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TEORIA GERAL DA ADMINISTRAÇÃO II Lucas Casagrande Benchmarking Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar as características do benchmarking. � Reconhecer as fases de implementação da ferramenta. � Refletir sobre as consequências organizacionais a partir da utilização do benchmarking. Introdução Neste capítulo, você vai aprender como comparar organizações, seus produtos e processos utilizando uma ferramenta que ficou conhecida pelo nome de benchmarking. Essa ferramenta se tornou popular por possibilitar que se compare organizações distintas e suas performances, possibilitando uma melhora organizacional. O que é benchmarking? Benchmarking é uma ferramenta geralmente empregada pela qualidade. Na verdade, o conceito se popularizou e difundiu rapidamente no final dos anos 1980 e atingiu seu ápice no começo dos anos 1990, tornando-se rapidamente um buzzword. A partir daí o benchmarking se incorporou rapidamente às organiza- ções como uma prática mais ou menos cotidiana e se tornou mais uma palavra do jargão administrativo do que uma ferramenta como originalmente se intencionava. Buzzword é uma palavra, expressão ou conceito (neste caso, um conceito da Admi- nistração) muito em voga em dado momento histórico. Com frequência, necessitamos estabelecer como a organização na qual estamos inseridos se compara com as demais. Custos de produção, custos administrativos (overhead), preços praticados no mercado e características dos produtos ou serviços ofertados são, geralmente, as primeiras variáveis a serem comparadas. Dessa forma, benchmarking tem sido usualmente conceituado como a avaliação comparativa das organizações visando às melhores práticas. O termo começou a ser utilizado como “competitive benchmarking” (algo como “comparação competitiva”) pela Xerox por volta de 1980. (SPENDOLINI, 1992) No entanto, a primeira coisa que devemos notar sobre benchmarking é que ele não trata apenas de comparar diversas empresas em um dado mercado. Na verdade, salienta Spendolini (1992), o benchmarking pode ser utilizado para compreender a organização de forma comparativa, seja ela competidora ou não, do mesmo setor ou de setores distintos. Para isso é necessário isolar métricas de setores comuns (quanto se produz na produção, quanto se envia na expedição, quanto custa manter o setor de faturamento, quanto se aplica em marketing, etc.). A ideia por trás disso é o que o autor chama de “excelên- cia genérica”, ou seja, de que todas as organizações, por mais distintas que sejam, possuem algo em comum. Além disso, por mais distinta que seja uma organização, há sempre o que se pode aprender com ela. Etimologicamente, o termo benchmarking advém da topografia britânica. Por conta do censo topográfico do Reino Unido, eram espalhados diversos marcos topográficos pelo país, os quais eram utilizados como parâmetro de al- titude dos demais pontos. Como esses pontos eram chamados de “benchmarks” (“marcas em bancos” em uma tradução literal, mas podendo ser traduzido como “marcas de referência”), o conceito passou a ser utilizado como a ideia de comparar referente a uma marca (ZAIRI; LEONARD, 1995). O benchmarking também tem uma característica comportamental. Quando se coloca lado a lado diversas organizações, compara diversos setores e extrai métricas deles, as pessoas tendem a prestar atenção. Isso ocorre porque, por vezes, questões teóricas que tendem a ser mais complexas podem ser ilustradas com exemplos reais. Ademais, o processo de benchmarking como um todo vai além do produto (ou serviço) ofertado pela organização para se focar no processo de produção e venda. Assim, a organização é analisada como um todo, mesmo que se utilizando de distintas comparações para diversos setores. Dessa forma, o benchmarking tem uma característica intrínseca de apren- dizado. Os funcionários de uma organização passam a visualizar a sua própria empresa como um referencial externo ou comparativo. Esse referencial possi- Benchmarking2 bilita a reflexão e, assim, a prática de benchmarking possibilita um incremento profissional. Podemos dizer que benchmarking é aprender com os outros. Tipos de benchmarking Spendolini (1992) divide o benchmarking em três tipos. O primeiro seria o benchmarking interno, que é particularmente útil em organizações grandes o suficiente para terem um mesmo setor em diversos locais. Para isso, é im- portante assumir que mesmo apresentando uma estrutura formal igual, esses setores têm características que lhes são únicas, como cultura, localização e práticas informais. Por exemplo, as práticas de comparação da Xerox entre suas unidades nos EUA e no Japão conferiam à empresa um ferramental para incremento da eficiência. No entanto, esse benchmarking é enviesado para uma estrutura organizacional. Ainda assim, o benchmarking interno tem uma grande vantagem, que é a facilidade de obtenção dos dados. Embora o benchmarking normalmente seja relativo a uma organização ou setor externo à organização, ele também pode ser feito internamente. O segundo tipo de benchmarking seria o chamado benchmarking com- petitivo. Trata-se do tipo mais popular e citado. A ideia é comparar a empresa com seus competidores de forma direta, separando os setores. As vantagens e resultados são geralmente bastante satisfatórios, trazendo resultados rele- vantes. Neste tipo de benchmarking, entretanto, é muito importante atentar nas questões éticas. Finalmente, o terceiro tipo seria o benchmarking funcional. Nessa tipolo- gia, a comparação seria feita com o estado da arte, ou seja, com organizações claramente vistas como líderes no seu setor – seja pela qualidade, seja pelo market share ou por processos inovadores. Esse tipo possibilita um grande potencial de práticas inovadoras. No entanto, dado que essas práticas tendem a ser diruptivas, sua implementação tende a ser um desafio. 3Benchmarking Market share, também conhecido como participação de mercado ou fatia de mercado, é o termo que designa a porção de mercado que uma organização detém. Autores como Zairi e Leonard (1995) separam ainda um quarto tipo, que para Spendolini estaria dentro do terceiro tipo: o benchmarking genérico. Nesse tipo de benchmarking, a ideia é comparar as organizações de forma mais geral, sem se ater a detalhes. Mas por que usar o benchmarking? A primeira motivação é promover a entrada de criatividade, possibilitando que a organização pense “fora da caixa”. A metodologia permite fazer uma comparação constante com o que se considera que há de melhor. Além de visualizar o que há de melhor e poder importar isso, a ferramenta também confere possibilidades diversas. A com- paração constante com outras organizações possibilita que sejam introduzidas no planejamento estratégico metas organizacionais referentes aos resultados do benchmarking, estabelecendo metas de produtos ou processos. A finalidade comparativa da ferramenta também se dá de forma extensiva. Com ela, é possível comparar produtos e serviços finalizados, que é o processo mais usual, mas também pode-se comparar como esses produtos ou serviços são produzidos, ou seja, o processo de trabalho envolvido. Outra possibilidade diz respeito às funções de suporte (finanças, recursos humanos, segurança, terceirizadas). Finalmente, as questões financeiras (custos, faturamento e lucratividade) são objetos do benchmarking (SPENDOLINI, 1992). A implementação da ferramenta geralmente se dá em uma lógica de pro- cesso. Veja a seguir a descrição de um passo a passo desse processo. O processo de benchmarking e seus estágios O benchmarking tem uma natureza tipicamente cautelosa, por isso é necessário traçar os passos do processo de benchmarking de forma muito minuciosa. Afinal, trata-se da ideia de comparar a si com os competidores – e é assim que se forma uma metodologia que muitas vezes é descrita como “dançando com o inimigo” (SPENDOLINI, 1992). Benchmarking4Tipicamente, o benchmarking é entendido como um trabalho de pelo menos cinco fases. Conforme Spendolini (1992), essas fases podem ser descritas da seguinte forma: 1. Determinar o que fazer: neste primeiro estágio, a ideia é identificar os requerimentos da sua organização. Com base nesses requerimentos, os recursos necessários podem ser discriminados (tempo, equipe, recursos financeiros). Nesta primeira fase, é necessário gerar uma ideia clara de escopo. Isso inclui quanto tempo o estudo pode demorar, quanto dinheiro pode gastar e quantos funcionários se pode alocar. Também deve-se salientar o tipo de benchmarking a ser realizado (interno, competitivo ou funcional). Com isso, se descreve o que deve ser comparado – se é a produção, se são os produtos, processos, ou se é a performance da empresa como um todo (SPENDOLINI, 1993). 2. Formar uma equipe: muito embora seja possível que um só indivíduo possa fazer um benchmark, geralmente o esforço envolve uma coleti- vidade. Muitas vezes alguns membros da equipe terão papel de tempo parcial, sendo funcionários que desempenham funções operacionais na organização. Uma forma usual de formar equipes é utilizar ferramentas de gestão de projetos, como um Termo de Abertura de Projeto (TAP), em que se elencará a responsabilidade de cada um, os prazos e o tempo que se espera de dedicação para o projeto. De modo geral, existem três formas de gerenciar grupos de trabalho para produzir um benchmarking. A primeira seria a criação de um grupo autônomo de trabalho para lidar especificamente com o benchmarking de forma contínua. A segunda seria por meio de equipes interfuncionais, compostas por funcionários de diversos setores sob coordenação de um gerente de projetos. A última forma seria por meio de equipes ad hoc, em que as equipes são formadas exclusivamente para lidar com um benchmarking específico, sem uma constância. Além das equipes compostas por funcionários, é recomendável compor o quadro com especialistas na área – sejam internos ou externos. Isso leva à divisão do trabalho, que pode ser separada em três funções básicas: a de gerência; a de coleta e análise dos dados; e a de apoio. Na primeira, o gerente se foca nos objetivos gerais do benchmarking, bem como na coordenação e planejamento. Já o analista deve produzir instrumentos para a coleta de dados, coletar e analisar. Finalmente, o apoio deve se focar na coleta e análise em si (SPENDOLINI, 1993). 5Benchmarking 3. Identificar os parceiros: como levantar informações normalmente requer parcerias externas, esta fase se refere ao processo de elencar quem pode contribuir com informações ou meios de obtê-las. Essas parcerias podem ser “[...] empregados das empresas a serem compa- radas, consultores, analistas, fontes governamentais, literatura de negócios, boletins econômicos, bancos de dados” (SPENDOLINI, 1992, p. 49). Conforme nota o autor, os parceiros para obter informações devem ser compreendidos como recursos de longo prazo. A ideia é criar uma rede de benchmarking, já que a comparação entre diversas organizações requer a constituição de parcerias que sejam benéficas mutuamente. Dessa forma, busca-se criar uma rede que, se por um lado pode ser um recurso para obtenção de informações, por outro também requererá informações. Perceba também que questões éticas devem estar em voga aqui. 4. Coletar e analisar informações: com base no que foi identificado como parceiros, é necessário coletar informações, tanto qualitativas quanto quantitativas. Depois da coleta, analisam-se os dados. Esta é a fase mais crucial e especializada, na qual normalmente são empregados analistas com maior experiência (ao menos em grandes empresas). Na coleta de informações, metodologias tipicamente acadêmicas são recomendáveis. Entrevistas, questionários, busca de informação com- pilada por outras fontes e busca de artigos científicos publicados são essenciais nessa fase. A análise é, igualmente, uma fase especialmente acadêmica, em que metodologias de análise de dados quantitativas e qualitativas devem ser utilizadas. A ideia central da análise é bus- car por padrões da concorrência, eliminar variáveis irrelevantes, descartar informação errônea e, assim, chegar às conclusões de por que determinada organização consegue ter determinados resultados (SPENDOLINI, 1992). 5. Preparar o plano de ações: A partir daquilo que se esperava origi- nalmente do benchmarking, prepara-se um plano de ações para ser adicionado ao planejamento estratégico da organização. É também aqui que são identificados os próximos passos, como a implementação do plano e a necessidade de benchmarkings futuros. Benchmarking6 Resumidamente, esta fase final visa a criar um sumário executivo do que deve ser feito. Para isso, deverá apresentar as conclusões do estudo à empresa contratante. Deve comunicar quais são os parceiros e fontes de informação também. Ao final, deve estabelecer quais são as oportunidades de mudança organizacional que o estudo proporciona, determinando o que deve ser melhorado, seja no processo, seja no produto (SPENDOLINI, 1992). Note que o modelo, que é circular, parte da premissa que o benchmarking não é algo que ocorre uma única vez, mas sim sucessivamente. Por isso, ao final do relatório de benchmarking, deve-se estabelecer possibilidades futuras de continuidade do estudo. Isso nos leva a outra questão: o benchmarking jamais se propõe a ser uma ferramenta que resolva os problemas organizacionais como um todo. Na verdade, é uma ferramenta que deve ser utilizada em conjunto com demais planejamentos (CAMP, 2006). O que o benchmarking possibilita? Para você entender os avanços proporcionados pelo benchmarking, é necessário que, primeiro, analise a chamada lacuna de benchmarking (ou gap). Trata-se do espaço de eficiência ou produtividade a ser melhorado e que corresponde à diferença entre a organização líder (que está sendo utilizada como referência do benchmarking) e a sua organização (CAMP, 2006) (Figura 1). Essa lacuna tem duas variáveis a serem observadas. A primeira diz respeito à métrica utilizada para medir a produtividade ou a eficiência. Essa métrica pode ser o faturamento, a produção proporcional ao investimento, o fatura- mento, a lucratividade, ou mesmo as características de produção específicas. A segunda variável, que compõe o segundo eixo abaixo, diz respeito à previsão de variabilidade futura. Dito de outra forma, é preciso considerar o quanto o mercado está melhorando para prever qual será a métrica futura. 7Benchmarking Figura 1. A lacuna de benchmarking no gráfico tempo por métrica. Fonte: Adaptada de Camp (2006). Em última análise, o objetivo do benchmarking é fazer com que essa lacuna seja zerada e, se possível, superada, como podemos ver no gráfico acima. No entanto, é importante notar que a prática de benchmarking, embora bastante difundida, atingiu seu ápice na década de 1990. Na verdade, pouco tem sido produzido em termos acadêmicos desde então. A maioria dos livros ainda editados foram produzidos, geralmente, antes da virada do milênio. É claro que a falta de produção na área não é só devida à pouca contribuição, mas principalmente ao fato de o benchmarking ter sido incorporado às práticas cotidianas das organizações. O fato de a ferramenta ser, em última análise, uma ideia relativamente simples, possibilita que o ferramental da área seja resumido em práticas mais ou menos intuitivas. Rigby (2011) demonstra que essa ferramenta passou de ser a quinta mais utilizada entre as empresas em 1993 para se tornar a segunda em 2000 e, depois, a primeira a partir de 2008. Isso nos leva a uma questão essencial no benchmarking, que é o compro- misso ético que o mesmo deve ter. Essa questão, embora seja relevante em todas as esferas da vida e das organizações, é particularmente preocupante no benchmarking, haja vista que o processo de buscar informações para compará-las com frequência esbarra em dilemas éticos. Por isso, Watson(2007) estabelece cerca de nove compromissos mínimos, os quais cabe destacar: Benchmarking8 � Princípio da legalidade: deve-se respeitar leis, tanto nas práticas quanto nas implicações do benchmarking. Por isso, é preciso se abster de incorrer em práticas de benchmarking que possam gerar cartéis, processos de dumping, dentre outras práticas comerciais antiéticas e ilegais. � Princípio da troca: nunca peça uma informação para outra organização que não esteja disposto a fornecer caso a mesma solicite a você. � Princípio da confidencialidade: nunca revele informações a terceiros que digam respeito a outras informações sem autorização. � Princípio de uso: só utilize a informação adquirida para melhoria interna. Jamais utilize para propagandear sua relação positiva com concorrentes. � Princípio de conclusão: não assuma compromissos mútuos caso acre- dite que existe um risco de não honrá-los. � Princípio de compreensão: antes de iniciar, acorde com seus parceiros que fornecerão informações o que pode e o que não pode ser feito com as informações obtidas. É claro que ética não pode ser resumida a um estatuto ou a um conjunto de regras, mas essa lista pode auxiliar. Retomando o que foi dito no início deste capítulo, embora o benchmarking seja uma ferramenta da moda dos anos 1990, ele permanece até hoje como uma prática internalizada nas organizações. Como proceder é, assim, uma questão tanto técnica quanto ética. CAMP, R. C. Benchmarking: the search for industry best practices that lead to superior performance. London: Routledge, 2006. RIGBY, D. K. Management tools and trends 2011. 2011. Disponível em: <http://www. bain.com/publications/articles/Management-tools-trends-2011.aspx>. Acesso em: 04 maio 2018. SPENDOLINI, M. J. Benchmarking. São Paulo: Makron Books, 1993. SPENDOLINI, M. J. The benchmarking book. New York: AMACOM, 1992. WATSON, G. H. Strategic benchmarking reloaded with six sigma: improving your company’s performance using global best practice. London: Wiley, 2007. 9Benchmarking http://bain.com/publications/articles/Management-tools-trends-2011.aspx ZAIRI, M.; LEONARD, P. Benchmarking prático. São Paulo: Atlas, 1995. Leitura recomendada BOGETOFT, P. Performance benchmarking: measuring and managing performance. New York: Springer, 2012. Benchmarking10 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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