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AD1 1. Disserte sobre a compreensão do Patrimonialismo como modelo da administração pública. Em sua resposta, identifique a dominação de poder característica do Patrimonialismo. Administração pública patrimonialista caracterizou-se, principalmente pela confusão entre patrimônio público, Estado, e o patrimônio particular do detentor do poder. Originário da sociologia weberiana, o conceito de patrimonialismo foi utilizado em estudos sobre o Brasil para caracterizar a apropriação de recursos estatais por funcionários públicos, grupos políticos e segmentos privados. Nesse sentido, ele se opõe aos princípios de uma sociedade moderna ou liberal, na qual Estado e mercado estão dissociados, as burocracias são regidas por regras universais e o governo reflete as orientações da sociedade civil organizada. Para Raymundo Faoro, patrimonialismo está intimamente ligado a uma estrutura política centralizada e poderosa. A sua obra Os Donos do Poder, Formação do Patronato Político Brasileiro, traz como tema central a estrutura de poder patrimonialista estamental organizada historicamente pelo Estado português, reforçada pela chegada da corte lusa no início do século XIX e como se organizaram a Independência, o Império e a República no Brasil. Vários problemas da nação e do Estado brasileiros podem ser compreendidos pela observação de nossa formação histórica. Para o autor, o poder do Estado e a estratégia de reorganizá-lo e refundá-lo sobre bases pretensamente “modernas”, tem a categoria do interesse individual importância fundamental. De acordo com escritos de Weber, ele nos mostra e deixa patente que nosso patrimonialismo vem de um vício de origem, de um Estado autônomo em relação a sociedade brasileira, onde não se delinearam com clareza as questões de Estado dos interesses privados. Isso reforça a forma de agir patrimonialista do nosso Estado, enquanto governantes tomando decisões, e como essa influência vem sempre presente na estrutura governamental contemporânea. O instrumento de poder do estamento é o controle patrimonialista do Estado, traduzido em um Estado centralizador e administrado em prol da camada político-social que lhe infunde vida. Imbuído de uma racionalidade pré-moderna, o patrimonialismo é intrinsecamente personalista, tendendo a desprezar a distinção entre as esferas pública e privada. Em uma sociedade patrimonialista, em que o particularismo e o poder pessoal reinam, o favoritismo é o meio por excelência de ascensão social, e o sistema jurídico, lato sensu, englobando o direito expresso e o direito aplicado, costuma exprimir e veicular o poder particular e o privilégio, em detrimento da universalidade e da igualdade formal legal. O distanciamento do Estado dos interesses da nação reflete o distanciamento do estamento dos interesses do restante da sociedade. Dominação é definida por Weber, em seu conceito classicamente reproduzido, como “a probabilidade de encontrar obediência a uma norma de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis”. Verifica-se, desde logo, que o conceito de dominação proposto por Weber está intimamente ligado à própria ideia que ele tem do poder. Poder, como nos traz o autor, “significa toda a probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessas legitimidades”. Não se trata do fato de qualquer espécie de exercício de “poder” ou “influência” sobre o outro se configura como relações de dominação essencialmente legítimas, pois devemos considerar que uma dominação para ser legítima requer certa vontade de obedecer e interesse na obediência. Este aspecto é denominado de “crença na legitimidade” (ou “princípio da legitimidade”), que se configura como elemento essencial pelo qual uma ordem da autoridade é possível de ser imposta, ou também, fenômeno capital que permite a um governante atuar instituindo regras de observância aceitas como válidas e livremente aceitas, de forma contínua. Referência: Cad. EBAPE.BR, v. 9, nº 4, artigo 1, Rio de Janeiro, Dez 2011. 2. Explique a dicotomia mérito versus favor no âmbito da compreensão sobre o Patrimonialismo. A tradição do patrimonialismo brasileiro, que, a partir do estudo da natureza social do brasileiro típico, ou ainda do estudo do funcionamento de nossas instituições políticas, demonstra como a dicotomia clássica de público e privado em nossa tradição não apresenta uma separação muito distinta dessas esferas, havendo em nossa formação histórica e cultural traços que estigmatizam no homem público brasileiro a prática não demarcatória de tais âmbitos de atuação, o que de certa forma implica em um modelo de governo híbrido ou uma prática político representativa avessa a tal importante distinção. A única constatação que resta desta tradição se deve a assertiva de que onde o patrimonialismo impera, naqueles âmbitos institucionais em que o indivíduo age “privatizando a coisa pública”, não distinguindo a separação necessária entre a esfera individual e a pertencente a toda uma coletividade, nunca há a realização em sua completude dos desígnios de ordem coletiva aos quais o Estado se presta em essência a proteger. Nesses casos, sempre prevalece o sistema de clientela, muito mais do que na existência de partidos, que propõem valores e visões do mundo. Nesta ordem conjuntural, a acomodação e a corrupção tornam-se práticas comuns, não florescendo no seio da sociedade política valores republicanos, além de repelir definitivamente qualquer resquício de cidadania que possa subsistir da clivagem sociedade civil e Estado. Não há aí nem esfera pública, tampouco espaço privado, pois ambos já teriam perdido sua essência, imiscuídos em um amálgama de difícil reparação e de contínua reprodução de interesses, os quais, certamente, não são de incumbência de uma sociedade política institucionalizada na figura do Estado atender Referência: Cad. EBAPE.BR, v. 9, nº 4, artigo 1, Rio de Janeiro, Dez 2011. 3. Identifique as práticas e/ou ações presentes na gestão pública que detém o potencial de se contrapor as lógicas patrimonialista e clientelista. Justifique a sua resposta. A partir da década de 1990, processos institucionais e sociais com grande potencial de contraposição às lógicas patrimonialista e clientelista foram deflagrados. São estes: a) a consolidação de garantias constitucionais à descentralização de políticas públicas e à participação cívica e b) a retomada do vigor associativo da sociedade civil. Contudo, eles convivem com a inércia de antigos males – em movimentos de força e contraforça que dão forma à democracia brasileira. A ênfase em descentralização e participação buscou oferecer respostas às duas faces de uma crise. A primeira, associava-se à incapacidade de governança do Estado centralizador. A segunda, se ligava ao deficit de transparência nas relações entre Estado e sociedade. Ao aproximar a gestão pública dos cidadãos e ao fomentar a contabilização democrática, a Constituição Federal de 1988 produziu importantes meios de combate ao patrimonialismo e ao clientelismo. O simples fato de existir, na Constituição Federal e nas diversas legislações, a exigência da implementação da descentralização e municipalização das políticas públicas e a institucionalização dos Conselhos Gestores no processo de deliberação e controle social, não é condição suficiente para a garantia da democratização da gestão pública. É necessário que esse mecanismo constitucional seja acompanhado de uma mudança na cultura política brasileira, capaz de redefinir e alterar as relações entre Estado e sociedade. Referência: Cad. EBAPE.BR, v. 9, nº 4, artigo 1, Rio de Janeiro, Dez 2011. 4. Pode-se considerar a população do município de Poço Fundo beneficiária ou refém do Estado? Justifique sua resposta. Poço Fundo, município de pequenoporte situado no sul de Minas Gerais. Pode-se destacar três situações, demonstradas que, além de toleradas, são convertidas em estratégia individual diante da ineficiência e da insensibilidade pública. Mais que isto, elas esclarecem como os políticos capitalizam para si e para seus partidos os favores prestados e como a natureza cíclica dos privilégios constrange ações coletivas, capazes de oferecer resistência ao “loteamento” político da cidade. Evidentemente, portanto, tais estratégias não transformam o povo de Poço Fundo em beneficiário da cultura patrimonialista. Ao contrário, ele se torna refém do sistema político local. A população poço-fundense não se tornou beneficiária dessas práticas, mas sim, refém do sistema político. A precariedade dos serviços públicos identificada nos depoimentos, embora pareça causa da cultura do favor é, antes de tudo, produto desta. A universalidade e a eficiência do poder local por prestarem inestimáveis serviços à autonomia cidadã e por resgatarem a verdadeira essência da política o confronto de ideologias e não a subsistência de quem domina ou é dominado deixam de interessar aos seus operadores. Referência: Cad. EBAPE.BR, v. 9, nº 4, artigo 1, Rio de Janeiro, Dez 2011.
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