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1 APRENDIZAGEM E METODOLOGIAS EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 5 2 ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: CONCEITO .......................................... 6 2.1 Histórico de altas habilidades/superdotação ......................................................... 6 2.2 Mitos e verdades relacionados aos sujeitos com altas habilidades/superdotação............................................................................................ 7 2.3 Altas habilidades/superdotação e processos interativos de inclusão ..................... 9 3 QUEM SÃO OS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO ..... 11 3.1 Indicadores de altas habilidades/ superdotação .................................................. 12 3.2 Identificação das altas habilidades/ superdotação .............................................. 17 3.3 Desafios das pessoas com altas habilidades/ superdotação .............................. 22 3.3.1 Mitos ..................................................................................................................... 23 3.3.2 Características individuais ................................................................................ 23 3.3.3 Identificação e escolarização ............................................................................ 26 4 ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E A LEGISLAÇÃO ............................... 28 4.1 Altas habilidades/superdotação e legislação ....................................................... 29 4.2 Políticas públicas na educação especial ............................................................. 29 4.2.1 Direitos das pessoas com altas habilidades/ superdotação .............................. 33 4.3 Altas habilidades/superdotação e o impacto da legislação nas instituições escolares ................................................................................................................... 36 5 ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E A INCLUSÃO NA ESCOLA REGULAR...................................................................................................38 5.1 Inclusão e exclusão na escola regular ................................................................ 38 5.1.1 Escola regular e o atendimento educacional especializado................ .............. 40 5.1.2 Mitos sobre alunos com altas habilidades/superdotação .................................. 41 5.2 Currículo e diferenças na escola regular ............................................................. 42 5.2.1 Adaptações curriculares ................................................................................... 43 5.3 Práticas pedagógicas .......................................................................................... 44 3 6 ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO E ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO.............................................................................46 6.1 Atendimento educacional especializado e sua importância para alunos com altas habilidades/superdotação ........................................................................................... 47 6.1.1 Como funciona o processo? ............................................................................... 49 6.2 Alunos com altas habilidades/superdotação que necessitam do aee ................. 49 6.3 Plano de desenvolvimento individual para o aluno com altas habilidades/superdotação.......................................................................................... 53 7 PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO.............................................................................57 7.1 O trabalho do atendimento educacional especializado para alunos com altas habilidades/superdotação.......................................................................................... 58 7.1.1 Diagnóstico ....................................................................................................... 59 7.1.2 Plano de desenvolvimento individualizado ....................................................... 59 7.1.3 Currículo ........................................................................................................... 59 7.1.4 Enriquecimento intracurricular .......................................................................... 60 7.1.5 Enriquecimento extracurricular ......................................................................... 61 7.2 Planejamento e práticas pedagógicas para alunos com altas habilidades/superdotação..........................................................................................63 7.2.1 Práticas pedagógicas ....................................................................................... 64 7 2.2 Projetos..............................................................................................................65 7.2.3 uso da tecnologia .............................................................................................. 65 7.3 instrumentos avaliativos no processo de aprendizagem de alunos com altas habilidades/superdotação.......................................................................................... 67 8 ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS NO CONTEXTO ESCOLAR.......................................................................................69 8.1 Recursos tecnológicos destinados ao ensino de alunos com altas habilidades/superdotação.......................................................................................... 70 8.2 Estratégias pedagógicas com o uso das tecnologias digitais para alunos com altas habilidades/superdotação ................................................................................. 74 8.3 Importância do uso das tecnologias digitais para a aprendizagem dos alunos com altas habilidades/superdotação ......................................................................... 75 4 9 Altas habilidades/superdotação e a família no contexto escolar.....................................................................................................................77 9.1 A com altas habilidades/superdotação ................................................................ 78 9.2 A importância da boa relação entre família e escola no desenvolvimento dos alunos com altas habilidades/superdotação .............................................................. 80 9.3 Estratégias de aproximação da escola com as famílias dos jovens com altas habilidades/ superdotação ......................................................................................... 81 10 ÉTICA E ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO............................................84 10.1 Conceito de ética ............................................................................................ 84 10.2 Etica em contextos variados ........................................................................... 85 10.3 Construção do senso ético envolvendo os alunos com altas habilidades/superdotação..........................................................................................86 10.4 Ética no trabalho com alunos com altas habilidades/superdotação ................ 88 11 CONVÍVIO DE SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO NOS MAIS VARIADOS CONTEXTOS SOCIAIS.................................................................89 11.1 Acolhimento de sujeitos com altas habilidades/superdotação em variados contextos sociais .......................................................................................................... 90 11.2 A importância de conscientizar a sociedade sobre o acolhimentode pessoas com altas habilidades/superdotação ......................................................................... 91 11.3 Inclusão de sujeitos com altas habilidades/ superdotação no convívio social93 12 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ....................................................................................... 95 5 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 6 2 ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: CONCEITO As discussões a respeito das altas habilidades/superdotação (AH/SD) envolvem curiosidade, mitos, desconhecimento, incompreensão, incertezas e contradições. Os escassos investimentos em pesquisas resumem a dificuldade em desenvolver profissionais para essa área do conhecimento. Para que esses estudos possam obter a devida atenção, é preciso compreender o significado e as mudanças dessa temática ao longo do tempo. Longe de oferecer uma única perspectiva sobre o tema, este capítulo tem como objetivo fomentar a discussão, fazendo com que você se sinta envolvido a debater e discutir essa condição. 2.1 Histórico de altas habilidades/superdotação Caracterizadas pela elevada potencialidade de aptidões, talentos e habilidades, as AH/SD têm como característica principal o alto desempenho em diversas áreas do conhecimento, o que inclui matemática, artes e literatura. A capacidade psicomotora e intelectual destes indivíduos com extraordinárias aptidões faz com que se diferenciem dos demais. A temática é alvo de discussões em diversas áreas, incluindo no cinema. O filme O CONTADOR (2016) é um dos exemplos mais recentes de como a indústria cinematográfica aborda o tema. Apesar de ser essencialmente um suspense de ação, que mescla espionagem e ciberterrorismo, o filme apresenta um contador, Christian Wolff, que possui autismo associado às AH/SD. Em sua jornada, é possível perceber a busca pela perfeição em tudo o que faz, uma obsessão por concluir qualquer atividade iniciada, seja qual for. Essa condição dá ao personagem extrema habilidade para lidar com números, fazendo com que preste serviços de contabilidade fiscal para organizações criminosas e megacorporações ao redor do mundo. Suas habilidades matemáticas ao mesmo tempo que surpreendem seus clientes (nem sempre tão ortodoxos), não são suficientes para minimizar o sofrimento do personagem pela dificuldade de interação social. E esse é um dos pontos mais importantes evidenciados pelo filme: como lidamos com pessoas nessa condição? Esse texto não pretende responder essa problemática evidenciada, mas suscitar outros questionamentos e provocações a respeito de habilidades peculiares 7 que acabam não recebendo a devida atenção, principalmente pelo fato de não serem de conhecimento da grande maioria da sociedade. Falar de AH/SD ainda é novo, uma área que demanda estudo, compreensão e diálogo nos mais diversos ambientes. Sejam acadêmicos sejam culturais, precisamos fomentar cada vez mais esse debate. O Ministério da Educação (MEC) publicou uma cartilha específica para orientar profissionais que trabalham com alunos com AH/SD (BRASIL, 2008). O MEC vem implementando ações focadas no atendimento educacional especializado (AEE), o que inclui sujeitos com AH/SD. Este grupo é o público-alvo da educação especial e precisa que suas especificidades sejam percebidas, valorizadas e estimuladas. São considerados superdotados todos os alunos que apresentam um notável desempenho ou elevada potencialidade em qualquer dos aspectos a seguir: “[…] capacidade intelectual, aptidão acadêmica ou específica (por exemplo, aptidão matemática), pensamento criativo e produtivo, capacidade de liderança, talento para artes visuais, artes dramáticas e música e capacidade psicomotora” (FLEITH, 2006, p. 12). A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008, documento on-line) compreende que os alunos com AH/SD: “[…] demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmicas, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem, realização de tarefas em áreas de seu interesse.” O termo altas habilidades/superdotação surge com essa definição em 1994 com a Política Nacional de Educação Especial. Entretanto, não é incomum encontrar na literatura diversas nomenclaturas, como supernormais, bem- -dotados, talentosos, dotados até chegar na nomenclatura atual. Foi em 2001, com a Resolução CNE/CEB nº 2 e com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, as AH/SD passaram a ser consideradas características de sujeitos com “[…] grande facilidade de aprendizagem, que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes” (BRASIL, 2001, p. 2). 2.2 Mitos e verdades relacionados aos sujeitos com altas habilidades/superdotação Atualmente, encontramos ainda muitos mitos em nossa sociedade, em sua grande totalidade pela falta de conhecimento e estudo. Guenther (2006) afirma que a 8 dificuldade não está na negação da existência dos sujeitos com AH/SD, mas sim em como perceber isso efetivamente nas pessoas. A seguir estão alguns desses mitos: • são perfeitos em tudo; • possuem uma habilidade precoce; • têm QI superior ao dos demais; • nunca precisam de ajuda, pois têm talento excepcional; • têm condição econômica privilegiada; • são mimados, fazem tudo de forma habilidosa para chamar atenção; • são alunos nota 10 em todas as áreas do currículo; • são precoces em tudo desde a tenra idade (andar, falar, ler); • não precisam de AEE; • realizam todas as tarefas sozinhos, nunca pedem ajuda, pois têm pensamento acelerado, rápido e eficaz. Olhar apenas para os mitos gera uma expectativa muito alta em relação ao aluno nessa condição, o que pode gerar também grande estresse e, consequentemente, desmotivação para enfrentar as situações. Isso porque a exigência em relação a eles acaba sendo extraordinária e pode acarretar frustração e isolamento. O mito é considerado algo imaginário, sem nenhum embasamento teórico ou científico. Por isso, para compreender as pessoas com AH/SD, devemos nos voltar aos estudos científicos sobre o tema. Alguns materiais, baseados em pesquisas científicas, são construídos a fim de auxiliar os profissionais que trabalham com alunos com AH/SD, como é o caso dos Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com altas habilidades/superdotação (BRASIL, 2006). A seguir estão listadas algumas das características mais evidentes em alunos com AH/SD, de acordo com esse material do MEC (BRASIL, 2006). • Grande curiosidade a respeito de objetos, situações ou eventos, com envolvimento em muitos tipos de atividades exploratórias. 9 • Iniciativa, tendência a iniciar as atividades,buscando saciar seus interesses individuais. • Originalidade de expressão oral e escrita, com produção constante de respostas diferentes e ideias não estereotipadas. • Talento incomum para expressão em artes, como música, dança, teatro, desenho e outras. • Habilidade para apresentar alternativas de soluções com flexibilidade de pensamento. • Capacidade de enriquecimento com situações-problema, de seleção de respostas, de busca de soluções para problemas difíceis ou complexos. • Capacidade para usar o conhecimento e as informações na busca de novas associações, combinando elementos, ideias e experiências de forma peculiar. • Capacidade de julgamento e avaliação superiores, ponderação e busca de respostas lógicas, percepção de implicações e consequências, facilidade para tomar decisões. • Produção de ideias e respostas variadas, gosto pelo aperfeiçoamento das soluções encontradas. • Aprendizado rápido, fácil e eficiente, principalmente no campo de sua habilidade e interesse. Ao contrário do que possa parecer ao senso comum, pessoas com AH/ SD não pertencem a um grupo homogêneo formado por pessoas de capacidade sobrenatural: “Na verdade, trata-se de um grupo heterogêneo, com características diferentes e habilidades diversificadas; diferem uns dos outros também por seus interesses, estilos de aprendizagem, níveis de motivação e de autoconceito, características de personalidade e principalmente por suas necessidades educacionais” (VIRGOLIM, 2007, p. 11). 2.3 Altas habilidades/superdotação e processos interativos de inclusão Alvo de diversas discussões, o conceito de inteligência vem sofrendo algumas reformulações nos últimos tempos. Em algumas culturas, a inteligência é vista como o pensar, o abstrair e o processar da informação. Na maioria das vezes, a inteligência 10 humana é compreendida como a capacidade intelectual de pensar, equivalente à racionalidade, uma manifestação humana que nos diferencia dos demais entes do mundo. A pessoa com AH/SD tem sido definida como mais inteligente em relação à média. Por isso, os estudos nessa área de conhecimento estão intimamente relacionados às pesquisas sobre inteligência. A identificação de AH/SD não se baseia em dados absolutos, pois não existem parâmetros pré-estabelecidos para um diagnóstico definitivo. As medidas mais precisas apontam prognósticos em função da complexidade e do envolvimento de diversas variáveis, entre as quais pode ou não existir uma habilidade. Com o objetivo de identificar alunos com AH/SD, em 2006, o MEC disponibilizou um modelo de sondagem inicial, um material que possibilita que docentes identifiquem algumas características dos alunos com essa condição (BRASIL, 2006). Esse recurso, no entanto, não deve ser considerado um instrumento avaliativo, mas sim um mecanismo para embasar o encaminhamento desse sujeito a uma avaliação mais detalhada e criteriosa. Essa fase pode ser realizada com testagens específicas de inteligência, que é o caso do psicólogo, por exemplo. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, podemos encontrar diversas características: alto grau de curiosidade, memória elevada, atenção concentrada, persistência, independência, autonomia, liderança, iniciativa, vocabulário avançado para a idade, riqueza de expressão verbal, responsabilidade (BRASIL, 2006). Como agente social, a escola deve oferecer estímulos e orientações a fim de que todos os alunos possam se desenvolver de forma plena, propiciando um ambiente acolhedor, que compreenda e saiba atuar com as diferenças, além de potencializar as especificidades de cada um. Uma das tarefas do professor é estimular os talentos, o pensamento crítico e a reflexão, permitindo que o aluno possa demonstrar suas opiniões, desejos e preferências e desenvolva cada vez mais suas capacidades. Pensar nas AH/SD e os processos interativos é pensar em todo o cenário onde o educando transita. Por não ser uma habilidade muito comum, muitos profissionais não sabem como atuar com alunos com habilidades acima da média. É compreensível que o desconhecido provoque incertezas, dúvidas ou medos com relação a prática docente. No entanto, esse fato não pode ser um limitador para a busca de orientação e formação específica. 11 Os estudos de Branco et al. (2017) revelam um olhar muito apurado com o cenário educacional, em especial no que se refere ao cuidado e preparo tanto da escola quanto dos docentes, sendo fundamental nesse processo inclusivo. As autoras afirmam: As AH/SD não é tema novo, muito menos atual. No entanto, para que esses alunos possam ser identificados e atendidos no contexto escolar, há que se promover mecanismos técnicos e científicos que rompam e desmistifiquem as crenças errôneas voltadas para modelos únicos, padronizados e estereotipados do funcionamento cognitivo, social, emocional e educacional desse segmento populacional. A garantia de direitos aos alunos com AH/SD deve estar fundamentada no princípio da diversidade humana, com vistas a oferecer políticas que visem ao respeito pela singularidade e ao desenvolvimento desse alunado. E, é por meio do que preconizam as políticas que essa população começa a ganhar visibilidade e destaque nas ações a serem contempladas junto a esse campo de diversidade (BRANCO et al., 2017, p. 37). A discussão que envolve as AH/SD não é nova. Ao logo do tempo e das múltiplas ressignificações da temática, o entendimento para as habilidades foi sendo aprimorado. O olhar do profissional com base em estudos, pesquisas e formação na educação especial foi sendo mais apurado para perceber talentos além do esperado para a faixa etária. A partir daí, investiu-se mais em um atendimento educacional de qualidade para garantir o direito do pleno desenvolvimento dos alunos. Segundo Virgolim (2007), habilidade superior, precocidade, prodígio, genialidade e superdotação são gradações de um mesmo fenômeno. 3 QUEM SÃO OS SUJEITOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO Pessoas com conhecimentos superficiais sobre as altas habilidades/superdotação (AH/SD) constroem um ideal de aluno que se assemelha a um gênio, um cientista, um estudante focado, que aprende sozinho e facilmente, vive isolado, sabe tudo e provém de uma família abastada. Essas ideias são mitos, pois não tem comprovação real. Na verdade, o aluno com (AH/SD) apresenta algumas habilidades, específicas ou combinadas, que se desenvolvem de modo superior quando comparado a alunos da mesma idade e com os mesmos níveis de experiência e cultura. Alunos com AH/SD têm características educacionais e socioemocionais muito específicas e, por isso, enfrenta alguns desafios em sua vida escolar. Muitos desses 12 desafios ocorrem, justamente, em consequência dessas ideias equivocadas. Além disso, muitos professores sentem dificuldades para reconhecer quais são as necessidades de seus alunos com AH/SD e como fazer para atendê-las. Esses profissionais precisam ter subsídios metodológicos e conceituais para identificar e atender às necessidades educativas de cada estudante 3.1 Indicadores de altas habilidades/ superdotação Antes de conhecermos os indicadores ou sinais de AH/SD, precisamos considerar que não há um padrão de características em todas as pessoas. Cada pessoa com AH/SD possui seus traços e suas particularidades, que vão depender de múltiplos fatores. Mesmo o conceito de inteligência não é mais reconhecido como algo único e isolado. Alguns estudos, como veremos a seguir, reconheceram a existência de vários tipos de inteligência, habilidades e faculdades. Esses estudos ajudaram muito a entender o que caracteriza os sujeitos com AH/SD. Historicamente a ciência caracterizou as pessoas com AH/SD apenas pelo domínio acima da média na linguagem e na área lógica. No entanto, atualmente, utilizamos uma abordagem multidimensional tanto da inteligênciaquanto das AH/SD. Isso quer dizer que consideramos as variáveis específicas dos sujeitos para compreendê-los. Howard Gardner revisitou o conceito de inteligência, afirmando que trata- -se de “[…] um potencial biopsicológico para processar informações, que pode ser ativado em um cenário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados em uma cultura” (GARDNER, 2001, p. 47). Segundo ele, existem múltiplas inteligências, que se manifestam de modo diferente em cada pessoa a depender de seus interesses, características biológicas e influências culturais: inteligência corporal-cinestésica, inteligência interpessoal, inteligência musical, inteligência lógico-matemática, inteligência linguística, inteligência naturalista, inteligência intrapessoal e inteligência espacial (GARDNER, 2001). O autor questionou os testes de aferição de coeficiente de inteligência (QI) tradicionais e ampliou a inteligência para outras áreas do conhecimento e das habilidades humanas. Explicou que, além da linguagem e do raciocínio lógico, tradicionalmente aferidos pelos testes de QI, algumas pessoas desenvolvem com 13 maior potencial inteligências na área psicomotora, relacional ou artística (GARDNER, 2001). Evidentemente, o que encontramos na área das AH/SD é o desenvolvimento de uma ou mais inteligências múltiplas exponencialmente acima da média em relação à idade ou ao nível cultural de seu grupo. A pessoa pode apresentar um destaque em uma ou mais inteligências. São, por exemplo, dançarinos, atores, cantores, músicos líderes, escritores, conhecedores da natureza, líderes religiosos, palestrantes que se destacam acima da média. Além de Gardner, outro teórico que teve grande influência no conceito atual de AH/SD foi Renzulli (2004). De modo geral, o autor divide a superdotação em duas categorias principais: superdotação escolar e superdotação criativo-produtiva. A superdotação escolar é o caso das pessoas que “[…] se saem bem na escola, aprendem rapidamente, apresentam um nível de compreensão mais elevado e têm sido os indivíduos tradicionalmente selecionados para participar de programas especiais para superdotados” (ALENCAR, 2007, p. 21-22). Já a superdotação criativo-produtiva “[…] diz respeito àqueles aspectos da atividade humana em que se valoriza o desenvolvimento de produtos originais” (ALENCAR, 2007, p. 21-22). De abordagem multidimensional, Renzulli (1978) afirma que o comportamento superdotado é a interação entre três elementos: habilidade acima da média em alguma área do conhecimento, envolvimento com a tarefa e criatividade. Segundo o autor, […] as crianças que possuem ou são capazes de desenvolver os traços de comportamentos que compõem a Teoria dos Três Anéis e aplicá-las a qualquer área potencialmente valorizada do desempenho humano são superdotadas ou talentosas (RENZULLI, 1978 apud LOPES; GIL, 2016, p. 206). Esta ilustração é muito conhecida pelo meio científico e pelos profissionais que atuam na área das AH/SD. De modo sintetizado, mostra as conclusões de Renzulli a respeito do comportamento superdotado. Observe que o comportamento de superdotação é a intersecção entre a habilidade acima da média, o envolvimento com a tarefa e a criatividade. Esses três anéis estão dispostos sob uma base triangular em que constam a família, a escola e os pares. Isso significa que estamos considerando uma análise socioemocional do comportamento de superdotação. Por isso, fatores 14 sociais terão grande influência no comportamento de superdotação e nas emoções desses sujeitos. Veja na Figura 1 uma representação da teoria dos três anéis de Renzulli. O desenvolvimento do estudante com AH/SD não ocorre em um contexto isolado. As experiências e a socialização de cada indivíduo têm importância crucial para o desenvolvimento de suas características. É importante, portanto, conhecer como é a relação com família, amigos e escola, para que possamos identificar as características individuais das AH/SD, podendo ter influências positivas e negativas no agrupamento das três características. É importante também ver como a família, os amigos e a escola compreendem o comportamento superdotado, para que o aluno possa desenvolver seus potencias. Um exemplo muito comum é o aluno que sofre bullying em sala de aula por ser chamado de nerd, queridinho da professora ou outros termos pejorativos. O que costuma acontecer, nesse caso, é o aluno manifestar um sub-rendimento acadêmico para ser aceito no grupo e evitar sofrimento. Outra situação que pode prejudicar o desenvolvimento pleno de um estudante com AH/SD é um lar que não oferece condições emocionais e materiais para o desenvolvimento do potencial. Os documentos norteadores das políticas públicas para o estudante com AH/SD no Brasil têm grande influência de Gardner e Renzulli, como pode ser visto a seguir. Notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão acadêmica específica; pensamento criativo produtivo; capacidade de liderança; talento especial para artes e capacidade psicomotora (BRASIL, 2006, p. 12). 15 As caracterizações dos indicadores de AH/SD nos embasamentos legais no Brasil estão de acordo com a abordagem multidimensional da inteligência e das AH/SD. Confira a seguir a explicação de cada aspecto destacado (SCHIPPER, 2019). • Capacidade intelectual geral: refinada capacidade de observação, habilidade de realizar abstrações, alto poder de realizar questionamentos que outras pessoas não percebem e potencial em realizar associações e generalizações. • Aptidão acadêmica específica: desempenho notável na escola, muita facilidade na realização de provas ou tarefas e, até mesmo, precocidade, pela facilidade em uma ou mais áreas do conhecimento humano. • Pensamento criativo-produtivo: ideias originais e não convencionais para resolver um problema ou para desenvolver um produto ou ideia, percepção múltipla de um determinado tema, soluções surpreendentes, utilização de recursos inusitados, tendência a reinterpretar e criar alternativas diferentes do comum. • Capacidade de liderança: facilidade e sucesso em se expressar e convencer seus pares, humor refinado, capacidade empática, comunicação social muito eficiente. • Talento especial para artes: sensibilidade estética extremamente refinada, destaque na dança, no teatro, na escultura, na pintura, na música, na fotografia ou na filmagem, por exemplo. • Capacidade psicomotora: capacidade muito superior em usar o corpo, por exemplo, em esportes, dança, teatro e atividades que exigem um senso motor apurado, como os cirurgiões. Considerando os determinantes multidimensionais e a heterogeneidade de manifestações, há algumas características gerais que que se aplicam a grande maioria dos casos. A primeira delas se refere à precocidade. A criança, ainda pequena manifesta uma habilidade surpreendentemente anterior a de crianças de sua idade. Seria aquela criança cuja alfabetização se consolida muito antes da idade prevista, ou que manifesta uma habilidade artística ou psicomotora com mais qualidade e perfeição do que as crianças de sua idade. Contudo, para ser considerada uma pessoa com AH/SD esse comportamento precoce deve ser somado a outros elementos. Além disso, esses interesses devem permanecer durante o seu 16 desenvolvimento, caso contrário, trata-se apenas de uma criança prodígio. Nem todo prodígio será altamente habilidoso. Além da precocidade, observamos uma dedicação em realizar tarefas de sua área de interesse. Isso se manifesta em uma ânsia pelo saber, por dedicação e empenho para se aprofundar em uma determinada área do saber humano, o que resulta em um comportamento bem mais avançado do que o de colegas com a mesma idade. Há também um altonível de desenvolvimento em alguma área do conhecimento ou da habilidade humana, ou em várias delas. Interesses muito diversos dos seus pares também são comuns. As preocupações de saber, conhecer e discutir estão relacionados a temas pouco convencionais para as crianças, como política, economia, meio ambiente, dilemas éticos e morais. Por isso, muitas vezes, há uma preferência por conversar com adultos ou especialistas. Os interesses, a dedicação em realizar tarefas e a autonomia podem provocar uma preferência em trabalhar sozinho, não por uma característica de comportamento egoísta, mas porque se dedica e se concentra tanto em uma tarefa, que quer compreendê-la em profundidade. A velocidade na aprendizagem também é maior, além da capacidade de fazer ligações com vários campos do saber, propondo ideias e demonstrando uma desenvoltura na temática em discussão. Esses sujeitos, geralmente, têm um senso mais apurado para observar detalhes que passam desapercebidos por outras pessoas, sendo capaz de reinterpretar fenômenos ou situações e propor alternativas criativas e diferentes para os problemas. Outro aspecto se refere à apropriação da linguagem. Apresentam um domínio verbal lógico, com um vocabulário avançado para a sua idade. A expressão verbal é rica, fluente, nítida e concatenada, com capacidade de conexão de ideias aparentemente divergentes. Demonstram, pela sofisticação de sua linguagem, a riqueza de pensamento. Alguns podem desenvolver um ávido interesse pela leitura. Observa-se ainda, de modo geral, uma memória privilegiada. Aprendem, abstraem e relembram com muita facilidade. Como afirmam Sakaguti e Bolsanello (2012, p. 224), “Para estas crianças, não basta apenas conhecer o assunto que foi capaz de aprender, mas sim, apreender a lógica na resolução dos problemas, os meios usados na sua resolução”. 17 Portanto, a diferença entre uma criança com AH/SD e uma criança sem AH/ SD é a precocidade, a profundidade e a intensidade com que as características são apresentadas. Para que, de modo resumido, possamos compreender as classificações do comportamento superdotado, apresentamos uma síntese no Quadro 1. 3.2 Identificação das altas habilidades/ superdotação Tradicionalmente, há testes que medem a inteligência e instrumentos de aferição do QI (coefi ciente de inteligência). Embora sejam instrumentos válidos e necessários, quando aplicados isoladamente ou descontextualizados de aspectos culturais, emocionais, sociais e de traços de personalidade, não contemplam todos os estudantes com AH/SD. Segundo Delpretto e Zardo (2010), a elaboração desses instrumentos, com base no desempenho acadêmico, linguístico e lógico-matemático, desconsidera no processo de avaliação as habilidades diversas, como aquelas relacionadas às soluções de problemas do cotidiano. Os testes de capacidade cognitiva incluem exatamente as capacidades mais valorizadas nas situações de aprendizagem escolar tradicional, que focalizam habilidades analíticas e indutivas no lugar de habilidades criativas ou práticas. Portanto, os instrumentos de identificação devem considerar a multidimensionalidade da inteligência e das AH/SD: O desempenho de uma pessoa deve ser observado por meio do modo como vivencia esse potencial em seus contextos de vida e isso exige uma investigação mais ampla, e de preferência multidisciplinar. Os testes não devem ser o único método usado para identificar AH/SD, pois avaliam o potencial intelectual e operam com provas de desempenho funcional (SANTA CATARINA, 2016, p. 27). Como mencionado anteriormente, Renzulli (2014) dividiu as habilidades superiores em duas categorias distintas: superdotação escolar e superdotação criativo/produtiva. Evidentemente que a superdotação escolar é facilmente identificável com os testes de QI, pois: As habilidades medidas nos testes de QI são as mesmas exigidas nas situações de aprendizagem escolar; desta forma, o aluno com alto QI também tende a obter boas notas na escola. A ênfase, neste tipo de habilidade 18 escolar, recai sobre os processos de aprendizagem dedutiva, treinamento estruturado nos processos de pensamento, e aquisição, estoque e recuperação da informação. Já a habilidade criativa-produtiva implica no desenvolvimento de materiais e produtos originais; aqui, a ênfase é colocada no uso e aplicação da informação (conteúdo) e processos de pensamento de forma integrada, indutiva, e orientada para os problemas reais (VIRGOLIM, 2014, p. 583). 19 Considerando isso, os instrumentos precisam contemplar igualmente a superdotação escolar e a superdotação criativo-produtiva, para não correr o risco de perder muitos estudantes que não se encaixam na superdotação escolar. Além disso, não se pode restringir os instrumentos de identificação a apenas um elemento da vida do estudante, mas considerar o seu contexto. A ênfase deve ser pedagógica, pois, […] por identificação entende-se o conjunto de instrumentos pedagógicos que podem ser utilizados para o reconhecimento de diferentes habilidades dos alunos em diversas áreas do conhecimento, considerando as especificidades das AH/SD (DELPRETTO; ZARDO, 2010, p. 20). O professor, por sua vez, precisa saber como reconhecer os pontos fortes dos seus alunos e ajudar a desenvolvê-los com excelência (FARIAS; WECHSLER, 2014). Em suma, os instrumentos precisam ser variados, agregando diversas fontes de informações, como as do próprio estudante, colegas, professores e familiares, além de instrumentos validados aplicados por profissionais graduados, como psicólogos. Os instrumentos devem ser utilizados em uma perspectiva qualitativa, pois, como visto, agrega-se hoje no processo de identificação pessoas com múltiplas inteligências, habilidades criativo-produtivas ou acadêmicas. Apenas instrumentos quantitativos serão insuficientes para traçar uma identificação conclusiva e de qualidade. Na abordagem qualitativa, o professor pode utilizar diferentes instrumentos para realizar a identificação, como questionários, entrevistas, testes de características, observação, entre outros: • resultados de atividades acadêmicas; • autoindicação; • instrumentos validados; • observação no contexto escolar; • indicação pelos pares; • questionário familiar; • questionário com professores. Alguns instrumentos de triagem têm a função de detectar indicadores. O primeiro deles é o questionário de autonomeação. Com ele, o aluno pode descrever 20 quais são os seus pontos fortes. Dentre uma serie de gravuras contendo as múltiplas inteligências, pede-se para o aluno marcar aquelas em que se considera bom ou muito bom (FREITAS; PÉREZ, 2012). O aluno pode ainda apontar as áreas em que ele julga ter alta habilidade ou talento, descrever projetos e/ou atividades desenvolvidas por ele que ilustram seu desempenho superior na área, listar livros que ele leu relacionados a sua área potencial, justificar seu interesse em participar de um programa especializado, descrever hábitos de leitura, áreas de preferência, etc. (GUIMARÃES; OUROFINO, 2007). Com alguns instrumentos de triagem, os colegas podem destacar pontos fortes de seus pares. De modo bastante lúdico e não diretivo, podemos perguntar aos alunos de uma classe: Quais colegas sempre têm muitas ideias boas? Quais colegas desenham muito bem? Quais são muito bons em matemática? Quais sempre têm ideias diferentes? Em sua sala de aula, a quem você pediria ajuda em seu dever de casa de ciências? Em sua sala, quem você considera o melhor esportista? Músico? Escritor? Quem tem mais senso de humor? Quem é o melhor aluno? (GUIMARÃES; OUROFINO, 2007, p. 58). Ainda no âmbito da triagem, há uma lista de indicadores a ser preenchida pelo professor regente e por outros professores que atuam com as diferentes disciplinas. Esses indicadores podem incluir,por exemplo, um questionário específico para a área de artes e para educação física. Já em relação aos instrumentos de identificação, há questionários mais específicos a serem preenchidos pelo aluno com AH/SD. Outros questionários devem ser preenchidos pelo professor e pelos pais do aluno. Como exemplo, se a criança ou adolescente apresenta potencial para artes e educação física, há questionários específicos para estas áreas. Nesses questionários, o objetivo é facilitar a detecção de características gerais, habilidade acima da média, indicadores de criatividade, inteligências múltiplas, áreas da arte e da área corporal cinestésica — uma abordagem multidimensional, portanto. O professor pode indicar alunos da turma que apresentam potencial elevado nas diversas áreas do conhecimento: os mais curiosos, interessados e questionadores, os de melhor memória, os mais críticos, mais originais e criativos, mais solitários, os mais seguros e confiantes, os mais entediados, desinteressados, mas não necessariamente mais atrasados. O professor pode ainda fornecer 21 informações acerca dos interesses, hobbies, atividades extracurriculares, hábitos de leitura e características do aluno em avaliação, além de participação em projetos especiais (GUENTHER, 2000, p. 175-177). As informações que a família pode trazer ao processo de identificação são fontes seguras e que contextualizam o ambiente do sujeito. Como destacam Guimarães e Ourofino (2007, p. 58): Os pais podem ser solicitados a indicar atividades, na escola e fora do contexto escolar, que seu filho gosta de realizar, descrever características, áreas de interesse e de destaque do filho, relatar o processo de desenvolvimento de seu filho ao longo dos anos (por exemplo, quando aprendeu a andar, a falar, a ler, a escrever, etc.), comentar sobre relacionamento do filho com membros da família e colegas, descrever o desempenho escolar do filho e seu envolvimento com as tarefas escolares. Veja a seguir uma lista de características do aluno a ser respondida pelos pais durante o processo de identificação. Nesta escala, os pais avaliam a frequência de cada comportamento ou situação (RENZULLI; REIS, 1997 apud GUIMARÃES; OUROFINO, 2007, p. 58-59). • Meu filho ou filha gasta mais tempo e energia que seus colegas da mesma idade em um tópico de seu interesse. • Meu filho ou filha estabelece metas pessoais e espera obter resultados do seu trabalho. • Meu filho ou filha continua a trabalhar em um projeto mesmo quando este apresenta problemas ou os resultados demoram a surgir. • Meu filho ou filha sugere maneiras imaginativas de realizar atividades, mesmo que as sugestões não sejam, algumas vezes, práticas. • Meu filho ou filha usa materiais de forma original. • Meu filho ou filha gosta de brincar com ideais, imaginando situações que provavelmente não ocorrerão. • Meu filho ou filha acha engraçadas situações que normalmente não são consideradas engraçadas pelos colegas de sua idade. • Meu filho ou filha prefere trabalhar ou brincar sozinho em vez de fazer alguma coisa apenas para fazer parte de um grupo. Os testes psicológicos, compostos por inventários de inteligência, autoconceito, liderança, habilidades são fundamentais, desde que o profissional considere em sua avaliação a abordagem multidimensional e interdisciplinar e que haja a articulação entre os instrumentos que são próprios do psicólogo com os dados obtidos pelo professor e a família. Algumas pessoas com AH/SD, principalmente as com habilidades criativo- produtiva possuem um pensamento altamente fecundo e apresentam características 22 específicas. Veja a seguir as características observadas no Teste Torrance do Pensamento Criativo (GUIMARÃES; OUROFINO, 2007). • Flexibilidade: capacidade de ver o problema sob diferentes ângulos e propor soluções de acordo com a situação. • Fluência: capacidade de gerar um grande número de ideias e soluções para um problema. • Elaboração: capacidade de produzir ideias raras ou incomuns, quebrando padrões habituais. • Originalidade: capacidade de produzir ideias variadas e incomuns. Conhecidos os principais instrumentos, precisamos lembrar que a identificação deve ocorrer o mais precocemente possível, para não correr o risco de desestimular a criança e aflorar conflitos socioemocionais. Isso porque: […] a identificação nos primeiros anos de vida proporciona: situar o aluno em um ambiente educativo adequado, desenvolver práticas pedagógicas que estimulem suas potencialidades, proporcionar aos pais e professores melhor compreensão de como ajudar seus filhos e alunos, e, evitar problemas futuros como desajustamento social, frustração e, principalmente, desprezo do seu próprio potencial (MARQUES, 2017, p. 137). Isso significa que, quanto antes forem identificadas as AH/SD, mais cedo os pais e professores poderão desenvolver suas capacidades. Os alunos também sofrerão menos prejuízos pela falta de valorização de seus potenciais. A identificação é necessária para que possamos programar as atividades pedagógicas de acordo com as necessidades do estudante, jamais para rotular e caracterizar. O professor tem uma importância nesse processo, pois ele é quem está por mais tempo em contato com o aluno. Ele, portanto, vai ver a manifestação da criatividade, das inteligências e das questões socioemocionais. 3.3 Desafios das pessoas com altas habilidades/ superdotação Pessoas com AH/SD apresentam muitos desafios na escola, no lar, na vida social e no trabalho. Cada indivíduo vai ser afetado de uma forma diferente por cada um desses desafios. Os fatores mencionados aqui podem não ser problemáticos para 23 algumas pessoas, mas foram observados em muitas delas. É, portanto, importante que compreendamos eles e aprendamos a minimizá-los. Confira alguns a seguir 3.3.1 Mitos A pessoa com AH/SD apresenta habilidades de maneira superior, quando comparadas a seus pares, em alguma ou mais áreas do conhecimento ou habilidades humanas. Por isso, há uma ideia errada de que ela terá uma vida de sucesso sem muito esforço. Esse e outros mitos, além de obscurecerem o real entendimento sobre a área, prejudicam o direcionamento correto para essas pessoas na escola, na vida social e no trabalho. O primeiro grande desafio a ser vencido são os rótulos impostos a essas pessoas, que apenas gera estigmas e generalizações. Observe alguns falsos conceitos que precisam ser revisados (SANTA CATARINA, 2016, p. 26): Todo superdotado é um gênio. Todo superdotado tem o físico pouco desenvolvido, usa óculos, possui gostos eruditos. A superdotação intelectual garantirá uma vida bem-sucedida. O superdotado sempre apresentará inteligência e habilidades acima da média em todas as fases da sua vida independente das condições ambientais a que estiver inserido. Todo superdotado deverá apresentar resultados acima da média em tudo que fizer, deverá ter bom êxito em todas as disciplinas escolares. Os familiares não devem ser comunicados que a criança tem superdotação. Os superdotados não devem saber que possuem habilidades superiores. O superdotado sempre apresentará bom desempenho na escola. A superdotação é um fenômeno que ocorre com pouquíssima frequência. O superdotado não necessita de educação especial. QI alto é suficiente para determinar a superdotação. Todo ‘criativo produtivo’ possui menos inteligência que os ‘acadêmicos’. Não existe confusão entre AH/SD e Transtornos (TDAH, TEA, TA). Pessoas com superdotação provêm de classes socioeconômicas privilegiadas. A superdotação é somente inata ou somente um produto do ambiente social. 3.3.2 Características individuais Todas as pessoas, assim como os sujeitos com AH/SD, constituem-se de aspectos cognitivos, afetivos, personalidade e neuropsicomotores em total relação com o contexto sociocultural e econômico.O grande desafio é como cada pessoa reage às demandas ambientais, ou seja, como são manifestadas suas características individuais na família, na sociedade e na escola. 24 Freitas e Pérez (2012) alertam que fatores individuais e ambientais podem camuflar os indicadores, provocando subdesempenho e afetando a identificação dos indicadores de AH/SD, pois algumas pessoas podem apresentar autoestima baixa, autoconceito negativo, ansiedade e depressão. Segundo Hakim (2016, p. 26), as habilidades dos sujeitos com AH/SD podem causar tédio, aborrecimento, rebeldia, o que pode resultar em baixo rendimento na escola, além de uma difícil “[...] adaptação do superdotado com pessoas de inteligência mediana”. Isso significa que o ajustamento social, a maturidade emocional e o desenvolvimento de um autoconceito saudável dependem, em grande parte, das condições do ambiente. As pessoas com AH/SD podem ser extremamente perfeccionistas. O perfeccionismo é produtivo, mas também pode ser prejudicial quando interfere na qualidade de vida da pessoa e nas suas relações grupais. Muitas pessoas têm dificuldade em compreender o isolamento que muitos altamente habilidosos preferem. Por conta do envolvimento com a tarefa, da alta concentração e do hiperfoco, podem passar uma imagem de arrogância. A autocrítica gera sentimentos de ansiedade e culpa, pois sabem que a expectativa dos pais e da sociedade acerca do seu desempenho é alta. As condições oferecidas pelo ambiente social, familiar e escolar têm forte influência sobre o aluno com AH/SD, principalmente na sua maturidade afetiva, no desenvolvimento de um autoconceito positivo e no ajustamento ao ambiente escolar. O aluno com AH/SD é altamente questionador e apresenta uma moral muito desenvolvida. Isso não significa que não segue regras e normas, mas que questiona regras sem sentido. Essa é uma característica recorrente na pessoa com AH/SD, pois demonstra preocupação com justiça e equidade muito mais intensamente e em escala mais ampla. Apresenta um grau maior de sensibilidade e manifesta o descontentamento com uma força argumentativa que pode gerar problemas de relacionamento ou revolta, por não poder resolver questões de injustiça social, degradação ambiental, corrupção, etc. Observe no Quadro 2 as consequências emocionais favoráveis e desfavoráveis decorrentes das características da pessoa com AH/SD. 25 Altos níveis de desenvolvimento da inteligência não implicam necessariamente em altos níveis de desenvolvimento afetivo. A pessoa pode estar acima da média no 26 acúmulo de conhecimentos, mas pode ter dificuldades em algumas situações de sua vida, pois tem uma sensibilidade bem mais aflorada. A isso se dá o nome assincronia. Assincronia diz respeito ao desequilíbrio entre os ritmos de desenvolvimento intelectual, emocional ou motor em cada indivíduo (SANTA CATARINA, 2016). A assincronia pode ser um desafio, pois há descompasso entre o desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor. Pode haver habilidades cognitivas e/ou psicomotoras superiores, que provêm da facilidade com que a pessoa acumula informações e emoções, mas em uma quantidade muito maior do que ela pode absorver, em virtude de sua alta sensibilidade. Apesar de ser um conceito recorrente no estudo das AH/SD a assincronia não pode ser considerada uma característica presente em todas as pessoas, pois este grupo é heterogêneo e apresenta uma variedade de características na cognição, no social e nas emoções. 3.3.3 Identificação e escolarização De acordo com o Parecer CNE/CEB 17/2001 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2001a) e a Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2001b), que institui diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica: Art. 5º – Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo educacional, apresentarem: […] III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. Art. 8º As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização de suas classes comuns: […] IX – atividades que favoreçam, ao aluno que apresente altas habilidades/ superdotação, o aprofundamento e enriquecimento de aspectos curriculares, mediante desafios suplementares nas classes comuns, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para conclusão, em menor tempo, da série ou etapa escolar, nos termos do Artigo 24, V, “c”, da Lei nº 9.394/96 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2001b, documento on-line). Há, portanto, no Brasil, claras referências sobre a caracterização das AH/ SD e de como deve ser conduzido o processo educacional. Porém, não há uma unicidade nas maneiras de identificar. Os alunos contemplados com os serviços garantidos pela política pública para AH/SD têm sua identificação feita pelo professor da sala de recursos multifuncional no AEE, mas esse público é bastante restrito. Apesar de a 27 legislação garantir atendimento, muitos alunos não chegam a ser identificados, pois os serviços ofertados são insuficientes para atender à demanda. Gama (2013, p. 176) explica que: A educação no Brasil está longe de ser prioridade nacional e, nesse contexto, a educação de superdotados ocupa lugar quase inexistente. Em outros países, sobretudo naqueles que se destacam no panorama internacional por sua economia e desenvolvimento, não só a educação em geral tem lugar de destaque nos planos governamentais, como a educação dos mais capazes é considerada mola propulsora do desenvolvimento. Muitos alunos estão ficando à margem do processo de identificação e atendimento especializado. Muitas vezes, ao não terem a sua “sede de conhecimento” atendida, sentem enfado e podem calar-se e isolar-se, ou ao contrário, agitar-se e questionar o professor, devido ao seu alto grau de desenvolvimento de justiça e vontade de aprender. Quando os profissionais da educação não reconhecem essas características, o aluno fica invisível e seus potenciais não são desenvolvidos na escola. Outro desafio pode ser o erro de diagnóstico. Para evitar erros de diagnóstico é necessário conhecer as características das AH/SD e reconhecer os aspectos multidimensionais e as influências socioambientais, utilizando todos os instrumentos de modo qualitativo. Os obstáculos serão menores para o aluno quando a escola reconhecer que todos são diferentes e têm maneiras diferentes de aprender. Particularmente, o aluno com AH/SD tem necessidades de enriquecimento curricular e de protagonismo no processo educacional, considerando suas características socioemocionais e afetivas. Venâncio, Camargo e Piske (2018, p. 141) explica que: A forma mecânica e tecnocrática de fazer a educação, que desconsidera as emoções e dicotomiza fazer e sentir, traz sérias consequências para o ensino. Defende-se a unicidade entre cognição e afeto, considerando que as emoções são eliciadoras da ação humana e sugere-se a necessidade de adequação pedagógica para redirecionar o ensino atual de forma a particulariza-lo e torná-lo, efetivamente, inclusivo. A escola, para contribuir com o pleno desenvolvimento intelectual, físico, psicológico e emocional do aluno com AH/SD, deve considerar os estilos, canais e ritmos de aprendizagem de cada aluno, com métodos e estratégias diversificadas, atividades que utilizem o corpo todo e prover momentos de escuta ao aluno, visando o seu desenvolvimento socioemocional. Precisa ofertar momentos em que o aluno 28 manifeste suas angústias e anseios para garantir seu pleno desenvolvimento socioemocional. O aspecto emocional deve ser considerado, pois o aluno é corpo, mente e emoção. É, portanto, salutar a utilização de atividades que explorem a afetividade,concomitantes com o ensino das áreas do conhecimento. A expectativa é que ocorra o enriquecimento do currículo e das metodologias, para que o aluno seja atendido em seus anseios por conhecimento e criação, não apenas em volume de conhecimento e atividades, mas em qualidade. Concluindo, ao pensarmos nos indicadores de AH/SD, devemos considerar as características cognitivas, sociais e morais. Existem ainda os domínios próprios de cada um, que foram construídos de modo muito particular nas suas interações com o meio. Além disso, precisamos levar em conta seus traços de personalidade, interesses e motivações. Conhecendo a teoria das múltiplas inteligências, os três anéis e a influência do meio social e histórico onde a criança vive, percebemos a complexidade em descrever os indicadores de AH/SD. O comportamento superdotado é constituído por elementos heterogêneos e com muitas variáveis e, por isso, a abordagem multidimensional é tão importante. 4 ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E A LEGISLAÇÃO Pessoas com altas habilidades/superdotação (AH/SD) não podem ser vistas como limitadas, nem podem ser excluídas dos diversos meios sociais. Com suas características, elas apresentam muitos potenciais quando bem orientadas. Em vez de excluir essas pessoas, a sociedade deve desenvolver projetos de inclusão com o objetivo de trabalhar as suas potencialidades. Além disso, reconhecer e valorizar esses traços é necessário para um bom aproveitamento pedagógico e, consequentemente, para o desenvolvimento global desse indivíduo. Para que isso ocorra, temos um amplo amparo legal, com decretos, leis e portarias que garantem a inclusão desses indivíduos nos mais variados contextos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Plano Nacional de Educação. Esses e outros instrumentos legais garantem um melhor atendimento aos indivíduos com AH/SD em instituições de ensino no Brasil (FURTADO, 2019). 29 4.1 Altas habilidades/superdotação e legislação A palavra inclusão, etimologicamente, significa estar por dentro, inserir, estar envolvido, sentir-se pertencente a um grupo. De acordo com Mantoan (2004), inclusão é a capacidade de entender e reconhecer o outro e, assim, ter o privilégio de conviver e compartilhar experiências com pessoas diferentes. Portanto, para que ocorra a inclusão, é preciso fazer parte do grupo, estar envolvido, participar ativamente. Quando falamos em inclusão, somos impulsionados a conhecer e compreender o que as leis no âmbito geral garantem aos grupos sociais e no contexto educacional, partindo do princípio de que toda criança tem direito à educação. De acordo com Figueiredo (2002, p. 68), para que ocorra a inclusão, é necessário: […] transformar a escola, começando por desconstruir práticas segregacionistas. […] a inclusão significa um avanço educacional com importantes repercussões políticas e sociais, visto que não se trata de adequar, mas de transformar a realidade das práticas educacionais. Pessoas com AH/SD se enquadram no público-alvo da educação especial e, portanto, devem também ter garantido seu direito à inclusão. Nesta seção, você vai acompanhar, primeiramente, as políticas públicas relacionadas à educação especial para, em seguida, conhecer os direitos das pessoas com AH/SD previstos na legislação. 4.2 Políticas públicas na educação especial Nosso ponto de partida é a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, que garante o direito de toda criança à educação (NAÇÕES UNIDAS, 1948). Em relação especificamente à educação especial, alguns anos depois, a Lei nº. 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), aborda o direito dos “excepcionais” à educação, de preferência dentro do sistema geral de ensino (BRASIL, 1961, documento on-line). Já a Lei nº. 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências, também altera a LDBEN de 1961, quando define “tratamento especial” aos alunos com “[…] deficiências físicas, mentais, os que se encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados” (BRASIL, 1971, documento on-line). Por não ter um sistema 30 organizado com capacidade para atender todas as necessidades educacionais especiais, acaba-se encaminhando os alunos para classes e escolas especiais. O Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), responsável pela gerência da educação especial no Brasil, surgiu em 1973. Com um viés integracionista, promoveu ações educacionais por meio de campanhas assistenciais e isoladas do Estado, tendo em vista pessoas com deficiência e pessoas com superdotação. No momento de criação desse centro, o acesso universal à educação não fazia parte de uma política pública, ficando a educação de alunos com deficiência conhecida como políticas especiais. Quanto aos alunos com superdotação, não havia um atendimento especializado considerando suas especificidades de aprendizagem, embora tivessem acesso ao ensino regular. A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988, documento on-line), em um de seus objetivos, aborda o seguinte: “[…] promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Art. 3º inciso IV). Garante também, como um dos princípios para o ensino, a “[…] igualdade de condições de acesso e permanência na escola” (BRASIL, 1988, documento on- line) e, como dever do Estado, a oferta do atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (Art. 208). A Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, dispõe também sobre a proteção integral desses sujeitos. Afirma que é dever da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar os direitos à vida, à liberdade, à dignidade, ao respeito, à alimentação, à saúde, ao esporte, à educação, à cultura, à profissionalização, ao lazer e à convivência familiar (BRASIL, 1990). Esses direitos são prioritários nas políticas públicas. A Declaração Mundial de Educação para Todos, de 1990, e a Declaração de Salamanca, de 1994, passaram a influenciar a formulação das políticas públicas da educação inclusiva. Na Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), o item 7 aborda a importância de todas as crianças aprenderem juntas, independentemente de dificuldades. O documento afirma ainda que é de responsabilidade das escolas inclusivas atenderem às diversidades de seus alunos. A Declaração é reconhecida mundialmente por ser um documento que visa à inclusão social e serve de referência para a inserção das políticas públicas para a inclusão escolar, conforme segue: 31 Qualquer pessoa portadora de deficiência tem o direito de expressar seus desejos com relação à sua educação, tanto quanto estes possam ser realizados. […]; 3. O princípio que orienta esta Estrutura é o de que escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados (UNESCO, 1994, p. 4). O Art. 59 da LDBEN vigente, Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, define que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos (BRASIL, 1996): • currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades; • terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental em virtude de suas deficiências; • aceleração de estudosaos superdotados para conclusão do programa escolar. Também define, dentre as normas para a organização da educação básica, a “[…] possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado” (Art. 24, inciso V) e “[…] oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames” (Art. 37) (BRASIL, 1996, documento on-line). Em 1999, com o Decreto nº. 3.298, que regulamentou a Lei nº. 7.853/89, determinou-se a educação especial como uma modalidade transversal a todos os níveis de modalidades de ensino, o que inclui (BRASIL, 1999) os seguintes fatores. • Atenção à diversidade, que pressupõe a valorização das diferenças na escola. • Conceito de acessibilidade, contemplando uma perspectiva ampla de inclusão das pessoas com necessidades educacionais. • Inclusão como princípio norteador das políticas educacionais no âmbito da educação especial. • Garantia do direito de todos à educação. 32 As escolas devem matricular todos os alunos, cabendo a elas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais (NEE), assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos (BRASIL, 2001b). São considerados educandos com NEE todos aqueles que necessitam de uma atenção especializada e apresentam dificuldades de aprendizagem ou de uma resposta adaptada. O termo NEE surgiu com a Convenção de Salamanca (UNESCO, 1994, p. 1), quando foram reconhecidas “[…] a necessidade e a urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino”. A Convenção da Guatemala em 1999, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001, afirma que todas as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as demais pessoas (BRASIL, 2001a). Define como discriminação por deficiência toda diferenciação ou exclusão que possa impedir ou anular o exercício dos direitos humanos e de suas liberdades fundamentais (BRASIL, 2001a). Esse Decreto tem importante repercussão na educação, exigindo uma reinterpretação da educação especial, compreendida no contexto da diferenciação adotada para promover a eliminação das barreiras que impedem o acesso à escolarização. Em 2015, a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). A Lei garante o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais das pessoas com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania (BRASIL, 2015). Apesar dos avanços significativos nos últimos anos, a preocupação com a pessoa com deficiência ainda é recente e merece muita atenção, pois ainda há muito a ser feito e conquistado. Veja na Figura 2 a linha do tempo das leis de maior relevância para a pessoa com deficiência vistas até agora. Diante às legislações aqui percorridas, foi possível perceber os avanços que a inclusão das pessoas público alvo da Educação Especial vem adquirindo desde 1948. Tendo em vista, todos estes movimentos e caminhos percorridos pela educação inclusiva, os desafios são imensos tanto para sociedade quanto para o âmbito escolar e familiar. 33 4.2.1 Direitos das pessoas com altas habilidades/ superdotação A Política Nacional de Educação Especial defi ne como pessoa com AH/SD os alunos que: […] apresentarem notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão acadêmica específica, pensamento criativo ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial para as artes e capacidade psicomotora (BRASIL, 2008, p. 12). O conceito de estudante com AH/SD é mais abrangente do que nosso senso comum faz parecer. Um aluno superdotado não é só aquele que se sai bem em todos os campos de estudo, mas também aquele que se sai muito bem em alguma área específica de seu interesse. Cabe à escola identificar essas habilidades e aplicar os processos pedagógicos para direcionar o estudante no caminho certo, realizando os encaminhamentos necessários, conforme as individualidades de cada um. Isso auxilia no processo de aprendizagem, diminuindo as chances de termos um aluno desmotivado. Veja a seguir como são essas habilidades. 34 • Intelectual: demonstra capacidade de pensamento abstrato, realização de associações, pensamento rápido, independência, flexibilidade cognitiva. • Acadêmica: atenção e concentração acima da média, nível de rapidez de aprendizagem elevado, boa memória, motivação por diversas disciplinas (principalmente pelas de seu interesse), destaque em organização, sintetização, avaliação e conhecimentos gerais. • Psicomotora: apresenta interesse e destaque pelas atividades psicomotoras, com desempenho fora do comum em velocidade, agilidade de movimentos, força resistência e controle. • Artística ou especial: pode se destacar nas áreas das artes plásticas, musicais, dramáticas (teatro), literárias, entre outras. • Liderança/social: apresenta habilidade de trato com diversas pessoas, bom relacionamento interpessoal, poder de persuasão, revela capacidade de liderança e boa percepção. No Brasil, o atendimento à população com AH/SD é uma preocupação política. Frente a essa preocupação, houve o interesse em aperfeiçoar o corpo docente, proporcionando qualificações para garantir um ensino de melhor qualidade. Com a implantação dos Núcleos de Atividade das Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S) em 2005 em todos os estados e no Distrito Federal, foram formados centros de referência para o atendimento educacional especializado (AEE) aos alunos com AH/SD, com orientação às famílias e a formação continuada dos professores. Foi divulgado nacionalmente, oferecendo suporte adequado para garantir que toda rede de ensino público tivesse atendimento especializado nesta área. O acesso ao ambiente escolar deve proporcionar um desenvolvimento global do aluno, a troca de experiências e o convívio social. De acordo com Freitas e Pérez (2012, p. 13), para isso, podem ser usados programas de enri quecimento, como “[…] um trabalho diferenciado e com recursos e estratégias específicas para atender a suas peculiaridades. Estes programas podem ser complementados com o trabalho do professor em sala de aula, realizando atividades curriculares que considerem estas especificidades”. No entanto, a convivência no ambiente escolar pode ser um desafio, tanto para os alunos com AH/SD quanto para seus professores. Isso porque as AH/ SD, muitas 35 vezes, não são bem compreendidas. Por isso, a inclusão desses sujeitos passa também pelo reconhecimento e pela garantia de seus direitos. A inclusão das pessoas com AH/SD continua sendo um dos grandes desafios. A primeira menção a estas pessoas encontra-se na LDBEN de 1971 (Lei nº. 5.692/71). Em 2001, na aprovação do Plano Nacional de Educação está escrito detalhadamente que todas as pessoas têm o direito de serem atendidas pela educação especial, incluindo as com AH/SD: A educação especial se destina às pessoas com necessidades especiais no campo da aprendizagem, originadas quer de deficiência física, sensorial, mental ou múltipla, quer de características como altas habilidades/ superdotação ou talentos (BRASIL, 2001c, p. 55). A escola deve estar preparada para receber todas as crianças sem discriminação, e os professores exercem um papel fundamental no desenvolvimento global de cada um. É necessário ter um olhar sensível e aguçado para perceber em que tipo de habilidade o aluno se destaca mais e como é possível desenvolvê-la adequadamente, bem como que tipo de orientação os pais precisam receber. Isso porquea tarefa de identificar as crianças com AH/SD em uma sala de aula regular ainda requer atenção em virtude de suas peculiaridades. Conforme Virgolim (2007, p. 38), “[…] os comportamentos de superdotação podem ser exibidos em certas crianças (mas não em todas elas) em alguns momentos (não em todos os momentos) e sob certas circunstâncias (e não em todas as circunstâncias de sua vida)”. As escolas, muitas vezes, demonstram atenção aos estudantes que têm desempenho abaixo da média e esquecem-se dos que têm altas habilidades. Esses últimos têm grandes chances de ser excluídos do grande grupo, por suas especificidades. Por terem raciocínio rápido e resolverem suas atividades primeiro que os demais colegas, podem ser inquietos, gerando algum desconforto que talvez os professores não percebam no primeiro momento. Para as crianças com essas características, é difícil administrar a exclusão; portanto, cabe ao professor intermediar. Essa exclusão pode ocorrer tanto da parte dos colegas, com bullying, ou da parte do professor, que, em vez de estimular esse estudante, acaba por refreá-lo. A escola precisa, além disso, considerar os aspectos emocionais desses estudantes, para que não sejam qualificados simplesmente como indisciplinados. 36 Os professores devem observar e avaliar cada caso e, se necessário, dispor de serviços especializados e que promovam o desenvolvimento nas seguintes áreas: acadêmica, artística, psicomotora e social. Sendo possível, usar como apoio a sala de recursos, em horário contrário ao da aula normal e com um professor especializado, que propõe uma atividade programada. Desse modo, respeita-se a individualidade de cada aluno, para que haja um melhor desenvolvimento do ensino e da aprendizagem. Para tanto, a escola pode desenvolver novas propostas pedagógicas e, inclusive, promover o aluno para até dois anos, pois a legislação garante ao aluno o direito de avançar em seus estudos. Isso está previsto, como nos asseguram as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001b, p. 49): a) organizar os procedimentos de avaliação pedagógica e psicológica de alunos com características de superdotação; b) prever a possibilidade de matrícula do aluno em série compatível com seu desempenho escolar, levando em conta igualmente, sua maturidade socioemocional; c) cumprir a legislação no que se refere: ao atendimento suplementar para aprofundar e/ou enriquecer o currículo; à aceleração/avanço, regulamentados pelos respectivos sistemas de ensino, permitindo inclusive, a conclusão da Educação Básica em menor tempo; ao registro do procedimento adotado em ata da escola e no dossiê do aluno; d) incluir no histórico escolar, as especificações cabíveis; e) incluir o atendimento educacional ao superdotado nos projetos pedagógicos e regimentos escolares, inclusive por meio de convênios com instituições de ensino superior e outros segmentos da comunidade escolar, levando em conta igualmente, sua maturidade socioemocional. 4.3 Altas habilidades/superdotação e o impacto da legislação nas instituições escolares As Diretrizes Gerais para o Atendimento Educacional aos alunos Portadores de Altas Habilidades/Superdotação e Talentos define que: […] altas habilidades referem-se aos comportamentos observados e/ou relatados que confirmam a expressão de 'traços consistentemente superiores' em relação a uma média (por exemplo: idade, produção ou série escolar) em qualquer campo do saber ou do fazer. Deve-se entender por 'traços' as formas consistentes, ou seja, aquelas que permanecem com frequência e duração no repertório dos comportamentos da pessoa, de forma a poderem ser registradas em épocas diferentes e situações semelhantes (UNESCO, 1995, p. 13). O modo como os estudantes com AH/SD aprendem demanda longo período de avaliação e capacitação de profissionais, que devem auxiliar no “[…] aprimoramento 37 do sistema escolar no sentido de melhorar o acesso à educação […]” (BRASIL, 2005, p. 11). Atividades diversas em sala de aula permitem que o professor observe as habilidades específicas de cada um dos alunos, para que possam ser desenvolvidas. Veja na Figura 3, por exemplo, um exemplo das várias habilidades que podem ser trabalhadas: musicais, psicomotoras, intelectuais e artísticas. Para que esse processo de inclusão tenha sucesso, são necessários investimentos na área. Os espaços físicos para atender os alunos com AH/SD, muitas vezes, precisam de mudanças ou adaptações, o que gera custos. Há ainda despesas com aquisição de materiais diferenciados, remuneração de professores no contraturno e demais gastos operacionais (MODERNELL, 1992 apud KRUSZIELSKI, 1999). A Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, no seu capítulo IV, Do direito à Educação, define como as instituições de ensino devem garantir o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem dos sujeitos público-alvo da educação especial, do qual fazem parte os alunos com AH/SD (BRASIL, 2015). Uma das questões alegadas pelas instituições de ensino é a falta de recursos para receber esses alunos. De acordo com Kruszielski (1999), a conscientização da comunidade escolar, pais, professores, sociedade em geral e poder público pode ser uma alternativa na captação de recursos, além de trabalho voluntário. Mesmo assim, é importante que haja o preparo da equipe para receber esses estudantes. Ao se 38 sentirem acolhidos e motivados, a chance de evasão reduz, e suas habilidades podem ser melhor desenvolvidas no contexto escolar. Como afirma Beyer (2006, p. 73), “[…] a educação inclusiva surgiu, ou, melhor posto, evoluiu como conceito e proposta institucional ao longo dos anos 90”. O movimento mundial pela educação inclusiva é uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação (BRASIL, 2007). Sendo uma luta incansável a inclusão das pessoas com deficiência tanto no ambiente educacional quanto na sociedade contemporânea, é de extrema importância que existam leis que regulem os direitos dessas pessoas. Promove-se, desse modo, o bem-estar em todos os âmbitos sociais que possam integrar, sem detrimento de suas atividades, sejam elas quais forem. 5 ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E A INCLUSÃO NA ESCOLA REGULAR As escolas devem considerar a diversidade e ter responsabilidade social. Para isso, devem adotar novas ações e abordagens tanto internas quanto externas, para atender todos os alunos. Garante-se, desse modo, que não haja exclusão. O respeito às diferenças individuais é primordial. A articulação entre inclusão e exclusão, porém, não deve representar uma problemática. Se o processo estiver bem entendido e a escola adaptada não só no espaço físico, mas também pedagogicamente para desenvolver seu trabalho de forma integrada com todos os alunos, o desenvolvimento global de todos estará garantido. Incluir as pessoas com AH/SD na rede escolar regular requer conhecimento, capacitação e, acima de tudo, compreender a necessidade de respeitar o tempo de aprendizagem de cada indivíduo, pois só assim a inclusão ocorrerá conforme o esperado. 5.1 Inclusão e exclusão na escola regular A escola é a instituição mais importante para a nossa constituição como sujeitos. Por isso, é importante reconhecermos esse espaço como formador de processos de inclusão e exclusão. Essa inclusão escolar, inclusive de sujeitos com 39 AH/SD, vai além do âmbito legal. É necessário um investimento alto para garantir a eles a acessibilidade educacional, o que requer um trabalho coletivo de toda a equipe escolar. A inclusão das pessoas consideradas público-alvo da educação especial no ensino regular, do qual os alunos com AH/SD fazem parte, requer que as suas
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