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Estudo da dor Introdução ao estudo da dor 1. Por que é importante estudar sobre dores? - Para descobrir a etiologia da doença e tratar. - Para aliviar a dor da paciente. - Não interessa a especialidade que você for seguir, sempre existirá contato com paciente que sente dor. - No Brasil mais de ⅔ da população sofre de dor crônica. No país não temos profissionais suficientes com a capacidade de lidar com esse problema. 2. O que é dor? - Uma experiência sensorial e emocional desagradavel associada ou então semelhante à associada a um dano tecidual real ou potencial. - Ou seja, a experiência de cada um é individual, a dor pode ser mais intensa em um do que em outro. - A dor não é apenas física, mas também emocional. - Se não for desagradável, não pode ser considerado dor! - Mesmo se o paciente não estiver com um dano tecidual real, se ele se queixar de dor semelhante a um dado tecidual nós devemos respeitar aquilo como dor. - É inquestionável uma sensação subjetiva influenciada por fatores biológicos, psicológicos e sociais. - Se o paciente reporta uma experiência sua como dor, ela deve ser aceita e respeitada como dor. - O processo nociceptivo é diferente (processo de gerar e perceber dor). - Durante suas experiências de vida, indivíduos aprendem sobre dor. Não apenas com as nossas experiências, mas com as experiências dos outros também. - Descrição verbal é um dos meios de expressar dor. A incapacidade de se comunicar não nega a possibilidade de estar experimentando dor. - Embora com papel adaptativo (pq a função adaptativa da dor é alertar para um problema), pode ter efeitos adversos na função e bem estar social e psicológico. Dor total: (Cicely Saunders - The founder of the modern hospice movement) - Dor física - Dor social - Dor espiritual - Dor psicológica 3. Diferenças básicas entre dor aguda e dor crônica: ● Aguda: - Duração : < 3 meses - Causa geralmente conhecida - É um sintoma - Tratamento: Responde bem - Função: Vital para proteção ● Crônica: - Duração: > 3 meses - Causa geralmente desconhecida - É uma doença - Tratamento: Não responde bem - Função: Sem função protetora 4. Como se avalia a dor? a) Observação comportamental: - fáceis, deambular, posição antálgica, gemidos de dor. - b) Parâmetros fisiológicos: - FC, FR, PA, T Yasmin Fontenele 1 c) Autorrelato: - Perguntar sobre a dor através de escalas, sempre lembrando de usar parâmetros de comparação conhecidos pelo paciente: Qual foi a pior dor que você já sentiu? Como está a sua dor atual em comparação a essa dor conhecida? - Exemplos de escalas : a) Unidimensionais: EAV (escala analógica visual), EVN (escala visual numérica). b) Multidimensionais: McGill, inventário breve de dor. c) Específicas para dor neuropática: LANSS (avaliação de sinais e sintomas de dor neuropática), DN-4 (questionário de dor neuropática). - Não devemos trocar a escala para avaliação da intensidade da dor no mesmo paciente, exceto se ele tiver mudanças no seu quadro clínico. 5. Taxonomia: - IASP: Taxonomia - Que tal falarmos a mesma língua quando tratamos de dor? ● Analgesia/hipoalgesia: - Ausência/diminuição de dor em resposta a estímulo que normalmente seria doloroso. ● Disestesia: - Uma sensação anormal desagradável, seja espontânea ou provocada. ● Hiperalgesia: - Quando um estímulo que normalmente causa dor, leva a uma sensação de dor maior do que a esperada para aquela ocasião. ● Alodínia: - Dor devido a estímulo que normalmente não causa dor. ● Nocicepção: - Processo neural de codificação ou estímulo nocivo. ● Limiar de dor: - Intensidade mínima de um estímulo que é percebido como doloroso. ● Tratamento interdisciplinar: - É aquele realizado por um time multidisciplinar colaborando na avaliação e tratamento, usando um modelo biopsicosocial e objetivos. Nesse modelo de tratamento há encontros regulares, concordância em diagnóstico e alvos terapêuticos e planejamento de tratamento. ● Tratamento multidisciplinar: - Tratamento multimodal realizado por diferentes profissionais, todos com os seus próprios objetivos terapêuticos, tendo suas próprias metas individuais e não necessariamente se comunicando. ● Tratamento unimodal: - Intervenção terapêutica única dirigida a um mecanismo específico de dor. Ex: Fisioterapia. Yasmin Fontenele 2 6. Dores nociceptivas: - Dor devido à ativação de um receptor (nociceptores). - Dor que ocorre com um sistema somatossensorial funcionando normal para contrastar com a função anormal observada na dor neuropática. - Relacionada a um dano tecidual - Ex: Crescimento de um tumor no estômago, quebrar o nariz. 7. Dor neuropática: - Causada por uma lesão ou doença no sistema somatossensitivo. - A presença de sintomas ou sinais (alodínia) por si só, não justifica o uso do termo. - Classificada em central e periférica. - Relacionada a um dano no sistema nervoso. - Ex: Síndrome do túnel do carpo. ● Principais diferenças: Dor nociceptiva Dor neuropática Geralmente dolorosa ou Dor frequentemente descrita como formigamento, latejante e bem localizada semelhante a choque e queimação (comumente associada à dormência) Geralmente com duração limitada (resolvida quando o tecido danificado é curado), podendo ser crônica Quase sempre uma condição crônica Geralmente responde a analgésicos convencionais Responde pouco a analgésicos convencionais 8. Dores nociplásticas: - Não há lesão real ou potencial tecidual (nociceptiva) nem lesão no sistema somatossensitivo (neuropática), mas há uma ativação dele. - Dores muito comuns: Cefaléias primárias, lombalgias inespecíficas, fibromialgias. - Sistema modulatório deficiênte. 9. Dores mistas: - Mais de um tipo de dor na mesma área. - Tumores/ radiculopatias/ neuropatias compressivas. Yasmin Fontenele 3 - Dor mista tem que estar na mesma localização. - Ex: Tumor de pâncreas (nociceptivo) que comprime o plexo (neuropática). Circuito nociceptivo 1. Receptor sensitivo: - Estímulo é captado por receptores de estímulos dolorosos ou terminações nervosas livres. 2. Primeiro neurônio: - Presente no sistema nervoso periférico. - Realiza sinapse com o segundo neurônio no cordão posterior na substância cinzenta da medula espinhal. 3. Segundo neurônio: - Presente no sistema nervoso central (medula espinhal), sobe contralateral até chegar no tálamo, onde realiza sinapse. 4. Núcleo ventral póstero lateral: - Está localizado no tálamo. - Ocorre a segunda sinapse. 5. Terceiro neurônio: - Leva a informação para o giro pós central (sensitivo) do córtex. Obs: Receptor sensitivo e receptores do giro pós central do córtex são variáveis, enquanto o 1° e 2° neurônios são fixos. O circuito é composto por fibras neuronais: Tipos de fibras neuronais: A) Ricamente mielinizadas ➔ Subdividido em : - Alfa: Motor somático (80-120 m/s) - *Beta: Toque e tato (33-75 m/s) - Gama: Motor fusos - *Delta: Dor rápida e frio (12-30 m/s). B) Escassamente: Pré gânglio sináptica C) *Amielinizadas: Dor lenta, calor e pós gânglio sináptico. Transdução (receptor): - Conversão de algum estímulo em eletricidade para que a corrente elétrica se origine. - Ocorre no nociceptor (receptor), que faz parte do primeiro neurônio. - O local do receptor é variável pois depende da localização onde ocorre o problema. Transmissão (neurônios): - Ocorre no 1°, 2° e 3° neurônios. 2° neurônio: ● Trato espino talâmico lateral (neoespinotalâmico): - Fibras A delta: Dor rápida e aguda e frio. - Contingente lateral - A maioria das sinapses são diretas com tálamo. - Ocorrem menos sinapses até chegar no córtex. - Bem localizada, maior exatidão. ● Trato espino talâmico medial (paleoespinotalâmico): - Fibras C: Dor lenta e crônica, calor e pós gânglio sináptico. - Tem menos exatidão pois realiza mais sinapses, perdendo algumas informações e lentificando a condução da informação. -Mal localizada, menor exatidão. - O paciente não dorme bem pq nesse trato existe comunicação com uma estrutura chamada de substância ativadora reticular ascendente, então por mais que o paciente esteja Yasmin Fontenele 4 analgesiado o paciente não dorme bem. Obs: A dor aguda é essencial como um sinal de alerta e proteção do organismo, havendo necessidade de maior rapidez de condução pelo TET, enquanto a dor crônica não tem função de proteção, então a sua condução é mais lenta e com várias sinapses ao longo do trajeto. Azul: Paleoespinotalâmico (Fibras C) Verde: Neoespinotalâmico (Fibras A delta) Obs: Quanto mais tem comunicações (sinapses), menor a exatidão e velocidade da condução da informação. 2° neurônio faz sinapse com o 3° neurônio no tálamo: Percepção (córtex): - Ocorre no giro pós central (sensitivo) e é variada porque depende da região em que ocorre a dor. - Experiência subjetiva da dor - Afetada por fatores: Experiências prévias, crenças, cultura, medo e outras individualidades. - Homúnculo de penfield: Área cortical reservada para cada órgão. Modulação: - É a alteração da percepção da dor. - Ocorre o tempo todo, constantemente. - Teoria do portão de controle da dor: Ocorrem uma série de fenômenos dolorosos, mas o nosso organismo controla esse fenômenos álgicos involuntariamente. - Ex: Após a depilação colocam a mão na região para amenizar a dor, isso é feito para ativar o sistema de modulação. ● Modulação segmentar: Feita no mesmo segmento modular em que ocorreu a dor (dor no braço, passa a mão no próprio braço): 1. Ocorre um estímulo doloroso/lesão. Yasmin Fontenele 5 2. Existe uma fibra neuronal grossa para dor (mais rápida, é a A beta). 3. Existe uma fibra neuronal fina para dor (menos rápida em comparação com a grossa, é a A delta). 4. O primeiro neurônio faz sinapse no corno dorsal da substância cinzenta da medula espinhal. 5. Existe um interneurônio inibitório na região da sinapse (substância cinzenta). 6. A função da fibra delta é que a percepção da dor chegue no córtex pós central e Para que isso ocorra o 2° neurônio deve ser excitado. 7. A fibra A delta (dor aguda) inibe o interneurônio inibitório para promover a excitação do 2° interneurônio. 8. A fibra A beta (tato, passar a mão após a depilação) excita o interneurônio inibitório, estimulando a inibição da comunicação com o 2° neurônio. 9. A fibra A beta também excita diretamente o 2° neurônio estimulando o tato, por isso que há redução da dor mas sinto o toque. ➔ Portanto, a Fibra de dor é ativada e excita o segundo neurônio (neurônio de projeção), fazendo a transmissão do estímulo. ➔ Fibra A beta (tato) não foi ativada, então não há ativação do interneurônio inibitório, então o impulso da dor sobe. se ativar a fibra A beta há excitação do interneurônio inibitório, promovendo a inibição da comunicação com o segundo neurônio e o sinal não passa. ● Modulação supra segmentar: É independente da nossa vontade, se inicia no mesencéfalo. 1. A substância cinzenta periaquedutal é ativada sempre que ocorre algum fenômeno álgico (acontece a todo momento). 2. Na substância cinzenta periaquedutal tem um neurônio descendente que ativa outro núcleo do trono (no bulbo), chamado núcleo magno da rafe, que continua descendendo. Obs: Apesar de ser uma via descendente ela é motora. 3. Do núcleo da rafe é liberado um neurônio que pode ser de 2 tipos: - 5 HT (serotonina) - Noradrenérgico 4. O neurônio se dirige ao corno posterior da substância cinzenta da medula (ponto chave da modulação). Se houver o bloqueio dessa região o estímulo não consegue chegar no cérebro e não é percebido. Obs: É na zona do corno posterior da massa cinzenta da medula que agem a maioria dos opióides exógenos , pois nessa região é possível estimular um neurônio inibitório da dor, modulando a percepção do estímulo doloroso. ➔ Em condições normais, sem a modulação, o neurônio vem despolarizando e ao chegar na parte distal ele libera vesículas contendo neurotransmissores: ● Neurotransmissores excitatórios: - Glutamato e substância P (pain) ● Neurotransmissores inibitórios: - GABA ➔ As vesículas contendo neurotransmissores se fundem na membrana e liberam os neurotransmissores excitatórios (para que o impulso continue a ser Yasmin Fontenele 6 transmitido). A substância vai ativar e excitar o segundo neurônio, que despolariza e o sinal segue para o cérebro. ➔ O neurônio que desce do núcleo magno da rafe libera noradrenalina e serotonina, que podem agir diretamente no primeiro neurônio inibindo ou através da excitação de um interneurônio inibitório (produz os opióides endógenos) ● Opióides endógenos: Endorfina, dinorfina e encefalina. - Secretados em sua maioria por interneurônios. - Agem diretamente tanto no primeiro neurônio (inibindo, para evitar a transmissão do impulso doloroso) quanto no segundo neurônio (inibindo, para evitar ainda mais a passagem do impulso). Avaliação e mensuração da dor Avaliação dos sinais vitais: ➔ PA, T, FC, FR + dor. ➔ A avaliação da dor deve ser feita de forma ativa: Perguntar diretamente para o paciente se ele está com dor, ao invés de deixar ele falar passivamente. Avaliação biomédica da dor: 1. Avaliação comportamental: - Fácies, marchas, posição antálgica, gemidos de dor. 2. Parâmetros fisiológicos: - Sinais vitais: PA, T, FC, FR + dor. 3. Autorrelato: - Entrevista ao paciente, escalas de dor. ● Anamnese dirigida para dor: A) Idade e sexo: ➔ Importância está relacionada ao diagnóstico diferencial. - Ex: Cefaléia em paciente jovem (migrânea) e em paciente acima de 50 anos (arterite temporal). - Ex: Cefaléia em mulheres (migrânea) e cefaléia em homens (cefaleia em salvas). B) Local, início e fator inicial: ➔ Local: Nome da parte anatômica. - Ex: Dor na região parietal esquerda. ➔ Início: Cefaléia progressiva ou súbita? - Ex: Dar mais atenção aos casos agudos (pode ser uma ruptura de aneurisma). ➔ Fator que inicia: É o gatilho que desencadeou a doença. - Ex: Dor na face que tem como gatilho mastigar e escovar o dente (ATM). C) Tipo da dor e irradiação: ➔ Tipo: Queimação, ardência, choque, facada, aperto ou latejante. - Perguntar: Como é a sua dor? - Não induzir a resposta do paciente !! - Dor neuropática: Costuma estar mais relacionada com queimação, ardência, choque e dormência (não é patognomônico de neuropatia, mas é mais provável). ➔ Irradiação: Especificar se tem ou não irradiação. D) Duração e frequência da dor: ➔ Duração: Quanto tempo dura determinado sintoma. ➔ Frequência: Quantos episódios dolorosos ocorreram. Yasmin Fontenele 7 - Ex: Cefaléias trigêmino autonômicas, tem os mesmos sintomas, mas o que diferencia as cefaléias é a duração e a frequência. E) Intensidade (mensuração) da dor: ➔ Escala de acordo com características do paciente. - Qual foi a pior dor que você já sentiu? - Comparando com essa pior dor que você já teve, como está a sua dor agora? - Lembrar de sempre usar a mesma escala de dor na reavaliação !!! - Mudar a escala somente se as condições clínicas desse paciente mudarem. F) Fatores agravantes e atenuantes: ➔ Agravantes: No caso de estenose de canal lombar (andar piora e essa característica ajuda no diagnóstico). ➔ Atenuantes: Paciente com cefaléia que melhora em ambiente escuro (provável migrânea). G) Tratamentos prévios: ➔ Quando foi feito ? Qual foi a duração? Quantas doses foram feitas? Quantas sessões? houve melhora perceptível? ➔ Qual foi o tipo de tratamento? - Medicamentos - Fitoterápicos - Acupuntura - Fisioterapia ➔ Avaliar se o tratamento foi adequado, avaliando todas as suas condições. H) Antecedentes pessoais e familiares: ➔ Antecedentes pessoais: Traumas anteriores, cirurgias prévias, neoplasias. - Ex: Paciente que tem uma cefaleia e nunca teve um tumor é tratado de forma diferente de um paciente que tem cefaléia e já teve neoplasia. ➔Antecedentes familiares: - Ex: Migrânea. Yasmin Fontenele 8
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