Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Thalita Maria C. C. Garonci APG 7 – MENINGITES Meningite é um processo inflamatório nas meninges, as membranas que envolvem o sistema nervoso central (SNC). O alcance das meninges por um agente infeccioso pode ser por penetração fístula liquórica ou via hematogênica, a progressão do processo inflamatório é semelhante para a maioria dos agentes, modificando a velocidade de instalação. A inflamação ocorre por uma produção e liberação de citocinas – fator de necrose tumoral alfa e interleucina – de leucotrienos, prostaglandinas e outros fatores inflamatórios. Meningite crônica é definida como síndrome caracterizada por sinais e sintomas de irritação meníngea com duração superior a quatro semanas. Meningite aguda são afecções que comprometem as leptomeninges, ocasionando reação inflamatória de início abrupto. 1 ETIOLOGIA Os principais agentes das meningites agudas são bactérias e vírus, mas podem ser causadas por fungos e outros agentes patógenos. • Meningites virais, patógenos mais comuns: Enterovírus (Echo, Coxsackie) Vírus da caxumba Herpes-vírus simples Todos os enterovírus são transmitidos por via fecal-oral e crescem no trato intestinal. As infecções virais tem instalação rápida e costumam produzir quadros clínicos agudos. • Meningites bacterianas, patógenos mais comuns: Pneumococo Meningococo estreptococo do grupo B listéria hemófilos Bacilos gram negativos Os três principais patógenos causadores de meningite bacteriana aguda fazem parte da flora nasofaríngea. As infecções bacterianas apresentam instalação mais lenta, porém de maior morbidade. A diferença clínica entre as meningites agudas bacterianas e as virais está relacionada à intensidade das manifestações clínicas, sobretudo na síndrome infecciosas. 2 PATOGÊNESE E FISIOPATOLOGIA 2.1 Agente Viral: Todos os enterovírus são transmitidos por via fecal-oral e crescem no trato intestinal. Após um breve período de incubação, ocorre viremia com possibilidade de acometer as meninges, conforme o tropismo do vírus. 2.2 AGENTE BACTERIANO A meningite bacteriana se desenvolve quando os fatores de virulência do patógeno superam os mecanismos de defesa do hospedeiro. 2.2.1 Colonização das membranas mucosas • Muitos dos principais patógenos meníngeos possuem componentes de superfície, como fímbrias ou pili, que aumentam a colonização da mucosa. • Diversos receptores irão atuar para ajudar na adesão da bactéria. • A colonização do epitélio da mucosa do hospedeiro é facilitada pela evasão da imunoglobulina A secretora da mucosa (IgA) por meio da secreção do patógeno da protease IgA. Thalita Maria C. C. Garonci • A protease IgA inativa o anticorpo da mucosa e facilita a fixação bacteriana às células epiteliais do hospedeiro. • Após a colonização bem-sucedida, a invasão ocorre através do epitélio por meio de vias intracelulares ou intercelulares que são mediadas por adesinas de ligação específicas da superfície bacteriana. • A cápsula bacteriana, uma característica comum a N. meningitidis, H. influenzae e S. pneumoniae, é o fator de virulência mais importante nesse aspecto. 2.2.2 Invasão da corrente sanguínea • A colonização com patógenos meníngeos é muito mais comum do que a invasão da corrente sanguínea e subsequente meningite. • A invasão da corrente sanguínea é provavelmente mediada por uma interação de fatores ambientais, do hospedeiro e fatores genéticos dos patógenos. • Fatores ambientais como infecção viral anterior (por exemplo, gripe), tabagismo e abuso de álcool, contribuem para invasão da bactéria na corrente sanguínea. • Enquanto os fatores do hospedeiro incluem asplenia, deficiência de complemento, deficiência de anticorpos e terapia ou condições imunossupressoras. 2.2.3 Sobrevivência intravascular • Após invasão e entrada na corrente sanguínea, a cápsula polissacarídica dos principais patógenos meníngeos (S. pneumoniae, N. meningitidis, H. influenzae , GBS e E. coli ) serve como a principal linha de defesa ao inibir a superfície deposições de adesinas (por exemplo, fatores do complemento), evitando assim a fagocitose. • Os patógenos evitam a atividade bactericida do complemento, sobrevivem na corrente sanguínea e cruzam a barreira hematoencefálica para o líquido cefalorraquidiano (LCR). 2.2.4 Invasão meníngea • A penetração bacteriana no espaço subaracnóideo é facilitada pela duração e grau da bacteremia e ocorre pela interação da bactéria com as células endoteliais da barreira sangue-LCR nas veias pós-capilares. • Tanto em H. influenzae quanto em S. pneumoniae , há evidências de que o plexo coróide pode ser o local de entrada inicial da bactéria no ventrículo com subsequente disseminação por todo o LCR. • Após a invasão bem-sucedida do LCR, as bactérias podem se multiplicar em altas concentrações em algumas horas devido à imunidade humoral inadequada no LCR. • Especificamente, baixas concentrações de imunoglobulina e complemento no LCR humano resultam em atividade opsônica pobre, replicação bacteriana bem-sucedida e subsequente desenvolvimento de inflamação. A doença clínica observada quando as bactérias entram no líquido cefalorraquidiano (LCR) é o resultado de uma interação complexa de componentes da bactéria e a resposta inflamatória do hospedeiro. Essa interação influencia tanto a barreira hematoencefálica quanto a integridade neuronal. À medida que as bactérias começam a morrer, especialmente após a exposição à antibioticoterapia, os fragmentos bacterianos interagem com os receptores de reconhecimento de padrões que desencadeiam a resposta imune do hospedeiro. Pensa-se que os principais mediadores do processo inflamatório sejam IL-1, IL-6, metaloproteinases de matriz e fator de necrose tumoral (TNF). Uma vez iniciada a inflamação, ocorre uma série de lesões no endotélio da barreira hematoencefálica (por exemplo, separação das junções estreitas intercelulares) que resultam em edema cerebral vasogênico, perda de autorregulação cerebrovascular e aumento da pressão intracraniana. Isso resulta em áreas localizadas de isquemia cerebral, lesão citotóxica e apoptose neuronal. O desenvolvimento de edema encefálico contribui para um aumento da pressão intracraniana, resultando potencialmente em herniação encefálica ameaçadora para a vida. Edema encefálico vasogênico é causado principalmente pelo aumento da permeabilidade da barreira hematencefálica. Edema encefálico citotóxico resulta de tumefação dos elementos celulares do encéfalo devido a fatores tóxicos provenientes de bactérias ou de neutrófilos. Edema encefálico intersticial reflete obstrução do fluxo do líquido cerebrospinal, como na hidrocefalia. Thalita Maria C. C. Garonci A morte de células neuronais, ou apoptose, é causada tanto pela resposta inflamatória imune quanto por toxicidade direta de componentes bacterianos, e, clinicamente, pode estar associada com deficiência cognitiva como uma sequela de longo prazo da meningite. Complicações cerebrovasculares, inclusive infarto ou hemorragia, são comuns e podem ser devidas à coagulação intravascular localizada. 3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Os sintomas associados com meningite, tanto bacteriana quanto viral, incluem início agudo de febre, cefaleia, rigidez de nuca (meningismo), fotofobia e confusão mental. A irritação meníngea associa-se aos seguintes sinais: Sinal de Kernig – resposta em flexão da articulação do joelho, quando a coxa é colocada em certo grau de flexão, relativamente ao tronco. Há duas formas de se pesquisar esse sinal: paciente em decúbito dorsal – eleva-se o tronco, fletindo-o sobre a bacia; há flexão da perna sobre a coxa e destasobre a bacia; paciente em decúbito dorsal – eleva-se o membro inferior em extensão, fletindo-o sobre a bacia; após pequena angulação, há flexão da perna sobre a coxa. Essa variante chama-se, também, manobra de Laségue. Sinal de Brudzinski – flexão involuntária da perna sobre a coxa e desta sobre a bacia, ao se tentar fletir a cabeça do paciente. 3.1 VIRAL • Quando se trata de enterovírus, as mais frequentes são: febre, mal-estar geral, náusea e dor abdominal na fase inicial do quadro, seguidas, após cerca de 1 a 2 dias, de sinais de irritação meníngea, com rigidez de nuca geralmente acompanhada de vômitos. • meningite aguda viral causa menor repercussão sistêmica: alguns vírus do grupo Echovirus e Coxsackie A causam exantemas e enantema oral acinzentado (herpangina); alguns vírus do grupo Coxsackie B causam pleurodinia, pericardite, orquite e neurite braquial. • É importante destacar que os sinais e sintomas inespecíficos que mais antecedem e/ou acompanham o quadro da meningite asséptica por enterovírus são: manifestações gastrointestinais (vômitos, anorexia e diarreia), respiratórias (tosse, faringite) e ainda mialgia e erupção cutânea. • Em geral o restabelecimento do paciente é completo, mas em alguns casos pode permanecer alguma debilidade, como espasmos musculares, insônia e mudanças de personalidade. A duração do quadro é geralmente inferior a uma semana. 3.2 BACTERIANA • O quadro clínico, em geral, é grave e caracteriza-se por febre, cefaleia, náusea, vômito, rigidez de nuca, prostração e confusão mental, sinais de irritação meníngea, acompanhadas de alterações do líquido cefalorraquidiano (LCR). • No curso da doença podem surgir delírio e coma. Dependendo do grau de comprometimento encefálico (meningoencefalite), o paciente poderá apresentar também convulsões, paralisias, tremores, transtornos pupilares, hipoacusia, ptose palpebral e nistagmo. Casos fulminantes com sinais de choque também podem ocorrer. • A meningite por Haemophilus influenzae, o hemófilo, é comumente precedida por infecção respiratória alta e otites em pacientes não vacinados. • As meningites meningocócicas podem provocar alterações vasculares, como rash cutâneo, petéquias, equimoses ou palidez cutânea. Thalita Maria C. C. Garonci • A meningite pneumocócica é geralmente precedida por infecção nos pulmões, ouvidos, seios da face ou válvulas cardíacas, sendo suspeitada nos alcoólatras, nos esplenectomizados e nos idosos. • As derivações ventrículo-peritoneais são propensas a infecções por estafilococos coagulase-negativos. • A imunodepressão predispõe a infecções por enterobactérias e listéria. 4 DIAGNÓSTICO A avaliação de um paciente com suspeita de meningite inclui hemograma, hemocultura, punção lombar seguida de estudo cuidadoso e cultura do LCS e radiografia de tórax. 4.1 Análise do líquor Sistematicamente, o diagnóstico liquórico dos processos infecciosos do SNC começa pela citologia e pela bioquímica. Posteriormente, a identificação do patógeno pode ser feita diretamente pela visualização do agente ou do crescimento em cultura. Indiretamente, podem ser pesquisados anticorpos, antígenos e componentes genômicos. Também é muito importante a pesquisa de agentes infecciosos em outros sítios, como orofaringe e sangue. O aspecto do líquor normal é límpido e incolor, como “água de rocha”. Nos processos infecciosos ocorre o aumento de elementos figurados (células), causando turvação, cuja intensidade varia de acordo com a quantidade e o tipo dessas células. Meningites virais: • As alterações laboratoriais encontradas são mais brandas. • Pleocitose discreta - às custas de linfomononucleares • proteinorraquia normal ou discretamente aumentada • níveis normais de glicose e lactato. • Entretanto, o número de células pode ultrapassar 1.000 por mm3. Meningites bacterianas: • Predominam os polimorfonucleares • Os níveis proteicos estão bastante aumentados por conta da quebra da barreira hematoencefálica e os de glicose muito baixos. • Os níveis de lactato estão aumentados no LCR. 4.2 EXAMES A SEREM PEDIDOS Meningite Viral: • sorologia (pesquisa de anticorpos IgG e IgM) – soro; • isolamento viral em cultura celular – líquor e fezes; • reação em cadeia da polimerase (PCR) – LCR, soro e outras amostras; • exame quimiocitológico do líquor. Meningite Bacteriana: • cultura (padrão ouro) – LCR, sangue, raspado de lesões petequiais ou fezes; • reação em cadeia da polimerase (PCR) – LCR, soro, e outras amostras; • aglutinação pelo látex – LCR e soro; • bacterioscopia direta – LCR e outros fluidos estéreis; • exame quimiocitológico do líquor Thalita Maria C. C. Garonci 5 TRATAMENTO 5.1 MENINGITE VIRAL O tratamento antiviral específico não tem sido amplamente utilizado. Em geral, utiliza-se o tratamento de suporte, com avaliação criteriosa e acompanhamento clínico. Tratamentos específicos somente estão preconizados para a meningite herpética (HSV 1 e 2 e VZV) com aciclovir endovenoso. Na caxumba, a gamaglobulina específica hiperimune pode diminuir a incidência de orquite, porém não melhora a síndrome neurológica. Pode ser utilizado antitérmicos e analgésicos para a temperatura e a dor. 5.2 MENINGITE BACTERIANA O tratamento com antibiótico deve ser instituído assim que possível. O tratamento precoce e adequado dos casos reduz significativamente a letalidade da doença e é importante para o prognóstico satisfatório. Thalita Maria C. C. Garonci O uso de antibiótico deve ser associado a outros tipos de tratamento de suporte, como reposição de líquidos e cuidadosa assistência. A duração do tratamento antibiótico em pacientes com meningite bacteriana varia de acordo com o agente isolado e deve ser individualizada de acordo com a resposta clínica. O Quadro 2 apresenta a recomendação de antibioticoterapia para casos de doença meningocócica em crianças e adultos. 6 MENINGITE TUBERCULOSA A meningite provocada pelo bacilo da tuberculose que geralmente se encontra associada a casos de pacientes com HIV. Apresenta evolução mais lenta, de semanas ou meses, tornando difícil o diagnóstico de suspeição. Quando não tratada, classicamente o curso da doença é dividido em três estágios Duração de 1 a 2 semanas, caracterizando-se pela inespecificidade dos sintomas: podendo ocorrer febre, mialgias, sonolência, apatia, irritabilidade, cefaleia, anorexia, vômitos, dor abdominal e mudanças súbitas do humor, sintomas comuns a qualquer processo inespecífico. Caracteriza-se pela persistência dos sintomas sistêmicos e pelo surgimento de evidências de dano cerebral (sinais de lesão de nervos cranianos, exteriorizando-se por paresias, plegias, estrabismo, ptose palpebral, irritação meníngea e hipertensão endocraniana). Nessa fase, alguns pacientes apresentam manifestações de encefalite, com tremores periféricos e distúrbios da fala. Ocorre quando surge o déficit neurológico focal, opistótono (tipo de posição anormal causada por fortes espasmos musculares), rigidez de nuca, alterações do ritmo cardíaco e da respiração e graus variados de perturbação da consciência, incluindo o coma. Em qualquer estágio clínico da doença, pode-se observar convulsões focais ou generalizadas. As principais complicações das meningites bacterianas são: perda da audição, distúrbio de linguagem, retardo mental, anormalidade motora e distúrbios visuais. Thalita Maria C. C. Garonci 7 MENINGITE FÚNGICA As meningites fúngica são as mais raras de se contrair, acometendo indivíduo portadoresde alguma imunodeficiência, como portadores do vírus HIV e de neoplasias do sistema linfoide, porém são altamente perigosas e necessitam de um Cryptococcus neoformans rápido tratamento para não deixarem sequelas. Quadro Clinico: Os sintomas característicos da meningite por Cryptococcus neoformans são dores persistentes na nuca,febre prolongada, alta sudorese, crises de náuseas e vômitos pós-alimentares, dor aguda atrás dos olhos, rápida perda de peso, também são sintomas normais em pacientes com AIDS por isso o diagnóstico da meningite criptocócica é de difícil realização. Em pacientes imunodeficientes os sintomas são mais atenuados e persistentes, aparecendo quando a doença já está instalada a algum tempo. Referência Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços. Guia de Vigilância em Saúde : volume único [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços. – 3ª. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2019. Clínica médica, volume 6: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. – 2. ed. – Barueri, SP: Manole, 2016. – (Clínica médica). Semiologia Médica - Celmo Celeno Porto - 8ª Edição. 2019. Editora Guanabara Koogan. Neurologia : diagnóstico e tratamento/[coordenação] Paulo Henrique Ferreira Bertolucci...[et. al]. – 2. ed. – Barueri, SP: Manole, 2016 UPTODATE:
Compartilhar