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Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA PROBLEMA 2: LITÍASE BILIAR: A presença de cálculos nas vias biliares representa uma grande causa de hospitalização por afecções do trato gastrintestinal, afetando cerca de 15% da população ocidental. A vesícula biliar representa o principal local de acúmulo dessas formações, sendo os acometimentos ductais resultantes da migração calculosa originada dessa região. Não há, no entanto, impeditivo para a formação de cálculos nos ductos que conduzem a bile, situação que é mais comum em quadros de estase biliar ou infecções. Diversos aspectos podem estar associados à maior predisposição individual para formação de cálculos biliares, como: Idade > 50 anos (associada ao aumento da secreção de colesterol); Sexo feminino (até a 5ª década de vida, marca a influência hormonal); o Quadros litiásicos são ainda mais frequentes em gestantes (aumento de estrogênio e progesterona, que leva à hipomotilidade da vesícula) e em multíparas. Fatores genéticos (apresentam papel controverso, porém pessoas com histórico de parentes de 1ª grau com litíase apresentam predisposição quase 5x maior para o quadro); o Mutações nos genes codificadores das proteínas transportadoras ABC (carreiam os componentes biliares para os canalículos) estão associados à litíase em jovens. Perda de peso abrupta (deflagra respostas metabólicas que influenciam a formação de cálculos; Obesidade; Hipertrigliceridemia; Prática de jejuns prolongados; o Pacientes em nutrição parenteral total podem desenvolver alterações biliares (como lama ou cálculos) em até 3 semanas após a implementação da dieta. Isso é resultado da estase biliar e do jejum extenso. Diabetes melitus (influência associada à presença de comorbidades como dislipidemia e obesidade); Quadros que causam exclusão funcional ou anatômica de parte do intestino delgado (incapacidade de absorver a bile). Fatores de risco associados à ocorrência de litíase biliar De modo geral, os cálculos podem ser divididos quanto a sua composição, como de colesterol ou pigmentares. Ainda que possam ser puros, é mais comum que apresentem formação mista, com concentrações variadas de cada componente. Cálculos biliares puros formados por colesterol (fila superior) e formações mistas (fila inferior) Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA Os cálculos pigmentares, caracterizados pela precipitação de bilirrubina, apresentam prevalência proporcional à idade, também sendo mais comuns entre mulheres. Eles podem ser divididos em: Cálculos pigmentares pretos: sua formação está associada a processos hemolíticos crônicos (ex.: anemia falciforme), cirrose avançada e pancreatites; Cálculos biliares marrons: são fruto de infecções com colonização biliar e quadros de colangite ascendente, afetando tanto a vesícula como as vias biliares. Esses processos geram substâncias que hidrolisam a bilirrubina conjugada, além de dissociar ácidos biliares e estimular a produção de ácidos graxos. Ao se ligarem com sais de cálcio, formam-se núcleos insolúveis, originando os cálculos. Independentemente da localização do cálculo na árvore biliar, a fisiopatogenia associada a sua formação pode ser segmentada em três processos principais, a saber: Formação de bile litogênica: alguns processos podem alterar a composição normal da bile, que normalmente abrange água, colesterol, lecitina, bilirrubina conjugada, sais biliares, eletrólitos e proteínas. Caso ocorra supersaturação biliar com colesterol, a formação de cálculos pode ocorrer. Na bile insaturada, o colesterol mantém- se organizado em micelas, conglomerados lipídicos que crescem à medida que a concentração de seu substrato aumenta, tornando-se vesículas (fases 1 e 2 do diagrama associado à litíase). Na fase 2, essas conformações ainda garantem a dissolução do colesterol, porém, com o surgimento de mais estruturas, pode haver a fusão destas em vesículas multilameres, que permitem a consolidação de cristais em sua superfície, caracterizando a fase 3 do diagrama. Diagrama de fases para a litogênese A formação de sais biliares é crucial para a adequada solubilização do colesterol, sendo esses compostos formados pela conjugação entre glicina/taurina e ácidos biliares. A diminuição da concentração desses compostos é observada com a evolução da saturação do colesterol rumo à fase 3. Tais substâncias podem ser hidrofóbicas, associadas à maior formação de cálculos, (ex.: ácido desoxicólico) ou hidrofílicos, com capacidade de dissolver possíveis formações prévias (ex.: ácido ursodeoxicólico – ADUC). Nucleação: com a saturação excessiva do material biliar, o próximo passo corresponde à condensação e agregação do colesterol em partículas e cristais, inicialmente microscópicos, mas que podem facilmente se condensar em organizações maiores. Diversos fatores pró-nucleação são propostos, sendo a mucina seu principal representante. Esse material apresenta um núcleo capaz de se ligar tanto a Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA compostos lipídicos, como à bilirrubina, acelerando a criação dos centros calculosos. Outros prováveis indutores desse processo são o cálcio, imunoglobulinas IgG e IgM e alfa-1- glicoproteína ácida Hipomotilidade da vesícula biliar: não é totalmente estabelecido se a diminuição da resposta motora da vesícula consiste num fator primário ou secundário à formação de cálculos, porém é notável que pacientes com litíase apresentam menor resposta à CCK, hormônio que estimula a contração dessa estrutura após concentrar a bile. Cadeia multifatorial envolvida na formação de cálculos biliares LITÍASE NA VESÍCULA BILIAR: QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO: Na maioria das situações, a litíase vesicular é diagnosticada de forma incidental durante uma ultrassonografia de abdome, sem que houvesse a presença de sinais ou sintomas sugestivos. Esse achado apresenta baixo risco de desenvolvimento de complicações, com apenas 20% dos casos resultando em sintomas após 20 anos. Nesse grupo de indivíduos, os exames laboratoriais não costumam trazer alterações. A colecistolitíase sintomática, no entanto, apresenta evolução vem mais agressiva, tendo como sintoma mais característico a dor/cólica biliar, com dor em queimação no epigástrio ou hipocôndrio direito, de caráter intenso e intermitente. Caso esse quadro tenha duração > 6h, é possível suspeitar de complicações, como colecistite. Ainda que esse seja o nome mais comumente associado ao quadro álgico apresentado, a verdadeira dor biliar manifesta-se de forma contínua, com piora gradual durante 15min a 1h, atingindo um platô por mais algumas horas e terminando de forma gradativa. A irradiação dessa dor pode, ainda que de forma menos comum, se irradiar para as regiões precordial, escapular e de abdome inferior. Náuseas e vômitos também são sintomas frequentes em pacientes com litíase biliar. O exame de imagem mais utilizado para o diagnóstico de litíase biliar é a ultrassonografia de abdome, uma vez que outros métodos acessíveis, como a radiografia, apresentam baixa sensibilidade e especificidade. Com a USG, é possível não só identificar cálculos de até 2mm, que se mostram como imagens ecogênicas móveis com formação de sombra acústica posterior, como também determinar a presença de inflamação. A precisão é comprometida para formações menores (podem ser confundidos com lama biliar). Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA Presença de cálculos em vesícula biliar com formação de sombra acústica à USG Quando a USG não pode ser utilizada, um método alternativoé a colecistografia oral, empregada apenas para indivíduos com possibilidade de sucesso na terapia de dissolução oral, de forma a avaliar a patência do ducto cístico. Radiografia obtida em diferentes incidências, associada à colecistografia oral Também pode ser empregada a ultrassonografia endoscópica (CPRE) ou a colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRNM), capazes de visualizar a vesícula mesmo com alças intestinais repletas de gás, podendo também excluir a possibilidade de coledocolitíase. A CPRE permite a realização de procedimentos terapêuticos, ao passo que a CPRNM tem função apenas diagnóstica. Coledocolitíase em porção distal do ducto em CPRE Na análise laboratorial desses pacientes, a presença de elevação da fosfatase alcalina ou da amilase são sugestivos da ocorrência simultânea de coledocolitíase. TRATAMENTO E COMPLICAÇÕES: O tratamento da litíase biliar assintomática normalmente não é indicado, pois o risco para desenvolvimento de complicações é muito baixo, porém a colecistectomia profilática pode ser recomendada a grupos mais vulneráveis, como crianças, obesos pré-gastroplastia redutora e pacientes com alto risco para câncer biliar (principalmente na presença de cálculos grandes). Casos nos quais a colecistectomia profilática tem boa indicação O manejo da colecistolitíase sintomática, por sua vez, é direcionado principalmente para a realização de colecistectomia videolaparoscópica, que apresenta capacidade curativa na maioria dos casos, além de apresentar menor tempo de Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA recuperação do que sua versão laparoscópica. Alguns pacientes podem ser submetidos a tratamentos não cirúrgicos, como a dissolução oral e a litotripsia extracorpórea por ondas de choque. O primeiro método faz uso de medicações como o ADUC (redutor da secreção de colesterol e antinucleação), principalmente em pacientes com cálculos pequenos ou alto risco cirúrgico, ainda que apresente elevado custo e possibilidade de recorrência. O tratamento deve ser mantido com doses diárias até que duas USG consecutivas (com intervalo de um mês entre elas) indiquem ausência de litíase. A litotripsia, por sua vez, pode ser utilizada como método acessório na terapia de dissolução oral, estimulando a fragmentação de cálculos em partículas menores. No entanto, seu uso vem decaindo em decorrência do elevado índice de recorrência para litíase. Algoritmo para a escolha terapêutica em pacientes com litíase biliar As complicações da litíase biliar são bastante comuns, podendo inclusive ser o primeiro sinal do quadro. As manifestações mais frequentes são a colecistite aguda, pancreatite e colangite. Mecanismo fisiopatológico da litíase biliar associado às complicações mais comuns decorrentes do quadro Algumas apresentações menos usuais são a fístula biliar, a neoplasia de vesícula biliar, a síndrome de Mirizzi e a vesícula em porcelana (calcificação). Complicações possíveis associadas à litíase biliar A litíase biliar é passível de ações de prevenção, voltadas para os fatores de risco modificáveis relacionados ao quadro. Assim, recomenda-se a diminuição da ingesta calórica, a evitação de comportamentos sedentários e o uso de ADUC após a correção cirúrgica da obesidade. COLEDOCOLITÍASE: A coledocolitíase pode ser definida como a presença de cálculos biliares nos ductos biliares, sejam eles formados nessas estruturas ou oriundos de migração a partir da vesícula biliar (única origem possível em caso de formações de colesterol). Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA Quase a totalidade dos pacientes com essa manifestação apresentam também cálculos na vesícula biliar, porém a relação inversa não é válida. Esse quadro se torna mais prevalente com a idade, atingindo mais de 30% dos pacientes com mais de 80 anos. Na maioria dos casos, o sítio de impactação dessas formações é o segmento retroopancreático do colédoco, com uma pequena parcela se alojando na ampola de Váter. Caso não esteja associada à litíase, obstruções biliares são decorrentes de estenoses ou câncer. Reprodução esquemática da progressão dos cálculos biliares rumo ao colédoco QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO: Quadros assintomáticos estão presentes em até ¼ dos casos, sendo o surgimento e a intensidade dos sintomas dependentes da extensão da obstrução e da presença de agentes infecciosos no local. Obstruções agudas normalmente se apresentam com dor constante ou em cólica na região do epigástrio (ou hipocôndrio direito) e com icterícia. Quadros de desenvolvimento insidioso, por sua vez, contam com prurido e icterícia isolados, durante a fase inicial. Quando essas manifestações sintomáticas são acompanhadas pela Tríade de Charcot (febre com calafrios, dor e icterícia), há grande possibilidade de ocorrência de colangite, colonização das vias biliares por bactérias intestinais. Nesses casos, a obstrução é parcial, de forma que as fezes são principalmente hipocólicas, mas ainda ocorre a presença de colúria. A palpação em hipocôndrio direito é pouco dolorosa, não sendo comum a percepção da vesícula. Nas situações nas quais sua identificação ocorre (sinal de Courvosier), a obstrução por neoplasia do colédoco se torna uma forte suspeita. Por vezes alterações laboratoriais são os únicos indícios de que há um quadro de coledocolitíase, pois a oclusão desse ducto promove a elevação de bilirrubina direta (em torno de 2 a 5 mg/dL) e fosfatase alcalina, sendo que esta última é modificada mais precocemente. A passagem do cálculo em direção ao duodeno é identificada por meio do aumento transitório das transaminases ou amilases. A USG de abdome normalmente representa o primeiro exame a ser realizado na investigação do quadro, porém somente é capaz de visualizar cerca de 50% dos cálculos, o que aumenta conforme o maior diâmetro da obstrução. Nesses casos, o exame de maior sensibilidade especificidade para o quadro é a ultrassonografia endoscópica, com valores que beiram os 98%. A CPRE pode ser realizada em casos de colangite, uma vez que permite a detecção da localização dos cálculos e a realização de papilotomia para sua extração. Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA TRATAMENTO E COMPLICAÇÕES: Ao contrário da litíase biliar, a presença de coledocolitíase é suficiente para realização do tratamento, mesmo quando assintomática. A escolha do método adequado para a coledocolitíase depende tanto da forma de apresentação do quadro, como da disponibilidade de profissionais experientes e do próprio estado geral do paciente. Caso essa condição seja detectada ainda antes da remoção da vesícula, a correção pode ser realizada conjuntamente à colecistectomia. Em idosos ou pacientes com risco cirúrgico elevado, a papilotomia endoscópica se mostra como a melhor opção, deixando toda a vesícula ainda no organismo (apenas 10% destes necessitarão de sua remoção em algum momento). Esses indivíduos devem ser observados criteriosamente, pois apresentam risco para o desenvolvimento de colecistite aguda. Se há suspeita para colangite simultânea, devem ser coletadas amostras de sangue para cultura (presença mais frequente de Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas e Proteus) e ser implementada antibioticoterapia empírica. As principais complicações associadas a essa manifestação são colangite (geralmente não supurativa), cirrose biliar secundária, a formação de abcessos hepáticos (elevada mortalidade por baixa resposta terapêutica) e a pancreatite aguda (obstrução direta). Esquema gráfico com as principais complicações da coledocolitíase
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