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Conceito • Os eczemas correspondem a um grupo de dermatoses inflamatórias, pruriginosas, com características clínicas e histopatológicas comuns e muito bem definidas. As lesões elementares que definem os eczemas são eritema, edema, vesículas, crostas e descamac ̧ão. De acordo com a predomina ̂ncia dessas lesões, o quadro pode ser classificado em agudo, subagudo e cro ̂nico, traduzido pela ocorre ̂ncia de erupc ̧ão eritematovesiculosa, eritematopapulovesiculosa, eritematocrostosa e eritematoescamosa, com ou sem exsudac ̧ão. A esse aspecto objetivo, há de se acrescentar uma manifestac ̧ão subjetiva que nunca falta – o prurido. Como conseque ̂ncia da durac ̧ão e intensidade do prurido, surge outro elemento: a liquenificac ̧ão, que traduz a cronicidade do processo. • Teoricamente, embora existam diferenças conceituais na prática: Epidemiologia Os eczemas ocorrem com muita freque ̂ncia, sendo mais comum o eczema de contato, seguido do atópico e do seborreico. Acometem igualmente ambos os sexos e todas as rac ̧as. Com relac ̧ão à faixa etária, o eczema de contato pode ocorrer em qualquer época da vida, sendo a dermatite das fraldas (eczema de contato por irritante primário) muito frequente no lactente, enquanto o eczema de contato por sensibilizac ̧ão é mais frequente após • os termos “eczema” e “dermatite” podem ser utilizados como sinônimos. a infa ̂ncia. O eczema atópico, em geral, inicia-se a partir do ¾ me ̂s de vida, podendo ter início mais tardio, inclusive na adolesce ̂ncia e na idade adulta. O eczema seborreico pode estar presente ao nascimento ou ocorrer já nos primeiros dias de vida; contudo, é muito mais prevalente a partir da adolesce ̂ncia e da idade adulta. nHistologia A características básica do processo é de natureza seroexsudativa, acometendo a epiderme e derme papilar na fase aguda. Nesta, na camada de Malpighi, há exocitose e edema intercelular, o qual progride em horas, provocando “espongiose”, isto é, um afastamento entre si das células da camada de Malpighi, cujas pontes intercelulares se adelgac ̧am, de modo que os espac ̧os se enchem de serosidade. Com a continuac ̧ão do processo, ocorre marcado edema intracelular, que provoca degenerac ̧ão que, dependendo da intensidade, Por outro lado, o edema intercelular altera a ceratinizac ̧ão normal, dando origem à formac ̧ão de paraceratose (permane ̂ncia de núcleos achatados nas la ̂minas ceratínicas mais exteriores), cuja expressão clínica é a escama. Na derme papilar, há vasodilatac ̧ão e edema, o que justifica o eritema. Na fase cro ̂nica, há espessamento de todas as camadas da epiderme, ou seja, hiperceratose, hipergranulosa e acantose irregular, acompanhado de ocorre ̂ncia sutil de linfócitos; a lesão se apresenta clinicamente como liquenificac ̧ão. Eczema de contato ou dermatite de contato. Podemos distinguir 2 tipos de dermatite de contato, com etiologia e fisiopatogenia absolutamente distintas: dermatite de contato por irritante primário (DCIP) e dermatite de contato alérgica (DCA). Dermatite de contato por irritantes primario. A dermatite de contato por irritante primário (DCIP) decorre dos efeitos tóxicos e pró- inflamatórios de substa ̂ncias capazes de ativar a imunidade da pele ainda que de maneira não específica. Corresponde a 80% dos casos de dermatite de contato. A DCIP é provocada, em geral, por substa ̂ncias alcalinas ou ácidas fracas que, não sendo capazes de provocar queimadura e/ou necrose, produzem apenas irritac ̧ão cuta ̂nea. Essas substa ̂ncias, ao entrarem em contato com a pele, causam lesão aos queratinócitos, surgindo, posteriormente, reac ̧ão inflamatória na derme papilar. Caracteriza-se por eritema, descamac ̧ão e, por vezes, vesículas e bolhas, que surgem horas depois do contato com agentes irritantes mais fortes, ou depois de semanas de contato continuado com agentes irritantes fracos. O prurido, em geral, é discreto ou ausente, sendo substituído por sensac ̧ão de dor ou queimac ̧ão. Não há necessidade de sensibilizac ̧ão prévia e não ocorre a formac ̧ão de células de memória; portanto, qualquer indivíduo em contato com tais substa ̂ncias poderá ́ desenvolver a DCIP, que frequentemente ficará restrita ao local do contato. As 2 principais variáveis são a concentrac ̧ão da substa ̂ncia (até certo limite, pois caso contrário será cáustica e causará queimadura e não uma DCIP) e o tempo de exposição. Assim, é mais provável a DCIP ocorrer na pele fina do dorso da mão do que na região palmar, como também é mais fácil nas mãos finas de quem não está acostumado a servic ̧os domésticos, pois o contato cro ̂nico e gradativo com tais substa ̂ncias é capaz de promover um espessamento epidérmico. É importante lembrar que outras dermatoses serão sempre agravadas por tais substa ̂ncias. Outros fatores – tais como atrito, umidade e exposição solar – também podem influenciar a ocorrência dessa dermatite. A DCIP é frequentemente dermatose de caráter ocupacional (pedreiros, químicos, pintores, donas de casa etc.). Duas condic ̧ões muito corriqueiras são a dermatite das mãos da dona de casa (detergentes e sabões são alcalinos) e a dermatite das fraldas (ac ̧ão irritativa de fezes e urina). Dermatite das fraldas Trata-se de uma reac ̧ão inflamatória aguda, que acomete as regiões cobertas pelas fraldas, geralmente em crianc ̧as com menos de 2 anos de idade (início frequente entre o 1o e o 2o me ̂s de vida). Sua etiopatogenia envolve diversos fatores; o principal fator desencadeante é a oclusão constante da pele pela fralda, com inevitável hidratac ̧ão e consequente macerac ̧ão da epiderme. A epiderme úmida é mais suscetível ao dano friccional ocasionado pela fralda, tornando-se mais permeável aos irritantes presentes na urina e nas fezes. A inflamac ̧ão induzida pela irritac ̧ão friccional e química promove aumento da permeabilidade, facilitando, assim, infecc ̧ão secundária por Candida albicans, Proteus, Pseudomonas e B. faecalis. Manifesta-se clinicamente por lesões variadas, sendo mais intensa nas superfícies convexas, enquanto as dobras são tipicamente poupadas. Inicialmente, a pele apresenta eritema de intensidade variável, com brilho e pregueamento característicos; se houver agravamento do quadro, podem surgir edema, pápulas, vesiculac ̧ão, erosões e ulcerac ̧ões. Em uma fase mais tardia, o eritema perde o brilho e ocorre descamac ̧ão, que pode ser intensa. Eventualmente, surgem nódulos e pápulas simulando condiloma sifilítico ou erosões e ulcerac ̧ões arredondadas, o que se denomina dermatite das fraldas erosiva de Jacquet. Quando ocorre infecc ̧ão por Candida albicans, a pele fica brilhante, com descamac ̧ão fina e induto esbranquiçado, acometendo primordialmente as dobras e, frequentemente, com lesões Figura 1 dermatite de contato por produtos químicos. satélites papulosas ou vesico pustulosas características. O uso inapropriado de sabonete, antissépticos e loc ̧ões higienizadoras exacerba o processo inflamatório. O tratamento tem como base o uso de emolientes espessos, que agem como barreira contra urina e fezes, e, principalmente, preparac ̧ões com óxido de zinco, elemento com ac ̧ão anti-inflamatória. Quando houver candidíase associada, cremes com nistatina ou cetoconazol devem ser aplicados. Nos casos com infecc ̧ão bacteriana, antibióticos tópicos devem ser utilizados. Nos casos mais intensos, hidrocortisona a 1% pode ser administrada por curto período de tempo. O uso de preparac ̧ões com corticosteroides potentes não é recomendado, pois a oclusão ocasionada pelas fraldas potencializa a ocorre ̂ncia de efeitos colaterais locais, bem como eleva a absorc ̧ão siste ̂mica. Uma complicac ̧ão do uso intempestivo de corticosteroides tópicos de alta pote ̂ncia oude forma prolongada no tratamento da dermatite das fraldas é o granuloma glúteo infantil. Este é caracterizado por nódulos assintomáticos, de colorac ̧ão acastanhada ou violácea, na região das fraldas; não requer tratamento específico, além da suspensão do corticosteroide. Dermatite de contato alérgica A dermatite de contato alérgica (DCA) pode apresentar-se de 3 maneiras, Figura 2 dermatite das fraldas. caracteristicamente poupa as dobras. sempre com muito prurido: aguda (eritema, vesículas, exsudação e crostas); subaguda (eritema, pápulas, escamas e crostas); crônica (liquenificação). Assim, uma lesão arredondada (morfologia) no dorso do punho esquerdo (topografia) sugere DCA a algum constituinte da liga metálica do relógio; nos lóbulos auriculares, a componentes dos brincos (níquel) (nos seios, a componentes do sutiã (nas tatuagens de Henna (pela substa ̂ncia parafenilenodiamina) (em torno de ferimentos, a medicamentos tópicos etc. Eventualmente, encontramos lesões a dista ̂ncia do local original, ocorrendo por disseminac ̧ão do alerge ̂nio pelas mãos do paciente ao se coc ̧ar. Por vezes, em especial na região periauricular, por suas características anato ̂micas, observa- se adenopatia satélite que não é infecciosa e, sim, do próprio processo. Quadros clínicos generalizados e até mesmo eritrodermia, que caracteristicamente tende a ser mais exsudativa, podem. Não é infrequente a impetiginizac ̧ão secundária, bem como a func ̧ão de porta de entrada para desenvolvimento de erisipela ou celulite. • Na DCA, existe envolvimento primário do sistema imunológico, sendo exemplo clássico da hipersensibilidade tipo IV da classificac ̧ão de Gell e Coombs, que é a hipersensibilidade retardada ou mediada por células • O tempo desse processo será de poucos dias para alerge ̂nios com alto poder sensibilizante (p. ex., difenciprona – 7 a 14 dias), podendo levar anos para outros antígenos. Portanto, é esperado, na anamnese, que o paciente possa questionar, de certo modo, o diagnóstico, visto que sempre usou determinado produto sem nunca ter apresentado anteriormente aquela manifestac ̧ão. Em geral, a hipersensibilidade adquirida persiste por toda a vida, embora, eventualmente, ocorra o desenvolvimento de tolerância com a exposic ̧ão continuada, havendo então a cura. • Assim, no eczema de contato, os agentes etiológicos são substa ̂ncias química pouco complexas (elementos ou compostos minerais ou orga ̂nicos, haptenos). Determinadas substa ̂ncias são especialmente sensibilizantes: grupo para-amino do radical benze ̂nico (anilinas, procaína, sulfas etc.) ■ metais: destacamos o cromo (cimento, tipografia, couros), o níquel (objetos de adorno e de utilidades domésticas) e o mercúrio (remédios) ■ antibióticos: destacamos neomicina, penicilina, furacin e cloranfenicol ■ cosméticos: ressaltamos certas substa ̂ncias como eosina, hidroquinona, piragalol, azocorantes, resorcina, fenol, formol eoutras ■ borracha e derivados: temos os mercaptobenzotiazóis e o éter monobenzílico de hidroquinona; os principais aditivos com maior potencial sensibilizante, tanto para luvas de borracha natural quanto sintéticas, pertencem aos grupos tiuram (72%), mercapto (25%) e carbamato (3% dos casos) ■ objetos plásticos: devemos considerar polivinil, polietileno, acrílicos, formaldeídos, nitrocelulose, poliamidos, os diversos componentes das epoxirresinas e outros. Figura 3 eczema de contato por tatuagem de henna Principais diferenças entre dermatite de contato alérgica e irritativa Dermatite de contato alérgica Dermatite de contato irritativa Frequência 20% 80% Causas comuns • Cosméticos: fragrâncias e conservantes • Sais metálicos: níquel, cromo, cobalto, mercúrio germicidas (formaldeído) • Plantas • Aditivos da borracha (tiurans) • Resinas plásticas (epóxi, acrílico) • Resina (colofônio) • Látex • Medicamentos tópicos • Água • Sabões Detergentes Solventes Graxas • Ácidos e álcalis poeira • Fibra de vidro Concentração do agente Menor Maior Mecanismo Imunológico Não imunológico Tipo IV (linfócitos T) Lesão direta aos queratinócitos Sensibilização Necessária Desnecessária Predisposição individual Sim Não Teste de contato Positivo Negativo Tempo de aparecimento das lesões após o contato Algumas horas Minutos até 48h Demarcação anatômica das lesões Menos frequente Mais frequente Resolução clínica Aproximadamente 3 semanas Após 96h Tratamento Afastamento da causa Corticosteroide tópico/sistêmico Anti-histamínico sistêmico Afastamento da causa Corticosteroide tópico/sistêmico Anti-histamínico sistêmico diagnostico diferencial • Faz-se principalmente com os outros eczemas, dermatofitoses, dermatofítides, psoríase, parapsoríase e farmacodermias. Imunoglobulina intravenosa pode causar quadro de eczema assim como eczema disidrótico. • Tratamento e prevenção • Na prevenc ̧ão das dermatites de contato, o uso de equipamentos de protec ̧ão individual (EPI) no trabalho – como luvas, sapatos, macacões etc. – e o desenvolvimento de produtos hipoalerge ̂nicos seriam os principais objetivos a alcanc ̧ar. • No tratamento, a primeira providencia nessas dermatites é afastar o agente causal e priorizar o tratamento de infecc ̧ões secundárias eventuais. Esses procedimentos, associados ao uso de emolientes, são suficientes nos casos leves de DCIP. A DCA é doenc ̧a importantíssima do ponto de vista da medicina do trabalho. Algumas substa ̂ncias, como o látex, podem, além de causar DCA e DCIP, desencadear urticária de contato. Na DCA, a conduta dependerá da fase e da extensão do quadro; na fase aguda, inicia-se o tratamento com banho ou compressas, preferencialmente com soluc ̧ões antissépticas como soluc ̧ão de permanganato de potássio 1:40.000 durante as primeiras 24 h. A soluc ̧ão de ácido bórico 1 a 2% pode ser usada, devendo ser evitada no tratamento de grandes áreas em crianc ̧as por seu potencial nefro e neurotóxico. Em uma fase menos exsudativa (subaguda), utilizamos pasta d’água ou creme de corticosteroide tópico. Na fase cro ̂nica, está indicado o uso de corticosteroide em pomada, fita oclusiva ou, mesmo, injec ̧ão intralesional. Em casos generalizados ou de eritrodermia, indicam-se corticosteroides siste ̂micos (prednisona 0,5 mg/kg de peso). Os imunomoduladores tópicos, inibidores da calcineurina (tacrolimo e pimecrolimo), mostraram-se bastante efetivos no tratamento da dermatite de contato das mãos.