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SUMÁRIO 1. O Rim .............................................................................. 3 2. Filtração Glomerular .................................................. 8 3. Sistema Tampão .......................................................23 Referências Bibliograficas .........................................26 3FUNÇÃO RENAL Para melhor compreender os exames laboratoriais que permitem a avalia- ção da função renal, é necessário fa- zer uma revisão anatômica e funcio- nal deste órgão. 1. O RIM Os rins encontram-se fora da cavida- de peritoneal. Cada rim em um adulto pesa aproximadamente 150 gramas. O rim é recoberto por uma cápsula dura e fibrosa, que protege suas de- licadas estruturas internas. As duas principais regiões do rim são o córtex externo e a medula interna. A medu- la é dividida em 8 a 10 massas de tecido em forma de cone chamadas de pirâmides renais. A base de cada pirâmide origina-se na borda entre o córtex e a medula, e termina na papi- la, que se projeta para dentro do es- paço da pelve renal, uma continuação da extremidade superior do ureter, em forma de funil. A borda externa da pelve é dividida em bolsas abertas denominadas grandes cálices, que se estendem para baixo e se dividem em cálices menores, que coletam a urina dos túbulos de cada papila. As pare- des dos cálices, da pelve e do ureter contêm elementos contráteis que im- pulsionam a urina em direção à bexi- ga, onde é armazenada até que seja eliminada pela micção. Figura 1. Estrutura dos rins. Fonte: Guyton & Hall, Fundamentos da Fisiologia, 13ª edição. 4FUNÇÃO RENAL Vascularização renal O sangue flui para cada rim através da artéria renal, que se ramifica progres- sivamente para formar as artérias interlobares, artérias arqueadas, artérias interlobulares e as arterío- las aferentes, que levam aos capila- res glomerulares, onde a filtração dos líquidos e dos solutos começa. Os ca- pilares de cada glomérulo se juntam para formar uma arteríola eferente, que leva a uma segunda rede capilar, os capilares peritubulares, que cir- cundam os túbulos. Os capilares pe- ritubulares se esvaziam nos vasos do sistema venoso, que correm paralelos aos vasos arteriolares, e progressi- vamente formam a veia interlobu- lar, veia arqueada, veia interlobar e veia renal. A veia renal deixa o rim ao longo da artéria renal e do ureter. Os vasa recta são capilares peritu- bulares especializados que se esten- dem para o interior da medula renal e cursam paralelamente às Alças de Henle. A parte externa do rim, o córtex renal, recebe a maioria do flu- xo sanguíneo do rim; e apenas 1% a 2% do total do fluxo sanguíneo renal passa pelos vasa recta, que suprem a medula renal. Duas características distintas da circulação renal são a alta taxa de fluxo de sangue e a presença de dois leitos capilares, os capilares glomerulares e peritubulares, que são arranjados em série e separados pe- las arteríolas eferentes. Os capilares glomerulares filtram grandes quanti- dades de líquidos e solutos, a maioria dos quais são reabsorvidos dos túbu- los renais nos capilares peritubulares. Figura 2. Corte do rim humano mostrando os principais vasos que fornecem o fluxo sanguíneo para os rins. Fonte: Guyton & Hall, Fundamentos da Fisiologia, 13ª edição. 5FUNÇÃO RENAL O néfron É a unidade funcional dos rins. Pode- mos descrevê-lo como uma estrutura microscópica formada por Corpúscu- los de Malpighi, contendo o sistema tubular, composto pelo túbulo con- torcido proximal, alça de Henle, tú- bulo contorcido distal e finalmente o túbulo coletor. O néfron se responsa- biliza pelos dois principais processos que envolvem a gênese da urina, a produção do filtrado glomerular nos Corpúsculos de Malpighi e o comple- xo processamento deste filtrado em seu sistema tubular. O Corpúsculo de Malpighi, os túbulos contorcidos pro- ximal e distal e a parte inicial do tú- bulo coletor são elementos corticais, enquanto a alça de Henle e a maior parte dos túbulos coletores fazem parte da zona medular. Figura 3. Microcirculação do néfron. Fonte: Guyton & Hall, Fundamentos da Fisiologia, 13ª edição. Funções renais Os rins são órgãos excretores e re- guladores que eliminam o excesso de água e metabólitos do organismo, controlam o volume de líquidos corpo- rais, contribuindo para a manutenção da homeostase. Dentre suas várias funções, podemos citar: 6FUNÇÃO RENAL Excreção de metabólitos e substâncias exógenas Metabólitos como a ureia, a creatinina, o ácido úrico e substâncias exógenas, como medicamentos e outros produ- tos químicos que não fazem parte do metabolismo corpóreo, são filtrados e excretados através da urina. Produção e secreção hormonal Os rins produzem e secretam a reni- na, uma proteína importante no con- trole da pressão arterial; o calcitrol ou vitamina D3, forma ativa da vitamina D, necessária para a reabsorção de íons cálcio no trato gastrointestinal e para a deposição de cálcio nos ossos; e a eritropoietina, hormônio que es- timula a produção de eritrócitos pela medula óssea. Regulação do equilíbrio eletrolítico e ácido-base Os rins regulam a excreção de íons inorgânicos, tais como Na+, K+, Cl-, HCO3-, H+,Ca2+ e PO43-, fazendo com que as quantidades ingeridas sejam iguais às excretadas e, assim, não haja balanço negativo ou positivo de nenhuma delas. O pH sanguíneo ideal é em torno de 7,4 e os rins, jun- tamente com o fígado e com os pul- mões, agem através de sistemas de tamponamento temporários ou defi- nitivos para mantê-lo constante. Neoglicogênese Em situações de jejum prolongado ou diabetes mellitus descompensada, os rins são capazes de sintetizar glico- se a partir de aminoácidos e outros precursores. Regulação da pressão arterial A pressão arterial (PA) depende basi- camente do débito cardíaco e da re- sistência periférica total, e o aumento dessas duas variáveis, em um indiví- duo saudável, não é capaz de alterar sua pressão arterial média a longo pra- zo porque os rins atuam para manter o ponto de equilíbrio da PA através do débito renal de água e sal. Caso ocorra aumento da PA, o débito renal de água e sal aumenta na tentativa de diminuí- -la – as excreções de água e de sal pela urina são fenômenos denominados de diurese e natriurese pressóricas, res- pectivamente. Os dois mecanismos principais pelos quais os rins controlam esse débito renal de água e sal são: • Sistema Renina-Angiotensina-Al- dosterona: a renina é uma enzima armazenada nas células justaglo- merulares na forma de pró-renina. Quando a PA diminui, a renina é liberada e age sobre o angioten- sinogênio, que é ativado e trans- forma-se em angiotensina I, que é catalisada nos vasos pulmona- res e transforma-se em angioten- sina II, um potente vasoconstritor que promove a vasoconstrição das 7FUNÇÃO RENAL artérias e a leve vasoconstrição das veias, aumentando o retorno venoso e o bombeamento cardía- co. A angiotensina II também pro- move a reabsorção de sódio pelos túbulos proximais e a produção de aldosterona pelo córtex adrenal. A aldosterona também provoca o aumento da reabsorção de só- dio, aumentando assim o volume extracelular e contribuindo para o aumento da pressão arterial. Este sistema é controlado por feedba- ck negativo, sendo desestimulado pela redução da PA. • Peptídeo natriurético atrial: este me- canismo é antagônico ao sistema renina-angiotensina-aldosterona, pois estimula a diminuição da pres- são arterial. O peptídeo natriurético atrial (PNA) é produzido pelo mió- citos atriais quando o volume san- guíneo aumenta, provocando o es- tiramento do músculo cardíaco. O PNA promove a vasodilatação da arteríola aferente e a vasoconstri- ção da arteríola eferente, aumen- tando a taxa de filtração glomeru- lar e, portanto, a carga filtrada de sódio, além de inibir a reabsorção de sódio agindo diretamente nas células do ducto coletor. Também inibe a secreção de renina e a libe- ração hipotalâmica de ADH, dimi- nuindo a permeabilidadedos duc- tos coletores à água e aumentando o volume da urina. HORA DA REVISÃO! Formação da urina: a primeira etapa na formação da urina é a filtração que ocorre na cápsula glomerular, sendo um processo passivo. Caracteriza-se pela saída do filtrado do plasma do interior do glomérulo para a cápsula e isso ocorre em virtude da alta pressão do sangue nes- te local. O chamado filtrado glomerular, ou urina inicial, é livre de proteínas e assemelha-se ao plasma sanguíneo. O filtrado resultante da etapa da filtração apresenta substâncias que são bastante importantes para o organismo e devem ser reabsorvidas. A reabsorção ocorre no túbulo néfrico, principalmente nos túbulos proximais, e é importante para evitar a perda excessiva de substâncias, tais como água, sódio, glicose e aminoácidos. Este processo é responsável por determinar como será a composição final da urina. A concentração da urina formada é regulada através da secreção de ADH (hormônio antidiurético) pela neuro-hipó- fise. Este hormônio atua aumentando a permeabilidade dos túbulos distais e ductos cole- tores, fazendo com que ocorra uma maior reabsorção de água. A liberação de ADH é maior quando bebemos pouca água, pois é uma forma do corpo diminuir a eliminação desta subs- tância que está escassa no momento. É importante frisar que algumas substâncias estão em concentrações muito elevadas no nosso organismo, sendo assim, elas não são comple- tamente reabsorvidas e parte é perdida na urina. Indivíduos portadores de diabetes mellitus, por exemplo, apresentam grande quantidade de glicose no sangue e consequentemente na urina. Algumas substâncias presentes no sangue e que são indesejáveis ao organismo são absorvidas pelas células do túbulo contorcido distal. Ácido úrico e amônia fazem parte des- sas substâncias que são retiradas dos capilares e lançadas ao líquido que formará a urina. Após passar por toda a extensão do túbulo néfrico, a urina está formada e é então conduzida até os ureteres, que a levarão até a bexiga, onde permanecerá até sua eliminação. 8FUNÇÃO RENAL 2. FILTRAÇÃO GLOMERULAR A gênese da urina se inicia com a for- mação do filtrado glomerular nos Cor- púsculos de Malpighi, um processo denominado Filtração Glomerular. Durante seu trajeto ao longo dos ca- pilares glomerulares, o plasma é, por- tanto, forçado a atravessar a parede do vaso, o que resulta na formação de um ultrafiltrado que, a partir de então, será processado ao longo do néfron. A taxa de filtração glomerular (TFG), clearence ou ritmo de filtração glo- merular (RFG) corresponde à soma dos RFGs individuais de cerca de 2 milhões de glomérulos. Esses milhões de glomérulos que constituem os rins filtram cerca de 120-180 L de plas- ma por dia (média: 140 L/dia), o que dá aproximadamente 80-120 ml/min de filtrado, sendo essa a TFG normal. A determinação direta do RFG é evi- dentemente impossível, o que torna necessário calculá-lo mediante o em- prego de compostos que funcionam como marcadores. Para este objetivo, é essencial o conceito de depuração, mais conhecida por seu equivalente em inglês, clearance. Define-se a taxa de depuração plasmática, ou clearan- ce, de uma substância “x” como o fluxo de plasma depurado dessa substân- cia na unidade de tempo. Este fluxo, habitualmente expresso em mL/min, é calculado dividindo-se a massa de “x” excretada na urina (igual ao pro- duto da concentração urinária de “x”, U, pelo fluxo urinário, V) pela concen- tração plasmática de “x”, representa- da por P. O clearance de x, C, é, por- tanto, calculado por: mL/min Legenda: C: clearence de uma substância U: concentração urinária da substância V: fluxo urinário P: concentração plasmática da substância Para melhor compreender o signi- ficado fisiológico do clearance é útil considerar alguns casos particulares. Quando uma substância não é excre- tada na urina, seu clearance renal, cal- culado pela fórmula descrita acima, é SAIBA MAIS! O aumento da ingesta de NaCl tem maior capacidade de elevar a PA do que o aumento da ingesta de água, pois enquanto a água pura é eliminada pela urina por osmose quase na mesma velocidade com que é ingerida, o cloreto de sódio provoca o acúmulo de líquido extra- celular e, portanto, o aumento da reabsorção de água e a redução do volume de urina. 9FUNÇÃO RENAL zero, ou seja, o volume de plasma de- purado dessa substância é nulo. É o caso, por exemplo, da IgM, totalmente retida pela parede glomerular devido a suas dimensões; e da glicose, filtra- da livremente, mas totalmente reab- sorvida nos túbulos. Por outro lado, se os rins eliminam completamente a massa de uma substância que chega a eles pela circulação, a taxa de ex- creção urinária será exatamente igual ao fluxo da substância que alcança as artérias renais. SAIBA MAIS! A taxa de filtração glomerular (TFG) é determinada pelo equilíbrio das forças hidrostáticas e coloidosmóticas (também chamadas de oncóticas) que agem nas membranas dos capilares da cápsula de Bowman. A pressão hidrostática é exercida pelos líquidos e força-os através dos poros dos capilares para o espaço intersticial, estando em torno de 60 mmHg no capilar glomerular e 18 mmHg na cápsula de Bowman, justamente para que os líquidos sejam “em- purrados” do local de maior pressão para o de menor pressão. Já a pressão coloidosmótica é exercida pelas proteínas e faz com que os líquidos se movam do interstício para o sangue. Ela está presente apenas nos capilares, uma vez que na cápsula de Bowman não há proteínas. A pressão oncótica nas arteríolas aferentes é de 28 mmHg e nas eferentes é de 36 mmHg, re- sultando numa média de pressão no capilar glomerular de 32 mmHg, que ainda é menor que a pressão hidrostática na cápsula, impedindo o influxo de líquido do glomérulo para o capilar. Cerca de 125 mL de sangue são filtrados por minuto, totalizando aproximadamente 180 L por dia. O fluxo sanguíneo renal corresponde a aproximadamente 22% do débito cardíaco e tem por finalidade suprir os rins com nutrientes necessários e remover produtos indesejáveis. A estimativa do RFG é parte essen- cial da avaliação clínica, uma vez que muitas nefropatias evoluem de modo assintomático, tendo como único si- nal de alerta a queda do RFG. Nes- ses casos, o RFG funciona como um indicador indispensável da função renal, embasando o diagnóstico de insuficiência renal, quando apresen- ta valores reduzidos; ou indicando a recuperação da função renal à medi- da que retorna aos valores de refe- rência. Nem sempre o achado de um RFG normal indica que os gloméru- los estão perfeitamente hígidos. Se a permeabilidade das paredes dos ca- pilares glomerulares for significativa- mente maior do que zero, pode haver perda de proteínas na urina, denomi- nada proteinúria, mesmo em face de um RFG normal. Patologias que promovem a queda da TFG Hipertensão Arterial Sistêmica A elevação da pressão arterial sistê- mica promove alterações significa- tivas na microcirculação glomerular, que a protegem contra a agressão 10FUNÇÃO RENAL mecânica. A pressão capilar glomeru- lar é mantida em níveis praticamen- te normais graças ao mecanismo fi- siológico de autorregulação do RFG, mas se a hipertensão se mantiver por tempo suficiente (meses ou anos), a faixa de autorregulação pode deslo- car-se para a direita, acomodando-se, por exemplo, entre 100 e 180 mmHg, em vez dos 70 a 150 habituais. Por outro lado, a exposição contínua da parede da arteríola aferente a níveis pressóricos elevados pode provocar o aparecimento de lesões estruturais sérias, como hialinose arteriolar, que podem alterar a resposta miogênica, retardando e/ou limitando o mecanis- mo de autorregulação. SAIBA MAIS! A correção intempestiva da hipertensão, trazendo abruptamente a pressão arterial a valores “normais”, mas abaixo do limite inferior de autorregulação do paciente, pode reduzir drasti- camente o RFG, precipitando a instalação de uma injúria/insuficiência renal aguda. Por este motivo, em hipertensosde longa data, especialmente nos que já apresentam função renal reduzida, é necessário cautela ao prescrever medicações antihipertensivas, baixando a pres- são arterial em torno de 20% ao dia, até atingir o alvo, que não pode ser excessivamente ambicioso (o limite de 140 x 90 mmHg é geralmente adequado nesses casos). Doença Renal Crônica Seja qual for a causa primária da DRC, sua progressão leva invariavelmen- te à redução gradativa do número de néfrons. Em consequência, a taxa de filtração por néfron remanescen- te aumenta muito, podendo atingir o dobro ou até o triplo do normal, ate- nuando assim a queda do RFG, que é inevitável. Estados de hipovolemia As hipovolemias graves usualmente são acompanhadas de uma queda acentuada da pressão arterial. Além disso, ocorre vasoconstrição gene- ralizada, inclusive na microcirculação renal, particularmente nas arteríolas aferentes, como parte do esforço do organismo para impedir ou atenuar a queda da pressão arterial. Pacientes nefróticos e portadores de insuficiên- cia cardíaca congestiva também po- dem evoluir com má perfusão renal, na primeira condição por redução real da volemia e, na segunda por baixo débito cardíaco. Obstrução urinária O processo de filtração glomerular pode ser severamente limitado ou to- talmente interrompido quando as vias urinárias são obstruídas por cálculos renais, tumores ureterais, tumores 11FUNÇÃO RENAL pélvicos com compressão extrínseca ou invasão dos ureteres ou da bexi- ga, fibrose retroperitoneal e hiperpla- sia prostática, entre outras anomalias. Previsivelmente, a pressão hidráulica no interior das vias urinárias obstruí- das se eleva, transmitindo-se aos tú- bulos renais e ao espaço de Bowman. Redução da TFG com a idade esmo em indivíduos saudáveis, pode haver uma tendência à redução pro- gressiva do RFG com a idade. Este processo envolve a esclerose pro- gressiva dos glomérulos e a atro- fia dos túbulos correspondentes, embora os mecanismos celulares e moleculares envolvidos não sejam ainda conhecidos. Marcadores da filtração glomerular Creatinina O marcador mais frequentemente empregado na prática clínica é a cre- atinina, um subproduto do metabolis- mo muscular, que é formado através da creatina produzida pelo fígado, pâncreas e rim, e é transformado em fosfocreatina nos músculos e cérebro. A creatinina propriamente dita só é formada no músculo esquelético e é excretada quase totalmente por filtra- ção glomerular. FORMAÇÃO E EXCREÇÃO DA CREATININA NO ORGANISMO CREATINA FÍGADO, PÂNCREAS E RIM MÚSCULOS E CÉREBRO FOSFOCREATINA CREATININA EXCREÇÃO RENAL MÚSCULOS 12FUNÇÃO RENAL O aumento da creatinina sérica (VN: 06 – 1,3 mg/dL) está sempre associa- do a uma disfunção renal, isso porque este aumento pode ter dois significa- dos clínicos: ou o rim não está conse- guindo excretar este composto, ou a quantidade elevada dessa creatinina irá lesar o rim, pois ela é tóxica para este órgão em concentrações eleva- das. Apesar dessa associação, a cre- atinina não é o melhor parâmetro de marcador de filtração glomerular e isso se deve a alguns fatores descri- tos abaixo: • Baixa sensibilidade na disfunção inicial, ou seja, nas lesões iniciais do rim a creatinina ainda não tem uma elevação, o que ocasiona a perda da janela terapêutica ideal. • Baixa especificidade na disfunção avançada, porque a creatinina não é um marcador quantitativo, ou seja, a piora do quadro de pacien- tes com doença renal crônica não é refletida no aumento da creatinina. • Dependente da massa muscu- lar, visto que ela é produzida nos músculos. • A partir desses fatores, pensou-se em utilizar o clearence de creatinina para a avaliação renal, usualmente utilizando urina coletada durante 24 horas. Os pontos positivos da utilização deste método são: • Boa correlação com o clearen- ce da inulina, que é o marcador padrão-ouro da taxa de filtração glomerular. • A excreção da creatinina é cons- tante durante o dia, não havendo variação. • A avaliação é simples, barata e reprodutível. Há, no entanto, duas limitações im- portantes ao uso do clearance de creatinina. Em primeiro lugar, a crea- tinina não é propriamente um marca- dor perfeito do RFG, uma vez que é secretada em pequenas quantidades pelo túbulo proximal, mas isso não chega a causar um erro substancial em pacientes com função renal próxi- ma ao normal. Se, no entanto, o RFG estiver muito baixo, essa secreção tubular pode representar uma fração considerável da taxa de excreção uri- nária de creatinina. Em tais casos, o clearance de creatinina pode supe- restimar significativamente o RFG. SE LIGA! Se o clearence de creatinina for o meio mais acessível no momento para estimar a taxa de filtração glomeru- lar, pode-se fazer uso da cimetidina, que é uma medicação que inibe a secreção de creatinina pelo túbulo proximal, me- lhorando a acurácia do exame. Por outro lado, algumas drogas po- dem reduzir a excreção de creatini- na, elevando seu nível plasmático e, consequentemente, exercendo efeito 13FUNÇÃO RENAL idêntico ao de uma redução do RFG. Um dos exemplos mais comuns na prática clínica é o trimetroprim, ge- ralmente formulado em associação com o sulfametoxazol. Outros medi- camentos, como o fenofibrato, usado no tratamento da hipertrigliceridemia, também podem promover elevação transitória na concentração plasmá- tica de creatinina, podendo simular uma queda do RFG. Há uma segun- da e mais importante limitação ao uso clínico do clearance de creatinina: em geral, os pacientes encontram dificul- dade em coletar urina, sem perdas, durante 24 horas. Por essa razão, o RFG é frequentemente subestima- do quando avaliado por este méto- do. Além disso, é frequentemente complicado transportar o material coletado até algum centro médico, especialmente quando os pacien- tes utilizam transporte público, o que ocorre na maioria das vezes. Devido a essas limitações, a creatinina é fre- quentemente utilizada como indica- dor da função renal não através da mensuração direta de seu clearance, mas simplesmente medindo sua con- centração plasmática (Pcreat), a qual mantém uma relação inversamente proporcional ao RFG. Essa relação fica mais nítida quando expressa em forma gráfica, que mostra claramente que aumentos relativamente modes- tos de Pcreat podem indicar quedas consideráveis do RFG. Deve-se res- saltar que a curva exposta no gráfico abaixo só se aplica a situações esta- cionárias, ou seja, aquelas em que as taxas de produção e de excreção uri- nária de creatinina são iguais e, por- tanto, a Pcreat é estável, que é o que ocorre na situação normal e na DRC. Portanto, se a função renal sofrer uma perda abrupta, ou seja, uma injúria re- nal aguda (IRA), a Pcreat pode não ter chegado a um valor estacionário, não refletindo a real dimensão da queda do RFG. Por este motivo, durante epi- sódios de IRA temos de utilizar cri- térios diagnósticos um pouco mais complexos, ainda que a dosagem da creatinina plasmática tenha um lugar de destaque. 14FUNÇÃO RENAL Figura 4. Relação inversa entre a concentração plasmática de creatinina (Pcreat) e o RFG. Legenda: As curvas A, B e C correspondem a indivíduos com massas musculares distintas (C > B > A). é importante observar que, conforme o caso, um mesmo valor de Pcreat pode corresponder a valores normais ou substancialmente reduzidos de RFG. Fonte: Clínica Médica, Volume 3. Como já dito para a creatinina sérica, o clearence de creatinina também é de- pendente da massa muscular, varian- do, portanto, de acordo com a raça, sexo e idade do indivíduo. Assim, um mesmo valor de Pcreat, por exemplo 1,2 mg/dL (considerado como “nor- mal” pela maioria dos laboratórios), pode indicar um RFG normal em um homem musculoso e uma perda con- siderável de função renal em uma mulher de compleição miúda. De for- ma semelhante, esse mesmo valor de 1,2 mg/dL para a Pcreat pode indicar uma queda de 30% ou mais do RFG em indivíduosidosos, cuja massa muscular pode estar diminuída pela alteração de seu ambiente hormonal e pela inatividade física. Para facilitar a avaliação do RFG a partir da Pcreat, desenvolveram-se, a partir da década de 1970, algumas fórmulas matemáticas que possibili- tam a estimativa do clearance de cre- atinina a partir da creatinina sérica, levando em consideração parâme- tros como peso corpóreo, idade, sexo e, em alguns casos, o grupo étnico. A equação mais conhecida é a de 15FUNÇÃO RENAL Cock-croft e Gault, descrita há quase 40 anos: Clcreat = x 0,85 A idade é dada em anos, o peso em quilogramas e o clearence de creatini- na em mg/dL. Existe um fator de corre- ção para o sexo feminino, representa- do na fórmula pela cor vermelha, pois parte-se do pressuposto que a mulher tem menos massa muscular do que o homem. Esta fórmula não consegue ser aplicada em uma situação de IRA, pois como já dito anteriormente, não há tempo hábil para que a creatinina sérica se eleve e estabilize no sangue. Além dessa, outras fórmulas são im- portantes atualmente. Uma delas, fre- quentemente utilizada, é a MDRD (si- gla do estudo multicêntrico intitulado Modification of Diet in Renal Disea- se), através da qual é possível estimar o RFG (diretamente em mL/min/1,73 m2) a partir da Pcreat e de outros da- dos, tais como a etnia e a concentração plasmática de albumina. Mais recente- mente, uma outra fórmula denomina- da CKD-EPI (sigla de Chronic Kidney Disease - Epidemiology Collabora- tion) foi desenvolvida e conta com a variável de superfície corpórea. Seus resultados são promissores e aparen- temente possui maior precisão do que a fórmula MDRD, especialmente em indivíduos com RFG maior que 60 mL/ min/1,73 m2, sendo considerada pa- drão-ouro atualmente. Apesar dos pontos positivos, cabem algumas considerações adicionais com relação à estimativa do RFG por meio de fórmulas: • No Brasil, a forte mestiçagem limi- ta o uso do fator etnia no cálculo de fórmulas como a MDRD e a CKD- -EPI, que nunca foram formalmen- te validadas nas condições especí- ficas da população brasileira. • Há equações apropriadas para crianças e adolescentes, como a de Schwartz e a de Counahan-Barratt. • Em algumas situações específicas a determinação direta do Clcreat é preferível ao uso de equações, o qual pode produzir desvios subs- tanciais, como no caso de pacien- tes com amputações, desnutrição grave, paraplégicos, ascite volu- mosa, obesos e os muito idosos. O uso de suplementos contendo creatina, precursora da creatinina, também pode conduzir a resulta- dos errôneos quando se estima o RFG pela Pcreat. • Conforme descrito anteriormente, essas fórmulas deixam de ser vá- lidas durante um episódio de IRA, uma vez que a produção e a excre- ção de creatinina não chegam a se igualar. 16FUNÇÃO RENAL Ureia A ureia é o principal produto formado pelo catabolismo oriundo da conver- são da amônia por enzimas hepáticas. Sua excreção ocorre predominante- mente pelo rim. Assim como a creati- nina, a ureia apresenta relação inver- sa com a TFG. Ainda, vários fatores podem causar variabilidade da con- centração de ureia sérica, limitando sua utilização como um marcador de função renal. Dentre estes fatores, sabe-se que a ureia não é produzida constantemente durante o dia e a sua concentração sanguínea pode variar com a ingestão proteica, sangramen- to gastrointestinal e uso de alguns medicamentos, como, por exemplo, os corticosteroides; ressalta-se tam- bém que a produção de ureia pode diminuir na vigência de condições, tais como a insuficiência hepática e a desnutrição. Além do mais, é impor- tante lembrar que a ureia é parcial- mente reabsorvida após o processo de filtração e, consequentemente, o cálculo da sua depuração subesti- ma a TFG. A reabsorção tubular de ureia será mais ou menos intensa de acordo com o estado volêmico do paciente (ao reabsorver água no tú- bulo, também ocorre a reabsorção de ureia), ou seja, aumenta quando houver depleção do volume extrace- lular (por ex., na insuficiência cardíaca congestiva e desidratação) e diminui na vigência de expansão de volume (p. ex., infusão salina ou síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético). Na maioria dos labo- ratórios de análises clínicas, o valor normal de ureia varia de 20-40 mg/ dL. Por outro lado, a elevação da ureia no plasma ou soro decorrente de al- teração renal é mais precoce do que a elevação da creatinina, especialmen- te na insuficiência renal de origem pré e pós renal. A concentração de ureia tende a aumentar com a idade do in- divíduo e é discretamente maior no sexo masculino. SE LIGA! Quando a relação entre a ureia plasmática e a creatinina plasmá- tica está acima de 30, entende-se que está havendo uma reabsorção tubular aumentada da ureia e, provavelmente, o paciente encontra-se desidratado. Proteinúria de 24 horas e microalbuminúria A parede glomerular funciona como um filtro extremamente eficiente, atra- vés do qual passa apenas uma quan- tidade insignificante de proteínas, embora sua permeabilidade à água e a pequenos solutos seja muito maior do que a da maioria dos demais ca- pilares do organismo. A perda, ainda que parcial, dessa função de barreira pode trazer consequências sérias. A parede glomerular é constituída de 3 camadas, cada uma das quais repre- senta um obstáculo independente à passagem de macromoléculas. 17FUNÇÃO RENAL Papel do túbulo proximal na reabsorção de proteínas Apesar da alta eficiência da função de barreira do glomérulo, cerca de 1 g de proteína alcança todos os dias o espaço urinário. Embora tal quantida- de represente uma proporção ínfima (cerca de 0.0001%) do total de pro- teínas que percorre diariamente o ca- pilar glomerular, é necessário recupe- rá-la, o que é realizado com eficiência por um processo de reabsorção no túbulo proximal. Mais de 90% dessas proteínas que chegam ao espaço de Bowman são reabsorvidas no túbulo proximal por meio de um processo de endocitose. A pequena quantidade de proteínas que chega a atravessar os glomérulos é inevitavelmente reti- rada de circulação, seja por reabsor- ção e hidrólise no túbulo proximal, ou por perda para o meio externo atra- vés da urina, normalmente em quan- tidades diminutas (não mais de 50 mg/ dia em um indivíduo normal). O processo de reabsorção de proteí- nas no túbulo proximal é saturável, uma vez que a endocitose no túbulo proximal é um processo limitado pela disponibilidade de sítios de ligação a proteínas. Assim, o comprometimen- to da função de barreira glomerular leva, em um primeiro momento, a um aumento da taxa de reabsorção de proteínas no túbulo proximal e, quan- do esta atinge uma taxa máxima, há perda de proteínas na urina. Mecanismos básicos da proteinúria Há três mecanismos básicos para o aparecimento de proteinúria: 1) au- mento da permeabilidade glomerular a macromoléculas (quebra da barrei- ra glomerular), de longe a causa mais frequente e grave de proteinúria; 2) diminuição da capacidade de reab- sorção tubular de proteínas; e 3) pro- dução de proteínas anômalas de bai- xo peso molecular. • Proteinúria por aumento da perme- abilidade glomerular a proteínas: o mecanismo mais previsível de aumento da permeabilidade glo- merular a proteínas é um aumento da presença de poros “gigantes”, normalmente escassos, que atra- vessam a parede do glomérulo. O efeito do aumento da frequência desses “poros gigantes” é um au- mento predominante da passagem de macromoléculas como as imu- noglobulinas, que sofrem restrição praticamente total em condições normais. O padrão da proteinúria resultante obedece a um padrão bem definido, em que se destaca a presença de proteínas de alto peso molecular, normalmente ausentes na urina. No entanto, a proteína urinária predominante nesses ca- sos é a albumina, porque sua con- centração plasmática é 4 vezes superior à das imunoglobulinas. Os “poros gigantes” refletem a presença de lesãoestrutural mais séria da parede glomerular. Outra 18FUNÇÃO RENAL causa para o aumento da perme- abilidade da parede glomerular é a depleção de cargas negativas, uma vez que, conforme detalha- do anteriormente, é provável que a passagem de proteínas através da parede glomerular seja fortemente restringida por repulsão eletrostá- tica. Se essa barreira elétrica for atenuada ou rompida, a proteinú- ria resultante deve ser constituída quase exclusivamente de albumi- na e moléculas de baixo peso mo- lecular, sendo insignificante a pre- sença de proteínas de alto peso molecular. • Proteinúrias por defeito da reab- sorção tubular: o túbulo proximal reabsorve quase toda a proteína que chega ao espaço urinário, re- duzindo a proporções mínimas, em condições normais, a taxa de excreção urinária de proteínas. Quando este processo de reab- sorção deixa de funcionar ade- quadamente, surge uma proteinú- ria característica, a proteinúria de origem tubular. Nesses pacientes, a função de barreira glomerular está preservada, e o ultrafiltra- do glomerular contém albumina em concentrações muito baixas e proteínas de baixo peso molecu- lar, conforme ocorre em indivídu- os saudáveis. No túbulo proximal, no entanto, as proteínas presentes no ultrafiltrado glomerular são re- absorvidas em proporção menor do que o normal, originando uma proteinúria de intensidade modes- ta, geralmente inferior a 2 g/dia. Na urina, o quociente muito baixo en- tre as concentrações de albumina e de proteínas de baixo peso mo- lecular é semelhante ao que seria obtido no ultrafiltrado glomerular, o que tem valor diagnóstico, uma vez que tal proporção é completamen- te distinta daquela encontrada nas proteinúrias provocadas por lesão glomerular, nas quais, como vimos, é amplo o predomínio da albumina. • Proteinúria devido à passagem de proteínas anômalas pelos gloméru- los: é relativamente comum a pre- sença no plasma, particularmente em indivíduos idosos, de imuno- globulinas produzidas de forma anômala, frequentemente por um único clone de linfócitos B. A cau- sa mais comum desta anomalia é o mieloma múltiplo, que consiste basicamente em uma proliferação neoplásica de linfócitos B. Outras doenças, como a amiloidose pri- mária e certos tipos de linfoma, também podem levar à produção de imunoglobulinas anômalas. Em uma parcela desses casos, produ- zem-se moléculas incompletas de imunoglobulinas, que são lança- das à circulação e, por terem peso molecular relativamente baixo, atravessam com certa facilidade a barreira glomerular. 19FUNÇÃO RENAL Diversos métodos quantitativos estão disponíveis para se detectar a presen- ça de proteínas na urina, como os mé- todos colorimétricos utilizando azul de Coomassie, Ponceau S, cloridrato de benzetônio e molibdato de pirogalol vermelho. A avaliação da proteinúria pode ser realizada em amostra de uri- na de 24 horas ou em amostra isolada normalizada pela creatinina urinária. A relação proteínas totais/creatinina tem sido mais recomendada por ser um método menos sujeito a erros de coleta. Os valores de referência de- pendem do tipo de amostra utilizada, sendo < 300 mg/24 horas ou < 200 mg/g de creatinina. As fitas reagentes são frequentemente utilizadas para avaliação da proteinúria na primeira urina da manhã. Estas fitas são es- pecíficas para detecção de albumina e não de proteínas totais, podendo apresentar resultados divergentes do encontrado em análises quanti- tativas; além disso, podem fornecer resultados falsamente positivos se a urina estiver muito alcalina ou conta- minada com amônia quaternária, clo- rexidina ou corrimento vaginal. Dessa forma, é recomendada a confirmação quantitativa da presença de proteínas na urina em pacientes que apresen- tem fita reagente positiva em amostra isolada. Figura 5. Representação gráfica dos diversos mecanismos de proteinúria. Fonte: Clínica Médica, Volume 3 20FUNÇÃO RENAL Proteinúria e microalbuminúria na prática clínica A proteinúria assintomática pode as- sumir qualquer valor entre 150 mg/ dia e 3 g/dia, na ausência de outros achados como hematúria. O aumen- to persistente da excreção urinária de proteínas, ainda que assintomático e não acompanhado de hematúria ou perda de função renal, representa um sinal de alarme e, a princípio, indica a presença de um processo patológico envolvendo os rins. Mesmo que seja modesta e não chegue a trazer reper- cussão sistêmica, a proteinúria as- sintomática não deve ser ignorada. A precisão do diagnóstico e a possibili- dade de detectar uma patologia renal incipiente aumentam muito quando se mede especificamente a taxa de excreção urinária de albumina, que indica de modo mais sensível um au- mento da permeabilidade glomerular. A albuminúria ou microalbuminúria é definida como a presença de 30 mg a 300 mg de albumina em amostra de urina de 24 horas, ou 30 mg a 300 mg de albumina por g de creatinina em amostra de urina isolada, ou ainda uma taxa de excreção de 20 mg a 200 mg de albumina por minuto. São cada vez maiores as evidências de que a microalbuminúria é um indicador sen- sível de risco cardiovascular, porém, as razões para essa associação não foram ainda elucidadas. Fica claro, no entanto, que o aparecimento de mi- croalbuminúria deve servir como um sinal de alerta, indicando ao clínico não apenas a necessidade de inves- tigar a existência de uma nefropatia como também a de considerar com cuidado a possível presença de um distúrbio do sistema cardiovascular. SAIBA MAIS! Um exemplo de como a determinação da microalbuminúria pode ser útil é fornecido pela nefropatia diabética. Em suas fases iniciais, a nefropatia diabética não traz alterações clínicas de importância, ou seja, a pressão arterial mantém-se em níveis normais, o RFG está normal ou até mesmo elevado, como vimos anteriormente, e a função tubular está preservada. Pode ocorrer já nessa fase, no entanto, um pequeno aumento da taxa de excreção urinária de al- bumina. Portanto, a determinação da microalbuminúria, que requer a utilização de métodos especialmente sensíveis de dosagem, pode ajudar a prever quais desses pacientes são sus- cetíveis ao desenvolvimento de Doença Renal Crônica. 21FUNÇÃO RENAL Em resumo, em um paciente de alto risco, seria ideal a detecção da insu- ficiência renal no início do processo, enquanto a taxa de filtração glomeru- lar ainda não está reduzida, o que seria a janela terapêutica ideal. No entanto, os marcadores da filtração glomerular começam a dar sinais dos problemas quando a taxa de filtração glomerular já começa a cair e já está instalada uma insuficiência renal agu- da pré-renal, tornando menor a jane- la terapêutica. Por fim, a creatinina se altera quando já há, de fato, uma IRA e a taxa de filtração glomerular e ja- nela terapêutica são bem menores. Figura 6. Associação entre a janela terapêutica e o aparecimento dos marcadores da filtração glomerular. Pensando no aumento de sensibili- dade dos exames, foram encontrados alguns outros marcadores da filtração glomerular, mas eles não costumam ser utilizados na prática clínica: Marcadores exógenos Objetivando viabilizar o emprego de marcadores exógenos na clínica, as pesquisas se voltaram para o uso de radiofármacos, que permitem substi- tuir as determinações químicas com- plexas por técnicas simples e preci- sas de quantificação das amostras no cintilador. As vantagens de avaliar a TFG usando radioisótopos incluem a possibilidade de determinar, com grande precisão, quantidades extre- mamente reduzidas destes, além de utilizar doses reduzidas e não tóxicas. As desvantagens desses marcadores 22FUNÇÃO RENAL radioativos são a complexidade e o alto custo. O uso de substâncias ra- dioativas na avaliação traz as limita- ções impostas pela natureza dessas substâncias, como a exigência de uma licença especial para o seu manuseio, expedida por órgãos reguladores, o que só ocorre após credenciamen- to do usuário. Além disso,é preciso avaliar a exposição do paciente e da equipe técnica, assim como o destino dos resíduos radiativos. • Radioativos: 125I-Iotalamato, 51Cr- -EDTA e 99mTc-DTPA • Não radioativos: Iotalamato, lohe- xol e INULINA INULINA: é um polissacarídeo com peso molecular de aproximadamente 5.000D. Em 1935, a inulina foi pro- posta como a substância ideal para a medida da TFG, uma vez que é filtra- da pelos glomérulos, não é sintetiza- da ou metabolizada pelos túbulos, é fisiologicamente inerte e não é rea- bsorvida ou secretada pelos túbulos renais. Exceto por ser um marcador exógeno, preenche os demais crité- rios que um marcador ideal de filtra- ção glomerular deveria apresentar. Quanto aos métodos de depuração, a inulina tem sido considerada como o “padrão-ouro”. No entanto, a despeito da precisão, este método é invasivo e demorado, requer infusão constante pela exigência de uma concentração plasmática de inulina em equilíbrio dinâmico, requer também cateterismo vesical, volume significativo de amos- tra de sangue e dosagem laboratorial complexa, o que torna a implementa- ção do teste complicada. Marcadores endógenos Cistatina C (VN: 0,54 – 1,55 mg/L): embora filtrada livremente através do glomérulo, a cistatina C, semelhan- temente a outras moléculas de bai- xo peso molecular, é reabsorvida e metabolizada nos túbulos proximais. Assim, a concentração sanguínea de cistatina C depende quase que intei- ramente da TFG, não sendo afetada pela dieta, estado nutricional, inflama- ção ou doenças malignas. Adicional- mente, a menor variabilidade nas de- terminações sanguíneas da cistatina C, sua meia-vida mais curta e o seu menor volume de distribuição, tornam este um marcador de função glo- merular com maior sensibilidade para detectar diminuições leves da TFG na DRC do que a creatinina e outras mo- léculas de baixo peso molecular, no aumento da cistatina C na vigência de leve diminuição da TFG da ordem de 70 a 90 mL/min, ou seja, na ”faixa cega“ da creatinina. Além do mais, es- tudos recentes mostraram que a cis- tatina C se eleva precocemente na in- suficiência renal aguda em pacientes internados em unidades de tratamen- to intensivo, após transplante hepá- tico, cirurgia cardíaca, quimioterapia 23FUNÇÃO RENAL com cisplatina, angiografia cardíaca e na progressão da nefropatia dia- bética. Apesar dos pontos positivos, a cistatina C, assim como os outros marcadores endógenos (NGAL, NAG, KIM-1, IL-18) são pouco acessíveis e muito dispendiosos. A imagem abaixo resume um pouco do que foi abordado acerca da relação entre os marcadores e a taxa de filtra- ção glomerular. Em azul, temos a acu- rácia do método utilizado e, em rosa, a disponibilidade destes métodos. O clearence de ureia, por exemplo, tem alta disponibilidade, mas a sua acurá- cia é baixa; já a inulina, tem uma acu- rácia muito alta, mas praticamente nenhuma disponibilidade. Marcador x TFG Figura 7. Relação entre acurácia x disponibilidade dos diferentes marcadores da TFG. 3. SISTEMA TAMPÃO Sabe-se que o rim atua com a pro- dução e a reabsorção de bicarbonato, além de regular o sistema tampão. O ácido carbônico, pela a ação da ani- drase carbônica, pode se transformar tanto no H+ livre + íon bicarbonato (HCO3-), quanto no H2O + CO2. Os dois sistemas tampões existentes no organismo são o pulmonar e o renal, podendo ser avaliados através da ga- sometria venosa. Aqui o foco será no sistema tampão renal. 24FUNÇÃO RENAL Dessa forma, temos que: H2O + CO2 ↔ H2CO3 ↔ H+ + HCO3- Os rins regulam as concentrações de ácidos e bases no organismo através da secreção de H+, da reabsorção de HCO3- e da produção de novo HCO3- a partir da combinação com outras substâncias-tampão. Em situ- ações de equilíbrio, para cada H+ se- cretado na luz tubular, um HCO3- é reabsorvido pelos capilares. A secre- ção aumentada de íons H+ caracteri- za um quadro de acidose, enquanto a secreção reduzida dele caracteriza uma alcalose. Quando a quantidade de H+ secretada supera a quantida- de de HCO3- absorvida, apenas uma parte desse excesso de hidrogênio pode ser excretada na urina na forma iônica, uma vez que o pH mínimo que a urina pode atingir é de 4,5. Esse ex- cesso de H+ então, pode se combinar com o HPO4- e com o sódio, forman- do o sal NaH2PO4, que é excretado na urina, ou com o NH3, formando o NH4 que se combina com o íon clore- to e também é eliminado na urina na forma de sal. Na situação contrária, quando há uma secreção diminuída de H+, os íons bicarbonato em exces- so são excretados pela urina. Na gasometria venosa a interpreta- ção de algumas variáveis é de suma importância para a prática clínica: • pH: o valor normal está entre 7,35 e 7,45. A alteração desse valor para menos indicará uma acidose, enquanto a alteração para mais in- dica uma alcalose. • pCO2: o valor normal está entre 35 – 40 mmHg. A alteração desse pa- râmetro pode indicar um distúrbio ventilatório. • HCO3: o valor normal está en- tre 22 – 26 mg/dL. A redução do valor do bicarbonato pode indicar tanto uma falha na produção ou reabsorção renal do bicarbonato, quanto um consumo dele, devido a condições como sepse, excesso de ácido lático e cetoacidose dia- bética. De forma geral, o paciente que tem uma disfunção renal não irá conseguir manter um bicarbo- nato adequado, então a reposição de bicarbonato pode ser indicada mesmo que não haja uma acidose muito importante. • Base Excess (excesso de base): o valor normal está entre -3 – +3. Também estará alterado em caso em que a função renal não esteja adequada, não conseguindo man- ter o bicarbonato em níveis consi- derados normais. 25FUNÇÃO RENAL MAPA MENTAL: FUNÇÃO RENAL Ureia (Ur) Taxa de filtração glomerular (TFG) Anômala Creatinina (Cr) Marcadores exógenos H2O + CO2 ↔ H2CO3 ↔ H+ + HCO3- Gasometria Venosa Marcadores da filtração glomerular Sistema tampão CO2/HCO3 HAS, DRC, hipovolemia, idade, obstrução urinária são causas de redução de TFG Clearance: (Concentração urinária X Fluxo urinário) ÷ concentração plasmática VN: 80 a 120 ml/min Corresponde à soma das TFGs de todos os glomérulos do rim Correção abrupta da HAS pode piorar a TFG pH pCO2 HCO3 Base Excess VN: -3 - +3 Disfunção renal Reposição de bicarbonato VN: 22 - 26 mg/L Disfunção renal ou sepse, cetoacidose diabética, ác. Lático, etc. VN: 35 - 40 mmHg Alteração: distúrbios ventilatórios VN: 7,35-7,45 ↓ Acidose↑ Alcalose Marcadores endógenos Proteinúria e microalbuminúria Glomerular Tubular Proteinúria VN: < 150 mg/dia Albuminúria VN: < 30 mg/gCr Mais grave Radioativos Não radioativosInulina Padrão-ouro para relação com a TFG NAG NGAL Cistatina C KIM-1 Constante VN: 0,54 – 1,55 mg/L Boa correlação com a TFG VN: 0,6 - 1,3 mg/dl ↑ Cr sérica = disfunção renal Clearance estimado de Cr Equação de Cockcroft-Gault VN: 20 - 40 mg/dl TFG > clearance de ureia Equação CKD-EPI Equação do estudo MDRD TFG < Clearance de Cr Paciente em homeostase Padrão-ouro Cr é secretada pelo túbulo proximal Cimetidina inibe essa secreção Ur/Cr > 30 = ↑ reabsorção da Ur Varia com ingestão proteica, HDA, uso de corticoides, etc. Reabsorção parcial de Ur na filtração 26FUNÇÃO RENAL REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS Clínica Médica, Volume 3; Biomarcadores em nefrologia, Sociedade Brasileira de Nefrologia. RBAC: Revista Brasileira de Análises Clínicas, 2016 Avaliação da função renal: creatinina e outros biomarcadores. Revista brasileira de terapia intensiva. 27FUNÇÃO RENAL
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