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PROBLEMA 09 SOBRE SER (OU ESTAR) “ENFEZADO” / O “ENFEZAMENTO” DAS MARIAS 1º Caso: Maria Clemência, 45 anos, professora de ensino fundamental, compareceu à consulta ambulatorial de clínica médica com queixa de desconforto abdominal. Ela relata que há mais de 15 anos apresenta sensação de “peso” no abdômen, que “está sempre inchado”. Evolui com períodos de melhora e de piora, eventualmente com surgimento de cólicas na fossa ilíaca esquerda e hiporexia. O quadro permanece estável nesse período, e ela nega diarreia, emagrecimento ou presença de sague visível nas fezes. Entretanto, decide procurar ajuda médica, pois no último ano está mais sintomática e ocasionalmente com perda involuntária de fezes. Ainda se diz muito ansiosa, devido à sobrecarga em seu trabalho. Ela evacua diariamente, mas as fezes estão sempre endurecidas, é necessário bastante esforço, e ela tem a sensação de evacuação incompleta. O exame físico revelou sinal de Gersuny. Há 1 ano, está em tratamento de HAS (indapamida 1,5 mg/dia), transtorno do humor (nortriptilina 100 mg à noite) e osteopenia (carbonato de cálcio 500 mg 3x/dia). Não faz atividade física regular, costuma almoçar no local de trabalho e, geralmente, de manhã, sai de casa correndo, atrasada, para o primeiro horário. Ingere pouco líquido e não costuma comer frutas. Muitas vezes, tem vontade de evacuar depois do almoço, mas sempre “deixa para quando chegar em casa”. Sua história familiar é negativa para câncer ou doença inflamatória do intestino. Uma amiga “receitou” uma geleia natural (Tamarine), e a vizinha recomendou chá de sene, mas ela ouviu dizer que mesmo as substâncias naturais podem trazer prejuízos à saúde e está disposta a seguir um tratamento correto. Afinal, quer se livrar do apelido de “enfezada” que recebeu da sua família. 2º Caso: Maria das Dores, 41 anos, casada, quatro filhos, nascida e criada em Itacambira. Sua queixa é “intestino preso”. “- É um enfezamento que não acaba mais!” - relata, referindo-se ao seu nervosismo. Além disso, come mal e há vários anos só evacua depois de tomar um remédio chamado “Almeida Prado 46”. Quando era mais nova: “- Não tinha desses problemas, quando dava vontade; era só procurar uma latrina, ou uma moita, e as necessidades e o alívio vinham rapidinho!”. No entanto, sente que o problema está piorando. Procurou recentemente auxílio médico, queixando- se de dor abdominal difusa, mais intensa na região infra-umbilical, associada a um aumento do volume abdominal e hálito fecaloide. Há 12 dias não evacua; fato que está lhe trazendo muito desconforto e preocupação: “- Doutor, até o 46, não funcionou. Tomei um ‘Lacto-purga’ e a dor fez foi piorar e nada do intestino funcionar. Meu marido disse que eu não devia ficar fazendo muita força no banheiro, porque aqui pelas roças, onde tem daquele ‘chupança’ adoidado, é comum as pessoas morrerem no banheiro, de repente, ao fazer força durante as necessidades”. 1º caso: apresenta os critérios do ROMA IV para CF. Entretanto, tem fatores secundários que exacerbam a constipação primária, como os medicamentos [anti- hipertensivos, nortriptilina e carbonato de cálcio]. Esses remédios devem ser trocados, mas só isso não resolve 100%. A paciente estava fazendo uso de laxantes estimulantes, sendo um tratamento inadequado. O manejo envolve medidas não farmacológicas. 2º caso: constipação secundária [possível megacólon chagásico], que faz uso de laxantes estimulantes, que pode evoluir para um colón catártico, piorando o megacólon. Possivelmente, está evoluindo com fecaloma [hálito fecaloide e aum. do vol. abdominal] = íleo funcional. Ter cuidado, pois pode gerar um quadro obstrutivo, levando a um abdômen agudo. Inicialmente, deve realizar um clister glicerinado, e depois entrar com laxante osmótico (PEG). Para confirmar o megacólon chagásico pode realizar enema de bário [raio-X contrastado]. GIULIA PACHECO SOUZA • • • • • • • • • • OBJETIVOS REFERÊNCIAS GIULIA PACHECO SOUZA → O reflexo da defecação é parassimpático. → O cólon realiza 2 tipos de contrações que provocam a evacuação: contrações repetitivas e não propulsivas [maior absorção de nutrientes e mistura de elementos] e HIAPC [conduz as fezes do colón ascendente para o descendente e sigmoide]. → O trânsito colônico demora de 20 a 72 hrs, iniciando a defecação, quando as fezes chegam no reto e ocorre a absorção de líquidos e a transformação em massa pastosa e sólida, e propulsiva pelo peristaltismo. → O enchimento do reto provoca a contração das paredes do sigmoide e do reto e o relaxamento do esfíncter anal interno. O controle do esfíncter anal externo é voluntário. Caso a defecação seja postergada, o reflexo é inibido até o próximo movimento em massa. Fisiologia da Defecação incontinência fecal é provocada pela perda da contração da musculatura, assincronia da contração ou perda do tonismo dos músculos, que resulta na perda do controle do esfíncter com perda involuntária de pequena quantidade das fezes. A constipação crônica, em que o paciente força a evacuação e lesa a musculatura [sinergia], pode ter escapes levando a incontinência fecal, sendo comum em idosos. Assim, esses dois fenômenos podem coexistir. crianças: incontinência fecal = encoprese. GIULIA PACHECO SOUZA → CI é um sintoma, caracterizado por fezes endurecidas, evacuações infrequentes [até 3x/semana é normal], excesso de esforço ao defecar, necessidade de esforço excessivo para evacuar, sensação de evacuação incompleta, tempo excessivo ou insucesso para evacuar. → É dividida em primária / funcional e secundária. A primária ou funcional apresenta causa idiopática, enquanto a secundária é aquela que apresenta causa definida [intestinal: alterações estruturais decorrente de doença de Chagas, tumores e SII; extraintestinal: doenças endócrinas e metabólicas]. → É uma condição multifatorial, sendo resultado, geralmente, da ingesta inadequada de fibras e água, provocando movimentos desordenados das fezes no cólon ou anorreto. → O diagnóstico deve diferenciar a constipação funcional e secundária. Assim, tem que atentar a presença dos sinais de alarme, como emagrecimento, hemorragia, febre, anorexia e anemia, que sugerem alteração estrutural. → Aumenta a suspeita de causa secundária, também, as constipações que ocorrem de forma aguda ou insidiosa. Nesses casos, recomenda realizar alguns exames, como manometria anorretal, tempo de trânsito colônico com marcadores radiopacos ou cintilografia, videodefecografia, balão de expulsão e defecoressônancia. Constipação Intestinal Endocrinopatias ou disfunções metabólicas - compromete motricidade enterocolônica: neuropatia diabética, hipotireoidismo e hipocalcemia. Afecções neurológicas, musculares, digestivas ou sistêmicas - disfunção do esvaziamento colorretal: megacólon chagásico, Parkinson, esclerose múltipla e trauma medular. Medicamentos - AINEs, anticolinérgicos, hipotensores, diuréticos, antidepressivos tricíclicos, betabloqueadores, sais de ferro e bloqueadores de canais de cálcio. . o normal é inferior a 72 hrs. Inicialmente, pede o paciente para deglutir uma cápsula gelatinosa contendo os marcadores radiopacos, após 120 horas dessa deglutição, realiza um raio-X de abdômen. Caso a retenção dos marcadores seja > 20%, o trânsito é prolongado, se ainda, for de forma predominante, no cólon esquerdo e reto, sugere um distúrbio defecatório. . GIULIA PACHECO SOUZA → Além disso, nos pacientes > 50 anos com quadro recente de constipação deve realizar pesquisa de sangue oculto nas fezes e dosagem de eletrólitos [Ca, K, Mg], glicemia em jejum, função renal, TSH, sorologia para Chagas (região endêmica) e hemograma completo. Caso apresentem anemiaou sangue oculto nas fezes é indicado a colonoscopia para rastreio do CA colorretal. mede as pressões do músculo do esfíncter anal, sensação do reto e reflexos neurais. Quando o paciente força a evacuação, os músculos do esfíncter são relaxados, o que diminui a pressão, facilitando a eliminação das fezes. Assim, se os músculos não tiverem movimentos coordenados ou adequados propicia a constipação. É indicado nos casos de constipação crônica refratária ao tratamento médico. Auxilia no diagnóstico de megacólon chagásico. . insere no reto do paciente um balão de látex com 50 ml de água ou ar que deve ser expelido/defecado. É registrado o tempo que ele leva para expulsar, se o tempo for prolongado sugere uma disfunção anorretal. . indicado nos pacientes com constipação de trânsito lento e distúrbios de defecação. Avalia o completo preenchimento do reto, ângulo anorretal, deiscência perineal e anormalidades estruturais. . sugestivo de fecaloma - comprime uma massa abdominal de forma profunda e demorada, ao reduzir a pressão da mão, percebe-se que a parede intestinal "desprega-se" subitamente do bolo fecal, produzindo uma crepitação, resultante da interposição de ar entre a parede intestinal e o bolo fecal. anamnese [hábitos alimentares e culturais, uso de medicações - tenta diferenciar CF de constipação secundária] + exame físico [nem sempre faz toque retal, apenas se tiver queixas que sugerem alteração anorretal] → avalia sinais de alarme [perda de peso, anemia de causa desconhecida, sangramento]: ausente + < 45 anos - trata como constipação funcional [classifica ele conforme o trânsito intestinal; não necessita solicitar outros exames, mas se quiser pode pedir, hemograma completo, TSH, T4, glicemia, dosagem de eletrólitos, creatinina e sorologia para doença de Chagas]. presente ou ausente + > 45 anos: solicita colonoscopia para rastreamento de câncer colorretal. Caso desconfie de uma causa secundária pode direcionar os exames, por exemplo, suspeita de sinergia anorretal [comprometimento do assoalho pélvico] solicita manometria anorretal, suspeita de comprometimento do funcionamento ou do trânsito da evacuação pode solicitar a defecografia ou tempo de trânsito colônico. GIULIA PACHECO SOUZA → Os fatores relacionados à constipação funcional incluem: dieta pobre em fibras vegetais e líquidos, sedentarismo, ansiedade, depressão, hábito de adiar a ida ao banheiro, gravidez [↑ progesterona = relaxamento da musculatura lisa, dificultando o transporte das fezes + uso de substâncias constipativas, como ferro e cálcio] e efeitos adversos de algumas medicações. → É classificada em 3 tipos: trânsito colônico normal, trânsito colônico lento e distúrbio defecatório anorretal [obstrução de saída ou dissinergia do assoalho pélvico]. → O diagnóstico segue os critérios do ROMA IV, em que os sintomas devem estar presentes por, pelo menos, 3 meses, com início nos últimos 6 meses. Constipação Funcional - 2 ou mais sintomas, em > 25% das defecações: ❖ Esforço durante as defecações. ❖ Fezes duras ou grumosas [escala de Bristol 1 ou 2: fezes em cílabos]. ❖ Sensação de evacuação incompleta. ❖ Sensação de obstrução / bloqueio anorretal. ❖ Manobras manuais [evacuação digital e pressão sobre o assoalho pélvico] para facilitar a defecação. - < 3 evacuações espontâneas/semana - fezes moles raramente estão presentes sem o uso de laxantes. - critérios para SII do tipo constipação são insuficientes [SII necessita de dor abdominal com alteração da consistência e da frequência]. Trânsito colônico normal - o tempo de passagem pelo cólon e a frequência são normais, mas o paciente ainda se refere constipado devido à dificuldade de evacuar e/ou fezes endurecidas. Está associado com distúrbios psicossociais, desconforto abdominal e flatulências. Trânsito colônico lento - evacuação até 1x/semana, com desconforto abdominal e flatulência. Quando o trânsito lento associado à dificuldade motora após ingestão de carnes ou substâncias, caracteriza a inércia colônica [doença de Hirchsprung]. Distúrbios da defecação - disfunção do assoalho pélvico ou do esfíncter anal., em que o bolo fecal se acumula na região retossigmoide. Pode estar associado com o medo ao evacuar, fissura anal, hemorroidas, abuso físico ou sexual, e distúrbios alimentares. . paciente com fezes escala Bristol 1 e 2, com sensação de evacuação incompleta, mas evacua todos os dias = constipação, visto que atende 2 critérios do ROMA IV, mesmo evacuando todos os dias. . GIULIA PACHECO SOUZA → O tratamento inicial é dietético, no qual implementa uma dieta rica em fibras e hidratação adequada [3l/dia], visto que a ingestão de fibras aumenta o volume fecal, diminui a consistências das fezes, estimulando fisiologicamente a evacuação. Além do estabelecimento de um horário para defecar, não pode inibir os reflexos de evacuação, adotar uma posição adequada ao evacuar. → Caso não ocorra melhora com a alteração da dieta, inicia o tratamento farmacológico com fibras dietéticas e laxantes formadores de massa, como psyllium ou metilcelulose. → A próxima medida caso o quadro não melhore é o laxante osmótico, por exemplo, o PEG (polietilenoglicol). Outras opções seriam o laxante amaciador das fezes, o docusato de sódio, e o laxante estimulante, como o bisacodil e chá de sene. Agentes hidrofílicos ou aumentadores de volume - psyllium e metilcelulose: promove aumento do peso [acelera a expulsão das fezes], volume [favorece a motricidade] e fluidez das fezes [facilita a eliminação], além de estimular o incremento da microbiota durante a passagem das fezes no cólon. São os que mais se aproximam dos mecanismos fisiológicos da evacuação normal. Osmóticos - PEG, lactulose e hidróxido de magnésio: retém água no lúmen intestinal. Amaciantes ou emolientes - docusato de sódio e óleos minerais [função lubrificante]: atuam como surfactantes, facilitando a ligação entre os componentes hidrofílicos e hidrofóbicos da massa fecal. Estimulantes ou irritantes ou catárticos - difenilmetano [fenolftaleína e bisacodil (lacto purga)] e antraquinona [sene], almeida prado 46: o difenilmetano inibe a absorção de glicose e sódio, aumentando o teor de água no cólon, estimulando a motilidade. A antraquinona estimula uma maior secreção de água e eletrólitos pelo íleo distal e ceco, além de provocar irritação nas terminações nervosas do cólon [plexo de Auerbach], aumentando, desse modo, a motilidade. Deve ter cuidado com o uso crônico, pois pode gerar colón catártico, em que perde as haustrações, o cólon fica liso e piora as constipações [efeito paradoxal]. .
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