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11 Micronutrientes: Vitaminas e Minerais M.H. Dominiczak I. Broom OBJETIVOS Após concluir este capítulo, o leitor estará apto a: Descrever as vitaminas hidrossolúveis e lipossolúveis. Discutir as ações e fontes vitamínicas. Discutir os sinais e sintomas das deficiências vitamínicas. Descrever o papel dos oligoelementos no metabolismo. INTRODUÇÃO Muitas vitaminas e oligoelementos são nutrientes essenciais. Deficiências de micronutrientes levam a síndromes clínicas específicas. Elas podem ser causadas por desnutrição ou se manifestam durante doenças. Elas estão intimamente ligadas às síndromes de má absorção e podem também ocorrer como resultado de complicações de cirurgias no trato gastrointestinal. Deficiências múltiplas de micronutrientes são muito mais comuns que deficiências isoladas. Este capítulo deve ser lido em conjunto com o capítulo 22. A maioria das vitaminas age como coenzimas, por exemplo, a riboflavina nas reações de oxidorredutase e a biotina nas reações de carboxilação. Classificamos as vitaminas em lipossolúveis e hidrossolúveis. As vitaminas lipossolúveis são as vitaminas A, D, E e K, e as vitaminas hidrossolúveis são as vitaminas B1, B2, B3, B5, B6, B12, folato, biotina e vitamina C. Muitos oligoelementos são também nutrientes essenciais Muitos dos oligoelementos, por exemplo, zinco, manganês e magnésio, são grupos prostéticos de metaloenzimas. Essas enzimas, por sua vez, perdem suas funções biológicas sem seus grupos prostéticos. Alguns oligoelementos como cádmio, mercúrio e alumínio podem ser encontrados na cadeia alimentar e são citotóxicos. Outros oligoelementos essenciais, por exemplo, o cobre e o manganês, podem ser tóxicos em excesso. Recomenda-se a ingestão de oligoelementos e vitaminas a fim de prevenir o desenvolvimento de patologias. As necessidades vitamínicas dependem, de certa forma, da ingestão de macronutrientes (Cap. 22). A desnutrição está geralmente associada a deficiências nutricionais múltiplas A avaliação dos níveis corporais dos micronutrientes é difícil por várias razões. A medidas das concentrações de vitaminas hidrossolúveis circulantes são inapropriadas, porque esses níveis se relacionam com a ingestão recente e não refletem o estado corporal geral. A medida das atividades das enzimas associadas às vitaminas particulares tem sido sugerida como a avaliação mais apropriada. Isso é geralmente realizado em testes de estimulação, ou seja, aqueles em que a atividade de uma enzima é medida na ausência e na presença da vitamina. A deficiência vitamínica é reconhecida se a atividade da enzima estiver aumentada na presença da vitamina. Existem também problemas com a interpretação das concentrações circulantes das vitaminas lipossolúveis. Elas estão associadas à gordura corporal e são frequentemente armazenadas nos tecidos, com concentrações circulantes mantidas relativamente constantes: por exemplo, a vitamina A é armazenada no fígado e é transportada no plasma por proteínas ligantes específicas. Um decréscimo dos níveis de um nutriente no sangue ou plasma não indica necessariamente uma deficiência pode ser simplesmente reflexo de uma resposta metabólica ao estresse ou uma mudança no estado fisiológico, tal como a gravidez. Da mesma maneira, as concentrações circulantes dos oligoelementos têm pouca relação com o estado nutricional. Para a avaliação de toxicidade dos oligoelementos, outros tecidos além do sangue devem ser analisados antes que um diagnóstico de envenenamento por metal seja feito. VITAMINAS LIPOSSOLÚVEIS As vitaminas lipossolúveis são armazenadas nos tecidos As vitaminas lipossolúveis não são absorvidas ou extraídas da dieta tão prontamente quanto as vitaminas hidrossolúveis; todavia, quantidades consideráveis são armazenadas nos tecidos. Com exceção da vitamina K, elas não atuam como coenzimas. As vitaminas A e D se comportam mais como hormônios. Observe que a vitamina A e a vitamina D, mas não as vitaminas E e K, podem ser tóxicas em excesso. Vitamina A “Vitamina A” é um termo genérico utilizado para definir três compostos: retinol, retinal e ácido retinoico, todos encontrados em animais. O mais ativo desses derivados é o ácido retinoico. O termo “retinoides” tem sido usado para definir essas três substâncias, como outros compostos sintéticos associados com atividades semelhantes à vitamina A. A pró-vitamina da vitamina A é o β-caroteno, encontrado nos alimentos vegetais. No intestino delgado, o β-caroteno é hidrolisado e convertido em todo-trans-retinal pela ação da β-caroteno dioxigenase. O metabolismo subsequente realizado nos enterócitos produz retinol e ácido retinoico (Fig. 11.1), que são transportados para o fígado para armazenamento. Fig. 11.1 Estrutura, metabolismo e função da vitamina A. A conversão do retinaldeído a ácido retinoico é irreversível (Cap. 40). A vitamina A é armazenada no fígado e precisa ser transportada aos seus locais de ação A vitamina A é armazenada no fígado na forma de retinol e ésteres de retinol (palmitato de retinol) e ligando-se às proteínas citosólicas de ligação do retinol (CRBP, do inglês cytosolic retinol- binding proteins). O retinol é excretado pelo fígado ligado à proteína sérica de ligação ao retinol (RBP, do inglês retinol binding protein ). Considera-se que o ácido retinoico seja transportado tanto para as células ligado à albumina quanto para a proteína específica de ligação ao ácido retinoico (RABP, do inglês retinoic acid-binding protein ). O retinol é captado pelas células por um receptor de membrana. O ácido retinoico é uma molécula sinalizadora que interage com fatores de transcrição ativados por ligantes, os receptores retinoides nucleares. Os receptores de ácidos retinoides (RAR, do inglês retinoid acid receptors ) se ligam aos isômeros todo-trans e 9-cis do ácido retinoico, enquanto os chamados receptores rexinoides (RXR) se ligam somente ao isômero 9-cis. Esses receptores podem formar heterodímeros. Receptores do tipo RXR podem também interagir com outros receptores nucleares, como aqueles da vitamina D3, hormônios tireoidianos e receptores ativados por proliferadores de peroxissomos (PPARs, do inglês peroxisome proliferator-activated receptors ). O ácido retinoico também tem um papel no crescimento e desenvolvimento do sistema nervoso central. Vegetais verde-escuros e amarelos são boas fontes de β-ca-roteno. A conversão dos carotenoides em vitamina A é raramente 100% eficiente, e a potência dos alimentos é descrita em equivalentes de retinol (RE: 1 RE é igual a 1 mg de retinol ou 6 mg de β-caroteno ou, ainda, 12 mg de outros carotenos). As reservas hepáticas suprem as necessidades por aproximadamente um ano. Fígado, gema de ovo, mateiga e leite são boas fontes de vitamina A. A deficiência de vitamina A se apresenta como cegueira noturna O pigmento visual rodopsina é encontrado nos bastonetes da retina e é formado pela ligação do 11-cis-retinal à apoproteína opsina. Quando a rodopsina é exposta à luz, ela é clareada, e o retinal se dissocia, sendo isomerizado e reduzido a todo-trans-retinol (Fig. 11.1). Essa reação é acompanhada por uma mudança conformacional da molécula que produz um impulso nervoso percebido pelo cérebro como luz (Cap. 41). Os bastonetes são responsáveis pela visão com pouca luz. A deficiência de vitamina A se apresenta como visão noturna anormal ou cegueira noturna. A vitamina A também influencia o crescimento e a diferenciação das células epiteliais; dessa forma, a deficiência produz epitelização anormal e xeroftalmia (queratinização da córnea). A deficiência severa da vitamina A leva à queratinização progressiva da córnea e à cegueira permanente, sendo a causa mundial mais comum de cegueira. A deficiência subclínica de vitamina A pode deixar o indivíduo mais suscetível a infecção. A deficiência ocorre principalmente nos países em desenvolvimento, mas também é bastante comum em pacientes com doença hepática grave ou má absorção lipídica. Vitamina A em excesso é tóxica A vitamina A é tóxica em excesso, com sintomas que incluemdor óssea, perda de cabelo, dermatite, hepatoesplenomegalia, náusea, vômito, visão dupla, dor de cabeça e diarreia. É impossível desenvolver toxicidade por vitamina A a partir da ingestão normal de alimentos; no entanto, a toxicidade pode ser resultado do uso de suplementos de vitamina A. O aumento da ingestão de vitamina A também está associado a teratogenicidade e deve ser evitado durante a gravidez. Vitamina D A vitamina D (calcitriol) é um hormônio propriamente dito. A ingestão de vitamina D faz-se necessária apenas em condições em que a exposição à luz solar é inadequada; ela é a única vitamina que não é usualmente necessária na dieta. Ela faz parte, na verdade, de um grupo muito próximo de esteróis e é produzida pela ação da luz ultravioleta (comprimento de onda de 290-310 nm) sobre provitaminas (ergosterol em plantas e 7-deidrocolesterol em animais; Fig. 11.2). O 7-deidrocolesterol é sintetizado no fígado e encontrado na pele. Os produtos da reação fotolítica são ergocalciferol (vitamina D2) e colecalciferol (vitamina D3), respectivamente. Eles são equipotentes. Ambos são convertidos em uma série de derivados hidroxilados. No fígado a hidroxilação ocorre na posição 25, produzindo o 25-hidroxicolecalciferol (25(OH)D3; calcidiol) e posteriormente nos rins, ocorre uma outra hidroxilação na posição 1, produzindo o composto ativo 1α-,25-di-hidroxicolecalciferol (1,25(OH)2D3; calcitriol). Os detalhes do metabolismo da vitamina D são descritos no capítulo 25. Fig. 11.2 Estrutura, função e metabolismo da vitamina D. PTH, hormônio da paratireoide; DBP, proteína de ligação da vitamina D. A maior parte da ingestão da vitamina D se dá através da ingestão de leite e outros alimentos enriquecidos. Óleo de peixe, gema de ovo e fígado também são ricos em vitamina D. Insuficiente luz solar e metabolismo elevado da vitamina D devido a baixa ingestão ou absorção de cálcio podem levar à deficiência vitamínica. As demandas nutricionais de vitamina D são maiores no inverno devido aos menores tempos de exposição à luz solar. A deficiência de vitamina D produz raquitismo em crianças e osteomalácia em adultos O raquitismo é caracterizado por ossos moles e flexíveis causado por uma mineralização defeituosa devido à deficiência de cálcio. Ocorre também o arqueamento característico das pernas e a formação do rosário raquítico em torno das junções costocondrais. No adulto, ocorre a desmineralização dos ossos preexistentes, aumentando a suscetibilidade a fraturas. A deficiência de vitamina D é também caracterizada por baixas concentrações circulantes de cálcio e aumento da atividade da fosfatase alcalina no soro (Cap. 25). A vitamina D em excesso é tóxica O excesso de vitamina D causa absorção de cálcio aumentada e reabsorção óssea, levando a hipercalcemia e deposição metastática de cálcio. Existe também uma tendência a desenvolver pedras nos rins devido à hipercalciúria secundária à hipercalcemia. Vitamina E A vitamina E da dieta é uma mistura de diversos compostos chamados tocoferóis. Noventa por cento da vitamina E presente nos tecidos humanos está na forma do isômero natural, α-tocoferol (Fig. 11.3). As fontes naturais mais ricas de vitamina E são os óleos vegetais e as sementes. No folclore europeu, a vitamina E foi associada à fertilidade e à atividade sexual. Isso é certamente verdade em outras espécies animais, nas quais a vitamina E tem um papel na produção de espermatozoides e na implantação do óvulo, mas não é o caso da espécie humana. Fig. 11.3 Estrutura da família da vitamina E (tocoferóis). R1-R3 podem ser metilados em uma variedade de combinações. A cadeia lateral de poliisoprenoide ocorre no R4; Me, metil. A vitamina E é um antioxidante de membrana A vitamina E é o antioxidante natural mais abundante e, devido à sua lipossolubilidade, está associada a todas as estruturas que têm lipídios presentes em sua composição: membranas, lipoproteínas e depósitos de gordura (Fig. 37.9). Ela é absorvida da dieta com outros componentes lipídicos e não existe uma proteína transportadora específica. Na circulação, está associada às lipoproteínas. A má absorção de gorduras reduz os níveis de vitamina E da gordura corporal e, após um período prolongado, sintomas neurológicos relacionados à privação da vitamina E têm sido relatados. A baixa ingestão de vitamina E durante a gravidez e por recém-nascidos pode levar à deficiência vitamínica. Isso é geralmente encontrado apenas em prematuros alimentados com fórmulas lácteas com baixo conteúdo de vitamina E. A deficiência de vitamina E em prematuros causa anemia hemolítica, trombocitose e edema. Existe pouca evidência confirmando a toxicidade por vitamina E em excesso. Vitamina K A vitamina K é necessária para a coagulação sanguínea A vitamina K faz parte de um grupo de substâncias nas quais o número de unidades de isoprenoides varia em sua cadeia lateral. Da mesma forma que a vitamina E, a absorção da vitamina K depende da absorção apropriada de gorduras. A estrutura, a nomenclatura e as fontes da vitamina K estão resumidas na Figura 11.4. A vitamina K circula como filoquinona, e suas reservas hepáticas estão na forma de menaquinonas. Ela é necessária para as modificações pós traducionais de várias proteínas (fatores II, VII, IX e X) na cascata de coagulação (Fig. 7.3). Todas essas proteínas são sintetizadas pelo fígado como precursores inativos e são ativadas pela carboxilação de resíduos específicos de ácidos glutâmicos (Glu) por uma enzima dependente de vitamina K (Fig. 11.5). A protrombina (fator II) contém 10 desses resíduos carboxilados e todos são necessários nessa proteína para a quelação específica de íons Ca2+ durante sua função na coagulação. Recentemente, outras proteínas contendo resíduos Glu dependentes de vitamina K, como a osteocalcina, foram identificadas nos tecidos. A vitamina K é amplamente distribuída na natureza: suas fontes dietéticas são vegetais de folhas verdes, frutas, laticínios, óleos vegetais, carnes e cereais. Fig. 11.4 Estrutura das diferentes formas de vitamina K. Fig. 11.5 Carboxilação dos resíduos de glutamato mediada pela vitamina K. Essa reação produz resíduos carboxilados, os quais são necessários para a quelação do Ca2+. A deficiência de vitamina K causa distúrbios na coagulação sanguínea A produção de vitamina K pela flora intestinal garante que a deficiência não ocorrerá no homem. No entanto, deficiências raras podem se desenvolver naqueles com doença hepática ou má absorção de gorduras, ou em recém-nascidos, e está associada com distúrbios na coagulação sanguínea. Crianças prematuras estão especialmente em risco e podem apresentar a doença hemorrágica do recém-nascido. A transferência placentária de vitamina K materna para o feto é ineficiente. Imediatamente após o nascimento, a concentração circulante diminui. Normalmente, ela se recupera pela absorção de alimentos, mas isso pode ser demorado em prematuros. Além disso, o trato intestinal do recém- nascido é estéril e, dessa forma, por vários dias após o nascimento não haverá fonte de vitamina K, que será fornecida posteriormente pela microflora intestinal. Inibidores da ação da vitamina K são potentes drogas antitrombóticas Inibidores específicos das carboxilações, as quais são dependentes de vitamina K, são usados no tratamento de doenças relacionadas à trombose, por exemplo, nos pacientes com trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar, ou naqueles com fibrilação atrial com risco de trombose. Essas são as drogas do grupo dos dicumarínicos, por exemplo, a warfarina, que inibe a ação da vitamina K. Essa droga também é usada como veneno de rato, e a vitamina K é, portanto, o antídoto para a intoxicação humana por esse agente. VITAMINAS HIDROSSOLÚVEIS Vitaminas do complexo B As vitaminas do complexo B atuam como coenzimas em várias vias metabólicas Com exceção da vitamina B12, o corpo não possui capacidade de armazenar as vitaminas hidrossolúveis. Consequentemente, todas as vitaminas hidrossolúveis devem ser regularmenteobtidas através da dieta. Todo o excesso dessas vitaminas é excretado pela urina. Ao contrário das vitaminas lipossolúveis, não apresentam toxicidade se ingeridas em excesso. As vitaminas do complexo B são essenciais ao metabolismo normal e funcionam como coenzimas em várias reações. As vitaminas do complexo B e suas deficiências estão listadas na Figura 11.6. Os pacientes geralmente apresentam múltiplas deficiências; deficiência causada pela falta de uma única vitamina do complexo B é rara. Fig. 11.6 Estrutura, fontes e doenças causadas por +deficiências das vitaminas +do complexo B. Tiamina (vitamina B1) A tiamina é essencial para as reações de descarboxilação A tiamina, em sua forma ativa como tiamina-pirofosfato, é essencial para reações de descarboxilação, para algumas reações catalisadas por transferases e para o metabolismo energético normal dos carboidratos. A tiamina é necessária para a reação da transcetolase na via da hexose monofosfato (Cap. 12). Embora as vias que exijam tiamina sejam bem estabelecidas, suas falhas nos estados de deficiência e os seus sinais e sintomas de deficiência não são claramente relacionados. A deficiência de tiamina está associada ao alcoolismo Os sintomas iniciais da deficiência de tiamina são perda de apetite, constipação e enjoo. Eles podem progredir para depressão, neuropatia periférica e tremores, os últimos relacionados com a disfunção da célula nervosa. A deterioração adicional dos níveis de tiamina resulta em confusão mental (perda da memória recente), ataxia e perda da coordenação ocular. Essa combinação, geralmente vista em pacientes alcoólatras, é conhecida como psicose de Wernicke-Korsakoff. A deficiência severa de tiamina resulta em beribéri, ou “seca” (sem retenção de fluidos) ou “úmida” (associada à insuficiência cardíaca com edema). O beribéri é caracterizado primariamente por sintomas neuromusculares e ocorre em populações que contam apenas com arroz polido como alimento. O beribéri “úmido” é particularmente associado ao alcoolismo. Os sinais e sintomas da deficiência podem ser vistos nos idosos e nos grupos de baixa renda com dieta pobre em vitaminas. Os testes usados para detectar os níveis de tiamina incluem a medida da transcetolase eritrocitária e a medida direta, através da cromatografia líquida de alta pressão. Quanto maior a ingestão calórica, maior a necessidade de vitaminas do complexo B As doenças associadas com alta necessidade calórica requerem maior ingestão de tiamina e de outras vitaminas do complexo B. O aumento do fornecimento calórico, em particular de carboidratos, exige quantidades maiores de vitaminas do complexo B. Dessa forma, é possível que o beribéri se desenvolva em dietas ricas em carboidratos. Riboflavina (vitamina B2) A riboflavina está associada às oxidorredutases A riboflavina está ligada ao açúcar álcool ribitol. A molécula é colorida, fluorescente, fotolábil e termoestável. É encontrada em oxidorredutases como flavina mononucleotídeo (FMN) e flavina adenina dinucleotídeo (FAD), e é necessária ao metabolismo energético tanto de açúcares quanto de lipídios (Cap. 9). A ativação da riboflavina ocorre via sistema enzimático dependente de ATP, resultando na produção de FMN e FAD. A falta de riboflavina na dieta causa uma síndrome de deficiência com inflamação dos cantos da boca (estomatite angular), inflamação da língua (glossite) e dermatite de descamação, além de algum nível de fotofobia. Por causa de sua sensibilidade luminosa, a deficiência de riboflavina pode ocorrer em recém-nascidos com icterícia, os quais são tratados com fototerapia. O hipotireoidismo também afeta a conversão de riboflavina em FMN e FAD. As medidas da atividade da glutationa redutase eritrocitária são usadas para determinar os níveis de riboflavina. Niacina (vitamina B3) A niacina é necessária para a síntese de NAD+ e NADP+ A niacina é um nome genérico para o ácido nicotínico ou nicotinamida e ambos são nutrientes essenciais. A niacina é uma parte ativa da coenzima nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+) e nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADP+), os quais participam das reações da oxidorredutase. A forma ativa da vitamina necessária para a síntese de NAD+ e NAPD+ é o nicotinato, e portanto a nicotinamida deve ser desaminada antes de tornar-se disponível para a síntese dessas coenzimas. A niacina pode ser sintetizada a partir do triptofano e, portanto, não é uma vitamina propriamente dita. A conversão é, entretanto, muito ineficiente e não consegue suprir quantidades suficientes de niacina. Além disso, a conversão requer tiamina, piridoxina e riboflavina, e em dietas pobres tal síntese seria problemática. As exigências de niacina estão também relacionadas com o gasto energético. A deficiência severa de niacina ocasiona dermatite, diarreia e demência A deficiência de niacina inicialmente produz glossite superficial, mas pode progredir para pelagra, que é caracterizada por dermatite, lesões de pele semelhantes a queimaduras solares nas áreas corporais expostas ao sol e a pressão, além de diarreia e demência. A pelagra é fatal, se não tratada. Algumas drogas, como por exemplo a droga anti-tuberculose isoniazida, predispõe à deficiência de niacina. Altas doses de niacina podem causar hepatotoxicidade, que é reversível com a retirada da vitamina. No mundo moderno, a pelagra é considerada uma raridade médica.* Piridoxina (vitamina B6) A piridoxina é importante para o metabolismo dos aminoácidos A vitamina B6 é uma mistura de piridoxina, piridoxal, piridoxamina e seus 5′-fosfatos. A piridoxina é a principal forma da vita-mina B6 na dieta, e o fosfato de piridoxal é a forma ativa da vitamina. O piridoxal fosfato participa como cofator no metabolismo dos aminoácidos e também na reação da fosforilase do glicogênio (Fig 19.2). Todas as formas da vitamina são absorvidas pelo intestino, e durante esse período ocorre alguma hidrólise dos fosfatos. A maioria dos tecidos, no entanto, contêm a piridoxal quinase, que ressintetiza as formas fosforiladas necessárias para síntese, metabolismo e interconversão dos aminoácidos (Cap. 19). A piridoxina também é necessária para a síntese dos neurotransmissores serotonina e noradrenalina (Cap. 42 e quadros da pág. 589), além da síntese de esfingosina, um componente da esfingomielina e dos esfingolipídios (Cap. 27). A piridoxina também é necessária para a síntese do grupamento heme (Cap. 29). A necessidade de vitamina B6 aumenta com a ingestão elevada de proteínas Por causa de seu papel no metabolismo dos aminoácidos, as necessidades diárias de vitamina B6 aumentam com o aumento da ingestão de proteínas. A deficiência de vitamina B6, em sua forma mais branda, causa irritabilidade, nervosismo e depressão, progredindo na deficiência severa para neuropatia periférica, convulsões e coma. A deficiência severa está associada também à anemia sideroblástica. A droga isoniazida, por se ligar à piridoxina, bem como a pílula contraceptiva, por aumentar a síntese das enzimas que requerem a vitamina, podem antecipar a deficiência vitamínica. A neuropatia periférica está também associada ao tratamento com isoniazida. O debate em relação à pílula contraceptiva continua, mas geralmente se aceita que haja um aumento na necessidade de ingestão de piridoxina. A avaliação dos níveis de piridoxina é baseada na medida dos níveis da enzima aspartato aminotransferase eritrocitária. Biotina A biotina é importante para as reações de carboxilação A biotina é normalmente sintetizada pela flora intestinal. Ela funciona como coenzima em complexos multienzimáticos envolvidos nas reações de carboxilação (Fig. 14.4). Ela é importante na lipogênese, na gliconeogênese e no catabolismo de aminoácidos de cadeias ramificadas. A maior parte da necessidade de biotina no organismo é suprida a partir de sua síntese pelas bactérias intestinais. O consumo de ovos crus pode causar deficiência de biotina, uma vez que a proteína da clara do ovo (avidina), se liga à biotina, impedindo sua absorção. Curiosamente,certas deficiências hereditárias isoladas ou múltiplas das enzimas carboxilases podem também levar à síndrome de deficiência de biotina aparente. Os sintomas da deficiência de biotina incluem depressão, alucinações, dor muscular e dermatite. Crianças com múltiplas deficiências das enzimas descarboxilases também exibem imunodeficiência. Ácido pantotênico O ácido pantotênico é uma parte da molécula de coenzima A (CoA) O ácido pantotênico é amplamente encontrado em animais e plantas. Não há evidência de deficiência no homem, exceto em dietas experimentais. Ácido fólico Os derivados do ácido fólico são importantes nas reações de transferência de um único átomo de carbono O ácido fólico (ácido pteroil glutâmico) tem um número de derivados conhecidos coletivamente como folatos. Ele participa em reações de transferências de um único átomo de carbono, por exemplo, as reações de metilação, importantes tanto no metabolismo quanto na regulação da expressão gênica, em múltiplas vias, incluindo a síntese de colina, serina, glicina, metionina e ácidos nucleicos. A deficiência de folato contribui para a hiper-homocisteinemia, a qual foi associada com o aumento do risco de doença cardiovascular. O ácido fólico é fisiologicamente inativo até ser reduzido a ácido di- hidrofólico. Suas formas principais são tetraidrofolado, 5-metil-tetraidrofolato (N5MeTHF) e N10- formiltetraidrofolato-poliglutamato derivado do 5MeTHF, encontrado predominantemente nos alimentos frescos. Antes dos poliglutamatos poderem ser absorvidos, eles devem ser hidrolisados pela glutamil hidrolase (conjugase) no intestino delgado. A principal forma circulante de folato é o monoglutamato N5-THF. Polimorfismos associados com variantes do gene da 5,10- metilenotetraidrofolato redutase, uma enzima-chave no metabolismo do folato, estão associados a doenças como câncer de cólon, espinha bífida e leucemia linfocítica aguda nos adultos. O ácido fólico é necessário para a síntese de DNA Células em rápido processo de divisão têm maior necessidade dessa vitamina, já que exercem importante função na síntese de timina das purinas e pirimidinas, as quais são necessárias para a síntese de DNA (Cap. 31 e quadro da pág. 411). Com base na toxicidade seletiva que ocorre em células de crescimento rápido, por exemplo nas células bacterianas e cancerosas, essa função do folato foi a principal base para o desenvolvimento de análogos estruturais de folato (antagonistas do ácido fólico), os quais são utilizados como antibióticos (p ex., trimetoprima e agentes anticancerígenos (metotrexato). O ácido fólico é encontrado no fígado, fungos e em vegetais folhosos verdes. Ele é quantificado por cromatografia líquida de alta pressão (HLPC, do inglês, high pressure liquid chormatography). A deficiência de folato causa anemia megaloblástica A falha na sínstese de metionina e ácidos nucleicos nos estados de deficiência de folato é responsável pelos sinais e sintomas da anemia megaloblástica, isto é, a presença de blastócitos aumentados na medula óssea. A deficiência de folato é uma das deficiências vitamínicas mais comuns, e as anormalidades hematológicas associadas com essa deficiência não podem ser diferenciadas daquelas causadas pela deficiência de vitamina B12 (ver a seguir). As deficiências neurológicas são também similares. O bloqueio na síntese diminui a produção de eritrócitos, causando o aparecimento de eritrócitos aumentados (macrocíticos) com membranas frágeis e tendência à hemólise. Dessa forma, a anemia macrocítica segue em associação com a anemia megaloblástica. Existem muitas causas para a deficiência de folato, incluindo ingestão inadequada, má absorção, metabolismo alterado e necessidade aumentada. Os exemplos mais comuns de necessidade aumentada ocorrem na gravidez e lactação. A necessidade de ácido fólico aumenta bastante quando o volume de sangue e o número de eritrócitos aumentam durante a gravidez. No terceiro trimestre de gravidez, a necessidade de ácido fólico duplica. No entanto, a anemia megaloblástica durante a gravidez, mas não em gravidez múltipla, é rara. A prática comum é fornecer suplementação de folato durante a gravidez. A suplementação de folato durante o período periconceptivo (as definições desse período variam: a mais usada em estudos clínicos é de quatro semanas antes e oito semanas após a concepção) previne contra a ocorrência de espinha bífida; o fechamento do tubo neural ocorre entre 22-28 dias após a concepção. As deficiências de folato são vistas nos idosos como resultado de dieta pobre e/ou má absorção dessa vitamina. Vitamina B12 A vitamina B12 é parte da estrutura do grupamento heme A vitamina B12 (cobalamina) tem uma complexa estrutura em anel similar ao sistema de porfirina do grupamento heme (Cap. 29), porém é mais hidrogenada. O ferro localizado no centro do anel do grupamento heme é substituído pelo íon cobalto (Co3+). Essa é a única função conhecida do cobalto no corpo. Essencial para a quelação do íon cobalto, um anel dimetilbenzimidazol também faz parte da molécula ativa (Fig. 11.7). A vitamina B12 participa da reciclagem dos folatos e da síntese de metionina. Fig. 11.7 Vitamina B12. Há um grupo ciano (CN) ligado ao cobalto: esse é um artefato de extração, mas é também a forma mais estável da vitamina e é, de fato, o produto comercial disponível para tratamento. O grupo ciano necessita ser removido para a conversão à forma ativa da vitamina. A vitamina B12 é sintetizada apenas por bactérias. Ela está ausente em todas as plantas, mas concentrada no fígado dos animais de três maneiras diferentes: metilcobalamina, adenosilcobalamina e hidroxicobalamina. O fígado é uma fonte útil dessa vitamina e foi usado no passado no tratamento de estados de deficiência. É impossível considerar a função da vitamina B12 sem considerar o folato As funções da vitamina B12 e do folato estão inter-relacionadas, e a deficiência de qualquer um produz os mesmos sinais e sintomas. A reação que envolve ambas as vitaminas é a reação de metilação, responsável pela conversão da homocisteína em metionina (Fig. 11.8). Fig. 11.8 A “armadilha do tetrafolato”. A vitamina B 12 e o folato estão envolvidos na conversão da homocisteína em metionina. A ausência da vitamina B12 inibe a reação e leva à formação de N 5-metiltetraidrofolato (N5MeTHF). Essa ocorrência é conhecida como “armadilha do tetraidrofolato”. A vitamina B12 é necessária em apenas uma outra reação, que é a conversão de metilmalonil-CoA em succinil-CoA. A forma de coenzima da vitamina, nesse caso, é a 5′-desoxi adenosilcobalamina. Mecanismos específicos existem para a absorção e o transporte da cobalamina (Fig. 11.9). Fig. 11.9 Digestão, absorção e transporte da vitamina B12. A difusão simples da vitamina B 12 através da membrana intestinal é responsável por 3% do transporte vitamínico, e a ligação com o fator intrínseco (IF) é responsável por 97%. Os derivados da vitamina B12 são liberados pelos alimentos a partir da digestão peptídica no estômago e se ligam ao IF que são liberados pelas células parietais da mucosa gástrica. O complexo IF-B12 é necessário para a absorção por sítios receptores específicos presentes na mucosa do íleo. O fator limitante da taxa de absorção é o número de sítios receptores presentes no íleo. Outras proteínas de transporte (transcobalamina I, II e III (TC I, II e III) e proteínas R) estão envolvidas no transporte ou armazenamento das cobalaminas. As últimas são liberadas pelas glândulas salivares e pela mucosa gástrica. A anemia megaloblástica característica da deficiência de vitamina B12 é provavelmente consequência de deficiência de folato reduzido e um consequente acúmulo de N5-metiltetraidrofolato; daí, a síndrome associada ao folato/B12. Um quadro neurológico também pode se desenvolver na ausência de anemia. Isso é conhecido como degeneração combinada subaguda da medula espinal e é provavelmente secundária a uma deficiência de metionina na medula espinal. Uma vez que a vitamina B12 é necessária em apenas duas reações,a deficiência dessa vitamina ocasiona o acúmulo de ácido metilmalônico e homocisteína, com consequente acidúria metilmalônica e homocisteinúria. A deficiência de vitamina B12 causa anemia perniciosa A deficiência de vitamina B12 pode ocorrer através de vários mecanismos. O mais comum é a falta do fator intrínseco (IF, do inglês intrinsic factor) no estômago: isso evita a absorção da vitamina no íleo terminal e causa a anemia perniciosa. A carência de fator intrínseco pode ser causada também por cirurgia gástrica. Uma situação similar, ainda que causada por mecanismo diferente, ocorre em função da remoção cirúrgica do íleo, por exemplo na doença de Crohn (Cap. 10). Vegans * apresentam risco de desenvolver deficiência de vitamina B12, uma vez que ela é encontrada apenas em alimentos de origem animal (a dieta vegetal pode conter alguma vitamina apenas se estiver contaminada por microrganismos, como fungos). A vitamina B12 é secretada na bile e está presente na circulação êntero-hepática. Distúrbios nessa circulação podem ter graves reflexos sobre os níveis de vitamina B12 (Tabela 11.1). Tabela 11.1 Causas da deficiência de vitamina B12. Causas da deficiência de vitamina B12 Mecanismo Tempo para desenvolver a deficiência clínica (anos) dieta vegetariana 10-12 falha do fetor intrínseco 1-4 disfunção ileal rapidamente A vitamina B12 deve ser suplementada quando um tratamento com folato for conduzido É importante mencionar que administrar folato isoladamente em um caso de deficiência de vitamina B12 agrava a neuropatia. Dessa forma, se a suplementação for necessária durante a investigação da causa de uma anemia megaloblástica, há necessidade de administrar folato em conjunto com a vitamina B12 (após amostras de sangue e de medula óssea terem sido coletadas para confirmar o diagnóstico). Vitamina C A vitamina C é um agente redutor A vitamina C, ou ácido ascórbico, é um nutriente essencial para humanos, primatas superiores, porquinhos-da-índia e morcegos frutívoros. Em todos os outros animais, existe uma via específica para sua síntese. A via de síntese e a estrutura da vitamina C são mostradas na Figura 11.10. A vitamina C é lábil: é facilmente destruída por oxigênio, íons metálicos, pH aumentado, calor e luz. A vitamina C serve como agente redutor, e sua forma ativa é o ácido ascórbico, o qual é oxidado durante a transferência dos equivalentes redutores em ácido desidroascórbico (que também pode atuar como fonte da vitamina). A atividade antioxidante da vitamina C é ilustrada na Figura 37.8. A vitamina C participa da síntese de colágeno, adrenalina, esteroides, degradação da tirosina, formação de ácidos biliares, absorção de ferro e metabolismo ósseo. A principal função desse composto é manter cofatores metálicos em seus menores estados de valência, por exemplo, Fe+2 e Cu+2. Esse é o caso da síntese do colágeno, onde ele é necessário especificamente para a hidroxilação da prolina (Cap. 28). Fig. 11.10 Estrutura e síntese da vitamina C (ácido ascórbico). Note que a enzima que converte a gulonolactona em ácido ascórbico está ausente no homem, primatas superiores, porquinho-da-índia e morcegos frutívoros. A deficiência de vitamina C causa escorbuto e compromete a função imune A deficiência de vitamina C causa escorbuto devido à síntese defeituosa de colágeno. É caracterizada por hemorragias subcutâneas e outras, fraqueza muscular, gengivas moles, inchadas e sangrentas, osteoporose, dificuldade na cicatrização de ferimentos e anemia. A osteoporose ocorre pela incapacidade de manter a matriz óssea em associação à desmineralização. Este último aspecto acarreta o aparecimento das zonas de Looser nas radiografias, especialmente das mãos. À exceção dos idosos, a deficiência de vitamina C que acarreta todo o quadro clínico de escorbuto é rara. Formas mais brandas da deficiência de vitamina C são mais comuns, e os sintomas incluem o aparecimento de hematomas e petéquias (pequenas hemorragias pontuais abaixo da pele) ambas em decorrência da fragilidade capilar. A função imune também fica comprometida. Essa redução na imunidade foi a base do fornecimento de megadosagens de vitamina C para a prevenção do resfriado comum e também pelo seu papel na prevenção do câncer. No entanto, não existem evidências claras para fundamentar essas propostas inicialmente feitas por Linus Pauling durante a década de 1970. A vitamina C é certamente necessária para a função leucocitária normal, e a vitamina C dos leucócitos diminui bastante após estresse causado por trauma ou infecção. PROTEÍNAS DE TRANSPORTE DA VITAMINA B12 O fator intrínseco (IF) é uma glicoproteína altamente específica. Outras proteínas de ligação à cobalamina, proteínas R e proteínas secretadas pelas glândulas salivares e pelo estômago, também são glicoproteínas que em conjunto com a transcobalamina (TC) I e III, são agora chamadas de cobalafilinas. O terceiro tipo de proteína cobalâmica, também uma glicoproteína, é a TC II. Todas as três classes de proteínas de transporte de B12 são glicoproteínas, polipeptídios de uma única cadeia (340-375 resíduos de aminoácidos) e têm um único sítio de ligação com a cobalamina. No entanto, imunologicamente não apresentam reação cruzada entre eles e são codificadas por genes diferentes. Em pH ácido, as proteínas R se ligam à cobalamina mais fortemente que o IF. Ao contrário do IF, elas são normalmente degradadas pelas proteinases pancreáticas. Dessa forma, na doença pancreática em que as proteínas R não são degradadas, haverá menos cobalamina disponível para se ligar ao IF, causando perda da capacidade de absorção dessa vitamina. Nos estágios finais do processo absortivo, na presença de Ca+2 e em pH neutro, um sítio específico da molécula do fator intrínseco se liga ao receptor presente no íleo. À medida que o complexo IF-B12 cruza a mucosa do íleo, o IF é liberado e a B12 é transferida para a TC II, uma proteína plasmática de transporte. Outras proteínas de ligação de cobalamina, TC I e possivelmente TC III, existem no plasma e no fígado. No fígado, essas proteínas fornecem excelentes formas de armazenamento da vitamina, uma situação que é única para as vitaminas hidrossolúveis. Uma vez que a cobalamina se liga a TC II no sangue portal, ela desaparece do plasma dentro de algumas horas. A principal forma circulante é a metilcobalamina. No fígado, a 5′-desoxiadenosil cobalamina representa 70%, e a metilcobalamina, 30% da quantidade total. O complexo TC II-cobalamina fornece cobalamina exógena aos tecidos, nos quais se liga a receptores da superfície celular. Ele entra na célula por endocitose, liberando a cobalamina na forma de hidroxicobalamina. A conversão de hidroxicobalamina em metilcobalamina ocorre no citosol. A TC II é também considerada necessária para o fornecimento de vitamina B12 para o sistema nervoso central. Frutas cítricas e brotos de vegetais são ricas fontes de vitamina C. Não existe evidência de que a vitamina C em excesso seja tóxica. Teoricamente, como ela é metabolizada em oxalato, existe risco de desenvolvimento de pedras renais de oxalato em indivíduos suscetíveis. No entanto, isso não foi substanciado na prática. Suplementação vitamínica na dieta A suplementação de algumas vitaminas fornece benefícios claros para a saúde. Situações nas quais os benefícios da suplementação vitamínica são claros incluem suplementação de ácido fólico para mulheres grávidas ou que estão planejando engravidar, para dessa forma prevenir má formação do tubo neural; a administração de vitamina D a pessoas que vivem em áreas de pouca luz solar também tem sido benéfica. Os benefícios da suplementação vitamínica no câncer e na doença cardiovascular são incertos Como a suplementação de ácido fólico, vitamina B6 e vitamina B12 diminui a concentração plasmática de homocisteína, foi sugerido que essa prática poderia ser benéfica à prevenção de doenças cardiovasculares. Houve também sugestões de que a suplementação de vitamina A, C e E pudesse proteger contra o câncer.Alguns estudos observacionais sugeriram que a suplementação de vitamina C e E poderia ser útil na prevenção de doenças cardiovasculares. No entanto, estudos prospectivos sobre o tema geraram resultados controversos. As recomendações da força-tarefa dos serviços de prevenção dos Estados Unidos publicadas em 2003 (www.preventiveservices.ahrq.gov) dizem que evidências atuais são insuficientes para recomendar o uso ou o não uso de suplementos de vitaminas A, C ou E, multivitamínicos com ácido fólico ou combinações antioxidantes na prevenção do câncer ou de doenças cardiovasculares. Note que essas recomendações não se aplicam às pessoas com carências nutricionais, mulheres grávidas ou lactantes, crianças, idosos e pessoas com doenças crônicas. Como mencionado anteriormente, suplementação vitamínica em altas doses pode ser perigoso; os exemplos são a redução da densidade mineral óssea, a hepatotoxicidade e a teratogenicidade, associadas a altas doses de vitamina A. A suplementação de β-caroteno para fumantes também foi prejudicial, ocasionando aumento na mortalidade por câncer de pulmão. Frutas e vegetais são as melhores fontes vitamínicas Nos estudos clínicos mencionados anteriormente, as vitaminas foram suplementadas em suas formas puras, em vez de fontes alimentares completas, e pode ser por esse motivo que o benefício da suplementação não foi evidente. Evidentemente há benefícios em dietas alimentares ricas em frutas e vegetais, os quais são as fontes mais importantes de vitaminas. Não há razão para desencorajar as pessoas a usarem suplementos vitamínicos, à exceção daquelas situações comprovadas de toxicidade associadas ao excesso de suplementação. OLIGOELEMENTOS Íons metálicos são necessários como componentes ativos das proteínas O mais óbvio desses íons é o ferro, o qual faz parte das proteínas envolvidas na transferência do oxigênio molecular (Cap. 5). Outros metais têm sido considerados essenciais para a função biológica. Eles incluem os metais previamente considerados tóxicos, de fato, o excesso deles no meio ambiente acarreta toxicidade. Tais elementos incluem cromo, selênio, manganês, cobre e zinco, e são chamados de oligoelementos essenciais. Zinco O zinco é componente de várias enzimas que participam do metabolismo energético, metabolismo de carboidratos, síntese e degradação de proteínas, funções de transporte celular e proteção contra lesão oxidante. A espermatogênese também é um processo dependente de zinco se levado em consideração o papel desse metal no metabolismo da testosterona. O zinco também tem um papel na manutenção da função pancreática endócrina e exócrina. No entanto, seus efeitos são mais obviamente observados na manutenção da integridade da pele e na recuperação de lesões. A absorção de zinco da dieta é um processo ativo e compartilha mecanismos de transporte intestinais com o cobre e com o ferro Na absorção, o zinco está ligado à proteína metalotioneína, uma proteína rica em cisteína, que também está relacionada com a ligação de outros íons metálicos bivalentes como, por exemplo, o cobre. Sua síntese é dependente da quantidade de oligoelementos presente na dieta. O excesso dessa proteína pode interferir na absorção do cobre. O zinco é provavelmente o menos tóxico de todos os oligoelementos metálicos, mas sua ingestão elevada interfere na absorção do cobre, levando à deficiência do último. A deficiência de zinco afeta o crescimento, a integridade da pele e a cicatrização A deficiência de zinco não é incomum: em crianças, a deficiência é caracterizada pelo retardo do crescimento, lesões na pele e desenvolvimento sexual alterado. Um defeito hereditário na absorção de zinco pelo intestino foi identificado na década de 1970 e ficou conhecido como acrodermatite êntero- hepática, clinicamente evidenciando lesões graves na pele, diarreia e perda de cabelos (alopecia). A deficiência do zinco também ocasiona alterações no paladar e olfato, além de retardo na cicatrização. DEFICIÊNCIA DE ZINCO Um homem de 34 anos de idade que necessitou de uma alimentação completa intravenosa vem recebendo a mesma prescrição por aproximadamente quatro meses, e nenhuma avaliação dos níveis de oligoelementos foi feita. Durantes esse período, ele continuou a exibir perdas gastrointestinais importantes e pirexia intermitente. Inicialmente, ele desenvolveu erupções no rosto, pescoço e cabeça, seguidas de queda de cabelo e, ao final do período de quatro meses, estava claramente com deficiência de zinco. Ele apresentava erupções semelhantes à acne amplamente distribuídas e tinha falta de cabelos. Sua concentração sérica de zinco naquele momento era menor que 1 μmol/L (faixa: 9-20 μmol/L; 60-130 μg/dL). Comentário: Pacientes com doenças catabólicas e perdas gastrointestinais aumentadas apresentam aumento acentuado nas demandas nutricionais de zinco. O estado de depleção de zinco que esse paciente desenvolveu agravaria sua doença ao prevenir a recuperação das suas lesões gastrointestinais, tornando-o mais suscetível a infecções, devido ao comprometimento de seu sistema imunológico. Pacientes que recebem alimentação intravenosa precisam ter seus níveis de micronutrientes monitorados regularmente. Perdas aumentadas de zinco ocorrem em pacientes com queimaduras extensas e naqueles com lesão renal. A perda de zinco na lesão renal é devida à sua associação com a albumina plasmática, e acompanha a perda urinária da proteína. Quantidades significativas de zinco também podem ser perdidas durante a hemodiálise. Um aumento da síntese de metalotioneína é parte da resposta metabólica ao trauma e ocasiona a redução da concentração sérica de zinco. Durante a alimentação intravenosa, em situação nas quais há frequentemente maior demanda de zinco, a falha em repô-lo pode produzir deficiência sintomática. A medida da concentração do zinco sérico é o método usual para avaliar os níveis de zinco. No entanto, várias condições e fatores ambientais afetam sua concentração plasmática, incluindo inflamação, estresse, câncer, tabagismo, administração de esteroides e hemólise. Cobre O cobre metaboliza o superóxido e outras espécies reativas do oxigênio O cobre está associado a várias enzimas oxigenases, incluindo a citocromo oxidase e a superóxido dismutase (a última também necessita de zinco para sua atividade). Uma das principais atividades do cobre, especialmente na superóxido dismutase, mas também em associação com a proteína carreadora de cobre ceruloplasmina, é a metabolização do superóxido e de outras espécies reativas do oxigênio. O cobre também é necessário para fazer as ligações cruzadas entre moléculas de colágeno, sendo um componente essencial da lisil oxidase. O único mecanismo de excreção do cobre é através da bile. A absorção do cobre pelo intestino ocorre da mesma forma que a do zinco, associada à metalotioneína. O nível de cobre no organismo depende menos da alimentação que o nível do zinco, embora a alta ingestão de fibras diminua sua disponibilidade por se ligar a esse metal. No plasma, o cobre absorvido é ligado à albumina. O complexo cobre-albumina é rapidamente captado pelo fígado. Dentro do hepatócito, o cobre se associa com metalotioneínas intracelulares, que também são capazes de se ligar ao zinco e ao cádmio. O cobre é transportado dentro do hepatócito para locais de síntese proteica por uma proteína chaperonina e é incorporado à apoceruloplasmina. Essa incorporação é catalisada por uma ATPase chamada ATP7B. A ceruloplasmina é liberada na circulação. O excesso de cobre causa cirrose hepática Quando ingerido oralmente, o cobre normalmente não é tóxico, porém em altas doses ele se acumula nos tecidos. A ingestão excessiva crônica, ocasiona cirrose hepática. A toxicidade aguda é manifestada por relevante hemólise e danos ao fígado e aos neurônios. A última é observada na doença de Wilson, um distúrbio metabólico autossômico dominante, no qual a capacidade hepática de síntese da ceruloplasmina está comprometida. A causa está nas mutações do gene que codifica a ATPaseATP7B. Isso ocasiona uma redução na incorporação do cobre à ceruloplasmina e, posteriormente, acúmulo celular. O excesso de apoceruloplasmina é degradado. O cobre, além de se acumular nos tecidos, também se acumula no cérebro e na córnea. Os sintomas desse acúmulo são deficiências neurológicas, cirrose hepática e presença típica de anéis de Kaiser-Fleisher na córnea. Caracteristicamente, há também baixa concentração de ceruloplasmina e alta excreção urinária de cobre (Quadro na pág 92). A deficiência de cobre é rara A deficiência de cobre é rara e causa anemia; a pele e os cabelos podem também ser afetados. A deficiência de cobre é mais comum de ocorrer em função da ingestão reduzida ou da perda excessiva de cobre, por exemplo, durante a diálise renal. A deficiência se manifesta como anemia microcítica hipocrômica (caracterizada por eritrócitos pálidos) que é resistente ao tratamento com ferro. Há também uma redução no número de leucócitos sanguíneos (neutropenia) e degeneração do tecido vascular seguido de sangramento devido aos problemas na síntese de elastina e colágeno. Em deficiências graves, a despigmentação da pele e a alteração da estrutura do cabelo também podem ocorrer. Selênio O selênio está presente em todas as células na forma dos aminoácidos selenometionina e selenocisteína O selênio forma uma parte da enzima antioxidante glutationa peroxidade. Também é imprescindível para a iodotironina 5-deiodinase tipo I, a qual participa da deiodinação hepática da tiroxina; em animais, o selênio é um componente das proteínas musculares selenoproteína P e selenoproteína W. O selênio é absorvido pelo intestino delgado, carreado por proteínas na circulação e excretado pela urina. O selênio está presente na dieta como selenometionina e selenocisteína. Sua concentração nos vegetais vai depender do conteúdo do solo. Suas fontes dietéticas incluem vísceras de animais, peixe (atum), mariscos e cereais. O aumento na ingestão de selênio pode ser necessário durante a lactação. Existe uma rara cardiomiopatia (doença de Keshan) que se desenvolve na falta de selênio, que é endêmica na China, em áreas de ingestão muito baixa de selênio. A deficiência de selênio pode também se desenvolver durante a nutrição parenteral total e ocasionar dor muscular crônica, leitos subungueais anormais e cardiomiopatia. O excesso de selênio leva a cirrose hepática, esplenomegalia, sangramento gastrointestinal e depressão. Outros metais Vários outros oligoelementos são necessários para uma função biológica normal, por exemplo, o manganês, o níquel e o cádmio. O último é provavelmente mais conhecido por seus efeitos tóxicos sobre os rins, e tem sido especialmente observado em trabalhadores portuários expostos a esse metal por longos períodos. À medida que as técnicas de separação e análise desenvolvem-se, outros metais e outras funções de minerais essenciais serão conhecidas. Isso levará a uma melhor compreensão da epidemiologia de certas doenças, as quais podem ter, pelo menos em parte, uma etiologia ambiental. Resumo As vitaminas funcionam principalmente como cofatores enzimáticos. Vitaminas lipossolúveis podem ser armazenadas no tecido adiposo, enquanto as hidrossolúveis possuem apenas uma pequena reserva, e seu armazenamento é inexistente ou a curto prazo. As deficiências de micronutrientes da dieta ocorrem com maior frequência em grupos suscetíveis, com demanda aumentada ou em pessoas incapazes de manter ingestão adequada. Crianças, grávidas, idosos e grupos de baixa renda são particularmente vulneráveis. As doenças gastrointestinais, bem como cirurgia gastrointestinal, são causas potenciais de deficiências de micronutrientes. As vitaminas e os oligoelementos são particularmente importantes em pacientes submetidos a dietas especiais ou a nutrição parenteral. Enquanto existirem controvérsias sobre suplementação de algumas vitaminas, a ingestão de frutas e vegetais como fontes vitamínicas é certamente recomendada. QUESTÕES DE APRENDIZADO 1. Compare e contraste as deficiências de vitamina B12 e ácido fólico. 2. Quando o aumento da ingestão de determinado nutriente ou energia pode precipitar uma deficiência vitamínica? 3. A suplementação de vitamina A é segura? 4. Descreva a importância clínica do cobre. 5. Quais vitaminas têm papel no desenvolvimento de hiperomocisteinemia? Leituras sugeridas Asplund K. Antioxidant vitamins in the prevention of cardiovascular disease: a systematic review. J Int Med. 2002;251:372-392. El-Youssef M. Wilson disease. Mayo Clin Proc. 2003;78:1126-1136. Fairfield KM, Fletcher RH. Vitamins for chronic disease prevention in adults: scientific review. JAMA. 2002;287:3116-3126. Ferenci P. Diagnosis and current therapy of Wilson’s disease. Aliment Pharmacol Therapeut. 2004;19:157-165. Fletcher RH, Fairfield KM. Vitamins for chronic disease prevention in adults: clinical applications. JAMA. 2002;287:3127-3129. Jones G. Eating fruit and vegetables. BMJ. 2003;326:888. Lucock M. Is folic acid the ultimate functional food component for disease prevention? BMJ. 2004;328:211-214. Panel on Dietary Reference Values of the Committee on Medical Aspects of Food Policy. Dietary reference values for food energy and nutrients for the United Kingdom. London: TSO, 2003. Sites National Guideline Clearinghouse. www.guideline.gov. Força-tarefa dos serviços de proteção dos Estados Unidos (US Preventive Services Task Force). www.preventiveservices.ahrq.gov. * Nota da Tradução: Essa afirmação sobre a epidemiologia da pelagra é potencialmente controversa, sobretudo quando se considera que tal doença pode ocorrer por outros mecanismos fisiopatológicos além dos dietéticos. * Nota da Tradução: Vegetarianos que não consomem nenhum produto de origem animal (ovos, leite, mel ou qualquer outro).
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