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@resumosdamed_ 1 ABORTAMENTO ENTENDER AS DEFINIÇÕES DE ABORTAMENTO: É a expulsão de feto pesando <500 g ou com <20 semanas de gestação (OMS), podendo ser espontâneo ou provocado. É classificado também como a interrupção espontânea ou induzida da gravidez antes que o feto seja viável. A viabilidade está situada entre as linhas que separam abortamento de nascimento prematuro. Em geral, ela é definida pela duração da gravidez e pelo peso fetal ao nascer com finalidades estatísticas e legais. As gestações uterinas que terminam em abortamento espontâneo também são descritas pelo termo perda, interrupção ou falência gestacional precoce. Termos de uso clínico para descrever as perdas gestacionais em estágios mais avançados: • Abortamento espontâneo: essa categoria inclui ameaça do abortamento, inevitável, incompleto, completo e retido. O termo abortamento séptico é usado para classificar com mais detalhes qualquer uma dessas condições, que são complicadas ainda mais por infecção. • Abortamento de repetição: esse termo tem definições variadas, mas se aplica às mulheres que sofrem abortamentos espontâneos repetidos, de forma que um ou mais fatores coexistentes podem ser tratados para assegurar a viabilidade do recém-nascido. • Abortamento provocado: esse termo é usado para descrever a interrupção clínica ou cirúrgica da gestação de um feto vivo que ainda não é viável. Vale ressaltar que a gravidez química é um zigoto mal implantado ou que não evoluiu. ENTENDER A EPIDEMIOLOGIA, ETIOLOGIA E FATORES DE RISCO DO ABORTAMENTO: EPIDEMIOLOGIA: Cerca de 75% dos ovos fertilizados são abortados, e em mais da metade deles isso ocorre antes da primeira falha menstrual. Em gestações diagnosticadas clinicamente, 10% terminam espontaneamente até 12 semanas, representando 80% de todos os abortamentos. ETIOLOGIA: A incidência de alterações cromossômicas em abortamentos esporádicos de 1º trimestre é de 50%. Analisando abortos com cariótipo anormal, a síndrome de Turner (45,X0) é a alteração mais frequente com incidência de 19%. Abortos trissômicos são vistos para todos os autossomos, exceto para os cromossomos 1, 5, 11, 12, 17 e 19. Trissomia 16, triploidia e tetraploidia são as anormalidades autossômicas mais comuns. Aproximadamente 80% das trissomias 21 terminam em abortamento. FATORES DE RISCO Os mais comuns fatores de risco identificados em mulheres com abortamento precoce são a idade materna avançada e a história de perda anterior. A frequência de abortamentos precoces clinicamente reconhecidos em mulheres com idade de 20 a 30 anos é de 9 a 17%, aumentando rapidamente para 20% na idade de 35 anos, 40% com 40 anos e 80% com 45 anos. Qualquer doença materna grave, traumatismo ou intoxicação, além de inúmeras infecções, pode levar ao abortamento. @resumosdamed_ 2 ENTENDER A RELAÇÃO DA FREQUÊNCIA DE ANORMALIDADES CROMOSSÔMICAS E ABORTAMENTO: IDENTIFICAR AS FORMAS CLÍNICAS DO ABORTAMENTO: As formas clínicas constituem tipos clínicos de abortamento. • Ameaça de abortamento: gravidez complicada por sangramento antes de vinte semanas; • Abortamento inevitável: o colo está dilatado, mas o produto de concepção foi eliminado; • Abortamento completo: todo o produto da concepção foi eliminado, sem a necessidade de intervenção médica ou cirúrgica; • Abortamento incompleto: alguma parte do produto de concepção foi eliminada, mas não sua totalidade. Podem estar retidos feto, placenta ou membranas; • Abortamento infectado: abortamento (geralmente incompleto) complicado por infecção intrauterina; • Abortamento retido: gravidez na qual já há morte fetal (por semanas) sem sua expulsão; • Abortamento habitual: dois ou mais abortamentos consecutivos. • Insuficiência cervical. ENTENDER A DEFINIÇÃO DE AMEAÇA DE ABORTAMENTO INCLUINDO SEU QUADRO CLÍNICO, DIAGNÓSTICCO E TRATAMENTO: Consiste, fundamentalmente, em hemorragia, que traduz anomalia decidual e/ou descolamento do ovo, e dor, sinal de contração uterina. QUADRO CLÍNICO: A hemorragia é o elemento mais comum e costuma ser o primeiro a revelar distúrbios na evolução da gravidez. De modo geral, o fluxo sanguíneo na fase de ameaça é menor do que na interrupção inevitável. Os sangramentos precoces, de longa duração, escuros e do tipo “borra de café” são considerados mais sérios. Aproximadamente 30% das gestações @resumosdamed_ 3 apresentam sangramento no primeiro trimestre, e metade delas resultam em aborto. As dores precedem, acompanham e geralmente sucedem a hemorragia. São provocadas por metrossístoles fugazes e intermitentes. Contrações regulares, como as do trabalho de parto, espelham processo irreversível. Deve ser lembrado que o abortamento, muitas vezes, é precedido pela morte do embrião, e as perdas sanguíneas e as cólicas, antes de constituírem ameaça, anunciam interrupção inevitável. Ao exame físico confirma, exceto nas primeiras semanas, o útero aumentado, cujo volume é proporcional à data da amenorreia. O toque não é esclarecedor, pois não existem modificações cervicais. O exame especular pode afastar causas ginecológicas da hemorragia. DIAGNÓSTICO: O diagnóstico clínico de ameaça de abortamento é considerado quando há secreção vaginal sanguinolenta ou um sangramento escorre pelo orifício vaginal fechado durante as primeiras 20 semanas de gestação. O sangramento que ocorre no início da gravidez deve ser diferenciado do sangramento da implantação, que algumas mulheres têm na ocasião em que deveriam menstruar. Quando há abortamento, o sangramento em geral acontece primeiro e, depois de algumas horas ou dias, surgem cólicas. A paciente pode referir cólicas nitidamente ritmadas na linha média do baixo ventre, dor lombar baixa persistente com sensação de pressão na pelve, ou desconforto brando e difuso na linha média da região suprapúbica. FLUXO INTERVILOSO NA GRAVIDEZ NORMAL: No início da gravidez não ocorre fluxo sanguíneo interviloso até aproximadamente 10 semanas de gestação, particularmente nas áreas centrais da placenta, uma vez que nas áreas periféricas há fluxo a partir de 8 a 9 semanas. Esse impedimento ao fluxo sanguíneo placentário está intimamente relacionado com a migração do trofoblasto extravilositário, pois no início da gravidez agregados dessas células efetivamente formam tampões (plugs) nas saídas das artérias espiraladas, criando um verdadeiro manto trofoblástico entre as extremidades desses vasos e o espaço interviloso. Por volta de 10 semanas, os tampões começam a se dissipar, estabelecendo comunicação livre entre as artérias espiraladas e a placenta. Desse modo, se esses tampões evitam o fluxo contínuo de sangue materno para o espaço interviloso na gravidez inicial de primeiro trimestre, a placenta humana não pode ser considerada verdadeiramente hemocorial. FLUXO INTERVILOSO NO ABORTAMENTO: Diante da ameaça de abortamento, os sintomas decorrem da hemorragia nas áreas periféricas em que está o fluxo interviloso. Nos abortamentos inevitáveis, todavia, o fluxo interviloso é bastante comum nas áreas centrais da placenta. Em cerca de dois terços dos casos de abortamento há placentação defeituosa, caracterizada, principalmente, por manto trofoblástico fino e fragmentado e invasão reduzida do trofoblasto extravilositário situado na extremidade do lúmen das artérias espiraladas. Na maioria dos casos de abortamento, essa invasão está associada ao início prematuro da circulação materna por toda a placenta. A entrada @resumosdamed_ 4 excessiva de sangue materno no espaço interviloso tem efeito mecânico direto no tecido viloso e indireto no estresse oxidativo, que contribuem para a disfunção e a lesão celular. DIAGNÓSTICO SONOGRÁFICO DE GRAVIDEZ INVIÁVEL: São considerados sinais diagnósticos de gravidez inviável: comprimento cabeça-nádega (CCN) ≥ 7 mm e ausência de batimento cardiofetal (BCF), diâmetro médio do saco gestacional (SG) ≥ 25 mm e embrião ausente.A ausência de embrião com BCF, 2 semanas ou mais após um ultrassom mostrando SG sem vesícula vitelina (VV) ou 11 dias ou mais após uma imagem sonográfica de SG com VV constituem também achados diagnósticos de abortamento precoce. A bradicardia fetal (< 100 BCF) e o hematoma subcoriônico constituem outros sinais sugestivos de abortamento precoce, mas não devem ser utilizados para estabelecer um diagnóstico definitivo. Esses achados devem ser avaliados novamente em 7 a 10 dias. TRATAMENTO: É baseado em recomendações a serem seguidas no período de ameaça de abortamento. • Repouso relativo; não tendo fundamento a obrigatoriedade de acamar-se; • O coito deve ser proibido enquanto perdurar a ameaça; • Tranquilizar a gestante, sem, contudo, exibir demasiado otimismo (metade aborta); consumada a interrupção, mostre não haver, em geral, tendência à repetição; • Administrar antiespasmódicos e analgésicos nas pacientes com cólicas; • A progesterona vaginal não está recomendada no abortamento esporádico. ENTENDER ABORTAMENTO INEVITÁVEL INCLUINDO SEU QUADRO CLÍNICO, DIAGNÓSTICCO E TRATAMENTO: Nas amenorreias de curta duração em que o ovo é pequeno, o processo pode ser confundido com menstruação, diferenciando-se dela pela maior quantidade de sangue; pela presença de embrião e decídua ao exame do material eliminado. Esse mecanismo é raro após 8 semanas. O cório frondoso bem desenvolvido, fixa o ovo à decídua. A partir de 8 semanas, o processo de abortamento adquire, progressivamente, as características do trabalho de parto. DIAGNÓSTICO: O episódio é, quase sempre, precedido por período de ameaça de abortamento; excepcionalmente, pode manifestar-se pela primeira vez no estágio de iminente expulsão. As hemorragias tendem a ser mais abundantes que as da fase de ameaça e o sangue apresenta cor viva. O volume do útero corresponde à data da amenorreia, exceto quando a morte do ovo é antiga. O colo mostra se permeável, notando-se as membranas herniadas pelo orifício externo na cavidade uterina. O quadro clínico inconfundível dispensa exames complementares. @resumosdamed_ 5 TRATAMENTO: A conduta depende da idade da gravidez. ABORTAMENTO PRECOCE (ATÉ 12 SEMANAS): Segue as recomendações do ACOG (2015) que divide as opções do tratamento em: expectante, médico ou cirúrgico. TRATAMENTO EXPECTANTE: Reservado ao 1º trimestre da gestação. Com o tempo adequado (até 8 semanas), o tratamento expectante é exitoso em conseguir a expulsão completa em aproximadamente 80% das mulheres. As pacientes habitualmente se queixam de sangramento moderado/grave e cólicas. Critério comumente utilizado para atestar a expulsão completa é a ausência de SG e a espessura do endométrio < 30 mm. A intervenção cirúrgica não é necessária em mulheres assintomáticas com o endométrio espessado após o tratamento do abortamento precoce. Assim, o exame sonográfico sob qualquer proposta diagnóstica que não seja documentar a ausência do SG não é recomendado. TRATAMENTO MÉDICO: Para pacientes que querem encurtar o tempo da expulsão, mas preferem evitar o esvaziamento cirúrgico, o tratamento com o misoprostol, um análogo da prostaglandina E1, está indicado. Inicialmente utilizam-se 800 mg de misoprostol vaginal, podendo ser repetida a dose se necessário. A paciente deve ser aconselhada de que o sangramento é mais intenso que o menstrual, potencialmente acompanhado de cólicas e que a cirurgia poderá estar indicada se a expulsão não for completa. TRATAMENTO CIRÚRGICO: Mulheres que se apresentam com hemorragia, instabilidade hemodinâmica ou infecção devem ser tratadas urgentemente pelo esvaziamento uterino. O esvaziamento cirúrgico também tem preferência em outras situações, incluindo a presença de complicações médicas, tais como anemia grave, desordens da coagulação e doença cardiovascular. Até 12 semanas são procedimentos de escolha a dilatação seguida de aspiração à vácuo ou de curetagem. A aspiração é superior à curetagem. A utilização de rotina de curetagem após a aspiração não traz nenhuma vantagem e está contraindicada. ABORTAMENTO TARDIO (APÓS 12 SEMANAS): O ovo está muito desenvolvido, e a cavidade uterina, volumosa. Por serem suas paredes finas e moles, o esvaziamento instrumental torna-se perigoso. A expulsão é acelerada pela administração de ocitocina em grandes doses: perfusão venosa de solução de 10 unidades em 500 mℓ de Ringer com lactato ou misoprostol, por via vaginal, 400 mg a cada 4 h. Eliminado o ovo, e se a expulsão não foi completa, o remanescente é extraído com pinça adequada. DIFERENCIAR ABORTAMENTO COMPLETO, INCOMPLETO, INFECTADO RETIDO, HABITUAL CONSIDERANDO O QUADRO CLÍNICO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO: ABORTAMENTO COMPLETO: QUADRO CLÍNICO: considera-se abortamento completo quando, após a expulsão do ovo, as cólicas cessam e o sangramento reduz-se a perdas muito discretas. Só a evolução do caso confirma o diagnóstico. @resumosdamed_ 6 DIAGNÓSTICO: “útero vazio” é indicação certa de abortamento completo. Ecos intrauterinos centrais e escassos ou moderados podem representar coágulos sanguíneos, decídua, glândulas endometriais e placenta. Em alguns casos, a expulsão de todo o concepto pode ser concluído antes que a gestante chegue ao hospital. É importante salientar que, durante o exame, o orifício cervical está fechado. As pacientes devem ser instruídas a trazer os tecidos eliminados, que podem representar um concepto completo, coágulos de sangue ou um molde de decídua. ABORTAMENTO INCOMPLETO: QUADRO CLÍNICO: está relacionado com a eliminação parcial do ovo, que causa hemorragia persistente e é terreno propício à infecção. O abortamento incompleto é comum após 8 semanas de gestação, quando as vilosidades coriônicas ficam aderidas ao útero. Nos abortamentos tardios, a paciente consegue distinguir páreas e o concepto e, geralmente, informa a eliminação apenas do feto. O sangramento não cessa, é intermitente, pode ser intenso, e ocorre porque os restos ovulares impedem a contração uterina adequada. As cólicas persistem. O útero, amolecido, tem volume aumentado, mas o escoamento do líquido amniótico e, comumente do feto, reduz suas dimensões, que não são as previstas pela idade da gravidez. O colo está entreaberto. O sangramento que ocorre depois do desprendimento parcial ou total da placenta e da dilatação do orifício cervical é descrito como abortamento incompleto. O feto e a placenta podem permanecer totalmente no útero ou se exteriorizar parcialmente através do orifício cervical dilatado. Antes de 10 semanas, o feto e o útero em geral são expelidos em bloco, mas depois eles saem separadamente. A classificação clínica mais utilizada é feita em três formas: 1) Endo(mio)metrite: é o tipo mais comum. A infecção é limitada ao conteúdo da cavidade uterina, à decídua e, provavelmente, ao miométrio. A sintomatologia é semelhante à do abortamento completo ou incompleto, sendo a hemorragia escassa uma regra. 2) Pelviperitonite: em função da virulência do microrganismo e, sobretudo, do terreno, a infecção progride, agora localizada no miométrio, nos paramétrios e anexos, comprometendo o peritônio pélvico. Todavia, a hemorragia não é sinal relevante. O sangue escorre mesclado a líquido sanioso, cujo odor é fecaloide, com presença de anaeróbios. 3) Peritonite: trata-se da forma extremamente grave, da infecção generalizada. As condições da genitália repetem as da forma anterior. Há peritonite, septicemia e choque séptico, decorrentes, em geral, do acometimento por gramnegativos (E. coli), mas também de bacteroides e Clostridium. DIAGNÓSTICO: ao USG, massa focal ecogênica caracteriza o diagnóstico de restos ovulares. TRATAMENTO: O melhor tratamento para o abortamento incompleto é o esvaziamento cirúrgico, e nesse particular, a aspiração a vácuo. O tratamento expectante não é o mais indicado. As opções de tratamento para abortamento incompleto sãocuretagem, esvaziamento químico ou conduta expectante para gestantes clinicamente estáveis. Com tratamento cirúrgico, pode ser necessária dilatação cervical adicional antes de realizar a curetagem por aspiração. Em outros casos, os tecidos placentários retidos simplesmente se @resumosdamed_ 7 desprendem dentro do canal cervical e podem ser extraídos facilmente com pinças circulares. ABORTAMENTO INFECTADO RETIDO: Quadro Clínico: no abortamento retido, o útero retém o ovo morto por dias ou semanas. Após a morte fetal, pode ou não haver sangramento vaginal. O útero mantém-se estacionário e pode até diminuir. A ultrassonografia não exibe BCF após o embrião ter atingido ≥ 7 mm ou o SG for ≥ 25 mm e embrião estiver ausente. Nas retenções prolongadas do ovo morto (> 4 semanas), os distúrbios da hemocoagulação constituem a complicação mais temida. Chama-se ovo anembrionado o tipo de abortamento retido no qual a ultrassonografia não identifica o embrião, estando o SG ≥ 25 mm. DIAGNÓSTICO: O diagnóstico definitivo de abortamento retido deve ser sempre confirmado por duas ultrassonografias espaçadas de 7 a 10 dias. TRATAMENTO: A despeito da conduta expectante e médica (misoprostol) para o abortamento retido no 1º trimestre, a intervenção cirúrgica ainda representa 90% dos desfechos. Com a confirmação rápida da morte embrionária ou fetal, muitas mulheres optam pela evacuação uterina. ENTENDER O ABORTAMENTO HABITUAL E SUA ETIOLOGIA CONSIDERANDO FATORES: O abortamento habitual ou recorrente é definido como a perda de duas ou mais gestações. Esse conceito é considerado inovador, haja vista que a maioria dos autores continua definindo abortamento habitual como a perda de três ou mais gestações consecutivas. ETIOLOGIA: FATORES EPIDEMIOLÓGICOS: O abortamento habitual, definido como duas ou mais interrupções, afeta cerca de 5% dos casais tentando conceber; para três ou mais interrupções, a incidência é de 1%. A idade materna e o número de abortamentos anteriores são dois fatores de risco independentes para uma nova interrupção. A idade materna avançada está associada a declínio tanto no número como na qualidade dos oócitos remanescentes. A idade paterna também tem sido reconhecida como fator de risco. ALTERAÇÕES CROMOSSÔMICAS: Em aproximadamente 2 a 4% dos casais com abortamentos recorrentes, pelo menos um dos parceiros, especialmente a mulher, é portador de anomalia estrutural balanceada, na maioria das vezes, uma translocação. Muito embora os portadores de translocações balanceadas sejam fenotipicamente normais, a perda fetal ocorre porque a segregação durante a meiose resulta em gametas com duplicação ou falta de segmentos nos cromossomos. Além da incidência maior de abortamento, essas gestações carreiam risco de crianças malformadas. A cada gestação, a chance de abortamento é de 20 a 30%, às vezes de 50%. Isso significa que cerca de dois terços dos casais com translocação balanceada e abortamento recorrente têm recém-nascidos normais na gestação seguinte. SÍNDROME ANTIFOSFOLIPÍDIO (SAF): Talvez seja a causa mais importante de abortamento habitual. A SAF refere- se à associação entre anticorpos antifosfolipídio – lúpus anticoagulante (LAC) e anticardiolipina (aCL) – e trombose vascular ou prognóstico adverso na gravidez. Muitas investigações têm relatado anticorpos antifosfolipídios em 5 a 20% das mulheres com abortamento recorrente. Dos abortamentos @resumosdamed_ 8 habituais, 15 a 20% são causados por mulheres com abortamento recorrente por SAF, sem tratamento, têm chance de apenas 10% de feto vivo. DOENÇAS ENDÓCRINAS: Estão relacionadas deficiência luteínica, hipotireoidismo (doenças autoimunes – Hashimoto) e síndrome do ovário policístico (SOP), presentes em 15 a 20% das abortadoras habituais. A tireoidite de Hashimoto é 10 vezes mais frequente em mulheres do que em homens e está associada aos anticorpos antitireoperoxidase (anti-TPO) e antitireoglobulina (anti-Tg). A SOP é uma síndrome metabólica que envolve ovário policístico, disfunção ovariana, androgenismo e resistência à insulina, incidindo em 5 a 7% das mulheres em idade de conceber. Já o ovário policístico (OP) é uma entidade discreta, vista em 15 a 25% das mulheres com ciclos regulares ovulatórios, representando uma forma leve de hiperandrogenismo ovariano, também associada a maior resistência à insulina. FATORES ANATÔMICOS: MALFORMAÇÕES UTERINAS: Estão presentes em 10 a 15% dos abortamentos habituais. As malformações uterinas deformam a cavidade uterina e prejudicam o desempenho reprodutivo, acentuando a incidência de abortamentos, parto pré-termo, crescimento intrauterino restrito (CIR), ruptura uterina e apresentações anômalas. A insuficiência cervical está frequentemente associada aos defeitos congênitos uterinos, o que explica por que o útero arqueado, a malformação mais leve, também determine mau prognóstico obstétrico. O útero septado é o mais frequente (35% dos casos) em virtude da má vascularização do septo. Os úteros didelfo, bicorno e septado estão associados a taxas de parto pré-termo 2 a 3 vezes mais elevadas do que na população INSUFICIÊNCIA CERVICAL: Determina, tipicamente, abortamentos de 2º trimestre, e o diagnóstico é feito pela história clínica de ruptura espontânea das membranas e dilatação sem dor. MIOMAS: Os miomas que distorcem a cavidade intrauterina podem determinar abortamento habitual de 2º trimestre. FATORES IMUNOLÓGICOS: Células T regulatórias (Treg) são um subtipo de célula T auxiliar CD4 + que funciona para inibir a resposta imunológica decorrente de infecção, inflamação e autoimunidade. O FOXP3, fator de transcrição expresso pelas Treg, medeia essa função supressora. Na verdade, existem dois tipos de Treg: tímico (tTreg) e periférico (pTreg). Recentemente, identicou-se um elemento genético móvel que exalta o gene FOXP3, o CNS1, que existe nas pTreg mas não nas tTreg. Desse modo, apenas as pTreg são capazes de refrear a resposta imunológica induzida pela gravidez, de reconhecer os @resumosdamed_ 9 antígenos paternos. Essas pTreg suprimem as células T efetoras maternas e mitigam o conflito materno-fetal causado pelos aloantígenos paternos. A deficiência de CNS1 conduz à inabilidade de induzir pTreg na mãe, resultando em infiltração de célula T ativada na placenta e consequente abortamento de repetição. DIAGNÓSTICO: Os exames diagnósticos podem ser assim enumerados: • Cariótipo do casal; • Avaliação citogenética no material de abortamento; • Ultrassonografia transvaginal 3D; • Dosagem dos anticorpos LAC (o mais importante) e aCL; • Dosagem de TSH e de anti-TPO; • Dosagem de testosterona livre/total. Não se consegue reconhecer a causa de mais de 50% dos casos de abortamento habitual. TRATAMENTO: As principais medidas terapêuticas são: • Fertilização in vitro (FIV) com diagnóstico pré-implantação (DPI) nas alterações cromossômicas do casal. • Na insuficiência luteínica, administração de progesterona vaginal, 200 mg/dia, 2 a 3 dias após a ovulação até a transferência luteoplacentária entre 7 e 9 semanas. O ACOG (2015) é favorável à utilização de progesterona no abortamento habitual. Por outro lado, a investigação randomizada de Coomarasamy et al. (2015) em mulheres com história de abortamento habitual inexplicável concluiu que a progesterona vaginal no primeiro trimestre da gestação não foi capaz de elevar a taxa de nascimentos vivos. • Administração de levotiroxina no hipotireoidismo (Hashimoto), desde que o TSH esteja > 2,5 mUI/mℓ. • Redução de peso e metformina na SOP, que seria mantida até 12 semanas da gravidez. • Administração de heparina e ácido acetilsalicílico (AAS) infantil na SAF (70% de tratamento bem-sucedido). • Ressecção histeroscópica no útero septado e no mioma intracavitário. A ASRM (2012) não recomenda o tratamento da mulher contra antileucócitos paternos, nem a administração de imunoglobulinaintravenosa. O casal com abortamento habitual de causa inexplicável deve ser confortado, comunicando-lhe a chance de êxito de 70% em uma próxima gravidez. Antes de uma nova concepção, aconselha-se: mudança no estilo de vida com exercícios moderados e perda de peso, suplementação de ácido fólico, cessação do tabagismo, moderação no consumo de cafeína e de álcool. ENTENDER O ABORTAMENTO HABITUAL INEXPLICÁVEL (QUADRO CLÍNICO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO): O abortamento habitual é considerado quando há ≥ 3 interrupções, e sua taxa de ocorrência varia com a idade materna. Em mulheres da população geral na faixa etária de 25 a 39 anos, a taxa de abortamento esporádico é de 12 a 25%, e a de abortamento habitual, de 0,4 a 3%. Cerca de 70% das mulheres com abortamento habitual inexplicável não apresentam nenhuma doença e têm excelente prognóstico, não necessitando de nenhum tratamento. Estudos epidemiológicos sugerem que a maioria dessas mulheres com abortamento habitual inexplicável seja de fato saudável, sem patologia de base, e tenha sofrido essas três interrupções por chance, ao acaso. @resumosdamed_ 10 Se isso for verdadeiro, em cerca de duas em três mulheres não tratadas (tipo I), o prognóstico para a próxima gestação será bom, igual ao da população geral. Entretanto, cerca de 1 em 3 das mulheres com abortamento habitual inexplicável (tipo II) apresenta fatores de risco ambientais/estilo de vida ou endógenos não detectados na investigação inicial rotineira, e o prognóstico é ruim. CARIOTIPAGEM DO MATERIAL DE ABORTO: A taxa de anomalias cromossômicas no abortamento habitual (≥ 3) é de cerca de 60%, muito semelhante à do abortamento esporádico. Caso o cariótipo do material de aborto seja normal, é improvável que o abortamento habitual tenha ocorrido por chance. Nessas mulheres, o prognóstico para futuras gestações é adverso, com número elevado de interrupções. O estudo do cariótipo tem sido tão relevante que, em face das dificuldades de obtê-lo em material de aborto, se propõe a realização de biopsia de vilo corial (BVC) transcervical antes do esvaziamento. Concluindo, estudos epidemiológicos sugerem que a maioria das mulheres mais idosas com abortamento habitual inexplicável (tipo I) não apresenta patologia de base, o que pode explicar o bom prognóstico desse grupo em futuras gestações. Por outro lado, o grupo de mulheres geralmente jovens (tipo II) provavelmente apresenta patologia de base ainda não identificada, responsável pelas perdas repetidas. Nesse caso, o cariótipo do material de abortamento será normal. O melhor entendimento desses dois grupos de mulheres com abortamento habitual inexplicável (tipo I e tipo II) pode levar a diferentes tratamentos e estratégias de conduta, inclusive com redução de custos. ENTENDER O CONCEITO DE INSUFICIÊNCIA CERVICAL (QUADRO CLÍNICO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO): O termo insuficiência cervical é utilizado para descrever a incapacidade do colo uterino em reter o produto da concepção no 2º trimestre da gravidez, na ausência de sinais e sintomas de contrações e/ou parto. A insuficiência cervical tem incidência de 1:1.000 partos e representa 8% dos casos de abortamento. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO: Exibindo quadro clínico característico, a insuficiência cervical é uma das principais causas de abortamento habitual tardio ou de parto pré-termo extremo. A “dilatação cervical é sem dor” e o feto nasce vivo e morfologicamente normal. A insuficiência cervical costuma ser precedida por história de traumatismo cervical causado por conização, laceração cervical no parto ou dilatação exagerada do colo em casos de interrupção provocada da gravidez e defeitos müllerianos. Secreção mucoide vaginal e dilatação de 4 a 6 cm sem desconforto apreciável ou percepção de contrações reforçam o diagnóstico. A dilatação cervical com herniação das membranas visualizadas ao exame especular configura o quadro de insuficiência cervical aguda. @resumosdamed_ 11 As perdas gestacionais ocorrem tipicamente no 2º ou no início do 3º trimestre, com cada interrupção ocorrendo mais cedo do que a anterior. Não há nenhum teste diagnóstico pré-concepcional recomendado para confirmar insuficiência cervical. O achado sonográfico de colo curto no 2º trimestre, embora esteja associado a risco aumentado de parto pré-termo, não é suficiente para diagnosticar a insuficiência cervical, quando está ausente a história clínica. TRATAMENTO: O tratamento é cirúrgico por meio da cerclagem do colo uterino, realizada na gravidez. Há duas técnicas de cerclagem vaginal, Shirodkar e McDonald, e uma de cerclagem transabdominal. Apesar de não haver comprovação da superioridade de uma técnica sobre a outra, a técnica de Shirodkar está praticamente em desuso e a de McDonald, mais simples, é o procedimento de escolha. A cerclagem deve ser limitada a gestações no 2º trimestre (até 24 semanas), antes da viabilidade fetal. Nem antibióticos nem tocolíticos profiláticos melhoram a eficácia da cerclagem. Certas condutas não cirúrgicas, incluindo restrição da atividade física e repouso no leito e pélvico, não são efetivas para o tratamento da insuficiência cervical e devem ser desencorajadas. COMO É REALIZADA A CERCLAGEM? OPERAÇÃO DE SHIRODKAR: É realizada para o tratamento da insuficiência cervical durante a gravidez. A. Incisão anterior da mucosa vaginal na altura do orifício interno da cérvice. B. Bexiga descolada. C. Pequena incisão posterior da mucosa vaginal. D. A agulha de Deschamps, ou de modelo semelhante, é introduzida sob a mucosa, da porção anterior para a posterior; pela extremidade fenestrada é amarrada à fita cardíaca. E. A retirada da agulha traz a fita cardíaca que contorna a metade da região cervical. F. Repete-se a manobra do outro lado, fixada a agulha à outra extremidade da tira. G. Retirada a agulha, toda a região cervical é circundada pela fáscia. H. Um ou dois pontos fixam a tira, ancorando-a na porção posterior. I. O mesmo, anteriormente. TÉCNICA DE MCDONALD: É realizada para a cura cirúrgica da insuficiência cervical durante a gravidez. Dá-se por uma sutura em bolsa, à altura da junção cervicovaginal, com fio Ethibond 5. @resumosdamed_ 12 TIPOS DE CERCLAGEM: Cerclagem história-indicada: a história de uma ou mais perdas gestacionais, com quadro clínico de insuficiência cervical, compõe o grupo de mulheres que se beneficiarão da cerclagem história-indicada. A cirurgia deve ser realizada entre 12 e 14 semanas de gravidez, após a ultrassonografia revelar feto vivo e sem anomalias. Cerclagem ultrassonografia-indicada: após uma perda fetal, com o quadro clínico de insuficiência cervical, está indicado o exame transvaginal do colo uterino a partir de 16 a 24 semanas da gravidez. O colo < 25 mm indica a cerclagem ultrassonografia-indicada, também denominada terapêutica. Cerclagem de emergência: está indicada, até 24 semanas da gestação, em pacientes com dilatação cervical < 4 cm e herniação das membranas, sem contração e/ou parto, afastada a infecção intramniótica (cerclagem exame-indicada). Cerclagem transabdominal: tem como principal indicação a falência da cerclagem transvaginal, mas também quando a cirurgia extensa do colo tenha deixado pouco tecido cervical para realização do procedimento baixo. A cerclagem transabdominal exige duas laparotomias; uma para a inserção, com 11 semanas, e outra para a operação cesariana. Tem-se proposto a cerclagem transabdominal por laparoscopia na gravidez, como também fora dela. CONTRAINDICAÇÕES: Na ausência de parto pré-termo anterior, colo curto identificado no 2º trimestre não é diagnóstico de insuficiência cervical e a cerclagem não está indicada nesse cenário. A progesterona vaginal é recomendada como opção para reduzir o risco de parto pré-termo em mulheres assintomáticas com gravidez única, sem história de parto pré-termo e colo ≥ 20mm identificado entre16 e 24 semanas. Na gravidez gemelar, a cerclagem pode aumentar o risco de parto pré-termo e, mesmo que a ultrassonografia identifique colo < 25 mm, ela deve ser evitada. COMPLICAÇÕES: No geral, o risco de complicações com a cerclagem é pequeno. São relacionados: ruptura das membranas, corioamnionite, laceração cervical e deslocamento da sutura. Comparada com a cerclagem transvaginal, a transabdominal apresenta maior risco de hemorragia que pode ameaçar a vida da paciente, além de outras complicações inerentes à cirurgia abdominal. @resumosdamed_ 13 ENTENDER O ABORTAMENTO DE REPETIÇÃO: Outros termos usados para descrever perdas gestacionais espontâneas precoces e repetidas incluem abortamento espontâneo de repetição, perda gestacional repetida e abortamento habitual. Em geral, aceita-se que cerca de 1 % dos casais férteis tenha abortamentos de repetição de acordo com a definição clássica de três ou mais perdas gestacionais consecutivas com < 20 semanas ou feto com peso < 500 gramas. A maioria desses casos consiste em gestações embrionárias ou perdas gestacionais precoces, enquanto os demais casos são gestações anembrionárias ou perdas com mais de 14 semanas. A comprovação da gravidez por dosagem de í3-hCG, ultrassonografia e exame anatomopatológico também variou amplamente. No mínimo, o abortamento repetido deve ser diferenciado da perda gestacional esporádica, que implica na ocorrência de gestações intervenientes que alcançaram viabilidade. Embora se acreditasse que as mulheres desse último grupo tivessem risco muito menor de ter mais um abortamento, existem estudos que questionam esse pressuposto. Em dois estudos, o risco de abortamento subsequente era semelhante depois de duas ou três perdas gestacionais. Vale salientar que as chances de uma gestação bem- sucedida são > 50%, mesmo depois de cinco perdas. As perdas gestacionais repetidas são definidas como duas ou mais gestações clínicas fracassadas, confirmadas por ultrassonografia ou exame histopatológico. Uma avaliação detalhada certamente está justificada depois de três perdas consecutivas, e o tratamento deve ser iniciado mais precocemente nos casais com baixa fertilidade combinada. ENTENDER OS ASPECTOS ÉTICO-PROFISSIONAIS E JURÍDICOS DO ABORTAMENTO: O abortamento legal é realizado em casos de: • Violência Sexual: em que não é necessário B.O. ou autorização judicial (relato da paciente + assinatura de termo de consentimento) para realizar o procedimento, além de não ser passível de punição o abortamento provocado após o estupro. É autorizado até 20 semanas (após essa IG, é preciso encaminhar o RN para adoção se a mãe desejar). Em casos de pacientes menores de idade, a vontade da mesma prevalece, contudo, é necessário o consentimento dos pais (se houver divergência, é preciso encaminhar ao poder público). Em casos de paciente incapaz, os pais ou responsáveis legais são responsáveis pela decisão. Se o médico for contrário à realização do aborto por motivos pessoais, é preciso declarar objeção de consciência e encaminhar. • Risco de Vida Materno: o risco é alegado por 2 médicos (1 GO e 1 da especialidade que cuida da comorbidade), além de necessitar do consentimento da paciente. • Anencefalia: o laudo deve ser emitido por 2 médicos atestando o quadro, através de 2 fotos da USG que mostre a ausência de SNC. Além disso, é necessário o consentimento da paciente. OBS: anencefalia é possível ver no primeiro trimestre da gestação (entre 12 e 14 semanas), através do rastreio morfológico do 1º trimestre. REFERENCIAS: • Obstetrícia de Wiliiams/ F. Gary Cunninghan et al. Tradução: Ademar Valadares Fonseca et al - 24a ed. – Porto Alegre: AMGH, 2016. • Rezende Obstetrícia/ Carlos Antônio Barbosa Montenegro, Jorge de Resende Filho. – 13o ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. • Atenção Humanizada ao Abortamento – Norma Técnica 2011 http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada _abortamento_norma_tecni ca_2ed.pdf
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