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Consequências Econômicas de Erros e Eventos Adversos em Saúde

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Consequências Econômicas de Erros e Eventos Adversos em Saúde 
- O erro médico pode ser entendido e conceituado como “a conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir dano à vida ou agravo à saúde de outrem, mediante imperícia, imprudência ou negligência” (Gomes, Drumond & França, 2001 apud Mendonça & Marconi, 2016).
- “Uma falha no exercício da profissão, do que advém um mau resultado ou um resultado adverso, efetivando-se através da ação ou da omissão do profissional” (Giostri, 2002 apud Mendonça & Marconi, 2016).
- Juridicamente costuma-se afirmar que o erro médico é “a responsabilidade civil do médico, por eventuais danos causados ao paciente”.
- O Código de Ética Médica não traz nenhuma definição a respeito do tema. Mas encontra-se no art. 1º do Capítulo III que é vedado ao médico “causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável com imperícia, imprudência ou negligência” (Brasil, 2009 apud Mendonça & Marconi, 2016).
- Para o Organização Mundial da Saúde (OMS), a expressão evento adverso (EA) é definida como “qualquer efeito inesperado ou indesejável que ocorra com um paciente que tenha recebido um produto farmacêutico e que não necessariamente tenha relação causal estabelecida com esse tratamento” (Oliveira, J. et al., 2013)
- Para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) um Evento Adverso inclui “qualquer sinal desfavorável e não intencional (achados laboratoriais anormais, por exemplo), sintomas, ou doença temporariamente associada com o uso do medicamento” (Oliveira, J. et al., 2013).
- Diversos estudos foram realizados sobre o assunto.
Ciência econômica – “Os recursos são limitados e as necessidades inúmeras”.
- Consequências:
• Escolhas
• Tomada de decisões
• “Sacrificar” algumas necessidades a favor de outras.
Exemplos:
• Qual paciente intubar?
• Qual medicamento comprar?
• Investir a verba da saúde no atendimento básico ou especializado?
- “A economia é a ciência das escolhas, e a saúde não escapa a esta realidade”
As Arbitragens são Necessárias na Área da Saúde
- Os agentes que investem e financiam a saúde (Ex.: Estados, seguradoras, cidadãos) confrontam-se com orçamentos limitados.
- Alocação dos recursos entre diferentes terapias, programas de prevenção ou de promoção da saúde, entre profissionais, equipamentos, meios complementares de diagnóstico. Aumento das despesas em saúde ao longo das últimas décadas – Exemplo:
- Inúmeras pressões para que esse aumento continue
• emergência de novas tecnologias;
• expectativas altas da população;
• aumento dos preços e rendimentos;
• envelhecimento;
As Decisões são mais complexas na área da saúde do que em outras áreas
- Preponderância do setor público, que limita a possibilidade de “deixar o mercado decidir”;
- Multiplicidade de critérios de decisão
 eficiência, equidade, qualidade, responsiveness*, direitos humanos, etc.
- Dificuldade em quantificar custos e benefícios em saúde.
* responsiveness= responsividade
O conceito de responsividade nas pesquisas em saúde:
- Conceito, já utilizado na ciência política, diz respeito a quanto as ações governamentais atendem às expectativas e demandas da população.
- A OMS introduziu-o no campo da avaliação em saúde, como uma alternativa ao conceito de satisfação, para se referir aos elementos não-diretamente ligados ao estado de saúde.
- Seu fundamento está no pressuposto de que, além de promover e manter a saúde dos indivíduos, o sistema de saúde deve tratá-los com dignidade, facilitar sua participação nas decisões sobre os procedimentos de saúde, incentivar a comunicação clara entre profissional de saúde e usuário e garantir a confidencialidade do histórico médico (De Silva, 2000 apud Vaistsman, J. & Andrade, G., 2007).
A Avaliação Econômica em Saúde
- Técnicas de medição de custos e benefícios em saúde e a sua integração para produzir informação objetiva.
- Comparação de custos e benefícios de opções alternativas:
 terapêuticas, preventivas e organizativas
- Determinar a vantagem econômica de cada opção
- “Custo-Efetividade” (value for money).
- Normalmente se elege a opção que permita obter maiores ganhos em saúde pelo menor custo.
- A medição de custos é, de maneira geral, um instrumento de apoio às decisões na área da saúde.
- Especificamente em relação aos Eventos Adversos a medição dos custos é relevante por:
• Através da medição de sua prevalência demonstrar o peso econômico da doença para a sociedade.
• Permitir a comparação dos custos dos Eventos Adversos contra os da Aids, da malária, do tabagismo, da obesidade, para os quais já existe uma literatura relativamente abundante, em geral conhecida como “estudos de custo da doença” (cost-of-illness studies).
• Avaliar intervenções alternativas para reduzir os Eventos Adversos
• Comparar as intervenções com outras dentro da área da saúde.
Impacto dos Eventos Adversos mensuráveis no aumento da despesa de saúde- Estados Unidos
- Incluindo a má prática médica e os custos da medicina defensiva (exagero nos pedidos de exames e na prescrição de medicamentos), estima-se que cheguem a atingir entre 2 a 10% dos custos totais da saúde.
- De 50 a 250 bilhões de dólares em 2006
(Goodman et al. 2010 apud Sousa P. 2019).
- Há uma epidemia de erros médicos e infecções hospitalares que aumentam os custos da prestação de cuidados de saúde, causam sequelas e até mesmo a morte para muitos pacientes (Smith et al. 2012 apud Sousa P. 2019).
Resultados da Literatura Internacional 
Harvard Medical Practice Study (HMPS)
- Custos de saúde estimados para os EAs avaliados: 
 3,8 bilhões de dólares (Brennan et al. 1991; Leape et al. 1991).
- Impacto nacional de 50 bilhões de dólares.
 cerca de 13% do total das despesas de saúde nos EUA. 
- A metodologia do HMPS tem sido usada como referência em estudos posteriores dos EAs
Estudo Utah e Colorado - Thomas et al. (1999)
- Um segundo estudo, realizado por Thomas et al. (1999) no Utah e no Colorado, veio reforçar e evidenciar o impacto financeiro dos EAs.
- Metodologia semelhante à do HMPS • Amostra randomizada; 
- Revisão de 14.732 processos clínicos/prontuários de 28 hospitais
- Detectados 459 EAs, dos quais 265 eram evitáveis. 
- Os custos totais dos EAs foram de 661,9 milhões de dólares
- Nesse estudo as complicações pós-operatórias são o tipo de EA mais dispendioso e o mais evitável. 
- Seguido pelos eventos relacionados com medicamentos, diagnósticos incorretos ou tardios e os procedimentos médicos
- Os autores extrapolaram os resultados do estudo para um universo de 33 milhões de admissões hospitalares nos EUA (1993).
- Estimativa de 37,6 bilhões de dólares de custos decorrentes de EAs no país.
- Esse custo representaria 4% das despesas de saúde nos EUA em 1996
Extrapolação dos Custos
- Extrapolação é o cálculo aproximado do valor de uma função desconhecida, correspondente a um valor da variável situado fora do intervalo que contém os valores dessa variável, para os quais se conhece quanto vale a referida função.
- Por exemplo, calcular para um país os custos adversos tendo por base os custos decorrentes em dois hospitais (Sousa P. 2019).
Society of Actuaries Health Section (SAHS) EUA - 2008
- Objetivo: medir a frequência anual dos erros médicos e o impacto dos custos totais mensuráveis na economia americana.
- Incluem: o agravamento dos custos médicos, os custos relacionados com o aumento da
mortalidade e os custos relacionados com a perda de produtividade após a ocorrência de um erro.
Amostra: 564 mil EAs identificados e reclamados
Obs1.: Metodologia diferente do HMPS (utiliza base de dados das seguradoras)
- Taxa de EA: 7% na admissão (quase dobro de Thomas et al. (1999) e no HPMS)
- Erros médicos por negligência: 1,7% das admissões
- Número global anual de lesões médicas: estimado em 6,3 milhões de pacientes
- Custos relacionados com erros médicos: 19,5 bilhões de dólares (2008)
• 17,1 bilhões de custos diretos2
• 2,4 bilhões de custos indiretos
Obs2.: Custos diretos são aqueles aos quais é possível realizar a imputação direta a um determinadobem ou serviço produzido, por exemplo, o custo de uma medicação administrada.
- Os dez principais tipos de erros identificados neste estudo da SAHS representam 69% do total de EAs com maior impacto econômico.
- As úlceras de pressão e a infecção pós-operatória caracterizam-se por
serem os tipos de EAs mais elevados:
• Somam 7,5 bilhões de dólares
• Representam 38,6% dos custos totais
 Medicare* – Levinson (2010) - EUA • 
- Estudo que visava estimar a incidência nacional de EAs nos seu beneficiários hospitalizados, avaliar a evitabilidade dos eventos e estimar seus custos. 
• Taxa de incidência de EAs estimada: 13,5% dos beneficiários 
• 1,5% dos pacientes foram expostos a um evento que conduziu à morte. 
* Medicare é o sistema de seguros de saúde gerido pelo governo dos EUA e destinado às pessoas de idade igual ou maior que 65 anos ou que verifiquem certos critérios de renda
- Metodologia: amostra com 780 usuários que receberam alta hospitalar no mês de outubro de 2008 (diferente da HMPS).
- Importante: Os médicos determinaram que 44% dos EAs eram evitáveis. 
- Conclusão: Custos adicionais da Medicare associados aos EAs estimados em 324 milhões de dólares (3,5% dos custos totais com internação)
Resultados da Literatura Internacional União Europeia Na União Europeia (EU)
 estima-se que, nos seus Estados-membros (2009), entre 8% a 12% dos pacientes internados são vítimas de EA durante seu tratamento.
Deve-se destacar que França e Alemanha utilizaram metodologias distintas e de difícil comparação entre si e com outras pesquisas. A Holanda utilizou metodologia baseada no HMPS
Resultados da Literatura Internacional União Europeia – Portugal
- Estudo piloto de 2010 com base em processos clínicos/prontuários (metodologia similar ao HMPS)
 • 58,2% dos pacientes que sofreram EAs houve prolongamento dos dias de internação • Em média o prolongamento dos dias de internação foi de 10,7 dias 
• Consequências: custos adicionais, dificuldade na gestão de camas/leitos
Resultados da Literatura Internacional Canadá
Brasil
- Estudo de Travassos et al. (2010) - A magnitude financeira dos eventos adversos em hospitais no Brasil.
 Informações: disponíveis no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIHSUS) 
Os pacientes com EAs apresentaram tempo médio de permanência no hospital de 28,3 dias superior ao observado sem EAs. 
Extrapolados os dados para o total de internação nos dois hospitais, os eventos adversos implicaram gastos de aproximadamente 1,2 milhões de Reais, que representou 2,7% do reembolso total (SUS). 
Conclusão: O estudo mostrou que os danos ao paciente decorrentes do cuidado à saúde têm expressivo impacto nos gastos hospitalares e apontou várias razões para supor que os resultados apresentados estejam subestimados.
Como medir os custos? E que custos medir? Algumas dificuldades metodológicas • 
- Nos últimos 20 anos foram realizados inúmeros estudos para avaliar o impacto clínico dos EAs
- Entretanto só recentemente se deu importância ao impacto econômico desses eventos.
- Como consequência existem poucos estudos com estimativas do impacto dos custos adicionais dos EAs nos hospitais.
- Fora dos hospitais, como por exemplo nos cuidados de saúde primários, existem um número ainda menor de estudos. 
- Os estudos comprovam que as lesões decorrentes dos EAs aumentam substancialmente os custos dos cuidados da saúde. 
- Entretanto existe uma discrepância quanto aos métodos utilizados para estimar os custos associados aos EAs.
- A ausência de uma metodologia comum dificulta a comparação, e para a mesma população podem produzir resultados diferentes. 
- A literatura revela a falta de consenso sobre que variáveis de custo devem ser medidas e não apresenta os custos de um programa para reduzir a incidência das EAs. 
- Os estudos realizados normalmente priorizam os resultados sobre o “custo da doença” em detrimento da avaliação econômica de estratégias alternativas para reduzir os EAs
Considerações Finais 
- A revisão da literatura demonstra que o efeito “bola de neve” dos eventos adversos tem importantes consequências econômicas.
 - Os custos dos EAs representam uma porcentagem significativa das despesas hospitalares. 
- Em um contexto de crise econômica e de necessidade de contenção de custos, a importância econômica dos EAs não pode, e nem deveria, ser negligenciada. 
- O aumento dos prêmios de seguro de saúde, provocado pela litigância médica, a medicina “defensiva” e a ausência de políticas e investimentos para reduzir a ocorrência de EAs são fatores que determinam esse efeito “bola de neve”. 
- O desenvolvimento da indústria farmacêutica acelerou esses efeitos, estimando-se que por cada dólar gasto em medicamentos de ambulatório, um dólar é gasto para tratar os novos problemas de saúde causados pela medicação (Kumar, Steinebach 2008 apud Sousa P. 2019)
- A ocorrência de EAs, com consequente lesão ou dano aos pacientes é um problema mundial com impacto elevado nas despesas de saúde e a nível social. 
- Pode-se inferir que no Brasil o quadro não é diferente. Talvez até mais serio pela escassez de recursos 
- A avaliação econômica pode também contribuir para determinar quais alternativas para combater os EAs devem ser adotadas, por meio da comparação dos seus custos e benefícios. 
- Estratégias identificadas na literatura para reduzir a incidência de eventos adversos: - Atitudes individuais (ex.: treinamentos, conscientização) - Gestão ao nível das equipes - Mudanças organizacionais
- Mecanismos identificados para implementação das estratégias para reduzir a incidência de eventos adversos: 
· Investir na formação dos profissionais
· Técnicas de avaliação do desempenho 
· Colaborações multiprofissionais 
· Incentivos financeiros
· Intervenções dos pacientes 
- A avaliação econômica acrescenta a dimensão dos custos e do “valor” agregado das medidas de prevenção. 
- Infelizmente a aplicação da avaliação econômica às estratégias de intervenção para redução doas EAs é ainda insipiente

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