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Hepatologia 15ª edição Equipe SJT Editora Clínica médica – Hepatologia. São Paulo: SJT Editora, 2015. ISBN 978-85-8444-069-6 Copyright © SJT Editora 2015 SJT Editora Todos os direitos reservados. Diretor editorial e de arte: Júlio César Batista Diretor acadêmico: Raimundo Araújo Gama Editora assistente: Letícia Howes Editor de arte: Áthila Pelá Projeto gráfico: Rafael Costa Capa: Henrique Marques Barsali Editoração eletrônica: Equipe SJT Editora Contato com o departamento editorial: editora@sjtresidencia.com.br Contato com o departamento acadêmico: aluno@sjtresidencia.com.br Avenida Paulista, 949 – 9º andar Cerqueira César – São Paulo/SP CEP: 01311-917 Fone: (11) 3382-3000 http://www.sjteducacaomedica.com.br Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. 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O material didático SJT 2015 está atualizado com as últimas questões dos concursos de Residência Médica de todo o país. Estude com atenção e entusiasmo. Respeite sua agenda, pois aprendizado requer dedicação. O maior responsável pelo seu sucesso é você. Participe regularmente das atividades do site – o me- lhor programa on-line de atividades acadêmicas. Estamos juntos neste objetivo: Residência Médica 2016! O contato com o departamento acadêmico deverá ser feito pelo email: aluno@sjtresidencia.com.br. Você será Residente em 2016! un i verso sjt online www.sjteducacaomedica.com.br Login CPF sem pontos e traço. 4 primeiros números do CPF. Relação de cursos SJT. Encontre o seu. Meu perfi l Calendário com atividades, agenda de aulas, atualizações, eventos, etc. Novidades Notícias atualizadas sobre os temas dos cursos. 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Questões Comentadas sUMÁRIO 1 Abordagem diagnóstica em hepatologia 9 2 Icterícia 26 3 Hepatite autoimune (HAI) 40 4 Cirrose biliar primária 49 5 Colangite esclerosante primária (CEP) 56 6 Hemocromatose hereditária (HH) 62 7 Deficiência de alfa-1-antitripsina (α-1AT) 67 8 Doença de Wilson 71 9 Porfiria 78 10 Hepatopatia induzida por drogas 83 11 Doença alcoólica do fígado 91 12 Esteato hepatite não alcoólica (EHNA) 102 13 Insuficiência hepática aguda (IHA) 108 14 Cirrose hepática 122 15 Hemorragia digestiva alta varicosa no cirrótico 130 16 Ascite 142 17 Peritonite bacteriana espontânea (PBE) 155 18 Síndrome hepatorrenal (SHR) 160 19 Encefalopatia hepática (EH) 164 20 Questões para treinamento – Temas gerais 173 21 Gabarito comentado – Temas gerais 195 22 Questões para treinamento – Cirrose e suas complicações 227 23 Gabarito comentado – Cirrose e suas complicações 246 283 Capítulo Abordagem diagnóstica em hepatologia 1 Hepatologia | Clínica médica SJT Residência Médica - 201510 Introdução A denominação genérica e imprópria de “testes de função hepática” inclui testes que avaliam de fato a função do fígado, como albumina e tempo de protrom- bina, e outros que diagnosticam alterações na função excretória (bilirrubinas) ou lesões hepatocelulares e/ ou colestáticas (enzimas hepáticas). Por outro lado, a reserva funcional do órgão pode ser mais bem avalia- da por testes menos comuns na prática, que avaliam a capacidade de depuração de determinadas substâncias pelo fígado. Do ponto de vista didático, os testes laborato- riais hepáticos podem ser divididos em quatro grupos principais: � testes que avaliam a lesão hepatocelular; � testes que avaliam a colestase; � testes que avaliam a síntese proteica; � testes que avaliam a capacidade residual funcional. Os verdadeiros testes de função hepática avaliam a capacidade de síntese do fígado ou determinam sua capacidade de captar ou eliminar substâncias da circu- lação ou de metabolizar e alterar reagentes. O indica- dor mais empregado da função de síntese hepática é a albumina, embora não seja altamente sensível, podendo ser afetada por má nutrição, nefropatia e outros fatores. Proteínas totais e frações A produção de albumina se processa em hepató- citos indistintamente distribuídos entre o espaço por- tal e a veia centrolobular. Nem todos, no entanto, se prestam a esta função. Assim, logo após o nascimento, apenas 5% destas células parenquimatosas sintetizam albumina, sendo que cinco anos mais tarde ela já se encontra presente em 15% dos hepatócitos e no adul- to normal estende-se por 36% deles. Trata-se da principal proteína de exportação, sendo sintetizados 120 a 200 mg/kg de peso corpóreo ao dia com o pool total de 4 a 5 kg, quantidade que dobra nas situações em que suas concentrações plas- máticas se reduzem. Níveis séricos mostram-se normais naqueles com hepatite viral aguda leve, ou pouco alterada, tem- porariamente, naqueles em que a necrose celular é mais extensa. Este comportamento somente passará a ser observado a partir dos 15 dias de agressão hepa- tocitária inicial (vida média da albumina entre 15 e 21 dias). Em geral, níveis baixos de albumina indicam mau prognóstico da síntese. Pacientes com doenças crônicas do fígado evo- luem com redução da reserva de hepatócitos funcio- nantes, hipertensão portal e circulação colateral. Estas situações anatomofuncionais levam a: 1. maior síntese e menor catabolismo das imu- noglobulinas; 2. maior resposta anticórpica e antígenos de liberação pelas células intestinais. Isto ocorre pelo desvio do sangue do parênquima hepático ou por in- capacidade das células do SRE em inativar antígenos intestinais e endotoxinas. Estas alterações são mais acentuadas naqueles com icterícia, hipoalbuminemia com sinais de coagulopatia, ascite e varizes de esôfago. Elevação predominante da fração IgM observa- -se em portadores de cirrose biliar primária, IgG nas hepatites crônicas ativase IgA na cirrose alcoólica. São frações produzidas a partir da estimulação dos linfó- citos B, traduzindo mais precisamente inflamação do que reserva funcional do parênquima. Principais proteínas produzidas pelo fígado Proteína Função Associação com doença hepática Albumina Proteína carrea- dora, reguladora osmótica Diminuída na doença hepática crônica Alfafetoproteína Proteína carreadora Aumentada no carci- noma hepatocelular α-1-antitripsina Inibe elastina Mutações causam doença respiratória e hepática Ceruloplasmina Ferroxidase Diminuída na doença de Wilson Fibrinogênio Precursor da fi- brina, processo cicatricial Diminuído na doença hepática crônica Transferrina Proteína carrea- dora de ferro Aumentada na deficiência de ferro Ferritina Forma de arma- zenamento de ferro Aumentada na hemocromatose Tabela 1.1 Causas de baixa concentração plasmática de albumina Síntese reduzida • Má nutrição • Má absorção • Doença hepática • Doença maligna Perda aumentada • Proteinúria (síndrome nefrótica) • Enteropatia perdedora de proteína (doença inflamatória intestinal) • Queimaduras • Doença cutânea exsudativa 1 Abordagem diagnóstica em hepatologia 11 Causas de baixa concentração plasmática de albumina (Cont.) Catabolismo aumentado • Estados hipercatabólicos (pós-operatório) Distribuição alterada intraextravascular e no estado de hipermeabilidade vascular • Doenças infl amatórias – rejeição de fase aguda • Hiperidratação • Variação genética • Analbuminemia • Síntese interrompida • Doenças infl amatórias agudas ou crônicas Tabela 1.2 Reserva funcional Parâmetros laboratoriais Boa Pouco alterada Muito alterada Bilirrubinas totais < 2,5 mg% 2,5 a 6 mg% > 6 mg% Albuminemia > 3,5 mg% 2,5 a 3,5 mg% < 2,5 mg% Atividade de protrombina 80% a 100% 40% a 79% < 40% Pseudocolines- terase* 1.900 a 3.200 UI 800 a 1.900 UI < 800 UI Tabela 1.3 *Enzima sintetizada exclusivamente pelo fígado. Fatores de coagulação O fígado assume um papel essencial nos mecanis- mos de hemostasia. É um órgão que sintetiza todos os fatores de coagulação, inclusive uma porcentagem do fator VIII. Também de síntese hepática são os anticoa- gulantes endógenos, bem como o inibidor tipo 1 do ati- vador do plasminogênio tecidual. Dos fatores sinteti- zados pelo fígado, os fatores II, VII, IX, X e proteínas C e S são vitamina K dependente, diante de um qua- dro de disfunção hepática grave haverá uma coagulo- patia resultante da incapacidade de síntese hepática. O fator VIII, nessa situação, pode se encontrar eleva- do em virtude de: 1. sendo uma proteína (antígeno vWF) de reação de fase aguda, é maior sua produção em nível do SRE; 2. é menor o clareamento realizado pelo fígado lesado; 3. o antígeno vWF é sintetizado por células en- doteliais vasculares, assim como o fator VIII. É impor- tante ressaltar que suas concentrações são baixas na coagulação intravascular disseminada e elevadas nas hepatites fulminantes. A dosagem do fator V(fator lábil) é um excelente marcador prognóstico na evolução da insufi ciência he- pática fulminante, assim como as baixas dosagens do fi brinogênio. Tempo de protrombina O fígado é responsável pela síntese de vários des- tes fatores: fator I (fi brinogênio), fator II (protrombi- na), fator V, fator VII, fator IX, fator XII e fator XIII. Apenas o fator de von Willebrand e as proteínas fi bri- nolíticas não são sintetizados no fígado. O tempo de protrombina (TP) é usado como ferramenta de triagem e como um teste quantitativo para fatores de coagulação nas vias extrínsecas e co- muns da coagulação. O teste será prolongado em pacientes com dis- túrbios congênitos ou adquiridos que reduzem a ati- vidade dos fatores I (fi brinogênio), II (protrombina), V, VII e X e em vigência de terapia com anticoagulante oral (marevan). Atualmente emprega-se, em lugar do tempo de protrombina, a determinação do INR. Nos casos em que a atividade de protrombina estiver alterada (< 50%), realiza-se o teste da vitami- na K (já que vários fatores dependem dessa vitamina para absorção: fatores II, VII, IX, X). Administram-se por três dias 2 a 10 mg de vitamina K por via intra- muscular ou endovenosa e depois repete o tempo de protrombina. Em casos de correção, suspeita-se de ic- terícia obstrutiva ou má absorção, e em casos de não correção, insufi ciência hepatocelular ou coagulopatia de consumo. Determinação do INR Uma consequência indesejada da terapia com anticoagulante oral pode ser a tendência ao sangra- mento. Para maximizar os efeitos terapêuticos deseja- dos dos anticoagulantes e minimizar o sangramento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um procedimento para padronizar a análise e o trata- mento. Tal procedimento está baseado no índice In- ternacional de Normalização (INR). O INR é calculado usando-se a relação do TP do paciente e a média de uma faixa de referência normal (NRR média), deter- minada por laboratório com o uso de aparelho, méto- dos de coleta de sangue e a técnica de análise naquele laboratório ou, como muitos laboratórios preferem, controle comercial. INR = (TP do paciente)ISI / (NRR média) O Índice de Sensibilidade Internacional (ISI) é uma medida da sensibilidade de uma tromboplastina/ aparelho para os fatores de coagulação. Os valores do ISI são designados por comparação com um material de referência primária. Os reagentes de alta sensibilidade têm valores de ISI baixos, fornecidos pelo fabricante da tromboplastina e que podem variar a cada lote. Hepatologia | Clínica médica SJT Residência Médica - 201512 Estudos mostraram que tromboplastinas com ISI maiores resultaram em variações maiores nos tempos, porcentagens e relação. O INR é um teste importante na avaliação e para o tratamento do paciente com doença hepática crôni- ca. É utilizado como um dos critérios na indicação de transplante hepático na insuficiência hepática aguda e um dos parâmetros do escore de MELD (Model for End-Stage Liver Disease), que tem a finalidade de priorizar pacientes para o transplante hepático. Per- mite analisar a capacidade funcional de síntese dos hepatócitos e a tendência a sangramento antes de qualquer procedimento cirúrgico. Nas hepatopatias, as anomalias hemostáticas são múltiplas e podem ser entendidas de acordo com as afirmações abaixo: 1. a obstrução das vias biliares resulta em dimi- nuição da absorção de vitamina K, diminuindo a sín- tese de fatores II, VII, IX e X pelas células parenquima- tosas do fígado; 2. em doença hepatocelular grave, além da defici- ência desses fatores, quase sempre há diminuição dos níveis de fator V e fibrinogênio e aumento dos níveis de ativador do plasminogênio; 3. é observada anomalia funcional do fibrinogê- nio (disfibrinogenemia) em muitos pacientes; 4. a diminuição da produção de trombopoetina pelo fígado contribui para a trombocitopenia; 5. o hiperesplenismo associado com a hiperten- são portal frequentemente causa trombocitopenia; 6. a coagulação intravascular disseminada (CIVD) pode ser relacionada com liberação de tromboplastina das células hepáticas lesadas e de concentrações bai- xas de antitrombina, proteína C e α2-antiplasmina. Além disso, há diminuição da renovação de fatores de coagulação ativados e da atividade do fibrinogênio. Fatores que contribuem para a instalação de distúrbios hemorrágicos em pacientes com doença hepática Síntese reduzida pelo fígado de fatores da coagulação e de inibidores da fibrinólise Presença de moléculas anormais de fibrinogênio Coagulação intravascular Anormalidades no número e função das plaquetas Fibrinólise aumentada Perda de fatores da hemostasia pelo espaço extravascular aumentado Ocorrência de hipertensão portal, existência de anastomoses portossistêmicas provocadoras de perfusão hepatocitária reduzida Sequestro de plaquetas pelo baço aumentado de volume Tabela 1.4 Medidas da capacidade excretora: infusão da bromossulfaleína (BSF) Vários testes de captaçãoe de excreção descritos na literatura afirmam definir as funções hepáticas, in- clusive a bromossulfaleína (BSP), a indocianina verde, a aminopirina, a cafeína e o monoetilglicinexilidide (MEGX). Os laboratórios de pesquisa em geral utilizam esses testes para determinar a gravidade da hepatopa- tia e prever a sobrevivência; contudo, isso não faz parte, atualmente, da rotina da prática clínica. Embora estes últimos testes não sejam utilizados rotineiramente na avaliação das doenças hepáticas, vamos chamar a aten- ção para o teste da bromossulfaleína (BSP), visando a uma possível questão de prova de RM. Este teste con- siste na injeção endovenosa de 5 mg/kg de peso corpó- reo do corante, que é captado pelo hepatócito através de um processo saturável, conduzido por proteínas con- jugadas com glutationa e excretado pela bile. Avaliado através de uma constante de desaparecimento inicial, K1, fluxo sanguíneo dependente, e K2, que reflete a ex- creção biliar. A limitação ao uso do método reside no aparecimento de reações anafiláticas, que no entanto são pouco frequentes. A capacidade excretora reali- za-se com medidas plasmáticas avaliadas aos 5, 15, 30 e 45 minutos. Define-se, dessa maneira, a retenção intra-hepatocitária. Se ultrapassar 7% conclui-se que há distúrbios em diversas etapas metabólicas. O teste de BSP mostra transporte máximo re- duzido nas doenças de armazenamento, moderada e acentuadamente diminuídas, respectivamente, nas síndromes de Rotor e Dubin-Johnson. O desapareci- mento plasmático é lento inicialmente (45 minutos < 20%), com secundário aumento aos 90 minutos no Dubin-Johnson, mais lento ainda (30%-50% retenção aos 45 minutos), sem elevações posteriores nas doen- ças de armazenamento. Dano hepatocelular e lesão colestática Os dois mecanismos principais de lesão hepá- tica são os danos ou destruição das células hepáti- cas, classificados como hepatocelular, e a alteração do transporte de bile é classificada como colestática. Na maioria das vezes, a lesão hepatocelular é devida à hepatite viral, à hepatite autoimune e a várias toxinas e drogas. O transporte da bile pode ser prejudicado pela obstrução ductal extra-hepática (p. ex.: cálculos bilia- res, estenose pós-cirurgia), pelo estreitamento ductal intra-hepático (p. ex.: colangite esclerosante primária), por dano do ducto biliar (p. ex.: cirrose biliar primária) ou falta de transporte no nível canalicular (p. ex.: efeito da clorpromazina). Em alguns casos, estão envolvidos elementos dos dois tipos de dano. 1 Abordagem diagnóstica em hepatologia 13 O teste mais específi co de dano hepatocelu- lar é o nível de alanina aminotransferase (ALT). Se eleva o nível de aspartato aminotransferase (AST), mas não é específi co. Ao contrário, diagnostica-se melhor a lesão colestática pela elevação do nível de fosfatase alcalina (FA). Os ácidos biliares esti- mulam a produção de FA, mas a obstrução ou dano ductal evita sua excreção no duodeno, por isso seu nível sérico eleva-se acentuadamente. Os níveis sé- ricos de FA podem estar levemente aumentados no início da doença hepatocelular, mas esse aumento se deve à liberação da enzima celular, sem estimulação excessiva de nova enzima. Como a FA pode derivar de outro tecido corporal (p. ex.: ossos, intesti- nos), uma elevação concorrente da gamaglutamil- transpeptidase (GGT) ou da 5-nucleotidase ajuda a confi rmar um mecanismo colestático. A 5-nucleotidase é uma enzima encontrada em vários tecidos do organismo humano, porém elevações séricas devem-se exclusivamente à doença hepática. No fígado, essa enzima está associada às membranas canalicular e sinusoidal. Aumentos signifi cantes des- sa enzima são encontrados em processos obstrutivos e na colestase intra-hepática. Após correção cirúrgica com sucesso, os níveis caem rapidamente. Os compor- tamentos da 5’-nucleotidase e FA são semelhantes em processos obstrutivos não complicados. Alguns autores consideram essa enzima um exame muito útil na monitorização de pacientes com tumores hepáticos. Esta enzima pode ser muito útil em doenças he- páticas na infância, já que aumenta apenas quando houver hepatopatia, em contraste com a FA, que geralmente apresenta-se alta devido ao crescimen- to da criança. Fontes extra-hepáticas de “marcadores de lesão hepática” AST (TGO) Musculatura esquelética e cardíaca, hemácias, leucócitos, pulmões, cérebro, rins e pâncreas ALT (TGP) Mais específi ca para lesão hepatocelular (encontrada em outros tecidos, mas em quantidade muito menor) FA Ossos, intestino, tumores e placenta GGT Coração, pulmão, cérebro, pâncreas, rins e baço 5’Nucleotidase Encontrada em muitos tecidos, mas sua elevação é a mais específi ca para quadros colestáticos Bilirrubina Hemoglobina e mioglobina Tabela 1.5 Causas de elevação de FA Hepatobiliar Extra-hepática • Obstrução total ou parcial de vias biliares • Doenças osteolíticas ou osteoblásticas* • CBP e CEP • Gravidez • Metástases hepáticas • Fase de crescimento • Síndromes ductopênicas • Linfoma e outras malignidades • Colestase recorrente benigna • Insufi ciência renal crônica • Doenças hepáticas infi ltrativas (amiloidose, sarcoidose, tuberculose, infecção fúngica, hepatocarcinoma e metástases) • Infecção e infl amação • Hepatite • Cirrose Tabela 1.6 *Geralmente, doença de Paget. Significado e principais etiologias das alterações dos testes hepáticos Teste hepático Mecanismode alteração Principais etiologias Comentários Aminotransferases (AST/ALT) Lesão dos hepatócitos Elevações discretas (< 5 vezes o valor normal): hepatite alcoólica, hepatite viral crônica, cirrose, esteato-hepatite não alco- ólica Elevações intensas (> 15 vezes): hepa- tite viral aguda, isquêmica, autoimune; agentes, toxinas Elevações moderadas (5 a 15 vezes): inespecífi ca Relação AST/ALT > 2 e principal- mente quando > 3, usualmente com níveis de aminotransferase < 300, sugere hepatite alcoólica, embora cirrose também possa apresentar estas características. Os níveis de elevação não têm correlação com a gravidade da doença Hepatologia | Clínica médica SJT Residência Médica - 201514 Significado e principais etiologias das alterações dos testes hepáticos (Cont.) FA Aumento da pro- dução e passagem para circulação Elevações discretas (< 3 vezes): inespecífico para orientar etiologias Elevações mais intensas (> 4 vezes): colestase extra ou intra-hepática (cálculos, tumores, infiltração hepática, agentes) A elevação da FA deve ser confir- mada como de origem hepática por elevação concomitante de GGT e/ ou 5’ nucleotidase. Elevação com níveis de BD próximos do normal sugere obstrução parcial GGT Aumento da pro- dução e passagem para circulação Mesmas etiologias do aumento de FA Enzima sensível para colestase, mas sem especificidade BD (hiperbilirrubinemia com predomínio de BD) Defeito na meta- bolização da BI para BD ou na excreção desta Elevações discretas são inespecíficas. Elevações intensas indicam obstrução da árvore biliar ou hepatite alcoólica, viral ou por agentes Quando a obstrução das vias bilia- res é parcial, ocorre aumento da FA e discreta elevação da BD BI (hiperbilirrubinemia com predomínio de BI) Aumento da produção Hemólise Geralmente só ocorrem grandes elevações quando a doença hepática eleva a BD Tempo de protrombina Reflete função de síntese hepática Insuficiência hepática aguda e crônica Na insuficiência hepática o fator V é diminuído, o que não ocorre na deficiência de vitamina K. Após 8 horas da insuficiência hepática agu- da, o TP já sofre alteração Albumina Reflete função de síntese hepática Insuficiência hepática crônica. Pode ser normal na aguda Pode estar reduzida em desnutri- ção, síndrome nefrótica e enteropa- tia perdedora de proteínas Tabela 1.7 Elevação de ALT ou elevação de ALT e AST Elevação somente de AST Possível causa não hepática Elevação < 5 vezes o LSN Elevação > 5 vezes o LSN ALT > AST Esteatose Hepatite crônicaviral Hepatite medicamentosa Hemocromatose Doença celíaca Hepatopatia alcoólica Cirrose hepática Causas não hepáticas: exercícios, miopatias Lesões agudas: hepatite viral hepatite medicamentosa isquemia hepatite autoimune AST > ALT Figura 1.1 Investigação de elevação das aminotransferases. LSN: li- mite superior da normalidade. Elevação da fosfatase alcalina Elevação concomitante de gama-GT SIM NÃO Possível causa não hepática de elevação de FA Doença óssea ou intestinal Elevações < 3 vezes o LSN de ambas as enzimas Doenças hepato- celulares (ver Fig. 1.1) Obstrução biliar (cálculo, tumor) Cirrose biliar primária Colangite esclerosante Doenças in�ltrativas (metástases, linfomas) Elevações > 3 vezes o LSN de ambas as enzimas Figura 1.2 Investigação de elevação de fosfatase alcalina e gama-GT. LSN: limite superior da normalidade. A síndrome ictérica A bilirrubina, um produto da quebra dos eritróci- tos, existe sob duas formas: a conjugada e a não conjuga- da. A bilirrubina não conjugada aparece no soro quando o sangue é destruído a uma velocidade maior do que a capacidade de processamento do fígado. Esse achado é mais comum em pacientes com hemólise. Várias defi- ciências enzimáticas geneticamente adquiridas re- sultam na conjunção inadequada ou incompleta da bilirrubina no fígado. A mais frequente é a síndrome de Gilbert, caracterizada pela deficiência relativa de glu- curonil transferase (UDGT). Os pacientes em geral apre- sentam níveis de bilirrubina aos limites superiores. Quando ficam em jejum ou reduzem a ingestão calórica (p. ex.: os pacientes com gastrenterite viral), a bilirrubina eleva-se, devido principalmente ao au- mento da forma não conjugada. Não se fazendo o fra- cionamento da bilirrubina, pode-se diagnosticar erro- neamente um paciente com dor abdominal, náuseas e vômitos e bilirrubina elevada como tendo colecistite. O teste de bilirrubina mais comum envolve uma reação bioquímica demorada. A maioria dos laborató- rios informa apenas a bilirrubina total. Interrompen- do-se a reação em determinado momento e subtrain- do-se o resultado da bilirrubina total, o laboratório chega à bilirrubina indireta, que é uma aproximação da bilirrubina não conjugada. A determinação exata exige a cromatografia, não sendo realizada de rotina nos laboratórios clínicos. A bilirrubina conjugada ele- va-se em muitas doenças, incluindo as hepatites viral e química (por álcool e drogas), cirrose, doenças meta- bólicas, obstrução biliar intra e extra-hepática. 1 Abordagem diagnóstica em hepatologia 15 Elevação das bilirrubinas Aumento isolado de bilirrubinas (ALT, AST, GGT e FA normais) Aumento de bilirrubinas + FA e GGT Icterícias colestáticas intra ou extra-hepáticas Bilirrubina indireta > bilirrubina direta Bilirrubina direta > bilirrubina indireta Síndrome de Rotor ou síndrome de Dubin-Johnson Bilirrubina total < 6 mg/dl Bilirrubina total > 6 mg/dl HemóliseS. de Gilbert Figura 1.3 Investigação de elevação das bilirrubinas. Avaliação dos distúrbios metabólicos do fígado Nos pacientes com hepatopatia, empregam-se testes laboratoriais específi cos de rotina para avaliar a probabilidade de determinados distúrbios metabóli- cos. A hemocromatose é uma doença de sobrecarga de ferro no fígado e outros órgãos. O defeito está prova- velmente em um mecanismo regulador da absorção de ferro no intestino delgado. Os pacientes armazenam durante muitos anos o ferro no fígado, no coração, no pâncreas e em outros órgãos. O teste de triagem mais utilizado na hemocromatose é o da ferritina sérica: ní- veis elevados sugerem a possibilidade de sobrecarga de ferro. Infelizmente, a ferritina também é um reagente da fase aguda, podendo estar falsamente elevada em vários processos infl amatórios. Se a ferritina estiver elevada (geralmente > 400 g/L), deve-se determinar o ferro sérico e a capacidade total de ligação do ferro (TIBC). Se a divisão do ferro sérico pelo TIBC (sa- turação de transferrina) for > 45% em mulheres e > 50% em homens, deve-se suspeitar fortemente de hemocromatose, em lugar de sobrecarga secundária de ferro (hemossiderose). O teste defi nitivo pode ser determinação quantitativa de ferro, o que exige uma bi- ópsia hepática, visando a determinar a quantidade de ferro no tecido hepático. Calcula-se, então, uma corre- ção ajustada à idade, chamada de índice ferro-idade: Índice ferro-idade = (Fe (µg/gm((1/56) Idade do paciente Atualmente, a imagem de ressonância magnética do fígado e o teste genético (C282Y) para hemocroma- tose têm substituído a biópsia hepática no diagnóstico. A α-1-antitripsina é uma enzima fabricada pelo fígado que ajuda a romper a tripsina e outras protea- ses dos tecidos. Foram descritas, na literatura, diver- sas variantes. A variante se expressa como um alelo de ambos os genitores, portanto, a pessoa pode ter no sangue uma ou duas formas de α-1-antitripsina. Uma determinada variante, chamada Z devido à sua singular mobilidade eletroforética em gel, é produto de uma mutação gênica em apenas um aminoácido de proteína tipo selvagem (M), localizada no cromos- somo 14. O fígado não consegue excretar a proteína Z, provocando danos locais que podem levar à hepa- tite e à cirrose. Há três testes que permitem fazer o diagnóstico. O primeiro é a eletroforese de uma pro- teína sérica (SBEP). Quando as proteínas sanguíneas são separadas segundo sua migração elétrica em gel, formam-se várias bandas. Uma delas, a banda α-1, consiste principalmente de α-1-antitripsina. Portan- to, a defi ciência de uma α-1-antitripsina provoca o achatamento da banda α-1 no SBEP. A segunda opção é o ensaio direto, que utiliza um anticorpo monoclo- nal contra a α-1-antitripsina. Pode-se medir com um espectrofotômetro a intensidade da ligação, por meio da taxa de nefelometria. A terceira opção é solicitar um fenótipo α-1-antitripsina. São poucos os labora- tórios que realizam esse teste, que identifi ca os tipos alélicos de proteínas no soro (p. ex.: MM, ZZ, MZ, FZ). Os pacientes com proteínas de tipo ZZ são homo- zigotos para a defi ciência de α-1-antitripsina tipo Z. Essa é a forma mais frequentemente associada às hepatopatias signifi cativas. Se a proteína Z fi car retida nos hepatócitos, pode-se observar no teci- do hepático pequenos glóbulos que se coram pela reação do ácido periódico-Schiff (PAS), resistindo à digestão subsequente como uma enzima chamada di- ástase. Uma imunocoloração também é realizada em algumas instituições. A doença de Wilson, um distúrbio do armazena- mento de cobre, está associada à defi ciência de uma en- zima derivada das células hepáticas (ceruloplasmina). Assim como o ferro, o cobre pode acumular-se em vários tecidos corporais. No entanto, os locais de armazenagem dele são um pouco diferentes. Pode-se observar sua de- posição nos olhos (anéis de Kayser-Fleischer) e nos nú- cleos da base do cérebro. Muitas doenças colestáticas do fígado (cirrose biliar primária) também produ- zem um armazenamento aberrante do cobre, mas não com a intensidade encontrada na verdadeira doença de Wilson. O principal teste de triagem é o nível sérico de ceruloplasmina, que é baixo em mais de 95% dos pacientes. A ceruloplasmina também é um re- agente da fase aguda, podendo estar falsamente elevada dentro da variação inferior normal, em pacientes com um processo infl amatório. Os testes de acompanhamen- to incluem determinações urinárias e séricas dos níveis de cobre. O diagnóstico defi nitivo é feito pela determi- nação quantitativa do cobre no tecido hepático. O cobre dos tecidos cora-se por processos especiais (por exem- plo: coloração de rodanina). Hepatologia | Clínica médica SJT Residência Médica - 201516 Testes para os distúrbios metabólicos comuns do fígado Doença Teste principal Teste de suporte Teste definitivo Hemocromatose Saturação de ferro > 45% a 50% Ferritina sérica > 200 a 300 µg/L Índice idade-ferro > 2 /teste genético/biópsiaDeficiência de α-1-antitripsina SBEP ou nível de α1-AT Fenótipo (tipo PiZZ) Biópsia de fígado positiva para grânu- los PAS-positivo resistente à diástase Doença de Wilson Ceruloplasmina < 2 mg/dL Cobre urinário/sérico > 100 µg/24 horas Biópsia de fígado com cobre quantitativo > 50 µg/g de peso líquido. Tabela 1.8 Marcadores autoimunes nas hepatopatias Marcadores autoimunes são testes utilizados para determinar componentes celulares específicos, asso- ciados epidemiologicamente ao desenvolvimento de determinadas doenças hepáticas. Os marcadores au- toimunes incluem o anticorpo antinuclear (ANA), o anticorpo antimúsculo liso (ASMA, também cha- mado de anticorpo antiactina), o anticorpo micros- sômico fígado-rim tipo 1 (LKM-1), o anticorpo an- timitocondrial (AMA), o antígeno hepático (SLA) e o anticorpo do receptor de antiasialoglicoproteína. O teste de anticorpos comuns é realizado pela exposição do soro do paciente às células cultivadas e marcadas com um anticorpo contendo fluoresceína contra os anticorpos humanos. As células são exami- nadas ao microscópio de fluorescência e classificadas de acordo com a intensidade do sinal e a parte da cé- lula que se liga ao anticorpo. Portanto, a leitura dos níveis de anticorpos e a determinação dos resultados positivos ou negativos são altamente subjetivos e a maioria dos hepatologistas precisa de resultados positivos em títulos de diluição > 1:80 ou 1:160 antes de considerar os testes como parte de um al- goritmo diagnóstico. O ANA e o ASMA são particu- larmente comuns em pessoas mais velhas, mulheres e pacientes afetados por um vasto espectro de hepato- patias. Desse modo, o diagnóstico de hepatopatia au- toimune depende de um amplo quadro clínico que leva em consideração a idade, o sexo, a presença de outros processos autoimunes, os níveis de gamaglobulina e os achados da biópsia do fígado. Além disso, é consi- derável a superposição dos anticorpos existentes nas diferentes doenças autoimunes do fígado. Casos de colestase com positividade do AAM e/ ou do anti-M2 são denominados como formas clássi- cas de CBP. Quadros clínicos e laboratoriais de coles- tase com negatividade do AAM e do anti-M2 e reativi- dade para o AAN com os padrões de pontos nucleares e envelope nuclear identificam a doença autoimune hepática com características muito semelhantes às da CBP e não há ainda nomenclatura internacional pa- dronizada para esses casos, que são denominados, à revelia, CBP AAM-negativo ou colangite autoimune. Classificação das hepatopatias autoimunes Doença Anticorpo Hepatite autoimune clássica tipo I ANA e/ou ASMA/SLA Hepatite autoimune tipo II LKM-1 Cirrose biliar primária AMA Tabela 1.9 ANA: fator antinuclear; SLA: antígeno hepático solúvel; ASMA: anticorpo antimúsculo liso; AMA: anticorpo antimitocôndria; LKM-1: anticorpo microssômico fígado-rim tipo I. Marcadores tumorais Alfafetoproteína é uma α-1-globulina de peso mo- lecular de cerca de 72.000 dáltons e que contém 3%-4% de hidrato de carbono. Sua síntese e secreção pelos he- patócitos iniciam-se já no periodo fetal: durante a séti- ma a oitava semana de gestação, os níveis plasmáticos situam-se em 67 g/mL e aumentam nos próximos 21 dias para 2.000 g/mL. No sangue materno atinge 500 ng/mL durante a gestação, normalizando-se rapida- mente após o delivramento. No recém-nascido, baixam tais concentrações após o nascimento e dentro de um ano revelam-se os valores definitivos, semelhantes aos observados no adulto, em torno de 1 a 3 µg/mL. Níveis plasmáticos elevados são identificados nos pacientes com teratoblastomas de testículos ou ovários de origem endodérmica. Mostram-se, no entanto, como os melhores marcadores sorológicos do carcinoma hepatocelular. Frisa-se que 25%-46% dos portadores destes tumores pequenos (menores do que 5 cm) não apresentam níveis séricos eleva- dos de ΑFP, mas suas concentrações duplicam ao tempo de 60-88 dias. Outros marcadores tumorais têm sido utilizados no diagnóstico do CHC. A desgama carboxiprotrom- bina (também denominada PIVKA II – protein induced by vitamin K absence) é uma protrombina anormal, sin- tetizada em casos de CHC por deficiência de uma car- boxilase vitamina K dependente na célula tumoral. O emprego de vitamina K pode induzir a falsos-negativos. É um exame de realização complexa, de boa especifici- dade, mas de sensibilidade menor que a ΑFP, especial- 1 Abordagem diagnóstica em hepatologia 17 mente em áreas de grande incidência. O uso combinado de ΑFP e PIVKA II aumenta a acurácia do diagnóstico. Existem outros marcadores tumorais utilizados, como a alfa-L-fucosidase e a ferritina sérica. Nenhum, entre- tanto, suplantou o valor diagnóstico da ΑFP. A detecção do antígeno carcinoembrionário (CEA) é indicada para a detecção de metástases hepáticas de tumores de cólon, enquanto que o CA 19-9 é marcador para metástases particularmente do pâncreas. Doenças hepáticas e os métodos de imagem Os métodos de imagem se constituem na base do diagnóstico não invasivo das doenças hepáticas, dota- dos de elevada acurácia. São úteis em defi nir: 1. etiologia das lesões nodulares sólidas focais, benignas ou malignas; 2. morfologia e volume do parênquima hepático na cirrose hepática; 3. o estudo das vias biliares; 4. a realização de medidas terapêuticas (radiolo- gia intervencionista). Figura 1.4 US de fígado mostrando parênquima hepático normal. Figura 1.5 TC mostrando fígado com aspecto cirrótico evidenciando três nódulos hipervascularizados no lobo direito e outra menos vascu- larizada no lobo esquerdo após injeção de lipiodol. Figura 1.6 TC de fígado mostrando área de abscesso único com dois drenos posicionados à direita. Figura 1.7 Tomografi a computadorizada demonstrando dilatação da via biliar intra-hepática no lobo direito do fígado, com cálculos no seu interior. Hepatologia | Clínica médica SJT Residência Médica - 201518 Figura 1.8 CHC com apresentação clássica na RM. A: nódulo com fo- cos de sinal elevado e heterogêneo na ponderação T2. B: isossinal na ponderação T1 com supressão de gordura. C: impregnação acentuada e não homogênea na fase arterial. D: lavagem rápida na fase tardia com impregnação da cápsula. Figura 1.9 Aspecto da colangiografia retrógrada transpapilar em co- langite esclerosante. Comprometimento mais acentuado das vias bilia- res intra-hepáticas. Figura 1.10 Colangiografia endoscópica retrógrada mostrando os aspectos clássicos da CEP, apresentando estreitamento difuso e dilata- ções dos ductos biliares intra e extra-hepáticos. Figura 1.11 TC de fígado mostrando dilatação das vias biliares intra- -hepáticas em um paciente com icterícia colestática. Figura 1.12 Arteriografia de um paciente com cirrose pós-necrótica mostrando lesão neoplásica hipervascularizada no lobo esquerdo do fígado com fístulas arterioportais e enchimento hepatofugal da veia porta e colaterais. Note o defeito de enchimento por invasão tumoral da veia porta. 1 Abordagem diagnóstica em hepatologia 19 Biópsia hepática (BH) Biópsia hepática: contraindicações Absolutas Relativas TP > 3 segundos Plaquetas < 60.00/mm³ TS prolongado Hemangioma cavernoso Paciente não cooperativo Ascite Infecção na cavidade pleural direita Colangite Obstrução biliar Tabela 1.10 Critérios empregados para defi nir cirrose 1. Deve haver fi brose. 2. O tecido cicatricial deve ser difuso em todo o fígado. 3. Deve haver transformação nodular da arquite- tura hepática: � cirrose micronodular: fi brose e nódulos ≤ 3 mm; � cirrose macronodular: fi brose e nódulos ≥ 3 mm. Critérios empregados para defi nir esteatose A esteatose não representa doença, mas apenas um sinal histológico, que pode ou não ter associação clínica com doenças diversas. Mostra-se mais identi- fi cada em alcoólatras crônicos, no diabetes, na obe- sidade, naqueles com VHC, no jejum prolongado, em pacientes submetidos à nutrição parenteral, naqueles que foram tratados com anastomose jejunoileal e uso demedicamentos. Do ponto de vista histológico, o fragmento corado pela técnica de Sudam 3 mostra as gotículas de gordura distribuídas na célula hepática. As gotículas de gordura estão mais presentes na zona III, nos alcoólatras, obesos e diabéticos. Duas formas de esteatose são descritas: 1- Forma microvesicular de distribuição panacinar; 2- Forma macrovesicular, em que os grandes va- cúolos deslocam o núcleo para a periferia, formando células com aspecto de anel de sinete. Microvesicular Macrovesicular • Álcool • Obesidade • Diabetes mellitus • Desnutrição • Corticoides • Nutrição parenteral total • Álcool • Síndrome de Reye • Esteatose aguda da gra- videz • Tetraciclina • Ácido valproico • Doença do vômito da Jamaica Tabela 1.11 Critérios empregados para defi nir hepatite alcoólica 1. Necrose hepatocitária; 2. Corpúsculos de Mallory, principalmente em zonas centrolobulares; 3. Infi ltrado neutrofílico; 4. Distribuição perivenular (central) do infi ltra- do infl amatório. Os corpúsculos hialinos de Mallory são compos- tos de fi lamentos irregulares, semelhantes a cordões de material eosinofílico no citoplasma, que representam agregados de microfi lamentos. Embora a gordura e os neutrófi los possam desaparecer com alguma rapidez a partir da abstinência de álcool, os corpúsculos hialinos podem levar até seis semanas para desaparecer. Condições associadas a corpúsculo de Mallory • Obesidade • Diabetes mellitus • Drogas (corticoide, amiodarona) • Derivação jejunoileal • Doença de Wilson • Toxicidade pela vita- mina A • Colestase prolongada • Cirrose juvenil da Índia Tabela 1.12 Critérios empregados para definir hepatite viral aguda Não é necessária a biópsia hepática. O diagnósti- co é clínico, confi rmado sorologicamente, e na grande maioria dos casos, a autoridade é o clínico e não o pa- tologista. A biópsia torna-se necessária se o diagnósti- co diferencial for além das hepatites A, B e C (ou D) es- tabelecidas sorologicamente se houver uma segunda doença ou quando se desejar estabelecer a gravidade do processo, sua cronicidade, atividade, grau de fi bro- se ou uma cirrose irreversível. Corpos de Councilman (corpos acidófi los): encontrados na hepatite viral e na hepatotoxicidade por drogas e na doença de Wilson. Critérios empregados para definir hepatite crônica 1. Hepatite crônica persistente (HCP) Infl amação restrita ao espaço portal, que sofre infi ltração por leucócitos, principalmente mononu- cleares. A lesão periportal não evolui para erosão das “placas limitantes” e a infl amação não se esten- de para o restante do lóbulo hepático. Não há fi brose signifi cativa. Hepatologia | Clínica médica SJT Residência Médica - 201520 2. Hepatite lobular crônica É uma variante da HCP, que também não evolui para cirrose e/ou insuficiência hepática. Histologica- mente, se caracteriza por necroinflamação focal nos lóbulos hepáticos e alterações portais nos períodos de atividade da doença. 3. Hepatite crônica ativa (HCA) É uma condição de diversas etiologias, caracte- rizada por necrose hepática continuada, inflamação ativa do parênquima hepático e fibrose. O achado his- tológico marcante na HCA é a necrose em sacabo- cado, que se caracteriza por extensão do processo necroinflamatório através da placa limitante, inva- dindo o interior do lóbulo. Condições associadas a HCA • Hepatite viral crônica (B e C) • Hepatite autoimune • Drogas (amiodarona, isoniazi- da, propiltiouracil, fenitoína, alfametildopa, nitrofurantoína) • Doença de Wilson • Deficiência de α-1- antitripsina • Uso crônico de aceta- minofen Tabela 1.13 Critérios sugestivos de lesão produzida por drogas � Esteatose; � Infiltrado inflamatório eosinofílico; � Numerosas mitoses das células hepáticas; � Granulomas (agregado de histiócitos). Drogas x Granulomas • Alopurinol • Alfametildopa • Carbamazepina • Difenil-hidantoína • Isoniazida • Nitrofurantoína • Fenilbutazona • Procainamida • Quinidina • Sulfanilamida Tabela 1.14 Critérios empregados para definir cirrose biliar primária A biópsia hepática é sugestiva. Embora não seja obrigatória em um paciente com AMA-M2 positivo, a histologia serve para estadiamento da doença. Clas- sicamente, os achados histológicos da colangite crônica não supurativa da CBP são divididos em quatro estágios: Estágio I (Lesão ductal florida) – há expansão portal às custas de infiltrado mononuclear, com lesão e destruição ductal, sem grande acometimento paren- quimatoso. As lesões são geralmente focais. Granulo- mas, altamente sugestivos da doença, podem ser vistos ao redor dos ductos biliares. Estágio II (proliferação ductal) – a inflamação progride com necrose piecemeal (necrose em ponte), destruição ductal contínua e proliferação ductal. Estágio III – caracterizado por cicatrização e fi- brose intensas, com emissão de septos, mas ainda sem nódulos de regeneração. Estágio IV – cirrose biliar. Critérios empregados para definir colangite esclerosante primária O diagnóstico histológico evidenciado por meio do estado de fragmentos de biópsia hepática apresenta classicamente o aspecto de colangiopatia fibrosa obli- terativa. Embora a CPRE (ou Colangiorressonância) seja o padrão-ouro de diagnóstico, a biópsia hepá- tica é indispensável para estagiar a doença. Critérios histológicos de CEP • Estágio portal (I) Hepatite portal (limitada a lâmi- na limitante própria) • Estágio periportal (II) Fibrose/inflamação periportal, além de lâmina limitante • Estágio septal (III) Fibrose septal/necrose anasto- mótica • Estágio cirrótico (IV) Cirrose biliar Tabela 1.15 Atualização De acordo com a portaria nº 863 da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo de 4 de novembro de 2002, recomenda-se uma de duas classificações de he- patites crônicas: o Consenso dos Especialistas das So- ciedades Brasileiras de Patologia e de Hepatologia ou a francesa METAVIR. Essas duas classificações levam em conta os aspectos básicos das hepatites crônicas já destacados – atividade periporta lobular. Enquanto os franceses destacam o grau de fibrose, a classificação brasileira considera que o estadiamento, também divi- dido em quatro graus, deve refletir fundamentalmen- te o distúrbio arquitetural, variando de 0 (estrutura acinar normal) até 4 (cirrose). Nesse processo, não só a deposição de colágeno deve ser valorizada mas tam- bém as pontes interligando regiões originalmente pré e aquelas pós-sinusoidais, incluindo-se no conceito a neoformação vascular e a capilarização de sinusoides. Além dessas, tem sido muito usada na literatura in- ternacional a classificação proposta por Ishak et al. em 1995, atualização da classificação também supervisio- nada por Ishak em 1981, que ficou conhecida como classificação de Knodell e não deve ser mais usada. 1 Abordagem diagnóstica em hepatologia 21 Classificação das hepatites crônicas – Metavir (bedossa e cols., 1996) Atividade: A Necrose lobular** Necrose periportal* Ausente ou mínima Moderada Acentuada Ausente A0 A1 A2 Mínima A1 A1 A2 Moderada A2 A2 A3 Acentuada A3 A3 A3 *A necrose periportal corresponde à hepatite de interface. Mínima: focal, ao redor de alguns espaços portais; moderada: difusa, ao redor de alguns espaços portais ou focal ao redor de todos os espaços portais; acentuada: difusa, ao redor de todos os espaços portais. **A necrose lobular corresponde a focos de necrose e/ou células infl amatórias intralobulares. Ausente ou mínima: menos de um foco por lóbulo; moderada: pelo menos um foco por lóbulo; acentuada: vários focos por lóbulo. Fibrose: F Ausência de fi brose portal e periportal F0 Fibrose portal e periportal sem septos F1 Fibrose portal e periportal com raros septos F2 Fibrose portal e periportal com numerosos septos F3 Cirrose F4 Tabela 1.16 Classificação das hepatites crônicas (Gayotto e cols., 2000) Alterações estruturais 0 - Arquitetura lobular normal 1 - Expansão fi brosa de espaçosportais 2 - Expansão fi brosa portal com septos porta-porta 3 - Preservação apenas parcial da arquitetura lobular, com septos porta-porta e porta-centro, podendo ser visto esboço de nódulos 4 - Cirrose, plenamente identifi cada à biópsia ou predomínio de áreas nodulares em relação aos lóbulos remanescentes Infi ltrado infl amatório portais/septal Semiquantifi cação de 0 a 4, independentemente da formação de folículos linfoides 0 - Raros linfócitos portais 1 - Aumento discreto do número de linfócitos portais 2 - Aumento moderado do número de linfócitos portais 3 - Aumento acentuado do número de linfócitos portais 4 - Aumento muito acentuado do número de linfócitos portais Atividade periportal/septal 0 - Ausência de lesões da interface espaços portais/parênquima 1 - Extravasamento de linfócitos para a interface (spill-over), não caracterizando a presença de necrose em sacabocados 2 - Necrose em sacabocados discreta (pequenas áreas em poucos espaços portais) 3 - Necrose em sacabocados moderada (extensas áreas em poucos espaços portais ou pequenos focos em muitos espaços portais) 4 - Necrose em sacabocados em extensas áreas de muitos espaços portais Atividade parenquimatosa 0 - Hepatócitos normais isomorfos 1 - Alterações discretas de hepatócitos, incluindo tumefação e retração eosinofílica, eventualmente acompanhada de infi ltrado linfo-histiocitário e raros focos de necrose 2 - Necrose focal de hepatócitos circundados por agregados linfo-histiocitários em numerosos sítios 3 - Necrose focal de hepatócitos circundados por agregados linfo-histiocitários em muitos sítios, associada a áreas limitadas de necrose confl uente 4 - Necrose focal de hepatócitos circundados por linfo-histiocitários em numerosos sítios, associada à necrose confl uente extensa/múltipla Tabela 1.17 Hepatologia | Clínica médica SJT Residência Médica - 201522 Doenças hepáticas por drogas As indicações de BH variam de acordo com a natureza da lesão e de seus diagnósticos diferenciais. Quando há manifestações hepáticas durante uso de drogas sabidamente associadas à lesão hepática, como (mais frequentemente) hepatite ou colestase, a bióp- sia não é sistematicamente indicada, devendo ser usa- da apenas nos casos de apresentação clínica atípica ou naqueles devido a novas drogas. As alterações anatomopatológicas no fígado pro- duzidas por drogas são em tudo semelhantes àquelas causadas por outros agentes etiológicos. As hepatites por drogas, por exemplo, reproduzem com fidelidade os padrões vistos nas de origem viral, quase sempre sendo difícil para o patologista distinguir ambas as causas. Para o especialista experiente, entretanto, al- gumas características são úteis para sugerir ou mesmo afirmar a etiologia tóxica das lesões hepáticas: � Zonalidade das lesões: de maneira geral, a zona 3 do ácino de Rapapport é a área do lóbulo hepático primária e preferencialmente acometida pelas doenças hepáticas induzidas por drogas (DHID). Lesões típicas nessa por- ção do lóbulo hepático são provocadas pelo paracetamol (acetaminofeno), por alcaloides na pirrolidina, por infusões de confrei e pela sacaca amazônica. � Desproporção entre o grau de lesão hepa- tocelular e a resposta inflamatória: tais aspectos constituem-se em bom marcador de DHID, aparecendo em hepatites agudas provo- cadas por isoniazida, rifampicina e em necro- ses maciças ou submaciças desencadeadas por diversos tóxicos. � Esteatose: a esteatose pode ser macro e/ou microvesicular e é um marcador histológico de baixa especificidade, mas muito frequente nas DHID. As formas microvesiculares podem indicar situações graves como a esteatose da tetraciclina e a síndrome de Reye cau- sada por aspirina. � Indução citoplasmática: este aspecto do citoplasma, semelhante ao “vidro fosco” que caracteriza, por exemplo, o AgHBc no teci- do, é encontrado em vários graus nas DHID e em geral serve ao patologista para levantar a suspeita de etiologia por drogas. É causado, principalmente, pelos barbitúricos e pela clorpromazina. � Infiltrado eosinofílico: o componente eosi- nofílico do infiltrado inflamatório é um bom marcador de etiologia por drogas nos casos de ação imprevisível, drogas em que atuam meca- nismos de hipersensibilidade. Figura 1.13 Células hepáticas distendidas por macrogotículas de gordura. Figura 1.14 Células hepáticas com hialinos de Mallory, bordas citoplas- máticas mal definidas e envolvidas por células inflamatórias. HE 400X. Figura 1.15 Hepatite crônica ativa moderada por vírus C: nítida agressão da placa limitante por células linfomononucleares, tornando- -se irregular e determinando áreas de necrose periportal. HE 400X. Figura 1.16 Hepatite crônica ativa intensa por vírus B: o infil- trado inflamatório circunda ilhotas remanescentes de tecido hepático que, em geral, apresentam citoplasma homogêneo em “vidro fosco”. 1 Abordagem diagnóstica em hepatologia 23 Figura 1.17 Hepatite alcoólica com muitos corpúsculos hialinos de Mallory. Figura 1.18 Corpúsculos de Councilman (seta) em paciente com he- patite aguda viral (coloração de hematoxilina-eosina). Figura 1.19 Hepatite pela nitrofurantoína com predominância de eo- sinófi los (coloração hematoxilina-eosina). Figura 1.20 Cirrose biliar primária com lesão fl orida ductal (estágio I), (coloração hematoxilina-eosina). Figura 1.21 Hemocromatose genética. Fibrose septal com irregulari- dades do parênquima hepático. Figura 1.22 Diabetes melittus. Esteatose hepática, com balonização de hepatócitos, contendo corpúsculo de Mallory (seta), infl amação pe- ricelular e fi brose. Figura 1.23 Amiloidose. Duas pequenas artérias (A) com depósito amiloide. Figura 1.24 Síndrome de Budd-Chiari. Tardiamente na doença, te- cido fi brótico, tingido de azul, foi depositado nas áreas de congestão. O parênquima restante mostra lobulação reversa periportal (P). Uma veia eferente (seta) está parcialmente ocluída por tecido fi broso. Bióp- sia por agulha. Hepatologia | Clínica médica SJT Residência Médica - 201524 Figura 1.25 Deficiência de alfa-1-antitripsina. Hepatócitos próximos de um septo fibroso contêm vários glóbulos vermelhos de diferentes tamanhos. Figura 1.26 Síndrome de Dubin-Johnson. Hepatócitos contêm grâ- nulos grosseiros de pigmento marrom-escuro. Biópsia por agulha. Figura 1.27 Doença de Wilson. Cobre hepatocelular é tingido de ver- melho num nódulo cirrótico. Figura 1.28 Hemocromatose. Siderose hepática grau 4. Seta mostra grânulos ricos em ferro em localização pericanalicular, fora dos canalí- culos biliares. Biópsia por agulha. Figura 1.29 Congestão venosa com dilatação sinusoidal perivenular. Observam-se também necrose com pequena inflamação e céulas de Ku- pffer com pigmento seroide. Figura 1.30 Síndrome de Budd-Chiari, forma aguda, evidenciando-se focos de hemorragia envolvendo hepatócitos e trato portal. Figura 1.31 Microscopicamente, este ducto biliar em um caso de co- langite esclerosante é cercado por uma deposição marcante de tecido conjuntivo com abundância de colágeno. Figura 1.32 Granuloma epitelioide com necrose caseosa central no fígado infectado por Mycobacterium tuberculosis. 1 Abordagem diagnóstica em hepatologia 25 Métodos não invasivos mecânicos Dos métodos disponíveis, três se destacam: elastografi a hepática transitória avaliada através do Fibroscan (FSC), a elastografi a pela Acoustria Radia- tion Force (ARFI) e a elastografi a por ressonância nu- clear magnética. O Fibroscan é o metodo dentre os três citados acima, com o maior número de publicações, em particular em hepatite C crônica, sendo, portanto, o mais validado. O método utiliza um sistema de ultras- sons, cujo objetivo é quantifi car a fi brose hepática. Figura 1.33 Sonda do FibroScan aplicado no espaço intercostal na área hepática (A) desencadeando a onda elástica de vibração com a pres- são no botão (B). O FSC é composto por uma sonda, um sistema eletrônico e uma unidade de controle. A sonda con- têm um vibradorde baixa frequência que no seu eixo tem um transdutor de ultrasons com frequência su- perior à das ecografi as correntes sendo de 3,5 MHz. O dispositivo é baseado na elastografi a transitória unidimensional (1-D), uma técnica que utiliza ondas elásticas (50 Hz) e de ultrasons de baixa frequência (5 MHz), medindo a elasticidade hepática. A velo- cidade de propagação está diretamente relacionada com a elasticidade. O FSC tem excelente correlação com o estádio de fi brose, avaliada através da escala METAVIR. O méto- do foi inicialmente validado para a determinação da fi brose na hepatite C crônica, mas tem sido recente- mente estendido a outras entidades como a hepatite B crônica e doenças colestáticas. A efi ciência diagnóstica do FSC foi determinada quanto à sensibilidade, especifi cidade, valor predizen- te positivo (VPP), valor predizente negativo (VPN) e área abaixo da curva (ROC - receiver operating curves). O cut-off foi encontrado para soma da espe- cifi cidade e do valor preditor positivo, que apre- sentasse o resultado mais elevado para os valo- res de 10 a 14 kPa. São limitações do método: pouca experiência do examinador, ascite, obesidade e elevações de ALT acima de cinco vezes o limite superior de normalidade. Métodos que utilizam testes bioquímicos e combinações de métodos Atualmente dispomos de inúmeros testes bioquí- micos que foram idealizados com o propósito de ava- liar o estadiamento da hepatite C crônica, Fibrotest, Fibrometer, escores de Forus e Apri entre outros; dentre estes os mais validados são, sem dúvida, o Apri, o Fibrotest e o Fibrometer. O APRI Score (índice da relação AST/plaquetas) é o mais simples de todos, de mais baixo custo e de mais fácil excecução, mas que não deve ser utilizado como método isolado. O cutoff validado para este escore é > 1. A associação de méto- dos bioquímicos entre si (especialmente o Fibrotest + Apri) ou, o que é mais desejável, métodos bioquímicos com método mecânico são melhor validados para esti- mar o grau da fi brose. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo Icterícia 2 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA 2 Icterícia 27 Metabolismo da bilirrubina O termo bilirrubina deriva de palavras latinas como bilis, bile e ruber que signifi cam vermelho, tra- duzindo a coloração típica do pigmento biliar. Defi ne-se hiperbilirrubinemia como o aumento anormal da concentração sérica da bilirrubina, resul- tante da produção aumentada (hemólise ou eritropoiese inefetiva) ou insufi ciente clareamento do pigmento bi- liar pelo fígado (defeitos que se estabelecem na captação, na conjugação, no transporte intracelular ou na secreção biliar). Destas considerações, depreende-se que o meta- bolismo da bilirrubina é polifásico. Inicia-se no sistema reticuloendotelial para que, posteriormente, sua fração indireta não conjugada seja conduzida e ligada à albu- mina, captada em nível de membrana plasmática, trans- portada pelo interior dos hepatócitos e, através da bile, excretada para o intestino, no qual sofre catabolismo até compostos não pigmentados, fi nalmente eliminados nas fezes. São alterações nestas diversas etapas que de- terminam elevação de seu nível sérico, traduzido clini- camente pelo aparecimento de icterícia, sinal que revela existência de doença hematológica ou hepatobiliar. Em um indivíduo normal, pesando cerca de 70 kg, a produção média diária de bilirrubina atinge 250 mg - 350 mg, situando-se, portanto, em torno de 4,4 mg/kg ± 0,7 mg/kg. Esses valores são obtidos a partir do conhecimento de que a degradação de cada mol do heme ferroprotoporfi rina lX forma um mol de bilirru- bina e outro de monóxido de carbono. A formação deste pigmento tem sido estudada empregando-se glicina radioativa, precursora do gru- po heme da molécula da hemoglobina. Assim, uma vez injetado, cerca de 20% deste marcador aparece sob a forma de estercobilina fecal dentro de sete dias (fração precoce) e os 80% restantes são excretados ao fi m de 120 dias. Este último representa a bilirru- bina proveniente do eritrócito. Vale salientar que 65%-75% da produção total de bilirrubina ocor- re no sistema reticuloendotelial (baço e medu- la), constituindo-se num processo extravascular proveniente da degradação do heme da hemoglo- bina derivada de células vermelhas senescentes. Os restantes 25%-30% provêm da degradação do heme hepático e de hemoproteínas, das quais a mais importante é o citocromo P-450. Deve-se, além disto, frisar que 10%-20% deste pigmento biliar provém de células vermelhas que ainda não atingiram os 120 dias de vida, sendo denomina- do “pico precoce da bilirrubina”. Traduz o rápido turnover do heme hepático, sendo caracterizada por material marcado com glicina, que é excretado na bile dentro de 3-5 dias após sua administração. Esse mecanismo é observado em diferentes doenças he- matológicas como a talassemia, a anemia sideroblás- tica refratária e a anemia perniciosa, caracterizadas por uma eritropoiese inefetiva sem relação casual. É clássico que, ao fi m dos 120 dias, a hemoglo- bina é fragmentada em heme, convertida em bi- lirrubina, monóxido de carbono e ferro, em metal transportado para a medula óssea ou outros locais de armazenamento, e em globina, que será hidro- lisada até aminoácidos. Toda esta evolução depende da participação da enzima hemeoxigenase, que exer- ce sua atividade no baço, medula óssea, fígado, rins e pulmão. Este complexo enzimático microssomial, que requer para a sua atuação NADPH, O, e citocro- mo P-450, tem sua atividade aumentada durante je- jum, após infusão de glucagon e epinefrina ou diante do AMP-cíclico e endotoxinas. Ela também existe em macrófagos teciduais que, possivelmente, são respon- sáveis pela formação de bilirrubina em locais em que existe extravasamento sanguíneo. Por outro lado, a biliverdina redutase presente também em células do SRE reduz a biliverdina assim formada até a bilirrubi- na, a qual é apenas levemente solúvel em água. A bilirrubina indireta, fração não conjugada da bilirrubina que a 37 °C se une fortemente à albumi- na sérica humana, possui uma constante de ligação de 3x107M. Esta união se processa na proporção de dois a três moles do pigmento para uma de proteína, em dois sítios, um dos quais dotado de grande afi nidade e que não se encontra sujeito à instalação de deslocamentos do pigmento por ânions orgânicos solúveis. Já o outro é de menor afi nidade e a ligação bilirrubina-albumi- na é facilmente desfeita pela ação de determinados ânions orgânicos, tais como sulfonamidas, salicila- to de sódio, benzoato de sódio, tolbutamida, ampi- cilina, gentamicina, diuréticos e meios de contras- te, sobretudo em condições de acidose metabólica. Estes fatores físicos podem exercer ação desagrega- dora, liberando a bilirrubina em sua forma livre, não conjugada e não solúvel em água, facilitando assim, sob esta forma, que determinadas membranas (tais como a barreira hemoliquórica do cérebro dos recém- -nascidos) sejam facilmente atravessadas, levando ao desenvolvimento de kernicterus. Nesta fase, o pigmento é desligado da proteína e transportado para o interior da célula. Esse fenômeno de captação não é, ainda, bem entendido, podendo ser dependente: a. da concentração sérica da bilirrubina (meca- nismo de saturação); b. da força de ligação albumina-bilirrubina indireta; c. do próprio fl uxo sinusoidal; d. de fenômenos de difusão passiva; e. da mediação de captadores e transportadores celulares. A este propósito, tem sido descrita uma pro- teína purifi cada da própria membrana celular, que é dotada de peso molecular de 170.000 dáltons, capaz de se ligar e transportar a bilirrubina para o interior da célula. Torna-se importante frisar que este é um fl uxo bidirecional, no qual 30% da bilirrubina captada através de uma única passagem refl ui de forma imutá- vel do interior do hepatócito para o plasma. Hepatologia | Clínica médica SJT Residência Médica -201528 O transporte da bilirrubina no interior do hepa- tócito processa-se através de ligações com proteínas do citosol, principalmente com a glutation-S-transferase B, também denominada de ligandina ou proteína Y. Ela atua prevenindo ou impedindo o refluxo do pigmento para o plasma, tendo peso molecular de 47.000, sendo constituída de uma subunidade A, com 22.000, e outra B, com 25.000 dáltons. Além dessa capacidade, parti- cipa da translocação intracelular e do armazenamento, assumindo maiores concentrações junto ao retículo en- doplasmático liso. Esta proximidade facilitará que, atra- vés de mecanismo de contato, o pigmento biliar sofra uma rápida difusão até o retículo endoplasmático, com o fenômeno de glicuronização sendo catalisado pela UDP-glicuroniltransferase. Esta enzima localiza-se principalmente nos retí- culos endoplasmáticos rugoso e liso e, em quantidades menores, nas membranas do aparelho de Golgi e no envelope nuclear. Nessa fase, formam-se dois isômeros definidos como monoglicuronídeo de bilirrubina, quando a esterificação do ácido propiônico se realiza de forma isolada nas posições C8 e C 12, ou diglicuronídeo, quan- do processa-se em conjunto, em ambas as posições. Importante citar, ainda, que a transformação do monoglicuronídeo em diglicuronídeo processa-se tam- bém à custa da enzima UDP-glicuroniltransferase. Vale salientar que, no momento em que a união com a pro- teína Y se torna saturada, uma outra, denominada Z e dotada de maior capacidade de ligação, passa a exercer sua atividade, tendo peso molecular de 11.000 dáltons. Quando os níveis de produção dessas enzimas se en- contram reduzidos, várias formas de hiperbilirrubi- nemia congênita costumam desenvolver-se, todas tendo como característica comum o predomínio sé- rico da fração indireta ou não conjugada da bilirru- bina. Tal distúrbio ocorre nas síndromes de icterícia fisiológica do recém-nascido, em certo grau na sín- drome de Lucey-Driscoll e também nas de Crigler- -Najjar tipos I e II e na de Gilbert. Estas, do ponto de vista clínico, fisiopatológico e laboratorial, são total- mente diferentes das doenças hemolíticas. É no interior do hepatócito que a fração não conjugada ou indireta converte-se em conjugada ou direta, transformando-se, portanto, de um composto insolúvel em outro solúvel em água. Sob essa forma, ele é transportado do citosol para o canalículo biliar, com participação do aparelho de Golgi e lisossomas, sendo então finalmente excretado, mas não reabsor- vido pela mucosa intestinal. Porém, é na luz do intes- tino delgado que é hidrolisada pelas bactérias, sofrendo degradação pela ação de betaglicuronidases, formando então urobilinogênio, 80% dos quais eliminados nas fe- zes, enquanto 20% são reabsorvidos e, por meio da circu- lação enterohepática, levados ao fígado e posteriormente clareados pela bile e pela urina. Em situações clínicas, tais como retardo na elimi- nação do mecônio, doença de Hirschsprung, atresia in- testinal e fibrose cística do pâncreas, condições em que ocorre aumento da circulação entero-hepática, o meca- nismo fisiopatológico acima descrito não se processa de forma ativa e eficiente. Nessas doenças o intestino en- cerra 80-100 mg de bilirrubina; ou seja, um nível cinco a dez vezes maior que o índice de produção diária do pigmento e que necessita ser clareado pelo fígado. Por outro lado, quando a excreção de bilirrubi- na conjugada pelo fígado não se processa livremente, existirá evidentemente um predomínio sérico da fra- ção direta ou conjugada da bilirrubina, situação que se verifica sobretudo em pacientes portadores de icterí- cias conjugadas hereditárias (síndrome de Dubin- -Johnson e Rotor), nas colestases intra e extra-hepá- ticas de natureza benigna ou maligna. Heme (ferroprotoporfirina IX) β α γ δ1 HCO Fe 2 Citocromo P450 Hemeoxitidase microcromo HCO 2 HCO 2 HCO 2 O O N H N H N H N H Biliverdina IX αHCO 2 HCO 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH Me N H N H N H N H A B C D Me Me Me CH 2 CH Sinusoide Biliverdina IX α (B) 2 BI ALB ALB 4 5 6 Ligandina (y) ? BI BI BI Z Heme proteína SCC UDP UDPGA Glicuronil- transferas e BMG BMG ligandina Bile BMG DDC B B Refluxo 8 7 Intestino o i n ê g o n i l i b o r U - G D B Figura 2.1 Fases do metabolismo da bilirrubina: 1: transformação do heme (ferroprotoporfina IX) em bilirrubina IXa; 2: transporte sinusoidal da bilirrubina não conjugada ligada à albumina; 3: captação hepática da bilirrubina não conjugada (indireta); 4: transporte intra-hepático de bi- lirrubina indireta; 5: conjugação microssômica da bilirrubina indireta em presença de glicuroniltransferase; 6: excreção no polo biliar das células; 7: presença em nível intestinal. HOOC COOH CH2 CH2 CH2 CH2 N H N H N H N H O O O O O O O O OO COOH HOCC C C CH2 CH2 CH2 CH2 OH OHHO HO HO N H N H N H N H Bilirrubina IX a Diglicuronídio de bilirrubina IX a Figura 2.2 Representação da bilirrubina IXα não conjugada e do di- glicuronídeo de bilirrubina IXα. A conjugação impede a existência de pontes intramoleculares de hidrogênio. 2 Icterícia 29 HEM Sistema reticuloendotelial Bilirrubina não conjugada Metabolismo da bilirrubina Hb Fe Globina Formação da bilirrubina 1 Albumina Transporte plasmático2 3 Captação Proteínas Y e Z Microssoma Polo biliar Colangíolo 4 Conjugação glucurônica 5 Excreção Polo sinusoidal Transporte da bilirrubina conjugada desde o canalículo até o duodeno circulação sistêmica Urobilinogênio urinário 0-4/24 h Porta Ciclo entero- hepático Bilirrubina conjugada Ação bacteriana � -glucuronidase Urobilinogênio fecal (Estercobilinogênio) 40-200 mg/24 h Mesobilifucsina (coloração marrom) Bilirrubina livre Urobilinogênio Figura 2.3 Etapas do metabolismo da bilirrubina. HEM SRE Hiperbilirrubinemias Bilirrubina não conjugada Icterícia do recém-nascido Drogas competitivas (sulfas) Transporte plasmático defeituoso Formação da bilirrubina Defeito na captação 1 3 Enfermidades de Gilbert Microssoma hepatocitário Defeito de conjugação 2 4 Deficiência de glucuroniltransferase I - Completa. Crigler-Najjar tipo II II - Parcial. Enf. de Arias ou CN tipo I Enf. de Gilbert Inibidores da conjugação Pregnanodiol e novobiocina D efeito no transporte canalicular intra-hepático6 Metástases Tumores Cistos Granulomas 5 Enfermidade hepatocelular Hepatites Álcool Drogas Esteróides Anticonceptivos Dubin-Jonhson Rotor Cirrose biliar primária 7 Litíase Estenose de via biliar Carcinoma Defeito no transporte extra-hepático Papilar Pâncreas Defeito na excreção celular Figura 2.4 Mecanismos patogênicos da icterícia. Bilirrubina total e frações: valores de referência Bilirrubina indireta 0,2 a 0,8 mg/dL Bilirrubina direta 0 a 0,2 mg/dL Bilirrubina total 0,3 a 1,2 mg/dL Tabela 2.1 As síndromes ictéricas As tabelas 2.2 e 2.3 mostram duas formas de clas- sifi cação das icterícias. Há também outras denomina- ções úteis. Assim, Sherlock e Dooley (1997) delineiam as causas das icterícias em três grupos: pré-hepática (hemólise), hepá tica (síndrome de Gilbert, hepatites por vírus, drogas, álcool), e colestática (hormônios se- xuais, promazinas, câncer dos dutos biliares, colelitía- se, câncer da cabeça do pâncreas). Classificação das icterícias Hiperbilirrubinemia indire- ta (hemolítica e não hemo- lítica) Predomínio de bilirrubina indireta Hepatocelular Mista, mas com predomínio de bilirrubina direta Obstrutiva (colestática) Mista, mas com predomínio de bilirrubina direta Tabela 2.2 Ver fi gura 2.4. Hiperbilirrubinemias familiares 1 - Hiperbilirrubinemias não conjugadas A - Por aumento da produção de bilirrubina a) Anemias hemolíticas, hemoglobinopatias, síndromes talas- sêmicas, defeitos enzimáticos, defeitos no nível de membrana e outros b) Hiperbilirrubinemias de shunt, síndromes de icteríciasdi- seritropoiéticas congênitas mistas B - Por distúrbio do clareamento hepático da bilirrubina a) Síndrome de Gilbert b) Síndrome de Crigler-Najjar (tipos I e II) 2 - Hiperbilirrubinemias conjugadas a) Síndrome de Dubin-Johnson b) Síndrome de Rotor c) Síndrome de armazenamento hepático Tabela 2.3 Crigler-Najjar tipo I É uma síndrome hereditária autossômica recessiva, caracterizada por hiperbilirrubinemia não conjugada intensa (> 20 mg%) desde os primeiros dias de vida. A maioria desses pacientes morre nos pri- meiros 15 meses em consequência da encefalopatia bilirrubínica (kernicterus). Raros são os pacientes que apresentam as primeiras manifestações neuroló- gicas na adolescência. Clinicamente, exceção feita às alterações neu- rológicas (quando existentes), nenhuma outra mu- dança que não a icterícia é observada. A bilirrubine- mia total oscila de 15 a 50 mg%, todo o pigmento sendo virtualmente não conjugado. As fezes são de cor normal ou amarelo pálido, a concentração de bilirrubina na bile é menor do que 4 mg% (normal 50-100 mg%), sendo a maior parte não conjugada e observam-se pequenas quantidades da fração conju- gada, sobretudo de monoconjugados. Hepatologia | Clínica médica SJT Residência Médica - 201530 A patogenia dessa síndrome consiste na au- sência total da glicuronidação da bilirrubina em virtude de uma completa falta da atividade da UDP-GT. Nesses pacientes há também uma menor atividade para a glicuronidação dos fenóis. Isso sugere que a síndrome é resultante de uma muta- ção na região do gene que codifica as UGT-Br-2 e a UGT-P (fenólica). Não existe terapêutica eficaz para essa síndro- me. Os pacientes não respondem ao fenobarbital. Em crianças, a fototerapia é capaz de reduzir a bilir- rubinemia a 10 mg%, mas requer a aplicação da luz por período de até 12 horas, o que a torna imprati- cável. À medida que a criança cresce, a fototerapia vai perdendo eficácia por causa do espessamento da pele ou pela alteração da relação volume/superfície. Na ausência de lesão cerebral, o transplante de fíga- do seria justificável. Crigler-Najjar tipo II São pacientes que se apresentam fenotipica- mente similares aos do tipo I de Crigler-Najjar, mas diferem fundamentalmente na resposta ao fenobar- bital, que é capaz de provocar uma redução de no mí- nimo 25% dos níveis de bilirrubina do plasma. Habitualmente, a bilirrubinemia nesses pacien- tes é menor do que 20 mg%, e o kernicterus é raro. Os monoglicuronídeos respondem por 30% ou mais dos pigmentos excretados na bile. A atividade da UDP- -GT é usualmente menor do que 10% do normal. A transmissão hereditária não está ainda bem defini- da, e, por isso, é sugerida uma herança autossômica dominante com penetrância incompleta ou recessiva autossômica. O tratamento consiste na administração de fe- nobarbital (180-200 mg/dia). Porém, esses pacientes respondem com queda dos níveis de bilirrubinemia a 5 mg%. Devem ser evitadas todas as situações ca- pazes de aumentar os níveis de bilirrubina não con- jugada – jejum prolongado, infecções, álcool etc. O mecanismo de ação do fenobarbital é desconhecido. Síndrome de Gilbert É uma síndrome heterogênea, genética, caracte- rizada por hiperbilirrubinemia não conjugada crônica, de pequena intensidade (< 5 mg%), benigna e com fí- gado estruturalmente conservado. Na definição clássi- ca da síndrome, a hemólise é explicitamente excluída. Entretanto, até 42% desses pacientes apresentam um discreto encurtamento da sobrevida das hemácias, não sendo a hemólise, no entanto, suficiente para jus- tificar a hiperbilirrubinemia. É a mais frequente alteração congênita do me- tabolismo da bilirrubina, com a sua prevalência na população calculada em torno de 5% a 7%. No en- tanto, dada a natureza intermitente da icterícia, é de se presumir que essa porcentagem seja, na realidade, bem maior. Embora a herança autossômica dominante tenha sido sugerida, há questionamentos feitos. Nessa doença, a atividade da enzima UDP- -GT encontra-se reduzida para cerca de 30% do normal em virtude de uma mutação na região promotora 5’ do gene da UDP-GT. Nos pacientes homozigotos para o gene mutante, no entanto, essa alteração não é suficiente para causar a doença e, por isso, acredita-se que outros fatores ainda ignorados estejam envolvidos na fisiopatologia do problema. A base molecular dessa síndrome é ignorada. A melhora da icterícia pelo fenobarbital sugere a presença de uma atividade normal da UDP-GT. Como as UDP-GT são enzimas dependentes dos li- pídios de membrana, anormalidades deles poderiam ser a causa em pelo menos alguns pacientes. Isso, in- clusive, poderia explicar os defeitos de captação dos ânions orgânicos observados em alguns pacientes com essa síndrome. Clinicamente, os pacientes são assintomáti- cos. Exceção feita à icterícia leve, o exame físico é normal. A concentração de bilirrubina sérica normalmen- te é inferior a 3 a 4 mg/dL. Alguns testes provocativos podem sugerir o diagnóstico de síndrome de Gilbert. Uma dieta restritiva com 400 kcal em 24 horas pode aumentar a concentração de bilirrubina em duas vezes o valor basal. O teste com administração de ácido nico- tínico endovenoso provoca aumento da bilirrubina in- direta. No entanto, esse teste não é específico, poden- do causar elevação de bilirrubina em outras situações clínicas, entre elas em pacientes com doença hepática crônica. O uso da rifampicina como teste diagnóstico tem sido descrito na literatura médica. Essa droga é metabolizada pelo citocromo p-450. Em pessoas com baixa atividade da enzima UDP-GT, esse agente induz importante aumento da bilirrubina indireta. O estu- do histológico do fígado é normal, exceto pelo possível achado inespecífico de pigmentos de li- pofuscina nas zonas centrolobulares. Alterações mínimas podem ser observadas à microscopia ele- trônica. Uma vez diagnosticado o problema, torna-se importante enfatizar para o paciente o caráter benig- no da doença e o prognóstico excelente. A sobrevida é semelhante à da população geral. Os episódios de icterícia são autolimitados e não necessitam de tratamento específico, restando ao paciente re- ceber hidratação e boa alimentação com deter- minado grau de repouso. Outros exames diagnósti- cos não são habitualmente necessários. 2 Icterícia 31 Hiperbilirrubinemias indiretas familiares Síndrome de Crigler-Najjar tipo I Síndrome de Cliger-Najjar tipo II Síndrome de Gilbert Incidência Rara Incomum 5% a 7% da população Modo de herança Autossômica recessiva Autossômica dominante com penetrância variável Autossômica dominante Níveis de bilirrubina > 20 mg/dL < 20 mg/dL < 6 mg/dL, em geral, < 3 mg/dL Achados clínicos Icterícia e kernicterus em crianças Icterícia assintomática, raramente kernicterus Diagnosticada em jovens, a icterícia surge no jejum Atividade da UDGT Nenhuma Muito reduzida Levemente reduzida Defeitos associados Nenhum Redução da captação hepática da bilirrubina? Hemólise discreta e redução da captação hepática da bilirrubina Bile Traços de bilirrubina não conju- gada e monoglicuronídeo Predomínio de monoglicuro- nídeo Redução relativa do diglicuronídeo Ação do fenobarbital Nenhuma Importante redução da hiperbilirrubinemia Normalização dos níveis de bilirrubina plasmática Tabela 2.4 Síndrome de Dubin-Johnson (síndrome do fígado negro) Descrita pela primeira vez por Dubin e Johnson (e por Sprinz e Nelson, de modo independente), é uma síndrome de evolução benigna, caracterizada por uma hiperbilirrubinemia conjugada crônica, fl utuante, com depósito de um pigmento escuro no fígado, mais intensamente na região centro- lobular. A natureza desse pigmento ainda não está totalmente esclarecida. Os primeiros investigadores sugeriram estar o pigmento relacionado às lipofusci- nas. Mais tarde, outras investigações apontaram es- tar o pigmento na dependência da melanina. Estudos mais recentes indicam não ser o pigmento nem mela- nina nem porfi rina, mas provavelmente polímeros
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