Prévia do material em texto
Teoria da literatura II Aula 5: As Poéticas Clássicas e a Perspectiva Romântica Apresentação Como estudamos anteriormente, o Formalismo Russo propõe uma compreensão de uma obra fundamentada exclusivamente no texto literário, recusando quaisquer compreensões extralinguísticas. Assim, os formalistas contrapunham-se a uma tendência de associar a literatura ao contexto social ou à biogra�a do autor. Dessa forma, a análise da poesia e da prosa funda-se no signo literário e em suas possibilidades semânticas e morfológicas. Nesta aula, teremos a oportunidade de compreender como as propostas dos formalistas russos se aplicam à análise do texto literário. Objetivos Aprender os métodos formalistas de análise de poemas e de textos em prosa. O Método Formal – Análise de Poemas Stéphane Mallarmé (1842-1898) – Importante nome do Simbolismo francês. Stéphane Mallarmé (1842-1898) – Importante nome do Simbolismo francês. Fonte: Wikipedia Clique nos botões para ver as informações. O Formalismo Russo recusa as tendências de compreensão do texto poético vinculado a questões sociais ou à biogra�a do autor. O signo poético passa a ser privilegiado na análise, e o crítico adota diversas perspectivas da linguagem, colocando em evidência aspectos semânticos, morfológicos e fonéticos da palavra. Recusa Poética Filósofo e linguista búlgaro, Tzvetan Todorov (1939) é considerado hoje um dos mais importantes pensadores do século 20. Suas obras reúnem textos dos formalistas russos. Panorama Histórico Mundial Stéphane Mallarmé, importante nome do Simbolismo francês, condensou essa proposta com a ideia de que o livro deve ser entendido como expansão total da letra. A esse respeito, propõe Todorov: “A letra e o signo verbal serão considerados por nós como a base de toda a literatura. Uma das consequências dessa decisão será que o conhecimento da literatura e o conhecimento da linguagem são simultâneos e que só poderemos falar do discurso literário na medida em que possamos falar do verbo em geral, e inversamente. ” (TODOROV, Tzvetan. Estruturalismo e poética. São Paulo: Cultrix, 1970. p. 22) Osip Brik (1888-1945) – Foi um dos membros mais importantes da Russian Formalist School. Discurso Literário Discurso Literário Clique nos botões para ver as informações. O Formalismo Russo recusa as tendências de compreensão do texto poético vinculado a questões sociais ou à biogra�a do autor. O signo poético passa a ser privilegiado na análise, e o crítico adota diversas perspectivas da linguagem, colocando em evidência aspectos semânticos, morfológicos e fonéticos da palavra. Simbolista Stéphane Mallarmé, importante nome do Simbolismo francês, condensou essa proposta com a ideia de que o livro deve ser entendido como expansão total da letra. A esse respeito, propõe Todorov:“ A letra e o signo verbal serão considerados por nós como a base de toda a literatura. Uma das consequências dessa decisão será que o conhecimento da literatura e o conhecimento da linguagem são simultâneos e que só poderemos falar do discurso literário na medida em que possamos falar do verbo em geral, e inversamente.” (TODOROV, Tzvetan. Estruturalismo e poética. São Paulo: Cultrix, 1970. p. 22) Filósofo O Formalismo gerou diversas correntes críticas para as quais o fundamental é o estudo do texto em si mesmo e não suas relações extrínsecas. Dentre essas correntes, o Estruturalismo empenhou-se em aprimorar as propostas iniciais dos formalistas. E é através das bases estruturalistas que o signo poético se expande na análise morfológica, sintática. O trabalho do crítico Osip Brik foi de extrema importância para a consolidação dos métodos de análise formalista, pois, em seus estudos sobre a versi�cação da poesia russa, destacou o verso como um complexo linguístico rítmico e sintático. Brik propunha que não fossem analisadas apenas as rimas, as aliterações e as assonâncias, mas que a análise focasse também os “planos sonoros” do texto, como o uso, no signo poético, das vogais fortes. Contra o pensamento de que a literatura perderia sua função se fosse desvinculada de aspectos sociais, Osip Brik apresentou argumentos em defesa da análise formalista do texto poético, entre os quais o de que tudo o que o poeta escreve não possui valor como expressão do seu “eu”. Considera-se, nesse caso, que, tanto a subjetividade do autor (suas emoções mais individuais) quanto a sua relação com o mundo exterior não importam na análise. O que realmente interessa aos formalistas são os elementos que compõem o texto. Além de apresentar estudos sobre elementos da poesia como rima, ritmo, harmonia e metro, também elabora teorias sobre o verso livre, evidenciando o conceito de prosa poética. Crítico Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) Aplicação do Método Formal – Análise de Poemas Como vimos anteriormente, os formalistas russos consideravam que o texto literário deveria ser analisado através de suas características imanentes, ou seja, o analista levaria em consideração apenas os elementos do próprio texto que se con�gurava como objeto de análise. Sendo assim, a Linguística tornou-se prioritariamente a ciência que levaria à compreensão da obra literária. A Um dos aspectos fundamentais observados pelos formalistas é a diferença entre a palavra poética e o uso cotidiano da palavra. Na poesia, haveria um desvio da palavra em relação à sua função no ato de fala Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)Poeta, contista e cronista brasileiro. Fonte: About Light Blog comum. Para melhor compreensão dessa proposta de análise, selecionamos a segunda estrofe do poema “Hino Nacional”, de Carlos Drummond de Andrade. B O poema de Drummond insere-se no contexto do Modernismo brasileiro. Publicado na obra Brejo das Almas, de 1934, os versos registram uma fase de crítica social do poeta. A estrofe, composta por quatro versos, elabora uma ideia negativa do Brasil e, ao mesmo tempo, que uma ação coletiva pode alterar essa imagem, pois os verbos que iniciam os versos estão na primeira pessoa do plural. C Destaca-se o signo “educar”, o qual atribui sentido aos signos “professores”, “livros” e “culturas”. Mas ocorre um desvio nessa estrofe que merece atenção. O signo “compraremos”, que inicia o segundo verso da estrofe destacada, associado a “livros” representa um falar cotidiano, visto que livros são comprados. D No entanto, associado ao signo “professores”, obriga o leitor a re�etir sobre a construção proposta, considerando-se que seriam esperados outros signos, como “formaremos”, mais adequado à imagem que se tem, tradicionalmente, da �gura do professor. Tal desvio, no entanto, contextualiza-se com a ideia negativa do Brasil, de que já falamos, proposta pelo texto. Um dos aspectos fundamentais observados pelos formalistas é a diferença entre a palavra poética e o uso cotidiano da palavra. Na poesia, haveria um desvio da palavra em relação à sua função no ato de fala comum. Atenção Precisamos educar o Brasil. Compraremos professores e livros, assimilaremos �nas culturas, abriremos dancings e subvencionaremos as elites. O Poema Outra proposta dos formalistas russos é o estranhamento, característica imanente ao texto poético. Clique em Uma nuvem de calças para ler o poema. O Argumento Nesse processo, o autor consegue promover no leitor a “desautomatizaçao”, ou seja, causa no leitor um desconforto ao retirá-lo do senso comum da comunicação, levando-o a deparar-se com a “consciência linguística da literatura.” Estranhamento – Análise do poema “Uma nuvem de calças”, de Vladimir Maiakovski. Fonte: The Charnel- House) A Leitura O autor Ivan Teixeira, no ensaio intitulado “O Formalismo Russo”, destaca esse efeito combinatório de signos, explicando que “o desconforto dos enunciados inovadores integra o complexo de propriedades que atribuem valor estético ao texto”.Evidenciamos, no fragmento do poema “A nuvem de calças”, do escritor russo Vladimir Maiakovski, esse processo de estranhamento (ostranenie), tendo em vista as combinações inusitadas entre os signosutilizados. Pôster URSS, Planos Quinquenais (1932). O exemplo acima serve para ilustrar o efeito combinatório dos signos. Fonte: Arthive Leitura Clique em Análise para analisar o fragmento do poema Uma nuvem de calças. Roman Jakibson (1896-1982) Fonte: Muni100 Roman Jakobson (1896 – 1982) Análises morfológicas e fonológicas de poemas de vanguarda A partir dos pressupostos de Chklovski, segundo os quais um poema deve ser analisado tendo como base a Linguística e os aspectos a essa ciência intrínsecos, Roman Jakobson, também integrante do Formalismo Russo, difundiu a ideia de que a função poética da linguagem consiste na ambiguidade que se alcança através da concisão do signo. Isso equivale a dizer que, como a poesia é uma expressão de linguagem reduzida, os vocábulos devem ser utilizados de forma a permitir que o leitor o expanda, seja em sua própria construção morfológica e fonológica, seja no seu signi�cado (semântica), ou, ainda, na organização sintática do verso do qual o signo faz parte. Essa proposta dos formalistas vai ao encontro dos interesses de poetas europeus que intentavam um novo jeito de fazer poesia que se distanciasse dos modelos tradicionais. A linguagem poética, portanto, era um dos alvos preferidos desses poetas, visto ser o instrumento fundamental da poesia.Surge, assim, mais especi�camente no início do século XX, a poesia de vanguarda . O termo tem origem na expressão francesa “avant-garde”, expressão militar que signi�ca “linha de frente”.1 O futurismo é um movimento artístico e literário surgido oficialmente em 20 de fevereiro de 1909, com a publicação do Manifesto Futurista, do poeta italiano Filippo Marinetti, no jornal francês Le Figaro. (www.brasilescola.com ) Fonte: Wikimedia A Vanguarda Dentre os movimentos de vanguarda, destaca-se o Futurismo, movimento iniciado por Felippo Marinetti, e que expressava uma postura utópica dos artistas envolvidos com a modernidade e o surgimento de uma nova era, e que negavam o passado e as tradições socioculturais, especialmente as que representavam ideologias burguesas. Filiaram-se aos movimentos vanguardista e futurista poetas como Vladimir Maiakovski, Ezra Pound, James Joyce, Fernando Pessoa e, no Brasil, Oswald de Andrade, Haroldo e Augusto de Campos, Ferreira Gullar, Décio Pignatari entre outros. Movimentos como Dadaísmo, Concretismo, Neoconcretismo, Poesia Experimental, Poesia Práxis e Poesia Visual têm origem na poesia de vanguarda. Os Vanguardistas Conheça agora quem foram os principais vanguardistas e futuristas da época: Vladimir Maiakovski (1893-1930) Poeta, dramaturgo e teórico russo. Ezra Pound (1885-1927) Poeta, músico e crítico literário americano. James Joyce (1882- 1941) Romancista, contista e poeta irlandês. Fernando Pessoa (1888- 1935) Poeta e escritor português. Oswald de Andrade (1890-1954) Escritor, ensaísta e dramaturgo brasileiro Um dos poetas de Vanguarda: Felippo Marinetti (1876-1944) – Também atuou como escritor, editor, ideólogo, jornalista e ativista político. Fonte: Wikipedia A Vanguarda Os poetas de vanguarda acabaram por semear o que o teórico e poeta Octavio Paz chamou de “tradição da ruptura”, considerando que existe uma continuidade do projeto artístico de ser, constantemente, uma reação contra uma fórmula anterior. Assim, romper com a tradição torna-se, em si mesmo, um ato de tradição, con�gurando-se uma “tradição da modernidade”. (PAZ, Octavio. Signos em rotação. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.) As propostas pelo Formalismo Russo, fundamentadas na Linguística, tornaram-se extremamente profícuas na análise de poemas vanguardistas, visto que os formalistas indicavam compreender o texto poético também através de uma análise morfológica e fonológica, e é exatamente essas estruturas do signo que os poetas de vanguarda alteravam para romper com a tradição da linguagem. MANIFESTO da literariedade Acompanhe agora o Manifesto Escrito por Roman Jakobson: “A poesia é linguagem em sua função estética. Deste modo, o objeto do estudo literário não é a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna determinada obra uma obra literária. E, no entanto, até hoje, os historiadores da literatura, o mais das vezes, assemelhavam-se à polícia que, desejando prender determinada pessoa, tivesse apanhado, por via das dúvidas, tudo e todos que estivessem num apartamento, e também os que passassem casualmente na rua naquele instante. Tudo servia para os historiadores da literatura: os costumes, a psicologia, a política, a �loso�a. Em lugar de um estudo da literatura, criava-se um conglomerado de disciplinas mal-acabadas. Parecia-se esquecer que estes elementos pertencem às ciências correspondentes: História da Filoso�a, História da Cultura, Psicologia etc., e que estas últimas podiam, naturalmente, utilizar também os monumentos literários como documentos defeituosos e de segunda ordem. Se o estudo da literatura quer tornar-se uma ciência, ele deve reconhecer o 'processo' como seu único 'herói'.” EIKHENBAUM, Boris et alii. Teoria da Literatura: formalistas russos. Trad. Ana Mariza Ribeiro. et alii. Porto Alegre: Globo, 1978. Eu à poesia só permito uma forma: concisão, precisão das fórmulas matemáticas. Às parlengas poéticas estou acostumado, eu ainda falo versos e não fatos. Porém se eu falo "A"este "a“ é uma trombeta-alarma para a Humanidade. Se eu falo "B“ é uma nova bomba na batalha do homem. (De V Internacional – tradução: Augusto de Campos). Vladimir Maiakovski, poeta que comungou das ideias de Jakobson, explorou sistematicamente as propostas formalistas, como se percebe no poema abaixo, no qual expõe a relação entre poesia e concisão da linguagem, além de explorar possibilidades morfológicas no texto. Abaixo algumas imagens sobre a vida de Vladimir Maiakoviski. O Modernismo brasileiro da primeira fase ou “fase heroica”, que teve início com a Semana de Arte Moderna de 1922, tem em Oswald de Andrade um de seus maiores representantes. O poeta é, também, um dos escritores que mais e melhor utilizou uma estética vanguardista, especialmente no tocante a uma rede�nição da palavra poética, o que possibilita uma análise formalista de seus textos. Para esta aula, destacamos o poema “Vício na fala”, para elaboração de uma análise morfológica e fonológica. Avance para conhecer o poema. Oswald de Andrade (1890-1954) - Um dos maiores representantes da Semana de Arte Moderna de 1922. Fonte: Tarsila do Amaral Vício na fala Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados (ANDRADE, Oswald de. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.) O poema de Oswald de Andrade tem como motivo a própria língua portuguesa e a diferença entre escrita e oralidade. Apresentam-se em oposição os signos “milho” x “mio”; “melhor” x “mió”; “pior” x “pió”; “telha” x “teia”; “telhado” x “teiado”. Temos, assim, para análise, a exploração de fatos linguísticos morfológicos e fonológicos para evidenciar, no texto, a realidade de determinados falantes, não sendo necessário contextualizar socialmente tais falantes para que o leitor entenda a proposta. No entanto, não há dúvidas de que os falantes que se representam no poema pertencem a uma classe social desfavorecida, observando-se o último verso, no qual o signo “telhados”, ao complementar o verbo “fazer”, indica trabalho braçal. Ferdinand de Saussure (1857-1913) - Graças aos seus estudos e ao trabalho de Leonard Bloomfield, a linguística adquiriu autonomia, objeto e método próprios. Seus conceitos serviram de base para o desenvolvimento do estruturalismo no século XX. Fonte: encyklopedia PWN Análise semântica de um poema de Mário Quintana Considerando a Linguística a ciência fundamental para análise do texto poético, os formalistas russos incluíram, na compreensão da poesia, os estudos de semântica. A relação entre signi�cante (forma grá�ca) e signi�cado (conceito), proposta por Ferdinand de Saussure,é utilizada largamente nas análises formalistas. Apesar de se autodenominarem “morfologistas”, como vimos, os formalistas russos não se limitavam ao estudo morfológico do signo (estrutura, formação, �exões e classi�cação das palavras). Os estudos do léxico, da sintaxe e da fonologia também fazem parte da análise, como exempli�camos acima. Da mesma forma, a semântica, área da Linguística que estuda a signi�cação das palavras no contexto em que se apresentam deve ser instrumento de análise. Poeminha do Contra Todos esses que aí estão Atravancando meu caminho, Eles passarão... Eu passarinho! (ANDRADE, Oswald de. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.) O texto do poeta gaúcho Mário Quintana compõe-se de quatro versos. Os três primeiros não surpreendem o leitor, visto se organizarem através de uma linguagem coloquial e prosaica, e com signos que não apresentam ambiguidades ou desvios em relação ao uso cotidiano da fala. No entanto, o último verso causa estranhamento no leitor por um processo semântico que precisa ser apreendido no ato da leitura. O signo “passarinho” decorre do verbo “passarão”. Tal associação, aparentemente inadequada, encontra fundamentação na proposta semântica elaborada. O signo “passarão” de�ne a transitoriedade de pessoas que estão “atravancando” o caminho do eu lírico. Há, claramente, uma adversidade que deveria ser solucionada com outro signo oposto que indicasse a permanência do sujeito que fala, sua perenidade, sua eternidade. Entretanto, o poeta apresenta ao leitor o signo “passarinho”, provocando a “desautomatização” do texto. O leitor, então, recorre à semântica para compreender o processo criativo. O signo “passarinho” pode expandir-se no seguinte campo semântico: liberdade, leveza, beleza. Entendemos, assim, que mais do que permanecer em um determinado contexto de vida (enquanto os outros “passarão”), o eu lírico manter-se-á em estado de volatilidade e liberdade, o que se opõe, semanticamente, ao signo “atravancando”. Consideramos necessário destacar ainda, para enriquecimento da análise, a oposição entre os su�xos presentes nos signos “passarão” e “passarinho” como recurso morfológico e fonológico, os quais inserem, na percepção do leitor, mais uma dicotomia entre o eu lírico (“eu passarinho”) e o objeto de quem fala (“eles passarão”). Fonte: Som do Vilarejo Frase atribuída a Mário Quintana (1906-1994) “[O Trágico Dilema]Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro”. //pensador.uol.com.br. O Método Formal – Análise de Narrativas A POESIA Sem dúvida, a poesia é o objeto primeiro de estudos dos formalistas russos, pela concisão da linguagem e, em consequência, a possibilidade de expansão da palavra poética. A PROSA OS PIONEIROS Boris Eikhenbaum elaborou uma teoria da prosa sob o ponto de vista histórico, discutindo a evolução do romance em relação à oralidade. Entretanto, a prosa também interessou aos morfologistas, visto considerarem a necessidade de estudar e aplicar o conceito de “prosa poética”. Assim, os formalistas russos entenderam que as características imanentes da poesia poderiam ser encontradas também em textos em prosa. A partir daí, conseguiu estabelecer diferenças entre o romance e a novela, sendo esta uma “equação com apenas uma incógnita”, enquanto o romance seria um “sistema de equações com muitas incógnitas”, com muitas regras a serem observadas, especialmente durante o desenrolar da trama narrativa. (Teoria da Literatura, ed. por Eikhenbaum et alii. Porto alegre: 1971) Os primeiros teóricos a discutir a narrativa de acordo com o método formal foram Viktor Chklovsky, na obra Sobre a Teoria da Prosa, Tomachevski, autor do primeiro trabalho sobre Teoria da Literatura, e Vladimir Propp, autor da Morfologia dos Contos (1928), trabalho que foi aplicado à narrativa em geral. Viktor Chklovski orienta o estudo da prosa a partir da separação entre os elementos constitutivos da narrativa e o seu conteúdo, da mesma forma que se procede com a análise do texto poético. Na obra Poética da Prosa, Tzvetan Todorov sintetiza os parâmetros que deve seguir um investigador na análise de narrativas, conforme a proposta dos formalistas russos: 1. uma classi�cação tipológica e não genética: o analista deve examinar o próprio texto, a sua estrutura interna, e não as in�uências diretas de uma obra sobre outra; 2. de�nição do tema, ou seja, a sequência de acontecimentos (e não apenas de imagens) como é apresentada na obra, sendo que, no romance, após o desfecho do tema, deve haver um certo declínio, enquanto na novela e no conto, o desfecho em ápice coincide com o �m do texto; 3. identi�car uma gramática da narrativa (léxico), a �m de que seja possível associar tanto a trama quanto os personagens a frases e seus componentes (substantivos, verbos, advérbios, adjetivos etc.); 4. por �m, a estrutura da narrativa pode ser evidenciada tanto na relação entre os personagens, destacando-se as oposições e as a�nidades entre eles, quanto nos diferentes estilos de narrativa, ou mesmo no ritmo do texto determinado pelo autor. (TODOROV, Tzvetan. Poética da prosa. São Paulo: Martins Fontes, 2003) Saiba mais EXPLICAÇÃO EXPANDIDA Todorov orienta o analista de uma narrativa a observar que, em alguns textos, cada personagem representa uma nova trama. Assim, nem sempre é possível separar a análise do tema da análise dos personagens. Esse tipo de personagem, que por si só estrutura todo o enredo e modi�ca-o, é chamado pelo teórico de “homens-narrativa” e apresenta, como exemplo, Sherazade, personagem central da obra As Mil e Uma Noites. (TODOROV, Tzvetan. Poética da prosa. São Paulo: Martins Fontes, 2003.) Método formal: Análise de Narrativas Ao analisar a obra O Capote, de Nicolai Gogol, Boris Eikhenbaum evidencia a oposição entre os personagens como elemento fundamental do texto. A trama se passa na Rússia czarista, e tem como personagem principal Akáki Akákievitch Bachmátchkin, um funcionário público que necessita comprar um capote (agasalho reforçado para uso em baixas temperaturas). Como tem pouco dinheiro, faz economias até conseguir mandar confeccionar o agasalho, mas só o utiliza por apenas um dia, pois é assaltado. Sem a ajuda das autoridades, acaba debilitado e falece. A narrativa, a partir de então, elabora-se numa atmosfera fantástica e apresenta o personagem como um fantasma que vaga pela cidade em busca de seu capote. Akáki, já fantasma, vinga-se ao assustar um importante funcionário público que lhe havia negado ajuda, e rouba-lhe o agasalho. O personagem se destaca por qualidades pouco comuns ao seu cargo de funcionário público, e é nesse ponto que ele se opõe aos demais personagens da narrativa. Akáki é dedicado ao trabalho e conforma-se com o baixo rendimento, o que o faz ser estigmatizado por seus colegas. Akáki sente mágoa, fome, medo, desespero e impotência diante da própria vida. O estranhamento é apresentado ao leitor pelo próprio narrador do texto: Mas quem poderia imaginar que não dissemos tudo a respeito de Akáki Akákievitch, condenado a tornar-se famoso alguns tempos depois da morte, como recompensa de uma vida que passou ignorada? Sucedeu efetivamente isso, e a nossa pobre história tem uma abrupta conclusão. Começou a difundir-se por são Petersburgo o rumor de que na ponte de Kaliukine, nas ruas vizinhas e nos bairros a que ela conduzia aparecia de noite um fantasma, com aspecto de funcionário público, que procurava um capote roubado e tirava capotes de todos os ombros, sem diferençar classes ou pro�ssões: os de gola de pele de gato, de castor, de coelho, de raposa ou de qualquer outra espécie de pele. Um dos funcionários da repartição viu com seus próprios olhos o fantasma e reconheceu imediatamente o defunto Akáki Akákievitch; mas produziu- lhe este tal terror que se pôs a correr quanto podia, sem se atrever a voltar a olhar para o fantasma, que o ameaçava com o dedo espetado. Referência: //virtualbooks.terra.com.br/freebook/traduzidos/o_capote.htm Boris Eikhenbaumrealiza uma análise de O Capote na qual destaca também a �gura do narrador em oposição ao personagem central. O narrador da história é irônico, ao contrário de Akáki. Segundo Eikhenbaum, através do narrador “transfere-se o centro de gravidade da trama, reduzido então ao mínimo, para os procedimentos de narração direta”. (EIKHENBAUM, Boris. Como é feito O Capote de Gogol. In: TOLEDO, Dionísio de Oliveira. (org.) Teoria da literatura: formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1973) Atenção Outra interessante análise a ser realizada na obra O Capote, seguindo a instrução dos formalistas russos, é o contraste entre personagens, em que se destacam: a) Akáki x a pessoa importante; b) Akáki, vivo x Akáki fantasma. Na primeira oposição, temos a diferença social determinada pela condição �nanceira de cada personagem; na segunda, um “duplo” que elabora o personagem principal em seu contraespelho, visto ser Akáki vivo tímido, conformado, ironizado pelos colegas, e Akáki fantasma, corajoso, ousado e ávido por fazer justiça. A �m de consolidar nosso conhecimento acerca da análise de narrativas de acordo com a orientação dos formalistas russos, destacamos uma análise de um fragmento da obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, realizada pelo professor Roberto Acízelo, na qual destaca outra característica do método formal, o desvio. Eis o fragmento utilizado: “O sol poente desatava, longa, a sua sombra pelo chão, e protegido por ela – braços largamente abertos, face volvida para os céus, - um soldado descansava. Descansava... havia três meses. Morrera no assalto de 18 de julho”. Segundo o professor Acízelo, o desvio, no fragmento acima, é provocado por um fato léxico, ou seja, de vocabulário, mais especi�camente quanto ao uso do verso “descansar”, combinado com um fato sintático, determinado pela pontuação. “O primeiro parágrafo termina com a palavra ‘descansava’, que em princípio nada tem de especial. Mas algo especial se prepara, quando o parágrafo subsequente se inicia com a mesma palavra ‘descansava’, à qual se segue a suspensão momentânea da frase, pelo emprego das reticências, concluindo-se o período com o segmento ‘havia três meses’. Assim, antecipa-se o verdadeiro sentido daquele ‘descansava’ inicial, �nalmente revelado pela palavra que abre o último parágrafo: ‘morrera’”. Relembrando Com relação ao fato sintático, Roberto Acízelo esclarece que o uso das reticências é incomum, pois, ao invés de encerrarem a frase, “operam um corte no meio dela, criando rápido suspense logo desfeito pela precipitação de seu segmento terminal”. Tratam-se, ambos os desvios, de uma proposta autoral organizada, que foge ao comum da linguagem e constituem a literariedade (literaturnost) do texto. //www.ufrgs.br/proin/versao_1/teoria2/index15.html . Finalizando as análises de estruturas narrativas, não se poderia deixar de evidenciar uma análise formalista dos aspectos morfológico, fonológico e semântico do texto que, muitas vezes, se completam para a melhor compreensão da proposta autoral. Para tanto, destacamos o conto “A Terceira Margem do Rio” , de João Guimarães Rosa. “Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — ‘Cê vai, ocê �que, você nunca volte!’ Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — ‘Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?’ Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa”. (ROSA, João Guimarães. A Terceira Margem do Rio. In: Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988). O conto organiza-se por construções frasais incomuns, marcadas tanto pela oralidade, o que se de�ne pelo léxico utilizado, quanto pelo uso de recursos sintáticos variados. Forma-se, então, a literariedade do texto. O texto apresenta desvios fonológicos que de�nem a sua oralidade, especialmente no tocante à repetição de preposições e advérbios. O fragmento selecionado é o único, em todo o texto, que apresenta discurso direto livre, representado pelas falas da mulher e do �lho, e é nesse trecho que se destaca um desvio morfológico marcado pela substituição do pronome “você” por “ocê”. Entretanto, são os desvios semânticos que enriquecem o conto de Guimarães Rosa. Destacamos os seguintes exemplos: - sem alegria nem cuidado: a oposição entre os dois substantivos estabelece um espaço intermediário em que o personagem “pai” se mantém alheio à própria família, voltado apenas para o seu projeto de partir na canoa; - decidiu um adeus para a gente: o uso do verbo, neste caso, desestabiliza o leitor, que entende ser este um ato de�nitivo; - Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida: “esbravejar” x “alva de pálida” indicam o que se esperava como reação da mulher abandonada pelo marido e como a surpresa e a dor limitaram sua atitude diante da decisão inesperada do personagem “pai”; - E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.: neste caso, destaca-se tanto a comparação entre a canoa e o jacaré, dando conta ao leitor da realidade espacial dos personagens, quanto a aparente redundância da construção “comprida longa”, o que pode ser compreendido como a lentidão do movimento da canoa sobre o rio e a ação do sol, provocando uma sombra extremamente longa sobre as águas. Como vimos, o formalismo russo considera a literariedade igualmente na poesia e na prosa, cabendo ao investigador elaborar uma análise linguística que realce as características imanentes do texto literário. Fonte: Wikipedia . Notas Vanguarda 1 Fig. [...] que exerce ou procura exercer um papel pioneiro. Desenvolvendo técnicas, ideias e conceitos novos, avançados, especialmente nas artes. (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa) Próxima aula Conhecerá a morfologia de Vladimir Propp. Explore mais Pesquise na internet, sites, vídeos e artigos relacionados ao conteúdo visto. Em caso de dúvidas, converse com seu professor online por meio dos recursos disponíveis no ambiente de aprendizagem.