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Colelitíase e anemia falciforme

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Caso 4
· Colelitíase no paciente portador de anemia falciforme 
ARTIGO 1
A doença falciforme (DF) é uma das doenças genéticas mais frequentes no mundo. A hepatopatia falciforme, um nome genérico para complicações hepáticas na DF, inclui anormalidades bioquímicas leves, litíase biliar frequente e complicações raras, mas potencialmente letais, como insuficiência hepática durante crise hepática aguda.
A DF é caracterizada pela presença de hemoglobina S anormal (HbS), seja em estado de homozigose (HbSS), ou em combinação com outra hemoglobina anormal (Hb), sendo as combinações mais frequentes HbSC e HbS / β-talassemia. As complicações surgem da mudança de forma dos eritrócitos na desoxigenação, secundária à polimerização da HbS anormal. Os eritrócitos falciformes causam vaso-oclusão juntamente com interações endoteliais anormais, levando a isquemia repetida, lesões de isquemia / reperfusão, inflamação e disfunção endotelial. Todos os órgãos podem ser afetados, e a frequência das disfunções orgânicas aumenta com a idade.
A fisiopatologia das complicações hepatobiliares na DF é complexa. A obstrução sinusoidal, devido às hemácias falciformes e eritrofagocitose e hiperplasia das células de Kupffer, é responsável pela isquemia dos hepatócitos, com balonamento secundário dos hepatócitos adjacentes e colestase intracanalicular. Portanto, a insuficiência hepática aguda durante a crise hepática na DF pode ser comparada à hepatite hipóxica que complica o choque cardiogênico, que se recupera rapidamente se a causa for tratada. A obstrução vascular também pode causar aprisionamento de hemácias e plaquetas, denominado “sequestro”, no fígado ou baço. Dependendo dos graus relativos de isquemia, colestase e aprisionamento celular, as crises podem se apresentar como crise hepática falciforme aguda, colestase falciforme intra-hepática ou sequestro hepático. No entanto, essas são provavelmente apresentações diferentes do mesmo fenômeno. Crises recorrentes e isquemia crônica ou repetida são responsáveis ​​pelas lesões vistas em adultos, fibrose sinusoidal, necrose focal, fibrose portal, hiperplasia nodular regenerativa e cirrose, contribuindo para a doença debilitante crônica de pacientes adultos com DF. Além disso, a hemólise crônica induz hiperbilirrubinemia, levando ao aumento da carga de bilirrubina nos ductos biliares, e libera heme que pode promover lesão hepática de SCD induzindo ativação pró-inflamatória de macrófagos hepáticos, conforme relatado em um modelo de camundongo SCD. Os danos ao fígado na DF também podem ser causados ​​por sobrecarga de ferro, vírus ou doenças auto-imunes.
A prevalência de disfunção hepática em adultos com DF é estimada em cerca de 10% e espera-se que aumente na população idosa com DF. As manifestações agudas são crise hepática falciforme, colestase intra-hepática falciforme e sequestro hepático. As manifestações crônicas incluem colelitíase, colangiopatia falciforme, hepatite autoimune, hepatite viral e sobrecarga de ferro. Em crianças, doença hepática grave é raramente relatada, mas pode ser subdiagnosticada e insuficientemente tratada, devido à interpretação incorreta dos testes hepáticos e possível confusão entre hemólise e marcadores de doença hepática. Grandes séries são raras, relatando leve elevação das transaminases e colelitíase como as principais anormalidades hepatobiliares, e a maioria dos estudos são séries de casos.
Complicações hepatobiliares em crianças com doença falciforme (DF) são raramente relatadas, mas podem ser fatais. Avaliamos retrospectivamente sua prevalência em uma coorte de 616 crianças acompanhadas em um centro de referência em SCD de um hospital universitário francês. Pelo menos uma complicação hepatobiliar foi relatada em 37% das crianças. A mais frequente foi a colelitíase, em 25% dos casos, o que levou ao rastreamento sistemático e à colecistectomia eletiva no caso de cálculo biliar. No geral, 6% das crianças apresentaram crise hepática falciforme aguda, colestase intra-hepática falciforme ou sequestro hepático agudo, com gravidade variando de dor hepática leve e aumento da icterícia até falência de múltiplos órgãos e morte. O tratamento de emergência foi a exsanguineotransfusão, o que levou à normalização dos exames hepáticos na maioria dos casos. Cinco crianças apresentavam colangiopatia crônica, associada à hepatite autoimune em dois casos. Um precisava de transplante de fígado, com bom resultado, mas com muitas complicações.
ARTIGO 2
O diagnóstico diferencial de dor abdominal é amplo em qualquer criança, e ainda mais complicada em crianças com doença falciforme (DF). Causas agudas de dor abdominal podem exigir emergência cirurgia, como para apendicite ou obstrução causada por um bezoar. A intervenção rápida é necessária e salva vidas em crianças com SCD e aguda sequestro esplénico ou hepática. A maioria de crianças com anemia falciforme apresentar ao escritório do médico ou de emergência departamento terá razões subagudas para sua dor abdominal, incluindo, mas não se limitando a constipação, infecção do trato urinário, úlcera péptica e colecistite. Dor vaso-oclusiva frequentemente se apresenta em crianças como dor abdominal, mas é um diagnóstico de exclusão.
Uma característica marcante da SCD é a anemia hemolítica, que é mais grave em pacientes com talassemia Hb SS / Hb S b0 do que naqueles com doença de Hb SC ou Hb S b + talassemia. Os eritrócitos hemolisados ​​liberam bilirrubina, que permanece não conjugada, e pode formar cálculos biliares pigmentados. Como parte de fisiologia normal, a vesícula biliar se contrai após uma refeição. Se houver cálculos biliares, os cálculos são forçados para cima contra o ducto cístico, causando pressão e dor. O a dor normalmente se localiza no quadrante superior direito, ou pode irradiar para a omoplata direita ou para o peito. Os pacientes costumam relatar a dor como maçante, mas constante por 1 a 2 horas de cada vez. Embora os sintomas típicos apresentem 1 a 2 horas após uma refeição gordurosa, os pacientes nem sempre relatam tal uma associação. Pacientes com SCD relatando episódios dor abdominal deve ser investigada para colelitíase, que está presente em 50% aos 18 anos de idade. Abdominal ultrassonografia geralmente pode diagnosticar colelitíase em pacientes com SCD, com varreduras nucleares hepatobiliares raramente sendo necessário. Crianças com colelitíase sintomática devem agendaram colecistectomia, ambos para prevenir episódios de dor e para eliminar o risco de colecistite aguda ou pancreatite associada. A colecistectomia programada é tipicamente laparoscópica, em vez de aberta, que demonstrou reduzir o tempo de hospitalização sem aumentar os riscos intra-operatórios. Tratamento terapêutico de crianças com DF acidentalmente encontrado para ter colelitíase por ultra-som para outro razão, mas que são assintomáticos, permanece obscura. Alguns defendem colecistectomia antes de complicações, mas outros esperariam, como complicações de assintomáticos colelitíase são raras. A obstrução do ducto biliar comum pode ocorrer no momento da apresentação inicial ou anos após colecistectomia, e tem uma maior incidência em pacientes com SCD do que a população em geral (30% a 50% vs. 10% a 15%). Os médicos devem ter um limite baixo para realizar colangiopancreatografia retrógrada endoscópica em crianças com sintomas de doença biliar, mesmo após colecistectomia.
· Causas de dor abdominal na criança com anemia falciforme
Dor abdominal pode ser difícil de descobrir em qualquer criança, e a doença das células falciformes (SCD) adiciona à lista de possíveis causas. A causa mais urgente particular para SCD que deve ser avaliado é sequestro esplênico agudo, a segunda principal causa de morte em crianças menores de 10 anos de idade nesta população. Como outras crianças, aqueles com SCD também pode ter apendicite ou outras causas de um quadro agudo abdômen cirúrgico. Raramente, os bezoares podem causar sintomas abdominais com risco de vida. Menos emergente, mas em particular para crianças com DF, são colelitíase, sequestro hepático,infartos renais e COV. Crianças com anemia falciforme têm uma maior incidência de infecção do trato urinário (ITU) e pielonefrite em comparação com outras crianças, e também estão em risco para constipação, DUP e dor abdominal vaso-oclusiva.
Sequestro esplênico 
O sequestro esplênico é definido como uma diminuição na hemoglobina Z2 g / dL abaixo da linha de base do paciente com um aumento agudo associado no tamanho do baço e evidência de aumento da eritropoiese, medida por uma contagem elevada de reticulócitos. A trombocitopenia também pode estar presente, mas não é necessário fazer o diagnóstico. Esplênico sequestro é causado por captura intraesplênica de vermelho células sanguíneas (RBCs), que podem resultar em choque hipovolêmico em questão de horas devido à maioria das volume de sangue sendo preso no baço e não disponível na circulação sistêmica. O sequestro esplênico foi descrito em todos os casos de foice genótipos, mas é mais comumente relatado em indivíduos com doença de Hb SS, entre os quais afeta 12,6% das crianças. O primeiro episódio de sequestro esplênico normalmente ocorre entre 6 meses e 6 anos de idade e é raro nos últimos 8 anos de idade devido ao enfarte do tecido esplénico. Indivíduos com A doença de Hb SC e a talassemia falciforme mantêm uma porção de função esplênica após os primeiros anos de idade escolar. Portanto, sequestro esplênico pode ser visto nesses indivíduos durante a idade escolar e na adolescência e até mesmo em idade adulta. O primeiro episódio de sequestro esplênico é frequentemente associado a uma infecção viral ou bacteriana. Comum os sintomas de sequestro esplênico incluem: dor abdominal, plenitude abdominal, palidez e letargia. O exame físico revela esplenomegalia, palidez, taquicardia e, possivelmente, sinais de hipovolemia, que são nefastos quando presentes. A transfusão aguda com concentrado de hemácias (PRBCs) deve ser realizado imediatamente para interromper a progressão do sequestro e restaurar o volume sanguíneo. A transfusão geralmente é iniciada com 5 mL / kg de PRBCs porque isso pode levar à autotransfusão de aprisionou eritrócitos para fora do baço e de volta à circulação, e um aumento> 2 g / dL na hemoglobina pode ser visto. Aproximadamente 50% a 67% das crianças que tiveram 1 episódio de sequestro esplênico terá episódios subsequentes. A recorrência de sequestro esplênico foi documentada em indivíduos que foram tratados conservadoramente com observação, bem como aqueles que foram tratados mais agressivamente com a terapia transfusional, uma vez que as transfusões são interrompidas. A esplenectomia pode ser necessária para prevenir episódios recorrentes e / ou com risco de vida de sequestro esplênico, mas aumenta o risco de sepse por encapsulação organismos. Transfusão crônica de 10 a 15 mL / kg de PRBCs mensal é frequentemente usado em crianças com menos de 2 anos de idade para prevenir a recorrência do sequestro esplênico até que a criança possa ser imunizada adequadamente contra organismos encapsulados.
Sequestro hepático
Adultos jovens com SCD têm envolvimento hepático em 10% das admissões por dor, que geralmente se apresenta com dor no quadrante superior direito, hepatomegalia sensível, febre, leucócitos elevados e elevações leves nas transaminases e bilirrubina. O sequestro hepático pode ocorrer, e é diferenciada da dor vaso-oclusiva por uma queda significativa na hemoglobina (> 2 g / dL da linha de base) com um aumento apropriado na reticulocitose. Foice RBCs ficam presos nos sinusóides hepáticos e causam um processo semelhante ao sequestro esplênico, com o potencial para anemia grave e choque hipovolêmico. Isso normalmente ocorre em adolescentes ou adultos, em vez de crianças pequenas, mas foi relatado em crianças a partir dos 5 anos de idade. Uma complicação rara, mas potencialmente fatal da SCD é colestase intra-hepática, a forma mais grave de sequestro. Esta entidade vem acompanhada de altíssimos níveis de bilirrubina, com mais da metade da bilirrubina conjugada, e o problema adicional de coagulopatia. Pacientes frequentemente morrer de insuficiência hepática fulminante. Tratamento com emergente exsanguíneo transfusão e transfusão de plasma podem diminuir a alta taxa de letalidade dessa complicação.
Bezoar
(Um bezoar é uma espécie de massa ou concreção, encontrada no sistema gastrointestinal, usualmente no estômago, principalmente dos ruminantes, mas que ocorre também entre outros animais, incluindo os seres humanos.)
Crianças com SCD têm uma incidência aumentada de pica, boca ou ingestão de itens não alimentares. A incidência de pica diminui com a idade, mas chega a 50% em crianças pré-escolares com DF. Embora raro, gástrico ou intestinal bezoares resultantes da ingestão de cabelo ou espuma podem ser fatais. Durante a obtenção da história de uma criança com DF e dor abdominal, é preciso lembrar de perguntar sobre comer itens não alimentares. Se a resposta for positiva, considere imagens de o abdômen. Embora a TC com contraste oral seja a mais técnica de imagem sensível, filmes simples e ultrassom podem também ser diagnóstico. Se presentes, bezoares gástricos ou intestinais podem exigir cirurgia de emergência, mas pode ser melhorada por endoscopia.
Infarto renal
A fisiopatologia da lesão renal é principalmente do processo de falcização crônica dos eritrócitos na região renal microvasculatura. O lado arterial da microvasculatura renal normalmente apresenta baixa tensão de oxigênio, hipertonia e baixo pH. Na medula renal, esses fatores promover a formação de polímeros de hemoglobina falciforme nas RBCs. Este evento resulta em um aumento de sangue viscosidade, ingurgitamento venoso funcional e intersticial edema, predispondo a microcirculação renal à isquemia e infarto. Obliteração da vasculatura medular inicialmente resulta em cicatriz segmentar e fibrose intersticial e progride para infarto e necrose, como necrose papilar. Pensa-se que, por causa da destruição na medula, fluxo sanguíneo cortical renal e a taxa de filtração glomerular é aumentada pela secreção de prostaglandinas vasodilatadoras. As alterações glomerulares mais comuns, ou seja, glomerulomegalia com hipercelularidade e glomeruloesclerose segmentar e focal, ocorrem em mais da metade dos indivíduos com DF, mas não são associadas à dor. A necrose papilar freqüentemente se apresenta como hematúria macroscópica dolorosa, enquanto a lesão glomerular apresenta vários graus de hematúria indolor e proteinúria. Hematúria é um problema comum na SCD e pode desenvolver em qualquer idade. Acredita-se que seja causado por infarto dos microvasos da medula e papilas renais. Pacientes com traço falciforme são propensos a episódios de hematúria macroscópica indolor também. O tratamento consiste em dormir repouso e hidratação, mas as transfusões podem ser necessárias para perda excessiva de sangue. Outras causas de hematúria precisam ser excluídas, como nefrolitíase, coagulopatia e tumores envolvendo a bexiga, ureter ou rins. Renal carcinoma medular é um tumor renal altamente agressivo afetando predominantemente pacientes com traço falciforme ou Hb Doença SC, ocorrendo tanto em crianças quanto em adultos. Pacientes geralmente se apresenta com dor no flanco e hematúria, que pode ser um complexo comum na SCD, representando um atraso no diagnóstico deste tumor altamente maligno. Ultrassom dos rins e a bexiga pode identificar a localização do sangramento tanto de uma pedra ou um tumor. Aumento da ecogenicidade renais pirâmides ou baqueteamento do calcário por urografia podem sugerir nefropatia falciforme.
ITU/Pielonefrite
Crianças com SCD são mais suscetíveis a ITU e pielonefrite. Os infartos esplênicos levam a uma redução do humor resposta imunológica, que predispõe os pacientes com DF a infecções bacterianas encapsuladas, incluindo UTI. Como em crianças sem SCD, há uma maior prevalência de ITU entre as meninas e predominância em organismos gram-negativos. Há também uma associação entre sintomáticos Episódios de ITU e de dor falciforme, bacteremia e pneumonia. Deve-se levar em consideração aITU quando a criança com SCD apresenta dor abdominal. Diagnóstico é concluído através da obtenção de um exame de urina limpo com uma cultura reflexa, que é relativamente simples e barata teste, seguido de tratamento com o antibiótico apropriado.
Constipação
A constipação é um dos problemas gastrointestinais mais comuns em crianças de todas as idades, mas relatos de a prevalência exata é altamente variável. Uma revisão sistemática em 2006 encontrou uma prevalência variando de 0,7% a 29,6%, com uma mediana de 8,9% de todas as crianças. A constipação é a mais causa comum de dor abdominal em crianças apresentando tanto para o departamento de emergência quanto para a atenção primária. A fisiopatologia da constipação é complexa, com predisposição genética, baixa ingestão de fibras, má ingestão de líquidos, estilo de vida sedentário e uma história de evacuação dolorosa levando a um ciclo de retenção de fezes, todos desempenhando um papel no problema. O diagnóstico da constipação é feito principalmente por tomada de história, usando critérios de Roma III de 2006. A constipação é melhor tratada com educação e judiciosa uso de polietilenoglicol para limpeza inicial do intestino, seguido por um regime de manutenção de polietilenoglicol e / ou outros laxantes osmóticos ou estimulantes de 6 a 24 meses. De particular importância para crianças com DF é lembrar que todos os medicamentos opióides têm em comum o efeito colateral da constipação. Crianças que normalmente não sofrem de constipação devem ser colocadas nas fezes amaciantes no mínimo e potencialmente osmóticos ou laxantes estimulantes, com o uso de opioides.
Úlcera péptica 
Um estudo de base populacional de adultos estimou a prevalência de DUP em 5% a 15%. Com base em 353 adultos Pacientes com SCD, um estudo jamaicano estimou a prevalência de úlcera duodenal (DU) em 7,7%. Apesar da falta de grandes estudos pediátricos de base populacional, taxas de DUP em a infância parece ser baixa. Grandes centros pediátricos relatam anedoticamente uma incidência de 5 a 7 crianças com problemas gástricos ou AD por 2.500 admissões hospitalares a cada ano. Alguns casos existem relatos de DUP em pacientes pediátricos com SCD, mas estudos populacionais de prevalência de DUP em pediatria Pacientes com SCD estão ausentes. Em um estudo de adultos de 2009, a maioria dos pacientes com 154 Hb SS e Hb SC localizada dor abdominal no epigástrio (36% e 50%, respectivamente). No mesmo estudo, ocorreu DUP / gastrite mais frequentemente do que COV abdominal, hepatopatia, enterite e colelitíase entre todos os pacientes. A patogênese das úlceras pépticas na população em geral inclui hipersecreção ácida, diminuição da mucosa resistência, ou uma combinação de 2. Rao et al37 e Julka e cols.40 propuseram oclusão arterial induzida por falcização, resultando em lesão primária de infarto da mucosa, em última instância causando ulceração duodenal (DU). Esta hipótese é apoiada pelo trabalho de Serjeant et al, 35 que relatou que DU foi mais comum em indivíduos com contagens elevadas de células falciformes irreversíveis, e Lee et al, 41 que relataram que os níveis de hemoglobina total e fetal foram significativamente mais baixos em pacientes com SCD-DU. Rao e cols.37 sugerem uma comum fisiopatologia da oclusão arterial com comprometimento suprimento de sangue na formação da perna e DU, e que supressão da produção de hemoglobina falciforme com RBC transfusões podem promover a cura DU, semelhante à cura observada com úlceras de perna. Devido ao mínimo papel da hipersecreção de ácido e os efeitos substanciais de lesão da mucosa induzida por falcização na criação de DU em Pacientes com SCD, o bloqueio ácido deve ser considerado terapia adjuvante. As intervenções endoscópicas e cirúrgicas definitivas devem ser consideradas precocemente para minimizar o risco de morbidade, incluindo perfuração intestinal, sangramentos gastrointestinais e obstrução da saída gástrica. A radiografia de contraste do trato GI superior, também conhecida como refeição de bário ou série GI superior, pode muitas vezes demonstrar úlcera péptica, bem como úlcera gástrica relacionada obstrução de saída (como neste caso, paciente). Contraste de ar, também conhecido como estudos de duplo contraste, identifica com mais precisão DUs em comparação com estudos de contraste único. A precisão da série GI superior, no entanto, pode ser limitada pela má visualização de úlceras superficiais ou pequenas (<0,5 cm), úlceras muito grandes, e a falta de experiência do radiologista atuante ou expertise. A endoscopia de cápsula pode detectar úlceras quando usada em avaliação de sangramento GI obscuro. Embora seja mais invasiva e pode exigir anestesia, a endoscopia digestiva alta de rotina diagnostica úlceras com mais precisão em comparação com estudos de contraste único e duplo contraste. Além disso, endoscopia é preferível a outras técnicas, pois as biópsias podem ser obtidas para fazer diagnósticos definitivos e avaliar para malignidade. A endoscopia permite uma melhor avaliação de emergências médicas iminentes (por exemplo, úlceras profundas com coágulos aderentes, sangramento ativo) e realização de terapêutica manobras, se necessário. Sangue oculto nas fezes pode ser útil na avaliação do sangramento de uma úlcera péptica. Soro elevado gastrina e níveis de pH gástrico abaixo do normal sugerem gastrinomas e síndrome de Zollinger-Ellison. H. pylori são bactérias gram-negativas que, devido à sua capacidade de produzir urease, pode suportar o ambiente ácido da mucosa gástrica. A infecção por H. pylori é comum causa de DUs e gastrite em adultos e crianças. A infecção por H. pylori não parece ser mais comum em Pacientes com SCD, conforme apoiado por um estudo recente de 72 SCD pacientes com dor abdominal recorrente, em que 70% eram H. pylori IgG positivo, semelhante às taxas entre os não Coorte SCD. Como H. pylori pode exigir ferro para o crescimento, o os autores também propõem que a sobrecarga de ferro pode contribuir para a alta prevalência de infecção por H. pylori entre SCD pacientes, com menos de 5 anos de idade em particular. H. pylori infecção também pode aumentar o risco de indução de AINEs úlceras. Em crianças, os testes de antígeno fecal são mais sensíveis, enquanto que IgG sérica e reação em cadeia da polimerase oral mucosa têm maior especificidade para infecção por H. pylori. Em um meta-análise de estudos pediátricos de terapias de H. pylori em nações desenvolvidas, 2 a 6 semanas de nitroimidazol e amoxicilina, 1 a 2 semanas de claritromicina, amoxicilina e um PPI e 2 semanas de um macrolídeo, um nitroimidazol e um PPI ou bismuto, amoxicilina e metronidazol foram os mais regimes terapêuticos eficazes. Existem 2 fatores de risco adicionais para PUD particular para crianças com SCD sobre quais provedores devem ser conscientes. Crianças com SCD que receberam várias transfusões de sangue podem ser tratadas com quelantes de ferro. O deferasirox é um quelante de ferro oral com úlcera gástrica listado nas informações do produto como um adverso infrequente evento. A proteção gástrica não é recomendada rotineiramente com deferasirox, mas PUD deve ser considerado em crianças que sentem dor abdominal com este medicamento. Em segundo lugar, como a criança descrita em nosso caso, muitas crianças com SCD tomam NSAIDs frequentes como parte de seus tratamentos para dor vaso-oclusiva. Proteção gástrica com AINEs orais não são recomendados rotineiramente em crianças, embora a literatura apóie histamina em altas doses 2 antagonistas do receptor ou PPIs para pacientes com alto risco de PUD. Além disso, vários NSAIDs têm segurança diferente perfis relacionados a PUD, com inibidores seletivos de Cox-2 sendo mais seguro do que o ibuprofeno, que geralmente é mais seguro do que cetorolaco ou naproxeno. Nosso programa, como muitos outros, usa ibuprofeno sozinho na maioria dos pacientes, e ibuprofeno ou um inibidor seletivo de Cox-2 junto com um PPI em pacientes com PUD conhecido ou suspeito.
Dor vaso-oclusiva
A dor vaso-oclusiva na SCD pode ser óbvia quando há inchaçovisível, sem história de lesão ou febre e sem eritema subjacente, como na dactilite. Embora mais frequentemente, é um diagnóstico clínico baseado no paciente história de dor intensa em um local típico para aquele paciente, precipitado por mudanças no clima, desidratação, estresse, uso excessivo ou exposição ao frio e melhorado com hidratação, repouso e medicamentos para a dor. É causado por irreversível foice levando a polímeros falciformes que obstruem o sangue fluxo e prevenir a oxigenação para os tecidos. A dor vaso-oclusiva abdominal é difícil de diferenciar de outras orgânicas causas de dor abdominal, incluindo muitas das descritas acima, bem como dor abdominal funcional da infância, na qual nenhum mecanismo patológico pode ser encontrado para explicar a dor. História completa do início, localização, tipo de dor, fatores de exacerbação e alívio, incluindo alimentos, defecação e redutores de ácido podem ser úteis. Fisica exame deve descartar um abdômen cirúrgico agudo, esplenomegalia, hepatomegalia ou massa. Falta de intestino sons ou acidose metabólica devem ser considerados sinais em relação à colite isquêmica. A criança deveria ter repouso intestinal completo e imagens realizadas com ultrassom ou tomografia computadorizada. Somente depois que outras causas forem consideradas e efetivamente descartadas, defendemos o tratamento para Dor vaso-oclusiva com AINE e opioide agendada 24 a 48 horas 24 horas por dia, aumentando a hidratação oral e adicionando medicamentos para constipação. E se se houver alguma preocupação com gastrite ou se o uso de AINEs for prolongado, um bloqueador de ácido em altas doses também devem ser usado.
· Anemia falciforme
Como já dito, a mutação pontual GAG -> GTG (6-Glu -> Val) cria o gene βS. Todo ser humano possui duas cópias (alelos) do gene da β-globina. Somente aqueles que são homozigotos para o gene βS (isto é, os dois alelos são do tipo βS) desenvolvem a “doença” anemia falciforme. Indivíduos que herdam apenas uma cópia do βS em associação a outro alelo qualquer possuem o que se chama de “variante falcêmica” (heterozigotos para o gene βS). Existem diversas variantes falcêmicas possíveis, na dependência do segundo alelo presente. Essa codominância entre diferentes alelos do gene β faz surgirem fenótipos clínicos distintos, de gravidade e prognóstico variáveis.
O gene βS ainda pode ser classificado em função de seus haplótipos. Haplótipos são alelos com pequenas diferenças em certos pontos na sequência de DNA (polimorfismos) que não mudam o resultado final (fenótipo). Seu reconhecimento serve apenas para determinar as regiões etnogeográficas onde o βS surgiu de maneira independente. Temos cinco grandes haplotipos do βS: Senegal, Benin, Bantu, Camarões e Indo-Arábico.
A elevada prevalência do βS em certas populações é explicada pelo processo de seleção natural: quando em heterozigose com o gene β normal (traço falcêmico), ele confere uma vantagem biológica ao proteger o indivíduo contra as formas graves de malária! Plasmodium invade a hemácia portadora do traço falcêmico, a HbS presente nessa célula se desnatura de forma extremamente rápida. Tal fenômeno se acompanha de uma modificação antigênica na membrana plasmática: agregação da proteína banda 3. Autoanticorpos anti-banda 3, fisiologicamente presentes na circulação, opsonizam a superfície externa das hemácias parasitadas, aumentando a taxa de eritrofagocitose (remoção de hemácias pelo baço). O rápido clearance dessas células impede o surgimento de altos níveis de parasitemia, dando tempo ao sistema imune para se adaptar e atingir o controle espontâneo da infecção!
Vale dizer que os portadores de HbSS (anemia falciforme), em oposição ao “traço falcêmico”, têm maior chance de morrer quando infectados pelo Plasmodium... A explicação é: ainda que a mesma modificação antigênica na membrana também ocorra nesses indivíduos (agregação da banda 3), a presença de ASPLENIA (perda da função do baço – maiores detalhes adiante) inviabiliza o aumento no clearance das células parasitadas! Assim, portadores de HbSS exacerbam sua taxa básica de hemólise quando acometidos por malária, o que agrava tanto a anemia crônica quanto a malária aguda... De fato, a malária é a principal causa de óbito em crianças falcêmicas nas áreas endêmicas!
Acredita-se que o gene βS tenha se fixado e se expandido na região conhecida como cinturão da malária há cerca de 4.000 anos, quando o homem entrou na “idade do ferro” e passou a utilizar instrumentos que permitiram o desenvolvimento da agricultura, deixando de ter um comportamento nômade. O consequente aumento na densidade populacional favoreceu a proliferação do mosquito Anopheles, vetor da malária, gerando hiperendemias da infecção. Desse modo, ao longo dos séculos, o βS foi naturalmente selecionado numa espécie de “solução biológica para um problema cultural”. A disseminação do βS para o resto do mundo se deu posteriormente, devido às migrações e ao tráfico de escravos...
-Epidemiologia:
Estima-se que entre 8-10% dos negros norte-americanos possuam pelo menos uma cópia do gene βS; 3% têm pelo menos uma cópia do gene βC; 1,5% são heterozigotos para alguma forma de β-talassemia; e 0,1% têm o gene da HPFH... De acordo com tais estatísticas, 1 a cada 600 nascimentos na população negra naquele país apresenta homozigose HbSS (“anemia falciforme”), enquanto 1 a cada 400 possui alguma “variante falcêmica”. No Brasil, os dados são menos precisos, e variam conforme a região (fato explicado pelas diferentes participações do negro africano na formação da sociedade de cada local): a anemia falciforme incide em 1 a cada 500 nascimentos na Bahia, 1 a cada 1.200 no Rio de Janeiro e 1 a cada 8.000 no Rio Grande do Sul.
-Fisiopatologia:
Baixa solubilidade
A troca do ácido glutâmico pela valina resulta em perda de eletronegatividade e ganho de hidrofobicidade. A menor carga elétrica negativa da cadeia βS, aliada à sua maior “repulsa pela água”, gera uma tendência à autoagregação, que pode culminar na súbita formação de polímeros de hemoglobina S no interior do citoplasma (perda de solubilidade), polímeros esses que, por constituírem fibras alongadas e rígidas, alteram o formato da célula (afoiçamento), prejudicando sua deformabilidade. Os polímeros de HbS não carreiam oxigênio.
No portador de anemia falciforme, o afoiçamento de hemácias acontece de forma espontânea em graus variáveis, mas sabemos que ele se torna extremamente exacerbado na vigência de um ou mais dos seguintes fatores: (1) hipóxia; (2) acidose; (3) desidratação celular.
•A hipóxia transforma a oxi-HbS em desoxi-HbS. O “limiar de solubilidade” da desoxi-HbS (16 g/dl) está muito abaixo da CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média, que na anemia falciforme varia entre 23-50 g/dl). Assim, mesmo numa hipóxia leve – onde apenas parte da hemoglobina da hemácia se torna desoxigenada – a concentração corpuscular de desoxi-HbS já pode ultrapassar seu limiar de solubilidade, desencadeando a polimerização. 
•A acidose desloca a curva de saturação da hemoglobina “para a direita”, isto é, reduz a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio (efeito Bohr). Logo, na vigência de acidose, há mais desoxi-HbS para um mesmo nível de pO2... Novamente, quanto mais desoxi-HbS dentro da célula, maior a taxa de polimerização.
•A desidratação celular favorece a polimerização por aumentar a CHCM. Com isso, a concentração de desoxi-HbS também aumenta, ultrapassando seu limiar de solubilidade.
É importante ressaltar que, uma vez resolvidos tais fatores, os polímeros de HbS se desfazem e as hemácias podem retomar seu formato original (mas às vezes isso não acontece, gerando as chamadas Irreversibly Sickled Cells, ou ISC).
A mistura com HbF (hemoglobina fetal) bloqueia a polimerização da HbS pelo seguinte motivo: a HbF possui alta afinidade pelo oxigênio; logo, quanto mais HbF dentro da hemácia, maior a quantidade de oxigênio... Na presença de altos níveis intracelulares de HbF (ex.: primeiros 6 meses de vida, heterozigose HbS/HPFH, uso de hidroxiureia), a formaçãode polímeros de HbS e o afoiçamento de hemácias se reduzem (pois há menos desoxi-HbS), o que ameniza ou mesmo previne as manifestações clínicas da anemia falciforme.
A mistura intracelular com outras hemoglobinas também interfere na polimerização da HbS: a mera redução na proporção de HbS já dificulta a formação de polímeros, diminuindo, portanto, o afoiçamento. Como dissemos, a hemoglobina mais eficiente no bloqueio à formação dos polímeros de HbS é a HbF. As demais hemoglobinas (ex.: HbA1, HbA2, HbC etc.) exercem efeitos variáveis, mas sempre de redução da polimerização da HbS... É por isso, inclusive, que a forma mais grave de doença falciforme é a homozigose HbSS (anemia falciforme), onde > 90% da hemoglobina é HbS. Nas variantes falcêmicas, a gravidade clínica depende tanto da proporção de HbS dentro da célula quanto da influência exercida pelas outras hemoglobinas presentes!
Instabilidade molecular
A HbS é uma molécula “instável”, no sentido de que ela tende a sofrer oxidação com mais facilidade do que a hemoglobina normal. A HbS possui uma taxa de auto-oxidação espontânea moderadamente alta (cerca de 40%). No entanto, o que chama a atenção é sua absurda instabilidade perante o contato com os fosfolipídeos da membrana celular: a oxidação aumenta em 340%, levando à formação de macromoléculas “desnaturadas” compostas por fragmentos de globina, ferro (separado dos grupamentos heme, que são destruídos) e fosfolipídeos! Na hemácia do portador de anemia falciforme tais produtos são gerados incessantemente, e permanecem “ancorados” na face interna da membrana (o que acarreta uma série de prejuízos, conforme será explicado a seguir).
Consequências para a hemácia 
As duas características físico-químicas da HbS que acabamos de descrever (tendência à polimerização e instabilidade molecular) respondem pela cascata de eventos fisiopatológicos no interior da hemácia. Além da alteração morfológica patognomônica (isto é, o afoiçamento decorrente da polimerização da HbS), ocorre um curioso fenômeno secundário à instabilidade dessa hemoglobina mutante: o aumento no estresse oxidativo intracelular.
Uma vez que o mero contato com os fosfolipídeos da membrana plasmática exacerba a “instabilidade” da HbS, pode-se deduzir que um excesso de reações oxidativas acontece o tempo todo dentro das hemácias do falcêmico, independentemente da polimerização da HbS, ou seja, acomete até as hemácias bem oxigenadas e não afoiçadas!!! As macromoléculas “desnaturadas” criadas durante este processo possuem ferro não heme em sua composição. Uma das consequências da presença de ferro não heme é a catalização da síntese de espécies reativas de oxigênio, os principais “radicais livres” que agridem as células. Logo, a noção que devemos ter é que TODAS as células vermelhas no sangue de um falcêmico apresentam níveis aumentados de estresse oxidativo, mesmo quando não afoiçadas.
Quais são os principais efeitos patológicos do estresse oxidativo intracelular?
•Em primeiro lugar, a membrana plasmática sofre dano cumulativo. Ocorre peroxidação de lipídeos e oxidação de múltiplas proteínas estruturais, o que rompe as interações com o citoesqueleto, levando à formação de microvesículas na superfície, as quais se destacam para a corrente circulatória. A fluidez da membrana também é comprometida, o que faz com que muitas hemácias não consigam sair do estado afoiçado mesmo quando os polímeros de HbS se desfazem, gerando as chamadas ISC (Irreversibly Sickled Cells). Num espaço de tempo curtíssimo (entre 7-30 dias), a célula pode se tornar tão frágil que ocorre lise osmótica ou mecânica no próprio compartimento intravascular, contribuindo para a anemia hemolítica (componente de hemólise intravascular).
•O transporte iônico é afetado. A peroxidação de lipídeos aumenta a permeabilidade da membrana aos cátions, em particular na vigência de afoiçamento (uma característica denominada mecanossensibilidade). O resultado final é a desidratação celular, veja: a entrada de cálcio no citoplasma ativa um canal transmembrana denominado “canal gardos”, que induz a perda de K+ e água para o extracelular... Lembre-se que hemácias desidratadas se afoiçam com mais facilidade, além de serem mais viscosas mesmo quando não afoiçadas. Desse modo, cria-se um ciclo vicioso de afoiçamento e desidratação celular progressiva.
•Por fim, surgem modificações antigênicas na membrana, como a já citada agregação da proteína banda 3 (que estimula autoanticorpos anti-banda 3, naturalmente presentes na circulação a opsonizar a superfície da hemácia, aumentando a eritrofagocitose no sistema reticuloendotelial – componente de hemólise extravascular). Outra modificação antigênica de interesse é a Exposição da Fosfatidilserina (FS), uma molécula com propriedades diretamente adesiogênicas e pró-inflamatórias. A FS presente na membrana pode ser “virada” para dentro ou para fora da célula, de acordo com a atividade da enzima translocase. O estresse oxidativo desregula a transloca-se, fazendo com que mais FS seja externalizada... Isso acontece, inclusive, nas vesículas que se desprendem das hemácias falcêmicas, o que explica a sua participação nos processos de lesão endotelial difusa e estímulo à resposta inflamatória.
Consequências para o organismo
As hemácias ricas em HbS são verdadeiros “agentes do caos” dentro do corpo do paciente!
Entenda que os dois mecanismos básicos de hemólise acontecem ao mesmo tempo na anemia falciforme.
Apesar de representar a menor parcela da taxa hemolítica total, a hemólise intravascular é a chave para compreendermos aquele que atualmente é considerado um dos pontos centrais na fisiopatologia da doença: a disfunção endotelial.
- Qual é a relação entre hemólise intravascular e disfunção do endotélio?
Quando as hemácias falcêmicas são destruídas no interior da corrente circulatória, ocorre liberação de seus conteúdos para o sangue. A hemoglobina S (instável e com tendência a provocar reações oxidativas), bem como as moléculas “desnaturadas” existentes nessas células (que são ricas em ferro não heme altamente catalítico), exercem uma série de efeitos negativos sobre a camada interna da parede vascular, isto é, o endotélio. Uma das principais consequências observadas é a depleção do óxido nítrico, uma substância com propriedades vasodilatadoras, antitrombóticas e anti-inflamatórias. Não se esqueça que, mesmo antes da destruição definitiva da hemácia, as microvesículas ricas em fosfatidilserina que se desprenderam da membrana já deram início ao processo de lesão endotelial...
Além de todos esses efeitos tóxicos diretos, ocorre ainda um efeito indireto: os conteúdos das hemácias e as microvesículas ricas em FS também estimulam células da imunidade inata, como macrófagos e monócitos, a produzir e secretar citocinas pró-inflamatórias, como TNF-alfa e interleucinas. Assim, na anemia falciforme ocorre um estado de inflamação sistêmica crônica, que por sua vez potencializa a disfunção endotelial!!! Corroboram a noção de que existe inflamação sistêmica crônica nessa doença a presença de alterações persistentes nos exames de sangue, como leucocitose e elevação de marcadores de fase aguda (ex.: proteína C reativa) – o falcêmico é um paciente constantemente “inflamado”!
O resultado final é que o endotélio (considerado o maior órgão do corpo, por revestir internamente toda a rede micro e macrovascular) acaba sendo difusamente comprometido. Suas células adquirem um fenótipo “ativado”, com exposição de fatores adesiogênicos na superfície. Sobrevém um processo de hiperplasia e fibrose na parede dos vasos de maior calibre, com obstrução progressiva do lúmem, e a inflamação sistêmica crônica produz ainda hipercoagulabilidade, facilitando o surgimento de tromboses...
O aumento episódico na exposição de fatores adesiogênicos pelas células endoteliais (aliado a um aumento no afoiçamento de hemácias) explica o fenômeno da vaso-oclusão capilar que caracteriza as crises falcêmicas agudas (ex.: crises álgicas). Já a lesão crônica da parede vascular, em associação à hipercoagulabilidade,explica a vasculopatia macroscópica subjacente a certas complicações, como o AVE isquêmico e a hipertensão pulmonar.
A anemia falciforme cursa com disfunção endotelial crônica, tanto na MICRO quanto na MACROcirculação. Os capilares tendem à vaso-oclusão em decorrência da maior adesividade entre o endotélio e as hemácias falcêmicas. Na parede dos vasos de maior calibre ocorre hiperplasia e fibrose, obstruindo progressivamente o lúmem e aumentando a chance de trombose in situ.
Vaso-oclusão capilar
Vejamos agora como se desenrola o processo de vaso-oclusão da microcirulação capilar, o evento fisiopatológico mais clássico da anemia falciforme. Como já dissemos, a vaso-oclusão aguda justifica as crises álgicas, mas sabe-se que ela também ocorre de forma crônica em baixa escala, levando à disfunção orgânica lentamente progressiva (pequenos infartos teciduais cumulativos) ... Acredita-se que existam duas etapas sucessivas:
1. Adesão de hemácias ao endotélio das vênulas pós-capilares (em geral formas jovens de hemácia, como os reticulócitos), lentificando o fluxo sanguíneo local.
2. Impactação e empilhamento de hemácias a montante, inicialmente as ISC (mais viscosas e menos deformáveis) e posteriormente hemácias não afoiçadas. A estase sanguínea subsequente produz hipóxia e acidose, o que faz o afoiçamento se generalizar criando a obstrução microvascular propriamente dita, que culmina em isquemia tecidual.
A adesão de hemácias ao endotélio pode ocorrer espontaneamente, mas sabemos que ela é modulada por fatores exógenos como infecções, desidratação, exposição ao frio e diversas outras formas de “estresse” (incluindo o estresse emocional) ... Tais fatores não só aumentam a chance de polimerização da HbS como também estimulam diretamente a resposta inflamatória, sobrepondo-se ao estímulo inflamatório crônico promovido pela hemólise intravascular constante... A agudização do estado inflamatório crônico “ativa” ainda mais as células endoteliais, aumentando transitoriamente a exposição de moléculas adesiogênicas em sua interface com o sangue – um verdadeiro “estopim” para que um grande número de hemácias fique presas na microcirculação!
- Quais são as consequências da vaso-oclusão capilar?
A isquemia tecidual evidentemente irá produzir focos de necrose nos órgãos envolvidos (p. ex.: medula óssea, medula renal, baço, pulmões, mucosa intestinal etc). A disfunção orgânica na anemia falciforme apresenta um curso crônico e progressivo, pois a vaso-oclusão capilar constante somam-se episódios intermitentes de agravamento... Curiosamente, a isquemia localizada também estimula a disfunção endotelial sistêmica: mediadores inflamatórios, liberados pelos tecidos infartados, exercem efeitos sistêmicos (à distância) que modificam a biologia vascular de todo o organismo! Assim, podemos afirmar que a vaso-oclusão repetitiva da microvasculatura é um fator adjuvante que, junto à hemólise intravascular ininterrupta, produz inflamação sistêmica e disfunção endotelial!
A anemia falciforme cursa com inflamação sistêmica crônica, pois tanto os produtos da hemólise intravascular quanto os da isquemia tecidual estimulam diretamente a secreção de mediadores pró-inflamatórios pelas células do sistema imune. A inflamação sistêmica potencializa a disfunção endotelial, que por sua vez facilita a vaso-oclusão capilar e a lesão na parede dos vasos de maior calibre, gerando um ciclo vicioso.
· Colelitíase
Os cálculos biliares são bastante prevalentes na maioria dos países ocidentais. A formação de cálculos biliares aumenta após 50 anos de idade. Nos EUA, o terceiro National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III) revelou uma prevalência global de cálculos biliares de 7,9% nos homens e de 16,6% nas mulheres. A prevalência é alta nos mexicano-americanos (8,9% nos homens, 26,7% nas mulheres), intermediária nos brancos não hispânicos (8,6% nos homens, 16,6% nas mulheres) e baixa nos afro-americanos (5,3% nos homens, 13,9% nas mulheres). Os cálculos biliares são formados devido a uma composição anormal da bile. Eles se dividem em dois tipos principais: cálculos de colesterol e cálculos pigmentares. Os cálculos de colesterol são responsáveis por mais de 90% de todos os cálculos nos países ocidentais industrializados. Os cálculos de colesterol costumam conter >50% de monoidrato de colesterol mais uma mistura de sais de cálcio, pigmentos biliares, proteínas e ácidos graxos. Os cálculos pigmentares são constituídos principalmente por bilirrubinato de cálcio; contêm <20% de colesterol e são classificados em tipos “pretos” e “marrons”, sendo os últimos formados em razão de infecção biliar crônica.
-Cálculos de colesterol e lama biliar:
O colesterol é essencialmente insolúvel na água e depende de sua dispersão aquosa dentro de micelas ou vesículas, sendo em ambos os casos necessária a presença de um segundo lipídeo para solubilizar o colesterol. O colesterol e os fosfolipídeos são secretados e lançados na bile como vesículas unilamelares formando duas camadas, que são transformadas em micelas mistas que consistem em ácidos biliares, fosfolipídeos e colesterol pela ação dos ácidos biliares. Se houver excesso de colesterol em relação aos fosfolipídeos e ácidos biliares, observa-se a persistência de vesículas instáveis ricas em colesterol, que se agregam em grandes vesículas multilamelares a partir das quais ocorre a precipitação dos cristais do colesterol.
Existem vários mecanismos importantes na formação da bile litogênica (formadora de cálculos). O mais importante é a secreção biliar aumentada de colesterol. Isso pode ocorrer em associação com obesidade, síndrome metabólica, dietas com alto conteúdo calórico e ricas em colesterol ou medicamentos (p. ex., clofibrato) e pode resultar do aumento de atividade da hidroximetilglutaril-coenzima A (HMG-CoA), a enzima limitadora de velocidade da síntese hepática de colesterol, e da captação hepática aumentada de colesterol a partir do sangue. Em pacientes com cálculos biliares, o colesterol da dieta aumenta a secreção biliar de colesterol. Isso não ocorre nos pacientes sem cálculos com dietas ricas em colesterol. Além dos fatores ambientais, como as dietas com alto conteúdo calórico e ricas em colesterol, os fatores genéticos desempenham um papel importante na doença calculosa biliar. Um grande estudo de cálculos biliares sintomáticos em gêmeos suecos proporcionou fortes evidências favoráveis a um papel dos fatores genéticos na patogênese dos cálculos biliares. Os fatores genéticos foram responsáveis por 25%, os fatores ambientais compartilhados por 13%, e os fatores ambientais individuais por 62% da variação fenotípica entre os gêmeos monozigóticos. Foi encontrado um polimorfismo de nucleotídeo único do gene que codifica o transportador de colesterol hepático ABCG5/G8 em 21% dos pacientes com cálculos biliares, porém em apenas 9% da população geral. Acredita-se que ele produza um ganho de função do transportador de colesterol e contribua para a hipersecreção de colesterol. Uma alta prevalência de cálculos biliares é observada entre parentes de primeiro grau de portadores de cálculos biliares, assim como em certas populações étnicas, como índios norte-americanos, índios chilenos e chilenohispânicos. Um traço genético comum foi identificado para algumas dessas populações pela análise do DNA mitocondrial. Em alguns pacientes, a transformação hepática prejudicada do colesterol em ácidos biliares também pode ocorrer, resultando em um aumento da relação colesterol litogênico/ácidos biliares. A maioria dos cálculos de colesterol possui uma base poligênica, porém existem raras causas monogênicas (mendelianas). Recentemente, foi descrita uma mutação no gene CYP7A1 que resulta em deficiência da enzima colesterol 7-hidroxilase, a qual catalisa a etapa inicial do catabolismo do colesterol e da síntese dos ácidos biliares. O estado homozigoto está associado à hipercolesterolemia e aos cálculos biliares. Sabendo-se que o fenótipo se expressa no estado heterogizoto, as mutações no gene CYP7A1 podemcontribuir para a suscetibilidade à doença caracterizada por cálculos biliares de colesterol na população. As mutações no gene MDR3 (ABCB4), que codifica a bomba de exportação dos fosfolipídeos na membrana canalicular do hepatócito, podem causar alteração na secreção dos fosfolipídeos que irão penetrar a bile, resultando em supersaturação de colesterol na bile e formação de cálculos biliares de colesterol na vesícula biliar e nos ductos biliares. Assim, um excesso de colesterol biliar em relação aos ácidos biliares e fosfolipídeos é devido principalmente à hipersecreção de colesterol, porém a hipossecreção de ácidos biliares ou fosfolipídeos também pode contribuir. Um distúrbio adicional do metabolismo dos ácidos biliares que contribui provavelmente para a supersaturação da bile com colesterol é a transformação acelerada do ácido cólico em ácido desoxicólico, com a substituição do reservatório de ácido cólico por um reservatório ampliado de ácido desoxicólico. Isso pode resultar da desidroxilação exacerbada do ácido cólico e maior absorção do ácido desoxicólico recém-formado. Uma secreção maior de desoxicolato está associada à hipersecreção de colesterol e seu lançamento na bile.
Embora a supersaturação da bile com colesterol seja um importante pré-requisito para a formação de cálculos biliares, em geral isso não é suficiente, por si só, para produzir a precipitação do colesterol in vivo. A maioria dos indivíduos com bile supersaturada não desenvolve cálculos, pois o tempo necessário para que os cristais de colesterol possam sofrer nucleação e crescer é maior do que o período durante o qual a bile permanece na vesícula biliar.
Um mecanismo importante é a nucleação dos cristais de monoidrato de colesterol, muito acelerada na bile litogênica humana. A nucleação acelerada do monoidrato de colesterol na bile pode ser devida a excesso de fatores pronucleação ou à deficiência dos fatores antinucleação. A mucina e certas glicoproteínas não mucina, principalmente as imunoglobulinas, parecem ser fatores pronucleação, enquanto as apolipoproteínas A-I e A-II, assim como outras glicoproteínas, parecem ser fatores antinucleação. É possível que partículas pigmentares sejam importantes como fatores de nucleação. Em uma análise genômica ampla de níveis séricos de bilirrubina, a variante genética da síndrome de Gilbert uridina difosfato-glicuroniltransferase 1A1 (UGT1A1) foi associada com a presença de doença da vesícula biliar. Como a maioria dos cálculos biliares associados com a variante UGT1A1 era de cálculos de colesterol, esse achado aponta para o papel de partículas pigmentares na patogênese de cálculos da vesícula biliar. A nucleação dos cristais de monoidrato de colesterol e o crescimento dos cristais ocorrem provavelmente dentro da camada de gel de mucina. A fusão das vesículas dá origem aos cristais líquidos, os quais sofrem nucleação e se transformam em cristais sólidos de monoidrato de colesterol. O crescimento contínuo dos cristais ocorre por nucleação direta das moléculas de colesterol a partir das vesículas biliares uni ou multilamelares supersaturadas.
Um terceiro mecanismo importante na formação dos cálculos biliares de colesterol é a hipomotilidade da vesícula biliar. Se a vesícula descarregasse completamente toda a bile supersaturada ou que contém cristais, não poderia haver crescimento de cálculos. Um alto percentual dos pacientes com cálculos biliares exibe anormalidades do esvaziamento da vesícula. Os estudos ultrassonográficos mostram que os pacientes com cálculos biliares exibem um aumento do volume da vesícula durante o jejum e após uma refeição-teste (volume residual) e que o esvaziamento fracional após estimulação da vesícula é reduzido. A incidência de cálculos biliares está aumentada em condições associadas com esvaziamento infrequente ou reduzido da vesícula biliar, como jejum, nutrição parenteral ou gestação e em pacientes que usam fármacos que inibem a motilidade da vesícula biliar.
A lama biliar é um material mucoso espesso que, ao exame microscópico, revela cristais líquidos de lecitina-colesterol, cristais de monoidrato de colesterol, bilirrubinato de cálcio e géis de mucina. A lama biliar forma uma camada semelhante a um crescente na porção mais baixa da vesícula biliar, sendo reconhecida por ecos característicos na ultrassonografia (ver adiante). A presença de lama biliar sugere duas anormalidades: (1) desarranjo do equilíbrio normal entre a secreção de mucina pela vesícula biliar e sua eliminação, bem como (2) ocorrência de nucleação dos solutos biliares. Várias observações que evidenciam a lama biliar pode ser uma forma precursora de doença calculosa. Em um estudo, 96 pacientes com lama biliar foram acompanhados prospectivamente por estudos ultrassônicos seriados. Em 18%, a lama biliar desapareceu e não recidivou por pelo menos dois anos. Em 60%, desapareceu e reapareceu; em 14%, houve o surgimento de cálculos biliares (8% assintomáticos, 6% sintomáticos), e em 6% ocorreu cólica biliar intensa com ou sem pancreatite aguda. Foram realizadas colecistectomias em 12 pacientes, seis para dor biliar associada aos cálculos e três em pacientes sintomáticos com lama biliar, porém sem cálculos que haviam tido episódios precedentes de pancreatite, a qual não recidivou após a colecistectomia. Deve ser enfatizado que a lama biliar pode formar-se nos distúrbios que causam hipomotilidade de vesícula, isto é, cirurgia, queimaduras, nutrição parenteral total, gravidez e contraceptivos orais – todos associados à formação de cálculos biliares. Contudo, a presença de lama biliar indica supersaturação da bile com colesterol ou bilirrubinato de cálcio.
Outras duas condições estão associadas à formação de cálculos de colesterol ou lama biliar: gravidez e uma rápida redução de peso mediante dieta com teor calórico muito baixo. Parece haver duas mudanças fundamentais durante a gravidez que contribuem para o “estado colelitogênico”: (1) aumento acentuado na saturação de colesterol da bile durante o terceiro trimestre e (2) lenta contração da vesícula em resposta a uma refeição padronizada, resultando em menor esvaziamento da vesícula biliar. Vários estudos confirmam que essas alterações estão relacionadas à gravidez em si e mostram a reversão dessas anormalidades rapidamente após o parto. Durante a gravidez, observa-se o surgimento de lama biliar em 20 a 30% das mulheres e de cálculos biliares em 5 a 12%. Apesar de a lama biliar ser um achado comum durante a gravidez, costuma ser assintomática e, na maioria das vezes, regride espontaneamente após o parto. Os cálculos biliares, menos comuns do que a lama e muitas vezes associados a cólica biliar, também podem desaparecer após o parto em razão da dissolução espontânea relacionada com o fato de a bile deixar de ser saturada com colesterol no período pós-parto.
Cerca de 10 a 20% das pessoas com rápida redução do peso corporal conseguida por dieta calórica muito baixa desenvolvem cálculos biliares. Em um estudo envolvendo 600 pacientes que completaram uma dieta com 520 kcal/dia durante um período de três meses, o AUDC na posologia de 600 mg/dia revelou-se altamente eficaz na prevenção da formação de cálculos biliares; os cálculos surgiram apenas em 3% dos que haviam recebido AUDC em comparação com 28% dos pacientes tratados com placebo. Em pacientes obesos tratados com banda gástrica, 500 mg/dia de AUDC reduziram o risco de formação de cálculos biliares de 30% para 8% no acompanhamento de 6 meses.
Para resumir, a doença com cálculos biliares de colesterol ocorre em função de várias alterações, que consistem em (1) supersaturação da bile com colesterol; (2) nucleação do monoidrato de colesterol com subsequente retenção de cristais e crescimento do cálculo; e (3) função motora anormal da vesícula biliar com esvaziamento retardado e estase. 
-Cálculos pigmentares:
Cálculos pigmentares pretos são compostos de bilirrubinato de cálcio puro ou de complexos tipo polímeros com cálcio e glicoproteínas mucinas. Eles são mais comuns em pacientes com estados hemolíticoscrônicos (com aumento da bilirrubina conjugada na bile), cirrose hepática, síndrome de Gilbert ou fibrose cística. Os cálculos de vesícula nos pacientes com doenças ileais, ressecção ileal ou bypass ileal geralmente são cálculos pigmentares pretos. A reciclagem êntero-hepática da bilirrubina nos estados de doença ileal contribui para sua patogênese. Cálculos pigmentares marrons são compostos de sais de cálcio de bilirrubina não conjugada com quantidades variáveis de colesterol e proteínas. Eles são o resultado da presença de quantidades aumentadas de bilirrubina insolúvel não conjugada na bile, a qual se precipita e forma cálculos. A desconjugação de um excesso de mono e diglicuronatos de bilirrubina solúveis pode ser mediada por β-glicuronidase endógena, embora possa ocorrer também por hidrólise espontânea. Às vezes, a enzima é produzida também quando a bile é infectada cronicamente por bactérias, caso em que esses cálculos são marrons. A formação de cálculos pigmentares é frequente na Ásia e costuma estar associada a infecções na vesícula e na árvore biliar.
-Diagnóstico:
A ultrassonografia da vesícula biliar é muito precisa na identificação da colelitíase, tendo substituído o colecistograma oral. Cálculos com apenas 1,5 mm de diâmetro podem ser identificados de forma confiável, desde que sejam utilizados critérios rígidos [p. ex., “sombreado” acústico de opacidades que estão dentro do lúmen vesicular e que se modificam com a posição do paciente (pela gravidade)]. Nos principais centros médicos, os percentuais de falso-negativos e falsopositivos para a ultrassonografia nos pacientes com cálculos biliares são de cerca de 2 a 4%. A lama biliar é representada por um material com baixa atividade ecogênica que forma uma camada na posição mais baixa da vesícula biliar. Tal camada se desloca com as mudanças posturais, porém não produz sombreado acústico; essas duas características distinguem a lama dos cálculos biliares. A ultrassonografia pode ser também usada para determinar a função de esvaziamento da vesícula biliar.
A radiografia simples de abdome pode detectar os cálculos biliares que contêm quantidades suficientes de cálcio a ponto de se tornarem radiopacos (10 a 15% de colesterol e cerca de 50% de cálculos pigmentares). Ela também pode ser usada para fazer o diagnóstico de colecistite enfisematosa, vesícula em porcelana, bile calcificada e íleo biliar.
O colecistograma oral (CGO) tem sido historicamente um procedimento útil para o diagnóstico de cálculos biliares, mas foi substituído pela ultrassonografia e é considerado obsoleto. Pode ser usado para determinar a permeabilidade do ducto cístico e a função de esvaziamento da vesícula biliar. Além disso, o CGO pode delinear também o tamanho e número de cálculos biliares, bem como determinar se estão calcificados.
Os radiofármacos, como os ácidos iminodiacéticos com substituição de N e marcados com 99mTc (HIDA, DIDA, DISIDA, etc.), são extraídos rapidamente do sangue e excretados e lançados na árvore biliar em altas concentrações mesmo na presença de elevações séricas leves a moderadas de bilirrubina. A ausência de imagem da vesícula biliar na presença de visualização dos ductos biliares pode indicar obstrução do ducto cístico, colecistite aguda ou crônica ou ausência cirúrgica do órgão. Esses exames comportam alguma aplicação no diagnóstico de colecistite aguda.
-Sintomas:
Os cálculos biliares produzem habitualmente seus sintomas porque causam inflamação ou obstrução após sua migração para dentro do ducto cístico ou DC. O sintoma mais específico e característico de doença vesicular é a cólica biliar, uma dor constante e, na maioria das vezes, duradoura. A obstrução do ducto cístico ou do DC por um cálculo produz elevação da pressão intraluminal e distensão da víscera que não podem ser aliviadas pelas contrações biliares repetitivas. A dor visceral resultante é caracteristicamente uma plenitude ou dolorimento intenso e constante no epigástrio ou quadrante superior direito (QSD) do abdome com frequente irradiação para a área interescapular, a escápula direita ou o ombro.
A cólica biliar começa bruscamente e pode persistir com alta intensidade por 15 minutos a 5 horas, desaparecendo de modo gradual ou rápido. É muito mais constante que intermitente, como poderia sugerir a palavra cólica, que deve ser considerada uma designação incorreta, apesar de sua ampla utilização. Um episódio de dor biliar que persiste por mais de 5 horas deve despertar a suspeita de colecistite aguda. Náusea e vômitos acompanham com frequência os episódios de dor biliar. Um nível elevado de bilirrubina sérica e/ou de fosfatase alcalina sugere um cálculo coledociano. Febre ou calafrios (arrepios) com dor biliar sugerem habitualmente uma complicação, isto é, colecistite, pancreatite ou colangite. As queixas com curta duração de plenitude epigástrica indefinida, dispepsia, eructações ou flatulência, especialmente após uma refeição gordurosa, não devem ser confundidas com dor biliar. Esses sintomas são induzidos com frequência em pacientes com ou sem doença calculosa biliar, porém sem serem específicos de cálculos biliares. A cólica biliar pode ser desencadeada pela ingestão de refeição gordurosa, pelo consumo de grande refeição após um período de jejum prolongado ou pela ingestão de refeição normal; é mais frequentemente noturna, ocorrendo poucas horas após deitar-se.
-História natural:
A doença calculosa biliar descoberta em um paciente assintomático ou cujos sintomas não podem ser atribuídos a uma colelitíase constitui um problema clínico comum. De 60 a 80% das pessoas com cálculos biliares assintomáticos permanecem assintomáticas ao longo de períodos de até 25 anos. A probabilidade de desenvolver sintomas dentro de 5 anos após o diagnóstico é de 2 a 4% por ano e diminui depois disso para 1 a 2%. A incidência anual de complicações é de cerca de 0,1 a 0,3%. É improvável que os pacientes que permaneceram assintomáticos por 15 anos venham a desenvolver sintomas durante qualquer período de acompanhamento adicional, sendo que a maioria dos pacientes que desenvolveram complicações em razão de seus cálculos biliares experimentou sintomas prévios de alerta. Conclusões semelhantes se aplicam aos pacientes diabéticos com cálculos biliares silenciosos. Uma análise decisória sugeriu que (1) o risco cumulativo de morte devido à doença calculosa biliar enquanto está sendo adotada uma conduta expectante é pequeno e (2) a colecistectomia profilática não se justifica.
As complicações que tornam necessária uma colecistectomia são muito mais comuns nos pacientes com cálculos biliares que já desenvolveram sintomas de dor biliar. Pacientes jovens com cálculo biliar têm maior probabilidade de desenvolver sintomas devido a uma colelitíase do que os pacientes com mais de 60 anos na época em que é feito o diagnóstico inicial. Os pacientes com diabetes melito e cálculos biliares podem ser ligeiramente mais suscetíveis às complicações sépticas, porém ainda não foi definida a magnitude do risco de complicações biliares sépticas nos pacientes diabéticos.
-Tratamento cirúrgico:
Nos pacientes assintomáticos com cálculos biliares, o risco de virem a desenvolver sintomas ou complicações que tornem necessária uma cirurgia é bastante pequeno. Assim, a recomendação para realizar uma colecistectomia em um paciente com cálculos biliares deveria basear-se provavelmente na avaliação de três fatores: (1) presença de sintomas suficientemente frequentes ou suficientemente intensos a ponto de interferir na rotina geral do paciente; (2) presença de complicação prévia da doença calculosa biliar, isto é, história de colecistite aguda, pancreatite, fístula biliar, etc.; ou (3) presença de condição subjacente que predisponha o paciente a maior risco de complicações devidas aos cálculos biliares (p. ex., vesícula biliar calcificada ou em porcelana e/ou um ataque prévio de colecistite aguda apesar do atual estado assintomático). Pacientes com cálculos biliares muito volumosos (>3 cm de diâmetro) e aqueles com cálculos biliaresem vesícula biliar com alguma anomalia congênita também podem ser considerados para uma colecistectomia profilática. A idade jovem constitui um fator preocupante nos pacientes com cálculos biliares assintomáticos, porém poucos autores recomendam hoje colecistectomia de rotina em todos os pacientes jovens com cálculos silenciosos. A colecistectomia laparoscópica é uma abordagem de acesso mínimo para a retirada da vesícula biliar juntamente com seus cálculos. Suas vantagens consistem em redução da permanência hospitalar, incapacitação mínima, assim como menor custo, constituindo o procedimento de escolha na maioria dos pacientes encaminhados para uma colecistectomia eletiva.
A partir de vários estudos envolvendo >4.000 pacientes submetidos à colecistectomia laparoscópica, surgem os seguintes pontos importantes: (1) as complicações ocorrem em cerca de 4% dos pacientes, (2) a conversão para laparotomia ocorre em 5%, (3) a taxa de morte é muito baixa (i.e., <0,1%) e (4) a taxa de lesões de ductos biliares é baixa (i.e., 0,2 a 0,6%) e comparável com a colecistectomia aberta. Esses dados indicam por que a colecistectomia laparoscópica está se tornando o “padrão-ouro” para o tratamento da colelitíase sintomática.
-Tratamento clínico (dissolução dos cálculos biliares):
Em pacientes cuidadosamente selecionados com vesícula biliar funcionante e cálculos radiotransparentes <10 mm de diâmetro, a completa dissolução pode ser conseguida em cerca de 50% dos pacientes dentro de 6 meses a 2 anos. Para a obtenção de bons resultados dentro de um período de tempo razoável, essa terapia deve ser limitada aos cálculos radiotransparentes com menos de 5 mm de diâmetro. A dose de AUDC deve ser de 10 a 15 mg/kg ao dia. Os cálculos cujo tamanho ultrapassa 10 mm raras vezes se dissolvem. Os cálculos pigmentares não respondem à terapia com AUDC. Provavelmente, ≤10% dos pacientes com colelitíase sintomática são candidatos a esse tipo de tratamento. No entanto, além do irritante problema dos cálculos recorrentes (30 a 50% ao longo de 3 a 5 anos de acompanhamento), existe o fator adicional de se tomar um medicamento extremamente caro por até 2 anos. As vantagens e o sucesso da colecistectomia laparoscópica reduziram, em grande parte, o papel da dissolução dos cálculos nos pacientes que desejam evitar ou que não são candidatos a colecistectomia eletiva. Contudo, os pacientes com doença induzida por cálculos biliares de colesterol que sofrem episódios recorrentes de coledocolitíase após colecistectomia devem receber tratamento a longo prazo com AUDC.

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