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Bruna Altvater Saturnino XLII – 2021.2 -1 17.08.21 INTRODUÇÃO As doenças da reumatologia foram reunidas nessa especialidade, pois são doenças que causam dor articular. CASO CLÍNICO ID: L.I.S., homem, branco, 39 anos, casado, natural e procedente de São Paulo. QP: Dor em tornozelo E. HDA: Paciente dá entrada no AMA referindo quadro de dor em tornozelo E iniciado há 8 horas no meio da madrugada ao chegar em casa proveniente do bar onde passara todo o dia de ontem. Dor teve progressão rápida atingindo seu máximo em cerca de 4 horas. Associado a dor, percebeu aumento de volume no mesmo tornozelo, ficando inclusive incapacitado de calçar seu calçado. Refere dois episódios prévios semelhantes (um deles há 5 anos e um deles há 1 ano) de dor e aumento de volume agudos em primeiras metatarsofalangianas (primeiro episódio à D / segundo episódio à E). Quadro de dor articular aguda (há 8 horas). Dor articular + aumento de volume de uma estrutura articular (sinóvia, líquido sinovial...) artrite (não é necessário ter os outros sinais flogísticos – dor, rubor, edema e calor). Porém, na hora do exame físico é importante observar se o aumento de volume é articular, pois pode ser periartiular, ao redor das articulações existem diversas estruturas, como tendões, ligamentos, tecido subcutâneo. É uma crise aguda de uma doença recorrente. Monoartrite aguda. ISDAS: • Nega faringite recente. Nega queixas oculares. • Nega queixas neurológicas, respiratórias, cardiovasculares, gastrintestinais, genitourinárias e cutâneas. Nega faringite recente febre reumática, quadro mais comum em crianças e adolescentes. Pode causar artrite. Nega queixas oculares algumas doenças reumatológicas que causam artrite aguda cursam com conjuntivite, por exemplo, Síndrome de Reiter. É uma artrite reativa, a pessoa tem uma infecção geniturinária ou gastrointestinal por determinadas bactérias, o sistema imune monta uma resposta contra a infecção. A infecção vai embora, mas aquela resposta montada faz inflamar estruturas do próprio corpo, por isso é chamada de artrite reativa. AP: • HAS / DM / Dislipidemia / Obesidade grau I. • Faz uso de hidroclorotiazida, atenolol, sinvastatina e metformina. Paciente com síndrome metabólica. Utilizando diurético. História social e hábitos: trabalhador da construção civil / etilista 3 garrafas de cerveja/dia. EF: • BEG, afebril, corado, hidratado. • AC: RCR 2T BNF sem sopros. • AP: MV + bilat sem RA. • Abdome: plano, RHA+, depressível, sem massas ou visceromegalias. • Marcha: deambula com dificuldade, sem apoiar pé E por completo (incapacidade funcional devido a dor). • Músculo Esquelético: aumento de volume em tornozelo E, com restrição à movimentação passiva e ativa, eritema e calor na topografia da articulação. • Pele: sem alterações. Movimentação passiva: o paciente examinado não exerce nenhuma força muscular, quem faz o movimento é o examinador. Movimentação ativa: o próprio paciente faz a contração muscular para haver o movimento. Situações periarticulares (ao redor da articulação) Exemplo: tendinite. O paciente quando faz uma contração muscular na movimentação ativa, ele exerce um estresse sobre o tendão, se o tendão estiver inflamado, ele tem dor. Então o paciente com uma tendinite vai sentir dor na movimentação ativa da articulação que estiver envolvida. Já na movimentação passiva, o paciente não faz contratura muscular, ele não mexe/força o tendão. Dessa forma, em situações de tendinite, o paciente não tem dor na movimentação passiva. Por exemplo, uma síndrome do manguito rotador, o paciente se queixa de dor para movimentar, mas ao realizar uma movimentação passiva, é possível realizar uma amplitude maior do movimento sem ter dor. A articulação mexe sendo o paciente realizando a força, seja o examinador a fazendo. Aumento de volume + restrição (dor) à movimentação passiva e ativa − confirma-se que é uma artrite. Na maioria das vezes vai ter líquido dentro da articulação, líquido inflamatório. Esse líquido que estressa/distende a cápsula articular levando a dor e a restrição de amplitude de movimento. O aumento de pressão impede com que a articulação faça o movimento normal dela. Bruna Altvater Saturnino XLII – 2021.2 -2 QUAL A CONDUTA? Tornozelo direito normal. Tornozelo esquerdo com aumento circunferencial (artrite). Qual a conduta nesse caso? a. Anti-inflamatório e alta; b. Antibiótico e alta; c. Atestado e alta; d. Artrocentese. ARTROCENTESE TODA MONOARTRITE AGUDA DEVE SER PUNCIONADA. • Diagnóstico e terapêutico; • Descartar ARTRITE SÉPTICA (alta mortalidade). Exemplo: No caso da articulação desse paciente, caso se realize a punção e observe que não é um líquido infeccioso, ou seja, é um líquido com viscosidade normal, não está opaco, nem turvo, já pode- se pensar que não é uma artrite séptica e então injetar corticoide para resolver o problema do paciente. Além de que apenas com a retirada do líquido da articulação, já gera um grande alívio para o paciente. Mas o maior motivo para realizar a punção é descartar a artrite séptica. Descarta-se a artrite séptica devido a alta mortalidade. Pacientes acima dos 60 anos, 25 – 30% de mortalidade. Essas pessoas não podem receber alta, precisam ficar internadas. Monoartrite aguda – diagnósticos diferenciais artropatias induzidas por cristais e artrite séptica. American Family Physician Pensou-se em monoartrite aguda através da história e exame físico (dor, aumento de volume, restrição da movimentação ativa e passiva) ou também pode ser perguntado ao paciente se ele tem alguma história de trauma/dor recente em osso, se sim, pode-se pensar em pedir um exame de imagem primeiro, e pensar em diagnósticos traumáticos ou em outras doenças (osteoartrite ou condrocalcinose). Poderia também ser realizado exames de laboratório, por exemplo, hemograma, PCR, VHS e nível de ácido úrico. Presença de derrame articular ou inflamação (joit effusion or inflammation) artrocentese. REALIZADA A ARTROCENTESE Líquido sinovial: • Aparência: amarelo citrino / viscosidade diminuída. • Celularidade: 60.000 céls (95% PMNs - polimorfonucleares). Com a aparência e a celularidade é possível classificar o líquido sinovial (I – IV): O líquido sinovial normal é viscoso. O líquido sinovial que existe em pouca quantidade na articulação, ele precisa ter uma viscosidade para ter suas propriedades elásticas, para então fornecer para a articulação uma harmonia no movimento. Esse líquido é rico em glicosaminoglicanos e aminoglicanos e isso dá uma viscosidade que é natural no líquido sinovial. Então o líquido normal não inflamatório tem uma viscosidade elevada. Quanto mais inflamatório, menos viscoso. Para saber se o líquido é viscoso, é possível colocá-lo em uma cuba/pia, e observa-se como ele se comporta para analisar o quanto ele escorre. A classificação dessa paciente do caso é II – líquido inflamatório. Bruna Altvater Saturnino XLII – 2021.2 -3 • Bacterioscopia: NEGATIVO. • Cultura: NEGATIVA (resultado não sai imediatamente). PESQUISA DE CRISTAIS: Presença de cristais pontiagudos com birrefringência negativa (característica desse tipo de cristal), alguns fagocitados por macrófagos. Cristais de monourato de sódio que causam a gota. EXAMES A SOLICITAR NO LÍQUIDO SINOVIAL: • Celularidade total e diferencial; • Bacterioscopia (Gram); • Culturas; • Pesquisa de cristais (luz polarizada). ARTROPATIAS INDUZIDAS POR CRISTAIS ARTROPATIAS MICROCRISTALINAS = ARTROPATIAS INDUZIDAS POR CRISTAIS = DOENÇAS INDUZIDAS POR DEPOSIÇÃO DE CRISTAIS A palavra “artropatia” não está tão adequada, pois a doença não é apenas articular, pode ser periarticular também. Dessa forma,a denominação mais correta é Doenças Induzidas por Deposição de Cristais. Grupo de enfermidades articulares e periarticulares ocasionadas por inflamação induzidas pela presença de cristais nesses tecidos. Ácido úrico. Cristal de monourato de sódio. Pirofosfato de Cálcio. Cristal que não brilha. Bruna Altvater Saturnino XLII – 2021.2 -4 Hidroxiapatita GOTA Artropatia por cristais de Ácido Úrico (monourato de sódio). É uma doença que pelo fato de ela depender da formação de cristais de ácido úrico, ela precisa de alguns pré-requisitos. Um deles é que o ácido úrico no corpo do paciente esteja em uma concentração acima do estado de saturação normal do ácido úrico. Todos os seres humanos possuem ácido úrico, em situações normais, ele está totalmente dissolvido. Ele não vai gerar formação de cristais. No entanto, em situações anormais de excesso de concentração ou de algumas outras mudanças físico-químicas que podem ocorrer, esse ácido úrico pode levar a formação de monourato de sódio que então cristaliza. Hiperuricemia: • > 7,0 mg/dL (homens); • > 6,5 mg/dL (mulheres); • 6,8 mg/dL é a saturação de urato nos líquidos corporais. Epidemiologia: Homens / Pico na quinta década de vida / Raro em mulheres antes da menopausa. Homens possuem naturalmente ácido úrico mais elevado. Quando presente em mulher, ela possivelmente terá alguma situação renal, congênita de distúrbio do ácido úrico ou mulheres no pós- menopausa (ácido úrico começa a subir). A presença de estrogênio aumenta a excreção renal de ácido úrico. Então, na menopausa a mulher acaba retendo mais ácido úrico, diminui a uricosúria. Temperatura mais baixa é uma das coisas que “joga” o ponto de saturação do ácido úrico para baixo e o paciente pode ter crise mesmo em níveis séricos constantes com mudança apenas do fator físico-químico a que o ácido úrico foi submetido. pH mais ácidos diminuem o ponto de saturação. Por isso há mais gota no dedão do pé, pois é o local mais distante do calor do corpo e é a articulação que está mais submetido a traumas repetitivos. Então, a primeira metatarsofalangeada – “joanete” está submetida a microtraumas e tecidos que tem lesões tem pH mais baixo, dessa forma, é uma predisposição para ter gota. Assim como tantos elementos do corpo, o ácido úrico tem as vias de equilíbrio. Tem uma maneira através da qual ele tenderia a subir, chamada de “produção” e a via através da qual ele seria eliminado do copo chamada de “excreção”. Se há um equilíbrio perfeito entre produção e excreção, mantem-se o nível constante de ácido úrico. A partir do momento que há um aumento da produção ou uma diminuição da excreção, o nível de ácido úrico sobe. A porcentagem acima na imagem significa quanto que cada um desses processos participa estatisticamente das hiperuricemias vistas na população. De 20 – 30% são pacientes hiperprodutores e 70 – 80% são hipoprodutores. O alopurinol que é a grande medicação utilizada para diminuir ácido úrico age na produção. Ao passo que se fosse pensar no mecanismo fisiopatológico deveria-se agir mais na excreção. A cada 100 pacientes que tem gota 95 tomam alopurinol e apenas 5 tomam narcaricina que é o agente que aumenta a excreção. ´ Pergunta: A gota tem relação com o excesso de ingestão de proteínas? Não é a proteína diretamente, mas o ácido úrico é o produto final da clivagem das purinas. As purinas são bases nitrogenadas que estão presentes nos ácidos nucleicos. Ao quebrar ácido nucleico sai as bases purínicas e pirimidínicas. A guanina e a adenina que são as purínicas é que o vai levar a formação do ácido úrico, através de um processo enzimático complexo, uma das fases desse processo é regulada pela xantina oxidase, que é a enzima que o alopurinol trabalha. Dessa forma, ao ingerir carne, o problema não é a proteína isolada, mas sim o ácido nucleico presente nas células da carne que ao ser quebrado leva a formação do ácido úrico. Vias de produção: 1/3 advém da dieta e 2/3 advém do turn over endógeno dos ácidos nucleicos. O paciente pode realizar a dieta mais restrita do mundo e o ácido úrico vai baixar aproximadamente 10% e isso não é o suficiente, pois apenas 1/3 é dieta, o restante são as células morrendo e células novas sendo criadas todos os dias dentro do corpo. Excreção: Bruna Altvater Saturnino XLII – 2021.2 -5 1/3 é por excreção intestinal, que é menos importante, já que não é possível mexer com o tratamento. E 2/3 é por excreção renal que é possível alterar, por exemplo, como a nacaricina. As duas fases finais são reguladas pela enzima xantina oxidase (4) que é a enzima bloqueada pelo alopurinol. As purinas são quebradas em bases purínicas xantina ácido úrico. Embaixo há uma fase que não há no ser humano, está presente no intestino de aves. Existe uma enzima chamada de urato oxidase (uricase), essa enzima quebra o ácido úrico em alantoina. Essa alantoina é liberada livremente na cloaca. Ao isolar a uricase, criaram-se medicações uricase recombinantes que podem ser utilizadas em casos de exceções (não é a gota do dia a dia), pois são medicações caras, mas são medicações incríveis. O ácido úrico é todo filtrado. 99% são reabsorvidos no túbulo proximal. 50% é ressecratado na alça de Henle. Desses 50% que sobra, 80% é ressecretado e sobra no final 10% de ácido úrico, mas em alguns pacientes sobra menos, são os hipoexcretores (acumulam ácido úrico). Isso já dá uma ideia de como investigar. Exemplo: paciente com 13% ácido de úrico, de onde vem isso? Após ter dosado no soro, se dosa na urina. Se tiver alto no soro, deve estar alto na urina. A resposta fisiológica é essa, é uma das formas de equilíbrio. Se o paciente tem muito alto no soro e na urina está normal ou baixo, significa que o rim não está dando conta do ácido úrico, é um paciente hipoexcretor. É feita essa comparação e então observa-se se o paciente é hipoexcretor ou hiperprodutor. A hiperuricemia é um pré-requisito para formar cristais de urato, mas outras coisas interferem na cristalização, por exemplo, temperatura, pH e concentração (fatores físico-químicos). PATOGENESE: INFLAMAÇÃO INDUZIDA PELO CRISTAL DE URATO O cristal como elemento estranho é reconhecido por fagócitos, é fagocitado, aquele fagócito é ativado, libera muitas citocinas e quimiocinas que vão atrair outras células inflamatórias para o local onde houve a fagocitose. E, então, começa uma cascata explosiva de inflamação que é uma crise de gota. LOCAIS DE CRISE DE GOTA No geral áreas distantes do centro de calor do corpo, áreas mais submetidas a traumas repetitivos, então, áreas que suportam carga (membro inferior). Bruna Altvater Saturnino XLII – 2021.2 -6 Primeira crise - local mais frequente: 1ª metatarsofalangeana – Podagra. Gonagra – joelho. Dorso do pé o tornozelo. GOTA AGUDA INTERMITENTE GOTA TOFÁCEA CRÔNICA Gota aguda intermitente (há períodos que o paciente não tem sintoma nenhum): • Monoartrite hiperaguda; • Autolimitada / Intervalo intercrítico prolongado; • Quanto mais distal mais típico (MMII – dedão do pé, dorso do pé, tornozelo, joelho); • Fatores desencadeantes (bebida alcóolica, desidratação, medicações (aspirina, diuréticos), trauma). Em geral chega ao máximo de dor no primeiro dia de dor. São quadros autolimitados, tratando ou não tratando ela vai sumir (3 – 7 dias). O intervalo intercrítico no começo é prolongado (como no paciente do caso, teve uma crise, depois de 4 anos teve outra...). Evolução: • Redução dos intervalos intercríticos (por exemplo, eram 4 anos, passa a ser 1 ano). • Acometimento oligo e depois poliarticular. • Crises atípicas (antes eram autolimitas em 5 – 7 dias, agora a dor dura 20 dias). Isso acontece, pois o pacientefica submetido aos fatores que levaram ele a ter gota (hiperuricemia, cristalização de monourato de sódio e deposição do monourato nas articulações). Durante o tempo que ele não tratou direito, que não baixou o ácido úrico, apenas tratou a crise, fica grudando cada vez mais monourato de sódio e em mais articulações. A doença vai se tornando pior, até o momento que passa a não ter mais uma gota agudo intermitente, mas sim uma doença perene – gota tofácea crônica. Gota tofácea crônica: • Poliartrite; • Crises perenes (o tempo todo); • Deformidades (devido a presença de tofos); • Tofos. Os tofos são aglomerados de cristais de monourato de sódio envolto por células do sistema fagocitário. Forma tipo um granuloma grande que se deposita principalmente em áreas extensoras (cotovelos, dorso das mãos, dorso do punho, dorso do pé). FATORES DESENCADEANTES DE CRISE Bruna Altvater Saturnino XLII – 2021.2 -7 • Libação alimentar (proteica – ácido nucleico) e alcoólica (cerveja); • Trauma articular; • Medicações (diurético, AAS, pirazinamida); • Desidratação e IRA. VOLTANDO AO CASO ID: L.I.S., homem, branco, 39 anos, casado, natural e procedente de São Paulo. QP: Dor em tornozelo E. HDA: Paciente dá entrada no AMA referindo quadro de dor em tornozelo E iniciado há 8 horas no meio da madrugada ao chegar em casa proveniente do bar onde passara todo o dia de ontem. Dor teve progressão rápida atingindo seu máximo em cerca de 4 horas. Associado a dor, percebeu aumento de volume no mesmo tornozelo, ficando inclusive incapacitado de calçar seu calçado. Refere dois episódios prévios semelhantes (um deles há 5 anos e um deles há 1 ano) de dor e aumento de volume agudos em primeiras metatarsofalangianas (primeiro episódio à D / segundo episódio à E). AP: • HAS / DM / Dislipidemia / Obesidade grau I. • Faz uso de hidroclorotiazida, atenolol, sinvastatina e metformina. História social e hábitos: trabalhador da construção civil / etilista 3 garrafas de cerveja/dia. DIAGNÓSTICO GOTA AGUDA: Líquido sinovial (inflamatório e com cristais pontiagudos com birrefringência negativa na luz polarizada – fagocitados por macrófagos) – PADRÃO-OURO – artrocentese. Padrão ouro: qualquer exame que tem o maior poder discriminante do diagnóstico de uma doença. É o exame que com mais certeza diz se o paciente tem ou não a doença. Quadro típico: • Inflamação articular súbita: pico de dor já no primeiro dia; • Comprometimento monoarticular; • Comprometimento de 1º MTF unilateral; • Mais de uma crise de artrite aguda. Existe uma EXCEÇÃO que é o quadro típico de gota, em que o paciente precisa obedecer a esses 4 critérios e então autoriza-se academicamente a não puncionar. GOTA TOFÁCEA: • Presença de tofos. Diagnóstico clínico, caso fique na dúvida realiza-se um RX (mas geralmente não é necessário. Diagnóstico diferencial: nódulo reumatoide, nódulo subcutâneos da febre reumática. Opera ou não opera? Geralmente não se opera, pois é um material bastante amorfo, não é algo que tem uma cápsula bem definida. Trata-se a gota muito bem, deixa o ácido úrico bem baixo e tende a diminuir relativamente bem. Recomenda-se a tirar quando há situação estética muito desagradável ou alguma superfície que o paciente esbarre muito. Locais em que há “buracos” no osso – erosão em saca-bocado (locais em que há o tofo). Observa-se através do aumento de densidade radiológica das partes moles. Essa erosão é muito diferente da artrite reumatoide, pois na gota há um buraco que é radiotransparente (diminui a densidade) e ao redor há osso esclerótico com aumento de densidade cálcica (fica mais branco). Então há uma área mais transparente dentro de uma área mais branca, isso dá um contraste grande para erosão. Na artrite reumatoide há um buraco que é radiotransparente, mas ao redor não tem osso esclerótica, tem osso que está todo osteopenico, então a erosão fica menos definida. Bruna Altvater Saturnino XLII – 2021.2 -8 Tofo. O joanete é uma protuberância da 1ª metatarsofalageana devido a um hálux valgo, que é algo que ocorre na artrose (degenerativo). A imagem parece um joanete, mas é devido ao tofo. Presença de erosão e aumento de densidade de partes moles (tofo). Nessa imagem parece que evoluiu para um hálux valgo. AVALIAÇÃO COMPLEMENTAR • Hiperuricemia (pode estar normal ou baixo durante crise). • RX: achados tardios (Gota Tofácea Crônica). • Uricosúria: definir mecanismo (HIPERPRODUTOR X HIPOEXCRETOR). O que pode ser feito para enriquecer o diagnóstico e preparar para tratar o paciente? Dosagem do ácido úrico no soro. Se o paciente tiver durante a crise uma hiperuricemia, fortalece a hipótese. No entanto, durante a crise pode estar normal ou até baixo (fenômeno misterioso). Muitas vezes ao ver o resultado do exame durante a crise, ele é deixado de lado para realizar outro quando parar a crise, para aí então utilizar como parâmetro para o tratamento. A uricosúria é a maneira pela qual será possível afirmar se o paciente é hiperprodutor (20 – 30%) ou hipoexcretor (70 – 80%). TRATAMENTO 1. Controle da crise: • AINE (ibuprofena, nimesulida, diclofenaco); • Colchicina; • Corticoide sistêmico / corticoide intra-articular (exemplo: metilprednisolona). No controle da crise não é o momento para “mexer” com o ácido úrico. Caso ele já esteja tratando, não se tira. MAS NÃO COMEÇA. A colchicina na gota inibe a polimerização de microtúbulos. Para um fagócito poder aderir a uma parede de um vaso, realizar a diapedese e chegar no ácido úrico, ele precisa dos microtúbulos. O microtúbulo polimeriza é como se a célula se deformasse e começasse a migrar. Ao inibir essa polimerização a célula não chega lá e com isso é possível “enxugar” o processo inflamatório em uma crise de gota. É por isso que se utiliza colchicina na doença de Behçet, por exemplo, que é uma doença reumatológica que é super neutrofílica. Ao dar um inibidor de microtúbulo, o neutrófilo perde muito da função dele. Bruna Altvater Saturnino XLII – 2021.2 -9 A colchicina tem muito menos efeito colateral do que anti- inflamatório. Em geral, os pacientes com gota têm hipertensão, diabetes, o rim já não funciona direito, faz ingestão de bebida alcóolica, que está com a mucosa gástrica toda agredida, então ao utilizar AINE submete o paciente a ter uma HDA, ao risco de uma IRA. Então, a colchina é mais inteligente e segura do que o AINE. A colchicina é mais efetiva o quanto antes for começada na crise. A colchicina não é muito nefrotóxica, o problema é que se o paciente está em IRA, a meia vida dela aumenta muito e o paciente pode ter mais efeitos colaterais (diarreia e vômito). Então, se ele toma a cada 24 horas, ele pode tomar uma vez a cada 48 horas. 2. Profilaxia de crise: • Colchicina; *Principalmente no início do hipouricemiante. Usa a colchicina para que o paciente não tenha uma nova crise, para dar um remédio que “mexa” no ácido úrico, não se quer que ele tenha outra crise. Por exemplo, ele trata a crise, suspende AINE, suspende corticoide e fica com a colchicina de 12 – 12 em horas, volta ao consultório com os exames e sem crise, e então começa o remédio para o ácido úrico. Prato cheio para ter crise: ao começar o hipouricemiante. Qualquer elevação ou queda brusca do ácido úrico é como se elas mobilizassem os cristais. Por isso esse é um bom momento para utilizar colchicina, para que o paciente evite novas crises. 3. Reduzir ácido úrico: • DIETA (pobre em purinas). • Hiperprodutores: inibidores de síntese (alopurinol e febuxostat) e uricases (rasburicase e pegloticase). • Hipoexcretores: uricosúricos (benzbromarona – narcaricina e lesinurad). **Não iniciar hipouricemiante durante a crise PODE PIORAR.ALVO: < 6,0 (não-tofáceos) / < 5,0 (tofáceos). Ao tirar o ácido úrico do paciente, o alvo não é tirar da circulação, mas sim do tecido. Mas o remédio diminui o ácido úrico do soro, por uma questão de diferença de concentração (difusão), aí então que o ácido úrico que está mais concentrado no tecido, vai para o meio mais concentrado que é o sangue e de lá vai para urina, e então para fora do corpo. No início: 100 mg de alopurinol por dia ou 100 mg de benzbromarona. E depois titula-se conforme a uricemia. Dose máxima alopurinol: 900 mg. Dose máxima narcaricina: 300 mg. 3 cenários que se pode agir: • Dieta • Proteína de origem muscular animal, embutido, miúdo, crustáceos; • Comidas ricas em frutose; • Bebida alcóolica – cerveja principal vilão (álcool e leveduras), vinho tinto não causa impacto). • Remédio (alopurinol e uricosúrico). Estatisticamente a dieta só reduz 10% do ácido úrico. O paciente faz a dieta por 1,2,3 meses, a gota fica subtratada com o remédio e depois o paciente volta para os hábitos normais e volta a ter crise (o professor não “se anima” muito com esse item, os pacientes normalmente não aguentam por muito tempo). O remédio pode agir na produção, naquela fase final, na conversão da hipoxantina xantina ácido úrico, utilizando o alopurinol. Ou na excreção renal que se utiliza o uricosúrico. 4. Controle de comorbidades (esteatose, DM, HAS, DLP): • Associação frequente com RESISTÊNCIA INSULÍNICA e SÍNDROME METABÓLICA. • Estudos indicam ÁCIDO ÚRICO como possível fator de risco cardiovascular. Hoje não existe uma recomendação do ponto de vista cardiovascular para tratar hiperuricemicos assintomáticos (ácido úrico elevado, mas não tiveram crise de gota). Porém, deve encaminhar para isso. A tendência é que se comesse a tratar o ácido úrico, mesmo sem gota. Essa etapa permeia em toda análise do paciente, desde a crise, profilaxia e depois o tratamento do ácido úrico. Estamos diante de um paciente que em todas essas fases têm muitas vezes comorbidades, principalmente comorbidades metabólicas (obesidade centrípeta, intolerância a glicose oral ou diabetes, HAS e aumento de LDL ou baixa de HDL). É importante se atentar isso e tratar o paciente como um todo. CASO CLÍNICO 2 ID: D.R., mulher, branca, 67 anos, desquitada, natural e procedente de Itaquera. QP: Dor em joelho D HDA: Paciente dá entrada no AMA referindo quadro de dor em joelho D há cerca de 6 meses. Refere que há 2 dias houve piora muito significativa da dor, inclusive com aumento de volume e calor local. Relaciona a piora com haver caminhada distância de 3 km para ir da feira até sua casa no dia anterior à piora. Hoje, ao tentar sair da cama, teve um falseio no mesmo joelho e sofreu queda de própria altura, porém sem queixa de dor em outras topografias. Refere que há cerca de um ano teve quadro de dor e aumento de volume em punho E com resolução espontânea e sem diagnóstico específico. Quadro mais crônico. Monoartrite de joelho. Piora aguda de um quadro mais crônico. Bruna Altvater Saturnino XLII – 2021.2 -10 ISDAS: • Nega febre, uso de medicações novas, trauma no joelho. • Nega queixas neurológicas, respiratórias, cardiovasculares, gastrintestinais, genitourinárias e cutâneas. AP: • HAS / DM / Obesidade mórbida. • Faz uso de hidroclorotiazida, losartana, metformina, insulina e AAS. História social e hábitos: diarista / nega etilismo, tabagismo e uso de drogas ilícitas AF: pai com histórico de gota / mãe hipertensa / mãe com osteoartrite de mãos. EF: • BEG, afebril, corado, hidratado. • AC: RCR 2T BNF sem sopros • AP: MV + bilat sem RA. • Abdome: plano, RHA+, depressível, sem massas ou visceromegalias. • Marcha: recusa-se a deambular. • Músculo esquelético: aumento de volume em joelho D, com restrição à movimentação passiva e ativa, eritema e calor na topografia da articulação / geno varo bilateral, mais pronunciado à D. • Pele: sem alterações. • Peso: 97kg / Altura: 1,55 m REALIZADA ARTROCENTESE Líquido sinovial: • Aparência: amarelo citrino / viscosidade normal. • Celularidade: 5.000 céls (60% PMNs). • Bacterioscopia e culturas negativas. Líquido levemente inflamatório. PESQUISA DE CRISTAIS: Presença de cristais rombóides com birrefringência positiva. PESQUISA DE CRISTAIS: NEGATIVA?? • Realizar um RX. Fluxograma - American Family Physician: se o paciente tinha alguma dor focal há mais tempo poderia realizar uma radiografia opções: osteoartrite e condrocalcinose. Nessa doença microcristalina a densidade de cristais no líquido é bem menor do que na gota. Dois cenários possíveis para a paciente. Dois joelhos de pessoas diferentes. Primeira imagem: joelho direito. Diminuição do espaço. Superfície irregular. Osso esclerótico. Presença de cistos subcondrais. Esboço de osteofito/neoformação óssea no bordo articular. OSTEOARTRITE. Podia ser uma possível hipótese para o caso 2, já que ela tinha geno varo (doença crônica) que bate com diminuição do espaço fêmuro-tibial medial. Uma osteoartrite agudizada. Segunda imagem: espaço “melhor” do que a primeira imagem. Condrocalcinose do menisco (cartilagem não aparece no RX, apenas se tiver calcificação). Assinatura de CPPD. DOENÇA POR DEPOSIÇÃO DE CRISTAIS DE PIROFOSFATO DE CÁLCIO • Pseudogota / Condrocalcinose (imagem). • Pode simular: gota, artrite séptica, artrite reumatóide, osteoartrite. Bruna Altvater Saturnino XLII – 2021.2 -11 • Epidemiologia: mulheres / mais frequente em idosos. Pode simular a gota, por isso o nome pseudogota, que são quadros mais agudos, explosivos, crises mais autolimitadas, às vezes tratado com colchicina. Pode simular artrite séptica com presença de febre. Pode haver quadros mais poliarticulares, mais simétricos, como AR. E as vezes “caminha de mãos dadas” com a osteoartrite. Exemplo: o paciente tem CPPD e ele evolui com uma osteoartrite secundária ou ele tinha uma osteoartrite e o distúrbio tecidual no local precipitou a formação de cristais de pirofosfato de cálcio. • Pseudogota: 25% pacientes / crises de monoartrite agudas autolimitadas (joelhos e punhos). • Pseudo-AR: 5% pacientes / inflamação de baixo grau polyarticular. • Pseudo-OA: 50% pacientes / causa de artrose precoce / joelhos, quadris, punhos, metacarpofalangeanas, ombros, cotovelos. • Mutilante. Geralmente há uma artrose um pouco diferente da artrose primária. Há um quadro de artrose mais precoce (40 anos). Acomete locais comuns aos da artrose primária, mas também há em locais que não acontece artrose primária (metacarpofalangeana, ombro, cotovelo). Então quando começa a ficar estranho para osteoartrite, pensa-se em CPPD. DIAGNÓSTICO Líquido sinovial: • Pseudogota: inflamatório / turvo / pouco viscoso. • Pseudo-OA: não-inflamatório / límpido. • Cristais rombóides com birrefringência positiva. Fibrocartilagem triangular da ulna (presença de condrocalcinose). Condrocalcinose de meniscos medial e lateral. Punho é um local comum de ter crise de CPPD. Sínfise púbica – sinfisite devido a uma CPPD. Processo ondontoide pode ter uma calcificação. Investigar causas secundárias: doença de Wilson, hiperparatireoidismo (mais comum), hipofosfatasia, hemocromatose, hipotireoidismo (mais comum). As outras são causas mais raras. TRATAMENTO Crise: Colchicina / AINE / medidas não-farmacológicas. Colchicina pode ser útil como profilático de crises. Não há como remover os cristais de pirofosfato de cálcio. Não é possível resolver o mecanismo metabólico que leva a isso. DOENÇA POR DEPOSIÇÃO DE CRISTAIS DE FOSFATO BÁSICO DE CÁLCIO • Distribuição igual em ambos os sexos. • Entre 40 e 60 anos de idade. • Relacionada com calcificação periarticular (tendinite calcárea).• Monoarticular (ombro). Bruna Altvater Saturnino XLII – 2021.2 -12 Tendinopatia calcárea de manguito rotador (por cristais de apatita). Úmero, cavidade glenoide, articulação acromioclavicular, manguito rotador.
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