
distribuindo melhor as vantagens e benefícios que estão ao alcance de poucos, como por 
exemplo, o acesso a bens culturais para todos. E a escola pode defender essa ideia sendo a porta 
voz daqueles que, por sua condição de mal posicionados em relação à escola, não o fazem, 
mesmo encontrando certa resistência por parte das elites que tiram vantagens do modelo 
meritocrático puro. 
Dubet (2004) também se refere a um mínimo de competências, abaixo do qual ninguém 
poderia ficar, por que, segundo Rawls (apud DUBET, 2004 p.546) “as desigualdades são 
aceitáveis, ou mesmo justas, quando não pioram as condições dos mais fracos”. Nesse sentido, 
“O sistema justo, ou menos injusto, não é o que reduz as desigualdades entre os melhores e os 
mais fracos, mas o que garante aquisições e competências vistas como elementares para os 
alunos menos bons e menos favorecidos” (DUBET, 2004, p.547). 
Porém o que se tem hoje como modelo (currículo) é um programa baseado no resultado 
que se espera que todos atinjam, visando a excelência de modo que alcancem o sucesso e níveis 
mais altos de escolaridade ignorando as diferenças individuais, e desse modo corroborando para 
a manutenção da desigualdade social. 
O modelo meritocrático, consequentemente, cria os “vencidos”, porém a escola precisa 
dar mais atenção a esses, pois, caso contrário estará fomentando na trajetória de muitos ao 
fracasso e até mesmo à delinquência. “Uma escola justa preservaria melhor a dignidade e a 
autoestima dos não tão bem sucedidos valorizando seus gostos e talentos, reafirmando o papel 
educativo da escola.” (DUBET, 2004). Por tanto, o modelo meritocrático ainda tem muito a ser 
melhorado para que se torne de fato um modelo de competição justo. 
Segundo Oliveira (2009), as políticas educacionais vêm atribuindo às escolas, novas 
funções sociais de caráter assistencial. O que coloca em questionamento seu papel de instituição 
educadora. Além do que a escola passou a determinar as condições de inserção social, grau de 
cidadania e relação com o trabalho e com o mundo. Constituindo-se como direito de todos e 
dever do Estado. Direito este muito questionado em sua consistência com relação às 
desigualdades sociais. A escola se implicada em uma função onde pequenas decisões sobre 
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conteúdos ou construção de conhecimentos, podem determinar o futuro dos sujeitos. Contudo 
não pode sozinha garantir seu papel com eficiência se a sociedade não colaborar garantindo os 
direitos básicos às pessoas, mas isso não significa que a escola deve ficar de braços cruzados, 
ao contrário, a sua função educativa precisa ser cumprida com a mesma eficácia. 
Algumas propostas no intuito de estabelecer referências comuns para as políticas 
educativas, envolvendo órgãos internacionais como o (PRELAC)6 e (UNESCO)7 abordam 
princípios educativos que devem: 
Passar da ênfase aos insumos e às estruturas a uma ênfase nas pessoas como agentes 
ativos, que através de sua própria prática produzem, modificam ou reproduzem as 
condições em que atuam. Assim, espera-se passar dos enfoques instrumentais a visões 
centradas no papel ativo das pessoas na constituição dos fenômenos sociais. 
Transcender a ideia de educação como mera transmissão de conteúdos e se estender 
como uma área consubstancial ao desenvolvimento integral das pessoas. 
Afirmar de modo crescente a necessidade de atender a diversidade deixando de lado 
os tratamentos homogêneos e homogeneizadores da população. 
Postular de modo crescente que a tarefa educativa é uma responsabilidade da 
sociedade em seu conjunto entendendo-a como uma sociedade educadora, 
transcendendo o foco exclusivo posto nas instituições educativas como espaços 
educativos (UNESCO, 2007 apud OLIVEIRA, 2009, p. 26). 
Uma proposta que busca atender exigências impostas pela crise na escola rompendo 
com os enfoques neoclássicos numa dimensão mais flexível em que os sujeitos tenham mais 
autonomia na construção de seus conhecimentos e assim sejam mais responsáveis por suas 
ações. Da mesma forma a educação deverá considerar que as pessoas são portadoras de 
individualidades. E por fim a transcendência da função educativa para fora da escola, no sentido 
de que esta não deverá ser mais instituição educativa por excelência reconhecendo a sociedade 
como tal. 
Esses focos têm orientando as políticas educativas em nosso país. Sendo assim Oliveira 
(2009) questiona até onde as responsabilidades antes atribuídas às instituições escolares, agora 
delegadas aos indivíduos e à sociedade não estariam desistitucionalizando a educação? Até que 
ponto a responsabilização das pessoas ou até dos docentes pelo sucesso ou fracasso dos 
processos educativos, sem que questões objetivas tenham sido resolvidas, não estaria 
contribuindo ainda mais para o enfraquecimento e banalização dos conhecimentos e títulos 
 
6 Projeto Regional de Educação para América Latina e Caribe – PRELAC. 
7 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. 
 
 
18681 
 
escolares? São questões que levam a reconsiderar, alguns pontos muito defendidos nos 
processos educacionais. Busca-se uma autonomia para o sujeito e uma educação significativa 
para este, atrelado a uma educação democrática e igualitária, entretanto há que se atentar para 
a qualidade desta educação, a partir do momento que esta deixa de ser centralizada na instituição 
escolar. A crise dentro dos muros da escola é um reflexo do que se passa fora deles, ou seja, 
apesar de manter suas regras e estruturas, a nova constituição da sociedade acabou por 
desautorizar a instituição como portadora única de conhecimentos, moral e valores, 
continuando apenas como responsável pela distribuição de conhecimentos socialmente 
valorizados. Sendo assim a escola não pode ser responsabilizada pela crise na educação a partir 
do momento em que não possui mais autonomia sobre os processos educacionais. 
Segundo documento do PRELAC (2007), o ponto de partida de políticas que traduzem 
um entendimento de educação de qualidade é aquele que garante o direito a educação, 
abordando aspectos vinculados à relevância da aprendizagem das pessoas, pertinência das 
experiências educativas e equidade educativa. 
Oliveira (2009) afirma que o enfoque do documento citado apresenta uma visão de uma 
educação supostamente fundamentada em uma perspectiva de direitos. Entretanto estas 
orientações não parecem as mesmas que orientaram a Declaração dos Direitos Humanos. As 
dimensões descritas pelo PRELAC demonstram que uma educação com qualidade e equidade 
tem sido cada vez menos uma educação pública que garanta igualdade de acesso. Tentativas 
frustradas de uma eficiência na educação sem a adequação necessária de condições colocam 
em risco toda a credibilidade do sistema educacional. Nesse sentido é preciso atentar para 
novas demandas e para que questões estruturais sejam reparadas como desequilíbrio na 
distribuição de renda, altos níveis de desigualdade social e os problemas delas decorrentes, tais 
como fome, violênciae desemprego. 
A busca de equidade e efetivação de políticas educacionais levou a uma realidade onde 
a permanência do aluno dentro da escola se sobrepõe às finalidades educativas. Ou seja, o 
acesso, permanência e evolução do aluno, no que diz respeito aos ciclos, são mais importantes 
do que uma educação de qualidade, que proporcione a este, condições para competir neste 
mundo capitalista, aumentando assim as desigualdades sociais. Apesar de este ser o ápice dos 
problemas da educação, percebe-se não é o único e que este é um universo muito complexo. 
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Considerações finais 
Este artigo teve como foco a educabilidade com reflexões sobre a pobreza, a escola e a 
aprendizagem e suas implicações. 
No primeiro capítulo vimos que o conceito de pobreza depende do contexto de 
determinada sociedade, podendo ser definida como absoluta e relativa. Para definir a linha de 
pobreza há que se atentar para o consumo que se espera da sociedade em questão, que não é 
padrão no país devido às especificidades de cada região. As diferenças regionais também 
demandam diferentes necessidades educacionais, que se supridas, diminuem as desigualdades 
sociais rompendo a herança da pobreza em muitas famílias. 
Abordou a questão da desigualdade social na escola, que foi intensificada devido a 
demanda tecnológica que exige cada vez mais qualificação do sujeito como um todo e 
consequentemente da escola, sendo necessário rever os programas compensatórios, o currículo 
e a avaliação. Sendo a escola um dos principais meios para a criança pobre educar-se, é fato 
que precisa tomar consciência e adequar-se a essa realidade. Ou seja, promover a “justiça 
curricular” e uma avaliação que não fomente a competitividade que só faz aumentar a 
desigualdade, bem como enxergar nos profissionais da educação uma força dessa mudança. 
No segundo capítulo fez considerações sobre a normalização dos olhares a respeito da 
condição dos “incluídos socialmente”, ou seja, pessoas que na teoria estão incluídas, porém as 
suas reais necessidades são invisíveis para a sociedade. É o que podemos chamar de “inclusão 
excludente”. Na escola, esse tipo de inclusão também ocorre quando coloca todos os alunos no 
mesmo patamar avaliativo que só contribui para a desigualdade social. Esse tipo de avaliação é 
característica do modelo meritocrático escolar que padroniza a competição desconsiderando as 
desigualdades sociais, beneficiando os socialmente privilegiados. Porém, a escola enquanto 
instituição formadora deve ter cautela no que diz respeito ao “olhar” para o aluno em condição 
social menos favorecida para não transformar a sua prática educativa em assistencialista. O 
papel que se espera da escola é o de formar cidadãos com autonomia para construir seu 
conhecimento e criticidade em relação à sua condição de modo a transformá-la, mesmo porque 
a educação ultrapassa os muros da escola. É o que podemos chamar de educabilidade. 
Tendo como base as reflexões feitas neste artigo pode-se concluir que a educação é um 
poderoso instrumento no desenvolvimento da pessoa, ela se dá em todos os setores da 
sociedade, a criança em situação de pobreza tem na escola uma chance de mudar sua condição, 
visto que a desigualdade social, muitas vezes, se torna uma barreira para a educabilidade. 
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A escola pode ser um agente de transformação desse cenário, voltando os olhares para 
a realidade do aluno fomentando essa mudança em cada um de seus educandos, com práticas 
educativas que possibilitem uma reflexão a cerca da própria condição e das possibilidades de 
transformação a partir de si próprio. 
Portanto é fundamental que todos os envolvidos no processo ensino/aprendizagem 
tenham consciência de que podem ser agentes de transformação de muitas realidades, dentro e 
fora da escola e cabe ao pedagogo ser a ponte nesse processo, direcionando os olhares, uma vez 
que, no espaço educativo ele é o principal articulador. 
E por fim salientamos que esta pesquisa não esgota as possibilidades de reflexão sobre 
a educabilidade. 
REFERÊNCIAS 
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9394/96. Brasília: 1996. 
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1988. Brasília, DF, Senado, 1988. 
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Neoliberalismo e a crise da escola pública. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. 
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de 
Janeiro: Lexion Editora Digital, 2007. 
DUBET, F. O que é uma escola justa? In: Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 123, p. 539-555, 
set./dez. 2004. 
GENTILI, P. Educar na esperança em tempos de desencanto / Pablo Gentili, Chico 
Alencar. – 7. Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. 
GENTILI, P. Pedagogia da exclusão: Neoliberalismo e a crise da escola pública. Petrópolis, 
RJ: Vozes, 1995. 
OLIVEIRA, Dalila Andrade. Crise da escola e políticas educativas. Belo Horizonte: 
Autêntica Editora, 2009. 
PARO, Vitor Henrique. 1945. Gestão escolar, democracia e qualidade do ensino. São 
Paulo: Ática, 2007. 
ROCHA. Sônia, Pobreza no Brasil: afinal, de que se trata? Rio de Janeiro: Editora FGV, 
2003.

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