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Marcel� Cavalcant� Hipertensã� porta� Definição: Pressão na veia porta > 10mmHg (normal: 5 a 10 mmHg). A síndrome da hipertensão portal é composta por esplenomegalia congestiva, varizes gastroesofágicas e circulação colateral visível no abdome. A principal causa é a cirrose hepática. OBS! A veia porta é formada ao receber as veias mesentérica superior e esplênica. Assim, todas as substâncias que vêm do intestino e do baço chegam ao fígado pelo sistema porta e ganham a circulação sinusoidal que banha os hepatócitos. Fisiopatologia: A evolução da cirrose hepática promove modificações anatômicas e funcionais do parênquima e do sistema venoso portal. Com o aumento da fibrose e desorganização/distorção da arquitetura hepática, capilarização dos sinusoides (remodelação sinusoidal), formação de nódulos e oclusão vascular, ocorre acentuada resistência intra-hepática ao fluxo portal. A resistência também aumenta por causa da contração de células hepáticas estreladas, miofibroblastos e células de músculo liso vascular. Na cirrose, também ocorre uma vasodilatação arterial esplâncnica, pela piora da função hepática e pela não inativação de substâncias vasodilatadoras sistêmicas. Ocorre retenção de vasodilatadores esplâncnicos (principalmente NO), causando redistribuição da volemia e reduzindo a perfusão do órgão. Com isso, o SRAA é ativado e há liberação de catecolaminas e ADH. Tudo isso leva ao aumento da volemia e do fluxo na veia porta, aumentando ainda mais a pressão e gerando um estado circulatório hiperdinâmico. Outro mecanismo: o NO produzido pelo sistema intestinal deixa de chegar ao fígado e provoca vasoconstrição no leito hepático, ao mesmo tempo em que se acumula no sistema esplâncnico, causando vasodilatação e aumento do fluxo em direção ao sistema porta. Na hora que começa a ter resistência aumentada ao fluxo sanguíneo portal, o sangue fica sendo represado, aumentando a pressão no capilar e acumulando sangue. Chega um ponto em que represa tanto sangue e a pressão intraportal fica tão alta que força a abertura de colaterais pelos seguintes territórios: esôfago, hemiazigos, colaterais abdominais e peritoneais. Começa a ter as manifestações da hipertensão portal, que são as varizes esofágicas e gástricas. Começam pequenas e, com o aumento da resistência, elas vão dilatando e ficando maiores, porque a pressão dentro do sistema vai aumentando. Comparação: igual a uma bexiga que eu vou soprando. No começo ela não muda a forma, porque ela está murcha. Depois de certo volume, a pressão começa a subir exponencialmente. Nesse momento, a cada aumento discreto, pode-se facilmente romper a “bexiga”, porque o aumento está sendo exponencial. Da mesma forma, à medida que a resistência aumenta, a pressão vai aumentando levemente e depois exponencialmente, até o momento em que ela pode romper. Para piorar a resistência, vem mais sangue passando no tecido cada vez menos complacente, porque a insuficiência hepática impede a neutralização de substâncias com ação vasodilatadora, principalmente no território esplâncnico e mesentérico, o que aumenta o fluxo sanguíneo esplâncnico. Se está indo mais sangue para esse território, deve estar indo menos sangue para os outros órgãos. Ao vir mais sangue pela mesentérica, volta mais sangue pelo sistema porta. Volta para a veia porta, que está obstruída, então vai ter ainda mais volume chegando onde já não está fluindo bem. À medida que o fígado piora e que a resistência aumenta, entra mais sangue e o retorno é menor, então vai menos sangue para os outros órgãos. Com isso, a pressão nos barorreceptores diminui, o volume diminui, e o mecanismo compensatório é a ativação do SRAA e do sistema nervoso simpático (catecolaminas). Vai haver vasoconstrição periférica, retenção de sódio e de água (passivamente) para aumentar a volemia e tentar preencher o intravascular. Isso vai se repetindo e piorando cada vez mais. Marcel� Cavalcant� Então esse mecanismo que leva à vasodilatação mesentérica com aumento do volume plasmático, vai levar ao aumento da circulação esplâncnica, aumento da hipertensão portal e abertura de varizes. Esse processo vai perpetuando, até que as varizes vão aumentando e dilatando. Quanto mais dilatada, mais frágil fica a parede, até romper e ter a hemorragia digestiva alta, que é um fenômeno mecânico, não tem relação com coagulação. Ou seja, não adianta tratar dando plasma e plaquetas, o mecanismo é reduzir a pressão do território portal. Então, faz-se ligadura ou esclerose enquanto sangra para parar de sangrar. Revisão! A cirrose leva à diminuição da complacência, ao fechamento das fenestrações (deixa de ser sinusoide e vira capilar), edema do órgão, maior rigidez, células inflamatórias, perda de parênquima, perda de unidades sinusoidais. Mecanismos anatômicos, histológicos e fisiológicos alterados, e a questão volêmica aumentada. Então além de ter menos território portal, ainda está jogando mais volume lá dentro. Para as varizes, o que predomina é a alteração do fluxo sanguíneo (resistência aumentada). A insuficiência hepática leva à vasodilatação sistêmica, que leva a diminuição da perfusão, os barorreceptores percebem isso e mandam sinalização renal e ativam SRAA para reter sódio e água, aumentando a volemia para compensar isso. No começo consegue compensar, mas à medida que o fígado piora, vasodilata mais, até não ter mais mecanismo compensatório viável. Diagnóstico: Suspeitar de hipertensão portal em todo paciente com ascite, esplenomegalia, encefalopatia, varizes esofagogástricas. - Ultrassonografia-Doppler: a US acessa o sistema porta e visualiza as colaterais em torno da veia ázigos, estômago, baço e retroperitônio. Um calibre da veia porta a partir de 15mm sugere hipertensão portal (mas valores normais, até 12 mm, não excluem o diagnóstico). Pode-se associar a esse exame a fluxometria pelo Doppler. Quando esta identifica um fluxo hepatofugal (contrário ao fígado, ou seja, fugindo do sistema porta por causa da resistência alta), a HP é confirmada. - EDA: sempre indicada! A visualização de varizes sela o diagnóstico de hipertensão portal. É importante classificar as varizes em fina, médio ou grosso calibre para indicar o tratamento. Achados como manchas vermelho cereja (cherry-red spots) e manchas hematocísticas são indicativos de risco de ruptura das varizes. - Angio-TC e ressonância magnética: métodos não invasivos que delineam o sistema porta. Indicados em caso de dúvida diagnóstica após US-Doppler. - Angiografia: método invasivo. Faz uma definição correta da anatomia e é usado no planejamento cirúrgico da hipertensão porta. - Medidas hemodinâmicas: cateterização da veia hepática e medida do gradiente de pressão, usadas em caso de dúvida diagnóstica. Acima de 10mmHg, temos hipertensão portal (sinusoidal ou pós-sinusoidal). Locais de formação de colaterais portossistêmicas: Marcel� Cavalcant� Gastroesofágicas: se formam entre as veias gástricas curtas, as veias esofagianas e a veia ázigos e veias intercostais. Retais: entre as veias retal superior e retais média e inferior. Podem sangrar, mas não é comum. Cabeça de medusa: quando o remanescente da veia umbilical se dilata e serve com conexão entre o ramo esquerdo da veia porta e a veia umbilical. Podem se desenvolver entre o sistema porta e a parede abdominal posterior. Grandes anastomoses podem se formar entre o sistema porta e a veia renal esquerda (nunca sangram e raramente são identificadas). Impacto clínico: A hemorragia é uma das principais causas de morte do cirrótico. Pela hemorragia, piora o fígado, faz insuficiência renal e faz infecções, aí morre depois. Ele sobrevive ao episódio hemorrágico, mas não adianta pensar em tratar só a hemorragia, tem que prevenir as complicações posteriores. A hemorragia mata 1/3 no primeiro episódio (mata mais do que infarto). Manejo: É importante evitar a hemorragia no paciente que nunca sangrou, mas que descobriu que tem varizes via EDA, por exemplo. Sabe-se que 50% dos cirróticos têm varizes logo no diagnóstico, aranhas vasculares.Se tiver varizes com risco de sangramento (médio e grosso calibre, as de fino calibre geralmente não sangram). Nas varizes de médio e grosso calibre, aquele processo de dilatação das paredes vai se acentuando, e por isso essas varizes podem estar associadas aos sinais endoscópicos preditivos de sangramento: pontos de fragilidade na anatomia (indicando que pode romper), pontos da parede com sinal de ruptura, vasa vasorum dilatados, a tensão no órgão é grande, sinal de hemorragia submucosa, sangramento discreto ou visível. São sinais que indicam que há grande risco de sangramento. Paciente que chega com varizes de fino calibre tem baixo risco de sangrar. Todo ano se vigiam essas varizes através da endoscopia, para ver se elas estão crescendo. Enquanto isso, trata-se a doença de base, faz-se orientação para parar de beber e perder peso, corticoide se for uma causa auto imune, antiviral se for hepatite C. Então, o paciente de varizes de fino calibre faz endoscopia anualmente. De médio ou grosso calibre, tem alto risco de sangrar. As duas classes de medicação que poderiam ser usadas: beta bloqueadores e os nitratos. ESQUEÇAM O NITRATO! Nitrato melhora a pressão portal, mas aumenta a mortalidade a longo prazo. Não se usa mais nitrato. Beta bloqueador reduz chance de sangramento, reduz evento hemorrágico. Se a mortalidade é por causa das consequências pós eventos hemorrágicos, se eu reduzo os eventos hemorrágicos, reduzo as complicações e reduzo, por consequência, a mortalidade. Assim, não usar beta bloqueador no indivíduo cirrótico com varizes de médio e grosso calibre é induzir o indivíduo à morte, é dar mais chances desse paciente sangrar e aumentar a chance de mortalidade dele. Marcel� Cavalcant� Tem que usar um beta bloqueador não seletivo, como o propranolol. Atenolol, que é seletivo beta 1, não tem efeito na redução da mortalidade. Usa-se propranolol suficiente para baixar a frequência cardíaca em 25% da basal. Exemplo: o paciente tem 80 bpm. Inicio com 10mg de propranolol de 12 em 12h. Volta em 3 dias para ver a pressão e FC. A pressão está normal e a FC está 78 bpm. Altera para 10mg de 8 em 8h. Volta em 3 dias. FC está em 70 bpm. Altera de novo para 20mg de 12 em 12h. Volta depois de 3 dias com FC de 64 bpm. Altera para 20mg de 8 em 8h. Volta com FC de 58 bpm. Pronto, chegou no ponto. Baixou pouco mais do que 25%. Desse modo, eu beta bloqueei o paciente, eu garanti a ele uma potencial redução do risco de hemorragias e de mortalidade. Se ele já chegar com FC baixa, faz o manejo para baixar a FC até 55 bpm (não baixar os 25% pois isso provocaria uma bradicardia!). Se tem manifestação de hipotensão postural, mesmo com a PA e a FC normais, não aumenta a dose do propranolol. Se o paciente está ficando com a pressão muito baixa e tendo sintomas como sonolência, é porque a medicação está trazendo muitos efeitos colaterais. Como o ideal é garantir a qualidade de vida do paciente, pode-se reduzir a dose ou até suspender a medicação. Profilaxia primária: tratamento farmacológico! Quando o paciente tem varizes que nunca sangraram. Paciente chegou ao PS sangrando, ou seja, em evento hemorrágico. O que se faz é dar suporte hemodinâmico (estabilizar a PA, reposição de líquido e sangue, intubação se houver rebaixamento do nível de consciência). Na HDA varicosa, tentar estabilizar o paciente o mais rápido possível e parar o sangramento agudamente. Há duas opções: tratamento farmacológico com drogas que causam vasoconstrição esplâncnica, diminuindo retorno venoso para o território portal. Assim, vai reduzir a fuga de sangue para as varizes, e vai diminuir a pressão do sistema portal, favorecendo a parada do sangramento. A droga mais usada: terlipressina em bolus no pronto socorro. Ou pode fazer tratamento endoscópico com ligadura (garroteamento das varizes) ou esclerose (injetar substância que trombosa o sangramento). Qual o melhor dos dois tratamentos? Terlipressina é mais eficaz do que a ligadura elástica (1% de diferença). Na prática, isso não influencia tanto, mas é importante saber por que se não tiver o endoscopista na hora da urgência, o tratamento farmacológico é uma opção tão boa quanto ou até melhor. Associação de ambos é melhor ainda. Pode fazer a terlipressina enquanto o paciente está sendo preparado ou enquanto o anestesista chega, porque o paciente vai estar em condições melhores para o exame (pode até já estar sem sangrar), e vai ter menos chances de complicação durante o tratamento endoscópico. Por fim, paciente com profilaxia secundária das varizes. É o paciente que já sangrou, chega ao PS porque teve HDA, após passar mal (depois de uma grande refeição, por exemplo, que aumenta a pressão). Para esse paciente, vai evitar que sangre novamente, com o propranolol (lembrar: não pode nitrato!), e associa tratamento endoscópico, com ligadura elástica de preferência. Faz o propranolol com aquele mesmo alvo de FC, para melhorar a sobrevida do paciente. Lembrando que quem nunca sangrou, não faz tratamento endoscópico, só medicamentoso com propranolol. Obs! A ligadura tem que ser feita até erradicar as varizes. Repete o procedimento a cada 1-2 semanas. Se mesmo assim o paciente ficar tendo episódios hemorrágicos frequentes, pode-se discutir o TIPS (será mais bem abordado na ascite) ou transplante, porque ele tem episódios ameaçadores de hemorragia, apesar de um tratamento adequado. O tamponamento com balão de Sengstaken-Blackmore pode ser usado na ausência da endoscopia de urgência ou em pacientes que continuam sangrando mesmo após o tratamento endoscópico e farmacológico. Deve ser mantido por pouco tempo até o paciente ficar estável hemodinamicamente para um procedimento cirúrgico descompressivo ou endoscopia (se ainda não tiver sido feita).
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