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SUMÁRIO 1. Introdução ........................................................................................................3 2. Avaliação do risco cirúrgico .......................................................................5 3. Manejo dos medicamentos ....................................................................21 4. Classificação das cirurgias e uso de antibioticoprofilaxia ...........24 Referências bibliográficas ...........................................................................28 3AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA 1. INTRODUÇÃO Com o envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida, os procedimentos cirúrgicos são rea- lizados em uma população com idade média mais avançada e prevalência maior de comorbidades. Nesse con- texto, a avaliação clínica perioperató- ria ganha cada vez mais importância na tentativa de diminuir a morbidade e a mortalidade perioperatórias. A avaliação perioperatória é descrita como a análise clínica que objetiva quantificar o risco de complicações clí- nicas perioperatórias. Essa avaliação deve ser baseada em variáveis clíni- cas e em resultados de exames sub- sidiários (quando indicados) e deve considerar os riscos de complicações cardíacas e não cardíacas. Essa ava- liação deve ainda conter, além das es- timativas de risco, as orientações de manejo pré, intra e pós-operatórias para diminuição dos riscos encontra- dos, que se denominam estratégias protetoras. Os objetivos desta avaliação perio- peratória são identificar comorbida- des previamente não reconhecidas e fatores de risco para complicações cirúrgicas; otimizar a condição médi- ca pré-operatória; reconhecer e tra- tar potenciais complicações; traba- lhar efetivamente como um membro da equipe operatória, conjuntamente com o cirurgião e o anestesista. Anamnese Cuidadosa A anamnese é a parte mais importan- te da avaliação clínica perioperatória. Dados positivos de história clínica e alterações de exame clínico estão diretamente e independentemente associados ao aumento do risco de complicações pós-operatórias. É importante salientar que o paciente se apresenta para a consulta focado na sua doença cirúrgica, não valorizan- do problemas outros concomitantes. Por isso, sintomas como dor precordial, dispneia, tosse e intolerância ao exercí- cio devem ser questionados ativamen- te. Hábitos e antecedentes pessoais, incluindo os antecedentes cirúrgicos, têm especial importância nesse tópico. O questionamento sobre diagnósti- cos prévios e o uso de medicações é também essencial nesta avaliação clínica. Interrogação sobre alergias medicamentosas, efeitos adversos desencadeados por anestésicos em procedimentos cirúrgicos prévios, transfusões sanguíneas prévias, tam- bém é importante. Exames subsidiários Vários estudos demonstram que exa- mes solicitados rotineiramente, não as- sociados à indicação clínica específica, não beneficiam os pacientes, além de aumentarem os custos. Tal situação ocorre porque a maioria dos pacientes assintomáticos possui exames normais. 4AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Apesar disso, geralmente os serviços possuem uma rotina de exames mí- nimos a serem solicitados antes da realização de qualquer procedimento. Caso haja uma rotina de solicitação de exames pré-operatórios, ela deve se basear em exames de fácil realização, baixo custo e que sejam consenso entre as equipes relacionadas com o cuidado do paciente. Exames mais es- pecíficos devem ser solicitados apenas após avaliação clínica e avaliação da indicação. A Tabela 1 apresenta uma sugestão de rotina de exames gerais subsidiários a serem solicitados. PACIENTES SEM COMORBIDADES < 40 anos Hb Ht Coagulograma > 40 anos ECG Creatinina Glicemia Sódio e Potássio Hemograma Coagulograma Rx de tórax PACIENTES COM COMORBIDADES, INDEPENDENTEMENTE DA IDADE Diabéticos ECG Creatinina Glicemia Obesidade ECG Glicemia Hipertenso, nefropata, insuficiência cardíaca Creatinina Sódio e Potássio ECG Hepatopata Creatinina Coagulograma Hemograma Bilirrubinas Albumina Em anticoagulação Coagulograma Hemograma Creatinina História de sangramento Coagulograma Hemograma Tabagista, DPOC Rx de tórax Tabela 1. Exames subsidiários para avaliação do risco cirúrgico. Fonte: Martins (2015) 5AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Manejo de Doenças Crônica e Medicações Espera-se que o clínico que realiza a avaliação compense as comorbida- des do paciente, assim como orien- te o manejo das medicações de uso crônico no período perioperatórío. Pa- cientes de difícil compensação ambu- latorial podem ser internados alguns dias antes do procedimento para compensação das comorbidades du- rante a internação. Em casos mais complexos, pode ha- ver a necessidade da avaliação de outro especialista ou de acompanha- mento conjunto do clínico geral no pós-operatório. 2. AVALIAÇÃO DO RISCO CIRÚRGICO Avaliação Geral A avaliação geral mais comumente realizada é baseada na classificação da American Society of Anesthe- siologists (ASA) (Tabela 2). Paciente classificado como ASA I, possui uma mortalidade perioperatória de 0,06 – 0,08%; o paciente ASA II, 0,27 – 0,40%; ASA III, 1,8 – 4,3%; ASA IV, 7,8 – 23%; e ASA V, 9,4 – 51%. Outros escores de avaliação geral ba- seados no grau de atividade do pa- ciente, como de equivalente meta- bólico (Índice de atividade de Duke), atividades básicas e instrumentais de vida diária (ABVD e AIVD) e escalas oncológicas (ECOG e Karnofsky), tam- bém podem ser úteis na avaliação. ASA I Nenhum distúrbio orgânico, psiquiátrico, fisiológico ou bioquímico ASA II Condição sistêmica leve e compensada que não impõe limitação funcional Hipertensão arterial sistêmica bem controlada; diabetes mellitus sem complicações; anemia; obe- sidade; gestação ASA III Doença sistêmica moderada a grave que resulta em limitação funcional, porém sem incapacidade funcional Diabetes mellitus com complicação vascular; infarto do miocárdio prévio; hipertensão arterial sistêmica não controlada; insuficiência renal crôni- ca; obesidade mórbida ASA IV Doença sistêmica grave que impõe in- capacidade funcional ou que representa ameaça constante à vida Insuficiência cardíaca congestiva; angina instável ASA V Paciente moribundo, ou seja, não é espe- rado que sobreviva com ou sem a cirurgia proposta Rotura de aneurisma; hemorragia intracraniana com PIC elevada ASA VI Paciente em morte cerebral; será operado para retirada de órgãos para doação Tabela 2. Classificação do risco cirúrgico da ASA. Fonte: American Society of Anesthesiologists physical status (Ann R Coll Surg Engl 2011; 93: 185–187) 6AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA “complicações cardíacas pós-ope- ratórias” compreende a isquemia miocárdica, disfunção miocárdica aguda com congestão pulmonar e arritmias graves com instabilidade hemodinâmica. Estas complicações são a principal causa de mortalidade pós-operatória. A avaliação do risco de complicações cardíacas perioperatórias deve levar em conta o tipo de cirurgia, o estado funcional e os fatores de risco cardio- lógicos apresentados pelo paciente. Existem vários algoritmos desenvol- vidos para esse fim, entre eles o índi- ce de Goldman, o do American Col- lege of Physicians, o do American College of Cardiology e da American Heart Association e o índice cardía- co revisado de Lee. Apesar de todos terem vantagens e desvantagens, é importante usar algum deles para re- alização da estratificação de risco. O risco intrínseco é baseado na taxa de complicações cardíacas presen- tes em cada tipo de procedimento e guarda boa correlação com o porte cirúrgico. A Tabela 3 mostra o risco intrínseco de complicações cardio- vasculares de alguns procedimentos cirúrgicos. A avaliação dos riscos específicos deve englobar risco cardíaco e a ava- liação de todos os outros riscos clíni- cos pertinentes ao paciente e ao pro- cedimento. Estudos apontam que, se for realizada apenas a avaliação de risco cardíaco, deixa-se de estimarmais de 50% do risco de o paciente morrer no pós-operatório. Veremos as avaliações específicas adiante. Após a avaliação dos riscos e a pro- posição de estratégias protetoras, o avaliador deve informar esses ris- cos ao paciente e fazer uma análise da relação risco-benefício do proce- dimento. Essa avaliação, juntamente com todos os riscos, as estratégias protetoras e a análise de risco-bene- fício, deve ser informado ao cirurgião e ao anestesista. Avaliação de risco cardiovascular A avaliação do risco de com- plicações car- díacas é parte i m p re s c i n d í ve l da avaliação clíni- ca perioperatória. A expressão 7AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA CLASSIFICAÇÃO DE RISCO TIPO DE OPERAÇÃO RISCO CARDÍACO Alto Cirurgias vasculares (aórtica, grandes vasos, vascular periférica) Cirurgias de urgência ou emergência Operações prolongadas com grande perda de fluido e sangue > 5% Intermediário Endarterectomia de carótida e correção endovascular de aneurisma de aorta abdominal Cirurgia de cabeça e pescoço Cirurgias intraperitoneais e intratorácicas Cirurgias ortopédicas Cirurgias prostáticas 1 - 5% Baixo Procedimentos endoscópicos Procedimentos superficiais Cirurgia de catarata Cirurgia de mama Cirurgia ambulatorial < 1% Tabela 3. Risco de complicações cardiovasculares dos procedimentos cirúrgicos. Fonte: Martins (2015) do status funcionam incluem o se- guinte: pode cuidar de si mesmo, como comer, vestir ou usar o banheiro (1 MET); pode subir um lance de de- graus ou uma colina ou caminhar no nível do solo a 4,8Km/h a 6,4 Km/h (4 METS); pode fazer trabalhos pesados em casa, como esfregar pisos ou le- vantar ou mover móveis pesados, ou subir dois lances de escada (entre 4 e 10 METS); pode participar de espor- tes extenuantes, como natação, tênis, futebol e basquete (> 10 METS). O algoritmo de avaliação do ris- co de complicações cardíacas mais recomendado é baseado no algo- ritmo do American College of Car- diology (ACC) e da American Heart O estado funcional do paciente ava- liado pelo índice de atividade de Duke se mostrou preditor de eventos car- díacos no pós-operatório, apesar da subjetividade intrínseca do método. O status funcional cardíaco, deter- minado por meio de aplicação de um questionário aos pacientes, mostrou associação com os desfechos pós- -operatórios. O status funcional pode ser expresso em equivalentes meta- bólicos (1 MET é definido como um consumo de oxigênio de 3,5 mL/Kg/ min, que é o consumo de oxigênio no repouso, numa posição sentada). A habilidade de se atingir 4 METs de atividade sem sintomas é um indica- dor de bom prognóstico. Indicadores 8AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Association (AHA), pois possui me- lhor acurácia na população quando comparado aos outros algoritmos (Fi- gura 1). Cirurgias de emergência não neces- sitam de avaliação de riscos. Se hou- ver algum tempo para qualquer tipo de compensação pré-operatória, isso não deve ser considerado avaliação de risco. Em pacientes com cardiopatia des- compensada, a cirurgia deve ser adia- da até a compensação da cardiopatia. Cirurgias de baixo risco cardiológico devem ser realizadas sem maiores investigações cardiológicas, apenas com a compensação clinica das co- morbidades, se necessário. Pacientes assintomáticos, com bom grau de atividade, têm uma chance 2 vezes menor de complicações car- díacas e 5 vezes menor de isquemia miocárdica perioperatória quando comparados a pacientes com baixo grau de atividade. Cirurgias nesses pacientes também podem ser rea- lizadas sem maiores investigações cardíacas, sempre com compensação das comorbidades. Pacientes com baixo grau de ativida- de devem ser classificados em baixo, moderado e alto risco dependendo da presença ou não das variáveis de Lee (Figura 1). A diretriz de avaliação car- diovascular perioperatória da AHA/ ACC de 2014 recomenda ainda que, se testes adicionais terão impacto na tomada de decisão ou nos cuidados perioperatórios de pacientes com es- tado funcional menor que 4 METs, ou desconhecido, testes de estresse far- macológicos podem ser realizados. Solicitação oe exames caroiológicos no pré-operatório Ecocardiograma: A solicitação de ecocardiograma para avaliação de risco cardíaco perioperatório não deve ser realizada de rotina. É reservada para os casos em que há suspeita de doença valvar não diagnosticada, do- ença valvar sintomática, suspeita de insuficiência cardíaca ou insuficiência cardíaca com piora de grau funcional. Essas suspeitas surgirão durante a consulta de avaliação perioperatória, após história, exame clínico e análi- se da radiografia de tórax e ECG Em pacientes com insuficiência cardíaca estáveis que possuem avaliação re- cente da função ventricular não há necessidade da solicitação de eco- cardiograma no perioperatório. 9AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA OPERAÇÃO DE EMERGÊNCIA? NÃO NÃO NÃO Não ou capacidade funcional desconhecida SIM SIM SIM SIM Pós operatório: avaliação de risco, controle dos fatores de risco, pesquisa de enventos cardiovasculares ≥ 3 fatores de risco: paciente de alto risco (25% de chances de complicação cardíaca) 1-2 fatores de risco: paciente de risco intermediario (7-11% de chances de complicação cardíaca) Sem fatores de risco: paciente de baixo risco (0,9% de chances de complicação cardíaca) Operação Compensar doença cardíaca antes da cirurgia eletiva Proceder à cirurgia proposta - Controle clínico de comorbidades Boa capacidade funcional (≥4MET) sem sintomas? Avaliação dos 5 fatores de risco definidos por Lee: 1- Doença isquêmica cardíaca (história de infarto, teste de esforço positivo, uso de nitroglicerina, angina instável, onda Q no ECG); 2- Insuficiência cardíaca compensada; 3 - AVC ou AIT; 4 - Diabetes; 5 - Creatinina > 2mg/dL Proceder à cirurgia proposta - Controle clínico de comorbidades Operação de baixo risco? Paciente possui alguma cardiopatia descompensada? Insuficiência coronariana aguda (angina instável classe III ou IV; infarto recente < 30 dias); Insuficiência cardíaca descompensada (início recente; classe funcional IV, em piora de cl\asse funcional); Arritmias graves (BAV 2º Grau Mobitz II ou de 3º grau, bradicardias sintomáticas, taquicardias supraventriculares com frequência cardíaca não controlada > 100 bpm em repouso, taquicardias ventriculares, arritmia ventricular sintomática); valvopatia grave (estenose grave: gradiente médio > 40mmHg, área valvar < 1cm² ou sintomática, estenose mitral sintomática (dispneia progressiva aos esforços, pré-síncope aos esforços) Fonte: Martins (2015) ALGORITMO DE AVALIAÇÃO DO RISCO CIRÚRGICO CARDIOVASCULAR 10AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Testes não invasivos para isquemia: Os principais testes não invasivos para isquemia são teste ergométrico, ecocardiograma de estresse e cintilo- grafia de perfusão miocárdica. O prin- cipal questionamento no momento da solicitação do teste não invasivo é se ele vai modificar a conduta periopera- tória, incluindo a solicitação de testes invasivos ou a modificação das me- dicações protetoras perioperatórias. Caso a resposta seja não, o teste não deve ser solicitado. As possíveis indicações para solicita- ção de testes não invasivos são: • Condições cardíacas isquêmi- cas descompensadas, como an- gina classe III ou IV ou angina progressiva; • Pacientes de alto risco e com bai- xa capacidade funcional que serão submetidos a cirurgias de alto ris- co, se for alterar a conduta; • Pacientes de alto risco e com bai- xa capacidade funcional que serão submetidos a cirurgias de risco in- termediário, se for alterar a conduta; • Pacientes de risco intermediário e com baixa capacidade funcio- nal que serão submetidos a cirur- gias de alto risco, se for alterar a conduta. Pacientes de baixo risco ou pacientes submetidos a cirurgia de baixo risco não devem realizar testes não invasivos. Pacientes com teste não invasivo nor- mal realizado nos últimos2 anos e pa- cientes com revascularização completa cirúrgica ou percutânea nos últimos 5 anos e que permanecem estáveis cli- nicamente também não necessitam de novos testes não invasivos. Estratégias protetoras cardíacas As estratégias protetoras cardíacas no período perioperatório podem ser resumidas em: • Revascularização profilática no pré-operatório; • Cardioproteção farmacológica no perioperatório; • Monitorização intraoperatória; • Diagnóstico e tratamento precoce de complicações pós-operatórias. Revascularização profilática: Estu- dos recentes mostram que a revas- cularização miocárdica profilática cm pacientes estáveis do ponto de vis- ta cardíaco não reduziu a chance de complicação cardíaca pós-operatória, mesmo em cirurgias de alto risco. É, ainda, importante considerar que, quando se propõe uma revasculariza- ção miocárdica antes de cirurgia, é ne- cessário aguardar para poder proceder com a cirurgia não cardíaca, principal- mente por causa da necessidade de antiagregação plaquetária dupla (Ta- bela 4). 11AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA TIPO DE REVASCULARIZAÇÃO INTERVALO MÍNIMO INTERVALO IDEAL Cirurgia Variável: condições do paciente 30 dias Angioplastia sem stent 7 dias 14 dias Stent convencional 14 dias > 6 semanas Stent farmacológico 1 ano Indefinido Tabela 4. Duração da dupla antiagregação plaquetária após procedimentos de revascularização. Fonte: Martins (2015) A revascularização profilática deve ser considerada para pacientes que tenham indicação de revasculariza- ção independentemente do proce- dimento cirúrgico, como no caso de lesões de tronco da artéria coronária esquerda; doença triarterial; disfun- ção ventricular associada; angina não responsiva ao tratamento clinico; tes- tes não invasivos de alto risco. Cardioproteção farmacológica: O uso de ácido acetilsalicílico aumenta o risco de sangramento cirúrgico em aproximadamente 50%, porém está relacionado a sangramentos meno- res, que não exigem intervenção mé- dica. As exceções ficam por conta de neurocirurgias e ressecção transure- tral de próstata. O uso de tienopiridí- nicos, como o clopidogrel, aumenta substancialmente o risco de sangra- mentos graves durante a cirurgia. Por outro lado, a suspensão do ácido acetilsalicílico causa aumento de 3 vezes na incidência de complicações cardíacas perioperatórias em pa- cientes com doença coronariana conhecida ou com fatores de risco cardiovasculares. Nesse contexto, as recomendações são: • Manter ácido acetilsalicílico na dose de 75-100 mg/dia no perío- do perioperatório de pacientes co- ronariopatas ou com múltiplos fa- tores de risco; • Suspender ácido acetilsalicílico em neurocirurgias e ressecções tran- suretrais de próstata; • Em pacientes submetidos à colo- cação de stent, suspender clopido- grel 5 dias antes do procedimento e manter ácido acetilsalicílico du- rante todo o período perioperató- rio, respeitando-se o tempo ideal de antiagregação dupla. Quando suspensos, os antiagregan- tes devem ser reintroduzido assim que possível no pós-operatório. No caso do uso de estatinas está associado à diminuição significativa de complicações cardíacas no pós- -operatório de cirurgias vasculares. A redução de risco em cirurgias não vasculares foi demonstrada apenas em estudos retrospectivos. Sabe-se, ainda, que a suspensão das estatinas no perioperatório está associada ao aumento de complicações cardíacas. As estatinas devem ser, portanto, 12AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA mantidas em pacientes que já fazem seu uso; usadas no perioperatório de todas as cirurgias vasculares arteriais; consideradas em pacientes com pelo menos 2 fatores de risco e cirurgia de risco intermediário. As drogas estudadas são sinvastati- na, 40 mg/dia; atorvastatina, 20 mg/ dia; e fluvastatina 80 mg/dia. Devem ser iniciadas pelo menos 1 semana antes do procedimento e mantidas por 30 dias após o procedimento. De- ve-se avaliar se há indicação de conti- nuar a medicação após esse período. O uso de betabloqueadores no pe- rioperatório deve ser realizado com muita parcimônia. Caso sejam indica- dos para pacientes de baixo risco, po- dem aumentar a mortalidade perio- peratória. Além disso, deve haver um cuidado especial com a monitorizaçâo da frequência cardíaca e da pressão arterial (PA) após sua introdução. Os betabloqueadores devem ser: • mantidos em pacientes que fazem uso crônico; • Usados no perioperatório de pa- cientes com doença coronariana conhecida; • Introduzidos em pacientes de risco intermediário e alto submetidos à cirurgia vascular; • Introduzidos em pacientes de alto risco e cirurgia de risco intermediário; • Considerados em pacientes de ris- co intermediário e cirurgia de risco intermediário. Pode ser utilizado qualquer betablo- queador, entretanto os mais estuda- dos são atenolol, metoprolol e biso- prolol. A introdução idealmente deve ser realizada pelo menos 1 semana antes do procedimento, e o medica- mento deve ser mantido por 30 dias após o procedimento. A dose de be- tabloqueador deve ser titulada para atingir frequência cardíaca de 60- 70 bpm e PA sistólica > 100 mmHg. Pode haver necessidade de retornos ambulatoriais durante esse ajuste de dose. Monitorização intraoperatória: A monitorização intraoperatória da tem- peratura corpórea é de suma impor- tância. A hipotermia está relacionada a aumento de eventos cardíacos e pa- rada cardíaca no pós-operatório. Pa- cientes que apresentam hipotermia devem receber aquecimento passivo. Diagnóstico e tratamento precoce de complicações pós-operatórias: A grande maioria dos eventos cardí- acos pós-operatórios ocorre até o 2° dia de pós-operatório. O diagnóstico precoce de isquemia perioperatória é estratégia importante na diminui- ção da mortalidade perioperatória. 13AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Realização de eletrocardiograma (ECG) seriado e dosagem de troponi- na são as melhores estratégias nesse sentido. O ECG seriado deve ser realizado no pós-operatório imediato, 1° e 2° dias, e está indicado em: • Pacientes de alto risco submetidos a cirurgia de risco intermediário e alto; • Pacientes de risco intermediário com doença cardíaca isquêmica submetidos a cirurgia de risco mo- derado e alto. A dosagem de troponina deve ser re- alizada em casos de: • Quadro clinico compatível com sín- drome coronariana; • Presença de instabilidade hemodinâmica; • Presença de disfunção miocárdica aguda; • Pacientes de alto risco de compli- cações submetidos à cirurgia de risco intermediário e alto; • Pacientes de risco intermediário com doença cardíaca isquêmica submetidos a cirurgia de risco mo- derado e alto. Caso a dosagem de troponina não esteja disponível, pode ser substituí- da por curva de CK/CKMB. Avaliação de risco pulmonar As complicações respiratórias pós- -operatórias mais significativas e es- tudadas são: infecções (pneumonia), insuficiência respiratória e ventilação mecânica prolongada, exacerbação de doença pulmonar de base, atelec- tasia e broncoespasmo. Avaliação pré-operatória da função pulmonar pode ser necessária para procedimentos cirúrgicos gerais ou torácicos. Enquanto os procedimen- tos neurocirúrgicos e da parte infe- rior do abdome e das extremidades têm pouco efeito no funcionamento pulmonar e rotineiramente não re- querem estudos da função pulmonar, procedimentos torácicos e da parte superior do abdome podem diminuir o funcionamento pulmonar e predis- por a complicações. Com isso, é pru- dente considerar a avaliação da fun- ção pulmonar para todos os casos de ressecção dos pulmões, para os procedimentos torácicos que reque- rem ventilação monopulmonar e para os casos de operações abdominais e torácicas de maior porte em pacien- tes com idade superior a 60 anos com doenças preexistentes, tabagis- mo ou com sintomatologia pulmonar evidente. Fatores de risco para complicações pulmonares: Fatores gerais que au- mentam o risco de complicações pul- monares no pós-operatório incluem 14AVALIAÇÃOPRÉ-OPERATÓRIA idade avançada (>60 anos), hipoal- buminemia, estado funcional depen- dente, perda de peso e, possivelmen- te, obesidade. Condições comórbidas concorrentes como a deterioração do sensório, acidente vascular cerebral prévio, insuficiência cardíaca conges- tiva, insuficiência renal aguda, ASA >2, uso crônico de esteroide uso de bloqueador neuromuscular de lon- ga ação (pancurônio) e a transfusão sanguínea também se associam a um maior risco de complicações pulmo- nares no pós-operatório. Fatores de risco pulmonar específicos incluem a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), tabagismo, expecto- ração no pré-operatório, pneumonia, dispneia e apneia obstrutiva do sono. Estudos não demonstraram aumen- to de risco pulmonar em pacientes asmáticos controlados e em obesos graus I e II (excluindo as comorbida- des associadas). Exame da função pulmonar: A es- pirometria é indicada na avaliação pré-operatória de pneumectomias, de dispneia de causa incerta, doença pulmonar obstrutiva (asma e DPOC) não compensada. Os testes neces- sários incluem o volume expiratório forçado no 1° segundo (VEF1), a ca- pacidade vital forçada e a capacidade de difusão do monóxido de carbono. Adultos com um VEF1 menor que 0,8 L/s ou 30% do previsto têm um alto risco de complicações e de insuficiên- cia respiratória pós-operatória; solu- ções não cirúrgicas devem ser busca- das. A ressecção pulmonar deve ser planejada para que o VEF1 pós-ope- ratório seja superior a 0,8 L/seg. ou 30% do previsto. Esse planejamento pode ser feito com o auxílio de ma- peamento quantitativo pulmonar, que pode indicar quais os segmentos do pulmão são funcionais. Na Tabela 5, são apresentados dois escores de avaliação do risco pulmo- nar que estratificam o risco de pneu- monia e insuficiência respiratória no pós-operatório. 15AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA RISCO DE PNEUMONIA RISCO DE INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA Odds ratio (IC 95%) Pontos (1) Odds ratio (IC 95%) Pontos (2) Fatores de risco Procedimentos Operação de aneurisma de aorta abdominal 4,29 (3,34-5,5) 15 14,3 (12,0-16,9) 27 Operação torácica 3,92 (3,36-4,57) 14 8,14 (7,17-9,25) 21 Operação abdominal alta 2,68 (2,38-3,03) 10 4,21 (3,80-4,67) 14 Operação da cabeça e pescoço 2,30 (1,73-3,05) 8 3,10 (2,40-4,01) 11 Neurocirurgia 2,14 (1,66-2,75) 8 4,21 (3,80-4,67) 14 Operação vascular arterial 1,29 (1,10-1,52) 3 4,21 (3,80-4,67) 14 Anestesia geral 1,56 (1,38-1,80) 4 - - Operação de emergência 1,33 (1,07-1,72) 3 3,12 (2,83-3,43) 11 Transfusão de ≥ 5 con- centrados de hemácias 1,35 (1,07-1,72) 3 - - Idade (anos) ≥ 80 5,63 (4,62-6,84) 17 1,91 (1,71-2,13) 6 70-79 3,58 (2,97-4,33) 13 60-69 2,38 (1,98-2,87) 9 1,51 (1,36-1,69) 4 50-59 1,49 (1,23-1,81) 4 - - Grau funcional Dependente 2,83 (2,33-3,43) 10 1,92 (1,74-2,11) 7 Parcialmente dependente 1,83 (1,63-2,06) 6 Disfunções orgânicas Diminuição de 10% do peso nos últimos 6 meses 1,92 (1,68-2,18) 7 - - DPOC 1,72 (1,55-1,91) 5 1,81 (1,66-1,98) 6 AVC 1,47 (1,26-1,82) 4 - - 16AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Diminuição da consciência 1,51 (1,36-1,80) 4 - - Ureia <16mg/dL 1,47 (1,26-1,72) 4 - - Ureia = 44-60mg/dL 1,24 (1,11-1,39) 2 - - Ureia > 60mg/dL 1,41 (1,22-1,64) 3 2,29 (2,04-2,56) 8 Albumina < 3 g/dL - - 2,53 (2,28-2,80) 9 Uso de corticoesteroide crônico 1,33 (1,12-1,58) 3 - - Hábitos Tabagismo no último ano 1,28 (1,17-1,42) 3 - - Álcool (2 drinques/dia) 1,24 (1,08-1,42) 2 - - ESTRATIFICAÇÃO DO RISCO PULMONAR Escore de risco de pneumonia Escore de risco de insuficiência respiratória Pontos (1) Classe de risco Risco pulmonar Risco es- timado de pneumonia Pontos (2) Classe de risco Risco pulmonar Risco es- timado de insuficiência respiratória 0-15 I Baixo 0,24% 0-10 I Baixo 0,5% 16-25 II Baixo 1,19% 11-19 II Baixo 2,2% 26-40 III Intermediário 4,0% 20-27 III Intermedi- ário 5,0% 41-55 IV Alto 9,4% 28-40 IV Alto 11,6% >55 V Alto 15,8% >40 V Alto 30,5% Tabela 5. Escores de risco para complicações pulmonares pós-operatórias. Fonte: Martins (2015) Estratégias protetoras: Para os pa- cientes classificados como de baixo risco, deve-se sempre que possível estimular a deambulação precoce para minimizar o risco de complica- ções pulmonares. As intervenções pré-operatórias que podem dimi- nuir as complicações pulmonares no pós-operatório incluem a suspen- são do cigarro (dois meses antes do procedimento planejado), terapia broncodilatadora, terapia com antibi- óticos para tratar infecções preexis- tentes e tratamento dos pacientes as- máticos com esteroides. Além disso, incentivar o exercício no pré-opera- tório pode melhorar a recuperação do paciente no pós-operatório. Uma re- comendação razoável seria encorajar os pacientes a andar três quilômetros 17AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA em menos de uma hora várias vezes por semana. Estratégias perioperató- rias incluem o uso de anestesia epi- dural, toalete brônquica vigorosa e fi- sioterapia respiratória, e também com broncodilatadores. Avaliação do risco tromboembólico Denomina-se tromboembolismo ve- noso a ocorrência de trombose ve- nosa profunda e embolia de pulmão. Essas condições são prevalentes em pacientes internados, clínicos e ci- rúrgicos, com manifestações clinicas muito variáveis, desde assintomática até morte súbita. Por conta disso, sua profilaxia tem papel fundamental na diminuição da morbidade e da mortalidade dos pa- cientes cirúrgicos. A incidência pós- -operatória varia de aproximadamen- te 15 - 40% em cirurgias gerais até 60 - 80% em cirurgias ortopédicas, quando não realizada profilaxia, ao se realizar uma busca ativa. A profilaxia diminui essa incidência em até 80%. A avaliação do risco deve ser realiza- da preferencialmente durante a ava- liação pré-operatória ambulatorial ou no momento da admissão do pacien- te e deve seguir algum dos algorit- mos das diretrizes para terapia anti- trombótica e prevenção de trombose do American College of Chest Physi- cians (Tabela 6 e Figura 2). 18AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA 1 PONTO 2 PONTOS 3 PONTOS 5 PONTOS Idade 4-60 anos Idade 61 - 74 anos Idade > 75 anos AVC (< 1 mês) Pequenas cirurgias Artroscopia História de TVP/ TEP Artroplastia maior eletiva dos membros inferiores IMC > 25 kg/m² Cirurgia geral > 45min História familiar de trombose Fratura de quadril, pele ou membros inferiores Edema de membros inferiores Neoplasia Fator V de Leiden Traumatismo agudo da medula espinal (< 1 mês) Varizes Imobilização (>72h) Protrombina mutante Gravidez ou pós-parto Acesso venoso central Anticoagulante lúpico Abortamento espontâneo recorren- te ou sem causa aparente Anticorpo anticardiolipina Uso de anticoncepcional oral ou terapia de reposição hormonal Hiper-homocistei- nemia Sepse (1 mês) Trombocitope- nia induzida por heparina Doença Pulmonar (1 mês), incluindo pneumonia Função pulmonar alterada IAM Insuficiência cardraca congestiva (1 mês) Doença inflamatória intestinal Paciente clínico acamado Tabela 6. Escore de Caprini. Fonte: Martins (2015) Escore: 0-1 ponto - risco muito baixo; 2 pontos - risco baixo; 3-4 pontos - risco moderado; ≥ 5 pontos - risco alto. 19AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Fonte: Martins (2015) ALGORITMO DE AVALIAÇÃO DO RISCO TROMBOEMBÓLICO Risco baixo > 60 anos < 40 anos40-60 anos CIRURGIA DE PORTE MÉDIO E ALTO Cirurgia de pequeno porte, duração < 60 aminutos, internação ≤ 2 dias, sem restrição de mobilidadeCirurgia de alto risco NÃOSIM Risco intermediário Risco baixo NÃOSIM Risco alto Risco intermediário IDADE Endoscópica Laparoscópica Superfiial (mama, dermatológica, plástica) Oftalmológica Fatores de risco para TEV Fatores de risco para TEV?Risco alto Artroplastia total de quadril Artroplastia total de joelho Fratura de quadril Oncológica curativa Trauma raquimedular Politrauma 20AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Profilaxia:A profilaxia farmacológica do tromboembolismo venoso deve ter como princípio o uso da medicação adequada, com início no momento adequado, na dose adequada e pelo tempo necessário. Essa opção é mais eficaz que a profilaxia mecânica e deve ser usada sempre que possível. Pode-se associar a profilaxia mecâni- ca à farmacológica, especialmente em pacientes de alto risco. Para pacien- tes de alto risco com contraindicação à profilaxia farmacológica, deve-se preferir mecanismos de compressão pneumática intermitente ao uso de meias elásticas. O início da profilaxia deve ser feito conforme segue: • Para pacientes de alto risco: pre- ferencialmente, 12 horas antes do procedimento (caso não tenha sido realizada antes, 12-24 horas após o procedimento); • Para pacientes de risco moderado: em caso de anestesia geral: 2-4 horas antes do procedimento; em caso de bloqueio neuroaxial: pelo menos 2 horas após o bloqueio; caso não seja realizada antes do procedimento, iniciar 12-24 horas após a cirurgia. As medicações e os esquemas a se- rem utilizados são apresentados na Tabela 7. Nas artroplastias de qua- dril e joelho, há a possibilidade de uso de anticoagulantes orais, como a rivaroxabana (10 mg/dia, iniciar 6-8 horas após o procedimento); dabiga- trana (220 mg/dia, iniciar 1-4 horas após o procedimento); (apixabana 2,5 mg, a cada 12 horas, iniciar 12-24 horas após o procedimento). SE LIGA! Existem algumas contrain- dicações à profilaxia farmacológica. As absolutas são hipersensibilidade aos anticoagulantes; trombocitopenia indu- zida por heparinas ≤ 100 dias (no caso de uso de heparinas); sangramento ativo (incluindo AVC hemorrágico, 2-4 dias); bloqueio espinal ou coleta de liquor ≤ 2 horas. As contraindicações relativas são plaquetopenia < 100.000/mm³; co- agulopatia; HAS não controlada (>180 x 110 mmHg). O tempo indicado para a profilaxia varia conforme o tipo de cirurgia. Em cirurgias em geral deve durar 7 - 10 dias ou enquanto houver risco. No caso de cirurgias oncológicas com in- tuito curativo deve ser mantida por 4 semanas. Tratando-se de artroplas- tias, nas situações de artroplastias de joelho deve durar pelo menos 10 - 14 dias, sugerindo-se a extensão por 4 - 5 semanas; no caso de artroplastia de quadril, deve durar 4 - 5 semanas. É importante salientar que a profilaxia deve ser mantida pelo tempo indica- do mesmo que o paciente tenha alta hospitalar. 21AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA DROGA RISCO INTERMEDIÁRIO RISCO ALTO Heparina não fracionada 5.000 UI, SC, a cada 12 horas 5.000 UI, SC, a cada 8 horas Enoxaparina 20 mg, SC, 1X/dia 40 mg, SC, 1X/dia Dalteparina 2.500 UI, SC, 1X/dia 5.000 UI, SC, 1X/dia Nadroparina 1.900 UI, SC, 1X/dia se peso < 70 kg 2.850 UI, SC, 1X/dia se peso ≥ 70 kg 3.800 UI, SC, 1X/dia se peso < 70 kg 5.700 UI, SC, 1X/dia se peso ≥ 70 kg Fondaparinux 2,5 mg, SC, 1X/dia 2,5 mg, SC, 1X/dia Tabela 7. Doses de medicamentos para a profilaxia do TEV. Fonte: Martins (2015) SAIBA MAIS! Em situações de insuficiência renal com clearance de creatinina < 30mL/min, a profilaxia deve ser realizada idealmente com heparina não fracionada com controle de TTPa (que não deve se alterar) ou heparina de baixo peso molecular com controle de atividade antifator Xa (que deve estar <0,5 UI/mL). A redução da dose de heparina de baixo peso molecular pela metade é uma opção às alternativas anteriores. Não existem dados sobre a segurança do uso de apixabana e rivaroxabana em pacientes com clearance < 50 mL/min. A dose de dabigatrana deve ser reduzida para 150 mg/dia em pacientes com clearance de 30 - 50 mL/min. Nenhum deles deve ser usado com clearance < 30 mL/min. 3. MANEJO DOS MEDICAMENTOS No pré-operatório, é importante sem- pre fazer a revisão completa das medi- cações utilizadas pelo paciente. Deve ser incluído o uso de medicações sem prescrição, álcool, tabaco e drogas ilícitas. Ao manejar tais medicações, deve-se lembrar que medicações cuja interrupção abrupta seja sabidamen- te mórbida devem ser mantidas e que alterações fisiológicas decorrentes do estresse cirúrgico podem modificar o metabolismo de drogas. Deve-se considerar substituição para vias parenterais em casos de alitera- ção na absorção gastrointestinal ou jejum prolongado. As medicações que não são essenciais em curto pra- zo devem ser suspensas. Beta-bloqueadores: Sua interrup- ção abrupta pode levar a taquicardia reflexa e hipertensão. Há indicações para sua introdução no período pré- -operatório para proteção cardiovas- cular. Recomenda-se manter o uso, inclusive no dia da cirurgia. Deve-se 22AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA considerar sua substituição por agen- tes EV (p. ex., metoprolol, propranolol) em caso de jejum prolongado. Inibidores da enzima converso- ra da angiotensina e bloqueado- res do receptor de angiotensina lI: Sua manutenção está associada a risco de: hipotensão (pelo bloqueio da resposta do sistema renina-an- giotensina-aldosterona à perda volê- mica), deterioração da função renal e hiperpotassemia. A suspensão do uso, por sua vez, é associada à hipertensão no pós-ope- ratório. Recomenda-se manter o uso, inclusive no dia da cirurgia, se a indi- cação for por hipertensão. Se a indi- cação for por insuficiência cardíaca e PA basal for baixa, deve-se suspen- der o uso no dia da cirurgia. Pode-se considerar trocar por agente de meia- -vida mais curta, como captopril, para facilitar o manejo pós-operatório. Bloqueadores dos canais de cál- cio: Sua associação com aumento de sangramentos e anemia é controver- sa. Interrupção abrupta do uso mos- trou risco de vasoespasmo em es- tudo de cirurgia de revascularização miocárdica. Estudos em cirurgia não cardíaca mostraram diminuição de arritmias atriais e isquemia com o seu uso. Re- comenda-se manter o uso, inclusive no dia da cirurgia. Podem ser subs- tituídos por agentes EV somente se houver indicação por complicações como hipertensão ou arritmias. Diuréticos: Sua manutenção está associada a risco de: hipovolemia, hipotensão (depleção do volume in- travascular pode potencializar efeito hipotensor de anestésicos) e hipopo- tassemia. Recomenda-se manter o uso e suspendê-lo no dia da cirurgia. Podem ser utilizados EV para manejo de hipervolemia e congestão no perí- odo perioperatório. Alfa-2-agonistas: Sua suspensão pode levar a hipertensão grave e is- quemia miocárdica. Há benefício com o seu uso por conta de suas proprie- dades analgésicas, sedativas e ansio- líticas, como adjuvantes. Recomen- da-se manter o uso, inclusive no dia da cirurgia. Estatinas: Sua manutenção aumen- ta o risco de miopatia. Há indicações para introdução de estatinas no perí- odo pré-operatório para proteção car- diovascular. Recomenda-se manter o uso, inclusive no dia da cirurgia. Outros hipolipemiantes, como niacina e fibratos podem causar rabdomióli- se. Recomenda-se suspender o uso dessas drogas no dia da cirurgia e re- tomá-lo no retorno à dieta oral. 23AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Controle glicêmico perioperatôrio Os portadores de diabetes devem ser preferencialmente operados no 1° horário do dia, especialmente os usuários de insulina. Hipoglicemias e variabilidade glicêmica devem ser evitadas. A glicemia capilar deve ser monito- rizada a cada 6 horas em pacientes usuários de hipoglicemiantes VO e a cada 4 horas em usuários de insulina. O objetivo é manter glicemias de 100 - 180 mg/dL (ao redor de 140 mg/dL). Em pacientes usuários de medicações VO com Hb glicada (HbA1c) ≥ 9%, deve-se considerar adiar a cirurgia ou controlar de forma breve com insulina. O ajuste ou a introdução de medica- ções VO não são indicados para o rápi- do controle glicêmico intra-hospitalar. As medicações VO têm lento início de ação, além de possuir limitações para alguns pacientes, como portadores de insuficiência cardíaca e/ou insuficiên- cia renal. A melhor forma de fazê-lo é por meio da insulinização em diver- sos esquemas (insulina basal-prandial com correção de glicemias).Antidiabéticos orais: Medicações antidiabéticas VO e injetáveis que não a insulina (p. ex., exenatida) de- vem ser mantidas até a véspera da ci- rurgia, com suspensão na manhã da cirurgia, uma vez que as sulfoniureias aumentam o risco de hlpoglicemia, a metformina é contraindicada em situações em que haja risco de hipo- perfusão tecidual, as tiazolinedionas aumentam o edema e podem precipi- tar insuficiência cardíaca, e os inibido- res de DPP-IV e análogos de GLP-1 alteram a motilidade gastrointestinal. Insulinas: No caso de insulinas NPH, detemir e glargina, a dose noturna pode ser mantida. Na manhã da ci- rurgia, deve-se administrar: • 2/3 da dose da insulina NPH ou lenta se for operar no 1° horário; • 1/2 da dose da insulina NPH ou lenta se for operar pela manhã; • 1/3 da dose da insulina NPH ou lenta se for operar à tarde. A insulina rápida ou ultrarrápida deve ter as doses prandiais fixas suspen- sas, e o esquema escalonado é manti- do enquanto o paciente estiver em je- jum, conforme a HGT. Para o esquema escalonado em jejum, sugerem-se: • 141-180 mg/dL: 1 UI; • 181-200 mg/dL: 2 UI; • 201-250 mg/dL: 3 UI; • 251-300 mg/dl: 4 UI; • 301-350 mg/dL: 6 UI; • 351·400 mg/dL: 8 UI; • 401 mg/dL: Considerar o uso de insulina EV em bomba ou adiar a cirurgia eletiva até melhor controle. 24AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Em casos com glicemia < 100 mg/dL, deve-se instalar aporte de glicose de 5-10 g/h (p. ex., 100 mL/h de SG5%) ou introduzir aporte de glicose de 75-125 mL/h de SG 5% no início do jejum com uso de insulina conforme glicemia capilar. Em casos de glicemia < 70 mg/dL, deve-se administrar bolus de 60 mL glicose hipertônica a 25%, EV; ins- talar aporte de glicose em 5-10 g/h (preferir 10 g/h); e repetir glicemia ca- pilar a cada 15 minutos até glicemia > 80mg/dL. A Tabela 8 resume como deve ser o manejo de alguns medicamentos no pré-operatório. DROGAS TEMPO DROGAS TEMPO AAS* 7 dias ACO Não interromper Clopidogrel** 7 dias Drogas para doença psiquiátrica Não interromper Ticlopidina** 14 dias Colírios Usar no dia Warfarina 4 dias Drogas para DRGE Não interromper Betabloqueadores Não interromper Drogas para Asma Não interromper iECA e BRA Individualizar Corticóides Não interromper Diuréticcos Interromper no dia Medicamentos tópicos Interromper no dia Hipoglicemiantes orais Interromper no dia Sildenafil ou similares Interromper 24h antes Estatinas Não interromper Inibidores da COX-2 Não interromper Digoxina Não interromper AINE’s (Não-seletivos) Interromper 48h antes Drogas para doença tireoideana Não interromper Inibidores da MAO Não interromper *** * Continuar se os riscos de eventos cardíacos forem maiores que de sangramento, como, por exemplo, pacientes com doença coronariana ou cerebrovascular importante. ** Vide recomendações específicas na Tabela 4 no caso de portadores de stent. *** Selecionar drogas anestésicas com cuidado pelo risco de síndrome serotoninérgica maligna. Tabela 8. Drogas e tempo de suspensão antes do procedimento. Fonte: Carvalho (2016) 4. CLASSIFICAÇÃO DAS CIRURGIAS E USO DE ANTIBIOTICOPROFILAXIA A profilaxia antibiótica adequada em cirurgia depende dos patógenos mais comumente encontrados durante o procedimento cirúrgico. O tipo de procedimento (Tabela 9) é útil na de- cisão do espectro de antibiótico ade- quado e deve ser considerado antes da prescrição ou administração de qualquer medicação pré-operatória. 25AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA A profilaxia antibiótica perioperatória, geralmente, não deve ser continuada além do dia da operação. CLASSIFICAÇÃO CARACTERÍSTICAS TAXA DE INFECÇÃO Limpas (Classe I) Não traumática 2,10% Sem inflamação Sem quebra na técnica Trato respiratório, digestório ou geniturinário não abordados Limpa-contamina- das (Classe II) Trato gastrointestinal ou respiratório abordado sem danos significativos 3,30% Contaminadas (Classe III) Grande quebra da técnica 6,40% Grande dano do trato gastrointestinal Ferida traumática, fresca Entrada dos tratos geniturinário ou biliar na presença de urina ou bile infectada Sujas e infectadas (Classe IV) Inflamação bacteriana aguda, sem pus 7,10% Secção de tecido “limpo” a fim de ter acesso cirúrgico para a coleta de pus Ferida traumática com tecido desvitalizado retido, corpos estranhos, contaminação fecal ou tratamento tardio, ou todos estes, ou de uma fonte suja Tabela 9. Classificação das Feridas Operatórias e Taxas de Infecção da Ferida. Fonte: Townsend (2014) Geralmente, antibióticos profiláticos não são necessários para casos de feridas limpas (classe I), exceto quan- do há implante de próteses de longa permanência ou quando há osteoto- mia. No caso de procedimentos vide- olaparoscópicos classe I, pode haver indicação de profilaxia antibiótica nos casos que resultam na colocação de um enxerto protético (i.e., tela), como em uma herniorrafia laparoscópica. Os pacientes submetidos a procedi- mentos de classe II se beneficiam de uma única dose do antibiótico apro- priado administrado anteriormente à incisão da pele. Em geral utiliza-se a ce- fazolina para os casos abdominais (he- patobiliar, pancreático, gastroduode- nal). Casos com feridas contaminadas (classe III) requerem preparo mecânico ou antibióticos parenterais com ativi- dade tanto aeróbica quanto anaeróbi- ca. Esta abordagem deve ser seguida 26AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA tanto nos casos de cirurgia abdominal de emergência, como na suspeita de apendicite e em casos de trauma. Casos com feridas sujas ou infecta- das geralmente requerem o mesmo espectro de antibióticos, que podem ser continuados no período pós-ope- ratório nos quadros de infecção per- sistente ou tratamento tardio. O antibiótico apropriado deve ser es- colhido anteriormente à operação e administrado 60 min antes que seja feita a incisão na pele (120 minutos para vancomicina ou fluoroquinolo- nas). Se um agente com meia-vida cur- ta for usado (por exemplo, cefazolina, cefoxitina), ele deverá ser novamente administrado se a duração do proce- dimento exceder o intervalo de tempo de readministração recomendado (a partir do início da dose pré-operató- ria). A readministração também pode ser necessária se ocorrer sangramen- to prolongado ou excessivo ou se hou- ver outros fatores que podem reduzir a meia-vida do agente profilático (por exemplo, queimaduras extensas). Po- rém, vale lembrar que a função renal do paciente pode alterar a posologia de administração do antibiótico. Para pacientes com colonização por Staphylococcus aureus resistente à meticilina, é razoável adicionar uma dose única pré-operatória de vanco- micina ao esquema recomendado. Com um trato biliar infectado, cober- tura antimicrobiana adicional deve ser considerada. O uso de ceftriaxo- na deve ser limitado a pacientes que necessitam de tratamento antimicro- biano para colecistite aguda ou infec- ções agudas do trato biliar e não a ca- sos de cólica biliar ou discinesia sem infecção. Os fatores que indicam um alto risco de complicações infecciosas na co- lecistectomia laparoscópica incluem procedimentos de emergência, dia- betes, duração de longo procedi- mento, ruptura intra-operatória da vesícula biliar, idade superior a 70 anos e conversão de colecistectomia laparoscópica em aberta. É razoável administrar uma dose única de pro- filaxia antimicrobiana a todos os pa- cientes submetidos à colecistectomia laparoscópica. A profilaxia não é rotineiramente in- dicada para procedimentos braquio- cefálicos. Embora não haja dados para apoiá-lo, pacientes submetidos a procedimentos braquiocefálicos envolvendo próteses vasculares ou implante de adesivo (por exemplo, endarterectomia de carótida) podem se beneficiar da profilaxia. Essas dire- trizes refletem recomendações para profilaxia antibiótica perioperatória para prevenir infecções de sítio cirúr- gico e não fornecem recomendações para prevenção de infecções opor- tunistas em pacientes transplanta- dos imunossuprimidos (porexemplo, para medicamentos antifúngicos ou antivirais). 27AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA < 40 ANOS DPOCHEPATOPATA HAS, DRC e/ou IC OBESIDADES DIABÉTICOS EM ANTICOAGULAÇÃO PACIENTES SEM COMORBIDADES HISTÓRIA DE SANGRAMENTO RISCO TROMBOEMBÓLICO RISCO PULMONAR RISCO CARDÍACO RISCO GERAL AVALIAÇÃO PRÉ- OPERATÓRIA > 40 ANOS GJ Na e K TP/TTPa HMG ECG Cr RX de Tórax HMG TP/TTPa ECG Cr GJ ECG GJ ECG Cr Na e K TP/TTPa HMG BT e frações ALBUMINA Cr RX de Tórax ESCORE DE CAPRINI RISCO PNEUMONIA RISCO IRpA ALGORITMO AHA/ACC CLASSIFICAÇÃO ASA Cr TP/TTPa HMG HMG TP/TTPa 28AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Carvalho AM et al. Protocolo de Avaliação Pré-Anestésica da Maternidade Escola Assis Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará. 2016. Cohn SL et al. Evaluation of Cardiac Risk Prior to Noncardiac Surgery. UpToDate, 2020. Martins MA et al. Manual do Residente de Clínica Médica. 1. ed., Barueri, SP: Manole, 2015. Townsend CM et al. Sabiston Tratado de Cirurgia: A Base Biológica da Prática Cirúrgica Mo- derna. 19. ed. Saunders - Elsevier, 2014. 29AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
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