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Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 Antibióticos/Antimicrobianos O tratamento antimicrobiano é baseado nas diferenças bioquímicas que existem entre os microrganismos e os seres humanos. Os fármacos antimicrobianos são eficazes no tratamento das infecções, pois eles têm capacidade de lesar ou matar os microrganismos invasores sem prejudicar as células do hospedeiro, sendo seletivos. OBS.: na maioria das situações, a toxicidade seletiva é relativa, em vez de absoluta, exigindo que a concentração do fármaco seja cuidadosamente controlada para atingir o microrganismo enquanto ainda está sendo tolerada pelo hospedeiro. A escolha do antimicrobiano mais apropriado requer o conhecimento da identificação do microrganismo; da suscetibilidade do organismo com relação a um fármaco em particular; do local da infecção; de fatores do paciente; da segurança do fármaco; e do custo do tratamento. • Identificação do microrganismo infectante A caracterização do microrganismo é decisiva para selecionar o fármaco apropriado. Uma avaliação rápida do patógeno pode ser feita com base na coloração de Gram, que é particularmente útil na identificação da presença e das características morfológicas do microrganismo nos líquidos orgânicos que, em geral, são estéreis. Entretanto, com frequência é necessário cultivar o microrganismo para chegar a um diagnóstico conclusivo e determinar a suscetibilidade aos antimicrobianos. Assim, é essencial obter uma amostra do microrganismo para cultura antes de iniciar o tratamento. De outra forma, seria inviável diferenciar se uma cultura negativa é devida à ausência de microrganismos, ou se é resultado dos efeitos antimicrobianos do antibacteriano administrado. A identificação definitiva do microrganismo infectante deve ser feita com outras técnicas laboratoriais, como a detecção de antígenos, DNA ou RNA, ou a detecção de uma resposta inflamatória ou imune do hospedeiro contra o microrganismo. • Tratamento empírico antes da identificação do microrganismo De modo ideal, o fármaco antimicrobiano usado para tratar a infecção deve ser selecionado depois da identificação do microrganismo e do estabelecimento de sua sensibilidade aos fármacos. OBS.: no paciente criticamente doente, esse atraso pode ser fatal, e o tratamento imediato e empírico é indicado. Quando começar o tratamento: pacientes agudamente doentes com infecção de origem desconhecida, como um paciente neutropênico ou um paciente com meningite, por exemplo, exigem tratamento imediato. Se possível, o tratamento deve ser iniciado após a obtenção de amostras para análise laboratorial, mas antes de o resultado da cultura e da sensibilidade estar disponível. A escolha do fármaco: a escolha do fármaco, na ausência de informações sobre a suscetibilidade, é influenciada pelo local da infecção e pela anamnese. Inicialmente, pode ser indicado um fármaco de amplo espectro quando o microrganismo é desconhecido ou se é provável que haja infecções polimicrobianas. A escolha dos fármacos também pode ser orientada pela associação conhecida de microrganismos particulares em um dado ambiente clínico. • Determinação da suscetibilidade antimicrobiana de microrganismos infecciosos Depois que um patógeno foi cultivado, a sua suscetibilidade a antimicrobianos específicos serve de orientação na escolha do fármaco. A concentração inibitória e bactericida mínima de um fármaco pode ser determinada de forma experimental. ➢ Fármacos bacteriostáticos versus bactericidas: os fármacos bacteriostáticos inibem o crescimento e a multiplicação da Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 bactéria no soro (ou urina) em concentrações que podem ser alcançadas no paciente, limitando, assim, o agravamento da infecção, enquanto o sistema imune ataca, imobiliza e elimina os patógenos. Se o fármaco é removido antes que o sistema imune tenha eliminado os microrganismos, pode permanecer um número viável de microrganismos para iniciar um segundo ciclo de infecção. Os fármacos bactericidas matam a bactéria nas concentrações séricas do fármaco alcançadas no paciente. Devido à sua ação antimicrobiana mais agressiva, os bactericidas são, em geral, de escolha no paciente gravemente enfermo e imunocomprometido. ➢ Concentração inibitória mínima (CIM): a CIM é a menor concentração que previne o crescimento visível do microrganismo após 24 horas de incubação. Essa é uma medida quantitativa da suscetibilidade in vitro e é usada comumente na prática para agilizar o tratamento. ➢ Concentração bactericida mínima (CBM): a CBM é a menor concentração de antibacteriano que resulta em diminuição de 99,9% na contagem de colônias após incubação noturna em caldo de cultura. • Efeito do local da infecção no tratamento: a barreira hematencefálica Níveis adequados de um antimicrobiano devem alcançar o local da infecção para eliminação eficaz do microrganismo invasor. Capilares com variados graus de permeabilidade levam os fármacos aos tecidos corporais. Barreiras naturais para a distribuição dos fármacos são criadas pelas estruturas dos capilares de certos tecidos, como próstata, testículos, humor vítreo do olho e sistema nervoso central (SNC). De significado particular são os capilares no cérebro, que ajudam a criar e manter a barreira hematencefálica. A penetração e a concentração de um antibacteriano no LCS são influenciadas pelos seguintes fatores: ➢ Lipossolubilidade do fármaco: a lipossolubilidade do fármaco é o principal determinante da sua capacidade de entrar no cérebro. Fármacos lipossolúveis, como o cloranfenicol e o metronidazol, têm penetração significativa no SNC, ao passo que os antimicrobianos beta-lactâmicos, como a penicilina, são ionizados no pH fisiológico e têm baixa solubilidade em lipídeos; alguns antimicrobianos beta- lactâmicos podem entrar no LCS em quantidade terapêutica quando as meninges estão inflamadas. ➢ Massa molecular do fármaco: um composto com baixa massa molecular tem maior capacidade de atravessar a barreira hematencefálica, e compostos com massa molecular elevada penetram escassamente, mesmo na presença de inflamação das meninges. ➢ Ligação do fármaco às proteínas plasmáticas: uma taxa elevada de ligação do fármaco às proteínas plasmáticas limita a entrada no LCS. Portanto, é a quantidade de fármaco livre (não ligado) no soro, e não a quantidade total de fármaco presente, que é importante para entrar no LCS. • Fatores do paciente Na escolha do antimicrobiano, deve ser considerada a condição do paciente. Por exemplo, a situação do sistema imune, dos rins, do fígado e da circulação e a idade do paciente devem ser levadas em conta. Na mulher, gestação e amamentação também afetam a escolha do antimicrobiano. ➢ Sistema imune: a eliminação dos microrganismos infectantes do organismo depende de um sistema imune intacto, que precisa eliminar os microrganismos invasores. Dosagens elevadas de bactericidas ou tempos de tratamento mais longos podem ser necessários para eliminar os microrganismos invasores nesses indivíduos. OBS.: alcoolismo, diabetes, infecção com vírus da imunodeficiência humana (HIV), subnutrição, doenças autoimunes, gestação ou idade avançada podem afetar a imunocompetência do paciente, assim como os imunossupressores. Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 ➢ Disfunção renal: o mau funcionamento renal pode causar acúmulo de certos antimicrobianos.Os níveis de creatinina no soro são usados, com frequência, como índice da função renal para ajuste do regime do fármaco. No entanto, o monitoramento direto dos níveis séricos de alguns antimicrobianos é preferível para identificar os valores máximos e/ou mínimos para prevenir potenciais toxicidades. ➢ Disfunção hepática: os antimicrobianos que se concentram ou são eliminados pelo fígado devem ser usados com cautela ao tratar pacientes com disfunção hepática. ➢ Má perfusão: a diminuição da circulação para determinada área anatômica, como os membros inferiores em um diabético, reduz a quantidade de antimicrobiano que alcança tal área e torna a infecção difícil de combater. ➢ Idade: os processos de eliminação renal ou hepática são mal desenvolvidos em recém- nascidos, tornando os neonatos particularmente vulneráveis aos efeitos tóxicos do cloranfenicol e das sulfonamidas. Crianças jovens não devem ser tratadas com tetraciclinas ou quinolonas, as quais afetam o crescimento ósseo e as articulações, respectivamente. Idosos podem ter redução de função renal ou hepática, o que pode alterar a farmacocinética de certos antimicrobianos. ➢ Gestação e lactação: muitos antimicrobianos atravessam a placenta ou chegam ao lactente por meio do leite materno. Embora a concentração do antimicrobiano no leite geralmente seja baixa, a quantidade total pode ser suficiente para causar efeitos prejudiciais na criança. ➢ Fatores de risco para microrganismos resistentes a vários fármacos: incluem tratamento antimicrobiano nos 90 dias precedentes, hospitalização por mais de 2 dias nos 90 dias precedentes, hospitalização corrente por mais de 5 dias, alta frequência de resistência na comunidade ou na unidade hospitalar local e doenças ou tratamentos imunossupressores. OBS.: infecções com patógenos multirresistentes necessitam de coberturas antibióticas mais amplas ao iniciar o tratamento empírico. • Segurança do fármaco Antimicrobianos, como as penicilinas, estão entre os menos tóxicos de todos os fármacos, pois interferem em um local ou função singular para o crescimento de microrganismos. Outros antimicrobianos têm ação menos específica e são reservados para o tratamento de infecções ameaçadoras à sobrevivência, devido ao potencial para toxicidade grave no paciente. • Custo do tratamento Frequentemente, vários fármacos podem apresentar eficácias similares no tratamento de uma infecção, mas variam amplamente no custo. Embora a escolha do tratamento em geral seja centrada no local da infecção, na gravidade da doença e na capacidade de tomar medicação por via oral, também é importante considerar o custo do medicamento. A administração de antimicrobianos por via oral é amplamente recomendada, de maneira ambulatorial; quando as infecções são de alta gravidade, é recomendado a administração via intravenosa, mas logo se deve mudar para a oral OBS.: em casos de fármacos que são mal absorvidos pelo TGI, a administração é feita por via parenteral. Determinantes da dosagem racional A dosagem racional dos antimicrobianos é fundamentada na sua farmacodinâmica e nas propriedades farmacocinéticas. Três propriedades importantes que têm influência significativa na frequência da dosagem, elas servem para otimizar a dosagem do fármaco. • Efeito bactericida concentração- dependente Certos antimicrobianos, incluindo aminoglicosídeos e daptomicina, mostram aumento significativo na taxa de morte bacteriana se a concentração do antimicrobiano supera de 4 a 64 vezes a CIM do fármaco para o microrganismo infectante. A administração de um antimicrobiano que apresente essa propriedade bactericida Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 concentração-dependente em um único bólus diário, em que alcance picos elevados, favorece a morte rápida dos patógenos infectantes. • Efeito -cida tempo-dependente (concentração-independente) Em contraste, os beta-lactâmicos, glicopeptídeos, macrolídeos, clindamicina e linezolida, não têm efeito -cida; a eficácia clínica desses antimicrobianos é mais bem prevista pela porcentagem de tempo em que a sua concentração sérica permanece acima da CIM. Esse efeito é denominado, às vezes, de concentração- independente ou morte tempo-dependente. • Efeito pós-antimicrobiano O efeito pós-antimicrobiano (EPA) é a supressão do crescimento microbiano que persiste mesmo depois que os níveis de antimicrobiano caíram abaixo da CIM. Antimicrobianos que exibem EPA longo em geral exigem uma única dosificação por dia, particularmente contra bactérias gram- negativas. Espectro quimioterapêutico • Antimicrobianos de espectro estreito Os antimicrobianos que atuam somente em um grupo único ou limitado de microrganismos são considerados de espectro estreito. • Antimicrobianos de espectro estendido Espectro estendido é o termo aplicado aos antimicrobianos que são modificados para serem eficazes contra microrganismos gram-positivos e também contra um número significativo de bactérias gram-negativas. • Antimicrobianos de amplo espectro A administração de antimicrobianos de amplo espectro pode alterar drasticamente a natureza da flora bacteriana normal e causar superinfecção por microrganismos como o Clostridium difficile, cujo crescimento normalmente é limitado pela presença de outros microrganismos. Associação de antimicrobianos É recomendável tratar terapeuticamente os pacientes com um fármaco único que seja o mais específico contra o microrganismo infectante. Essa estratégia reduz a possibilidade de superinfecções, diminui a emergência de microrganismos resistentes e minimiza a toxicidade. Contudo, algumas situações exigem a associação de antimicrobianos. • Vantagens da associação de antimicrobianos Certas associações de antimicrobianos, como os beta-lactâmicos e os aminoglicosídeos, apresentam sinergismo; ou seja, a associação é mais eficaz do que cada um dos fármacos usados separadamente. Como tal sinergismo entre antimicrobianos é raro, as associações somente são indicadas em situações especiais. • Desvantagens da associação de antimicrobianos Inúmeros antimicrobianos atuam somente quando os microrganismos estão se multiplicando. Assim, a coadministração de um fármaco que cause bacteriostase com um segundo que seja bactericida pode resultar na interferência do primeiro fármaco na ação do segundo. Outra preocupação é o risco da pressão de seleção e o desenvolvimento de resistência aos Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 antimicrobianos por administrar uma associação desnecessária. Resistência aos fármacos As bactérias são consideradas resistentes a um antimicrobiano quando seu crescimento não é inibido pela maior concentração do antimicrobiano tolerada pelo hospedeiro. Alguns microrganismos são inerentemente resistentes a um antimicrobiano; algumas espécies de microrganismos que são normalmente sensíveis a um antimicrobiano em particular podem desenvolver cepas resistentes, mais virulentas, por meio de mutação espontânea ou resistência adquirida e seleção. Tornando-se resistentes a mais de um antimicrobiano. • Alterações genéticas que geram resistência A resistência adquirida ao antimicrobiano exige um ganho ou uma alteração temporária ou permanente da informação genética bacteriana. A resistência se desenvolve devido à capacidade do DNA de sofrer mutações espontâneas ou de se movimentar de um microrganismo para outro. • Expressão alterada das proteínas na resistência dos microrganismos A resistência ao fármaco é mediada por uma variedadede mecanismos, como alteração em um receptor (“alvo”) do antimicrobiano, diminuição na penetrabilidade do fármaco devido à diminuição de permeabilidade, aumento do efluxo do fármaco ou presença de enzimas inativadoras do antimicrobiano. ➢ Modificação dos alvos de ligação: a alteração dos alvos do antimicrobiano por meio de mutação pode conferir resistência a um ou mais antimicrobianos relacionados. ➢ Diminuição do acúmulo: diminuição da captação ou aumento no efluxo do antimicrobiano podem conferir resistência, pois o fármaco é incapaz de alcançar o local de ação em concentração suficiente para lesar ou matar o microrganismo. A presença de uma bomba de efluxo pode limitar também a concentração do fármaco no microrganismo, como visto com as tetraciclinas. ➢ Inativação enzimática: a capacidade de destruir ou inativar o antimicrobiano também pode conferir resistência ao microrganismo. Exemplos de enzimas inativadoras de antimicrobiano incluem 1) beta-lactamases (“penicilinases”), que inativam hidroliticamente o anel beta-lactâmico de penicilinas, cefalosporinas e fármacos relacionados; 2) acetiltransferases que transferem grupo acetila ao antimicrobiano, inativando cloranfenicol ou aminoglicosídeos; e 3) esterases que hidrolisam o anel lactona dos macrolídeos. Certas situações clínicas, exigem o uso de antimicrobianos para prevenir as infecções, em vez de combatê-las. Como o uso indiscriminado dos antimicrobianos pode resultar em resistência e superinfecção, o uso profilático é limitado a situações clínicas, nas quais o benefício supera os riscos. OBS.: essa aplicação deve ser pelo menor tempo possível para evitar o desenvolvimento de superbactérias. Complicações da terapia com antimicrobianos Mesmo que o mecanismo de ação de um antimicrobiano seja seletivamente tóxico contra o microrganismo invasor, isso não garante ausência de efeitos adversos ao hospedeiro. • Hipersensibilidade Reações de hipersensibilidade ou imunidade aos antimicrobianos ou aos seus metabólitos ocorrem com frequência. Pacientes com histórico Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 de síndrome de Stevens-Johnson (SSJ) ou necrólise epidermal tóxica a um antimicrobiano nunca devem ser reexpostos, nem mesmo para a dessensibilização ao antimicrobiano. • Toxicidade direta Níveis séricos elevados de certos antimicrobianos podem causar toxicidade por afetar diretamente processos celulares do hospedeiro. • Superinfecções O tratamento, particularmente com antimicrobianos de amplo espectro ou com associação de fármacos, pode levar a alterações da microflora normal dos tratos respiratório superior, oral, intestinal e geniturinário, permitindo a proliferação de microrganismos oportunistas, especialmente fungos e bactérias resistentes. Essas infecções em geral exigem tratamentos secundários usando fármacos anti-infecciosos específicos. Referências: EDITORIA DE WANNMACHER, Lenita; FERREIRAS, Maria Beatriz Cardoso (editora). Farmacologia clínica para dentistas. 3.ed. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. 545. p GOODMAN & GILMAN. As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 12ª Ed. Rio de Janeiro; Editora Guanabara Koogan. 2012. WHALEN, K.; FINKEL, R.; PANAVELIL, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
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