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98 Unidade III Unidade III 7 REAÇÕES QUÍMICAS As propriedades físicas dos compostos são devidas às suas características, como: tipo de ligação atômica (covalente apolar, covalente polar ou iônica) e tipos de forças envolvidas entre as moléculas (força íon‑íon, força dipolo‑dipolo, ligações de hidrogênio, forças de Van der Walls). A química é a ciência da transformação. Podemos dizer que toda a atividade dos químicos consiste em estudar as propriedades das substâncias e as transformações químicas, ou seja, as reações químicas. Reação química é um processo de mudanças químicas em que ocorre a conversão de uma substância, ou mais, em outras substâncias. Em uma reação química, há rupturas de ligações químicas nos reagentes e a formação de novas ligações, gerando os produtos. Em todas as reações químicas ocorrem rearranjos de átomos, mas o número de átomos se conserva. Antes e depois da reação química, a soma das massas dos produtos é igual à soma das massas dos reagentes. Em geral, as reações químicas podem ser descritas de duas formas: quanto ao tipo de reação química (substituição, adição, eliminação e rearranjo) e como elas ocorrem (mecanismos reacionais). 7.1 Tipos de reações • Reações de substituição: substituição de um grupo por outro. Tais reações são características de compostos saturados, tais como alcanos e haletos de alquila. H3C–Cl + Na +OH‑ H2O H3C–OH + Na +Cl‑ • Reação de adição: soma de um composto em outro. Essa reação é característica de compostos com ligações múltiplas. Eteno Bromo 1,2‑dibromoetano H H HCC Br H Br H H CC H H CCl4 + Br2 Figura 138 99 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL • Reação de eliminação: é o oposto da reação de adição. Método de preparo de compostos de dupla e tripla ligação. H H HCC H H Br H H CC H H KOH + HBr Figura 139 • Reações de rearranjo: a molécula sofre uma reorganização de suas partes substituintes. H+ CCH3C CH3 CH3 CH2 H CC H3C H3C CH3 CH3 Figura 140 Lembrete As principais reações químicas são: substituição, adição, eliminação e rearranjo. 7.2 Mecanismos das reações Aqui são determinadas quais ligações são realizadas ou quebradas e em que ordem isso se dá, ou seja, toda reação química envolve a quebra de ligações e posterior formação de novas ligações entre os átomos envolvidos nas ligações. A ligação covalente, que é a principal ligação existente nas moléculas químicas, pode ser quebrada de duas maneiras: • Simetricamente: cisão homolítica, em que cada átomo fica com um elétron produzindo fragmentos com elétrons desemparelhados chamados de radicais. • Assimetricamente: cisão heterolítica, em que um dos átomos fica com o par de elétrons produzindo um cátion e um ânion. A B A+ + B– Heterolítica A B A • + • B Homolítica Figura 141 100 Unidade III Da mesma forma, a recombinação da quebra (ligação) pode ser: A+ + B– A B Heterogênea A • + • B A B Homogênea Figura 142 7.3 Reações radicalares Ocorrem principalmente em alguns processos industriais e em alguns processos metabólicos. Os radicais formados pela quebra homolítica da ligação são muito reativos, porque possuem uma deficiência de elétrons na camada de valência e procuram fazer novas ligações químicas para se estabilizar (regra do octeto). Os radicais se estabilizam realizando principalmente reações de substituição e de adição. • Reações de substituição via radical: substitui um átomo de uma outra molécula, dando origem a um novo radical. Esse novo radical formado pode reagir com outros compostos, criando novos radicais e assim por diante em uma reação contínua (reação em cadeia). Rad • + A B Rad A + •B Radical reagente Produto de substituição Radical produto Figura 143 • Reações de adição via radical: um radical liga‑se a um composto (geralmente com múltiplas ligações), formando um novo radical. Rad • + CC Radical reagente Alceno Radical produto C •C Rad Figura 144 7.3.1 Reações de halogenação Nessas reações, um ou mais átomos de hidrogênio são substituídos por um halogênio (Cl, Br, I = X). CH4 + Cl2 CH3Cl + CH2Cl2 + CHCl3 + CCl4 + HCl Aquecimento ou Radiação UV Possuem propriedades físicas diferentes Podem ser separadas por destilação Figura 145 101 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL O mecanismo para essa reação envolve três etapas fundamentais: iniciação, propagação e término. Aquecimento ou Radiação UV Iniciação Cl2 2Cl • Propagação Cl • + CH4 Substituição • CH3 + HCl • CH3 + Cl2 Substituição CH3Cl + Cl • Cl • + Cl • Cl2 Cl • + • CH3 CH3Cl • CH3 + • CH3 CH3 CH3 Término Vários produtos possíveis CH2Cl2 (diclorometano) CCl4 (tetracloreto de carbono) Figura 146 Os demais alcanos também reagem da mesma forma com os halogênios, só que quanto mais carbono, maior o número de produtos possíveis. 7.3.2 Rancidez oxidativa É a principal responsável pela deterioração de alimentos ricos em lipídeos, pois resulta em alteração indesejável de cor, sabor, aroma e consistência do alimento. A rancidez ocorre em razão de uma série de reações extremamente complexas que ocorrem entre o oxigênio e os ácidos graxos insaturados dos lipídeos. Essas reações geralmente se desenvolvem em três etapas (iniciação, propagação e terminação). Iniciação Formação de um radical livre a partir de uma fonte energética (calor, radiação UV). A fonte energética quebra a ligação química do carbono como o hidrogênio adjacente à dupla ligação C‑C. Essa quebra ocorre porque a ligação dupla estericamente está mais exposta e suscetível à radiação. 102 Unidade III Radiação UV H H H C C C C CH = CH CH = CH H H H H CH3(CH2)4 CH3(CH2)4 (CH2)5COOH (CH2)5COOH = R • • Figura 147 Propagação O radical livre formado pela radiação UV pode reagir com o oxigênio presente, formando novos radicais livres, principalmente o radical peróxido, muito reativo. R • + 02 R–OO • ROO • + R1H ROOH + • R1 ROOH RO • + • OH ROOH ROO • + • H Exemplo de alguns produtos das reações radicalares Figura 148 Terminação Os radicais constituídos podem se ligar entre si, formando os mais diversos produtos, como hidrocarbonetos, aldeídos, álcoois, ésteres etc. R • + R • R–R ROO • + • H ROOH 7.4 Reações de oxidação – redução (reações redox ou oxidorredução) Uma reação de oxidação corresponde a um aumento do número de oxidação, devido à perda de elétrons, e a reação de redução a uma diminuição do número de oxidação, devido ao ganho de elétrons. Em compostos orgânicos é, por vezes, difícil reconhecer o número de oxidação dos elementos e saber, numa reação, qual ganha ou perde elétrons. Reações orgânicas de redução são fenômenos químicos que ocorrem sempre que determinados compostos orgânicos oxigenados (formados por carbono, hidrogênio e oxigênio) e nitrogenados 103 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL (formados por carbono, hidrogênio e nitrogênio) sofrem ataque de átomos de hidrogênio ([H]) provenientes da substância gás hidrogênio (H2) em meio a níquel metálico (Ni) ou das substâncias hidreto de lítio e alumínio (LiAlH4) e boro hidreto de sódio (NaBH4) aquosos (misturados à água). Assim, em química orgânica aplicam‑se geralmente as seguintes regras, mais práticas: • Oxidação é a remoção de hidrogênio (H) ou a adição de oxigênio (O) em uma molécula orgânica. • Redução é a adição de hidrogênio (H) ou a remoção de oxigênio (O) em uma molécula orgânica. As reações de oxidação das substâncias orgânicas devem ser catalisadas por agentes oxidantes. São simbolizados por [O] e podem ser: permanganato de potássio (KMnO4), dicromato de potássio (K2Cr2O7) ou o tetraóxido de ósmio (OsO4). Já as reações de redução das substâncias orgânicas devem ser catalisadas por agentes redutores. São simbolizados por [H] e podem ser: hidreto de lítio e alumínio (LiAlH4) ou boro hidreto de sódio (NaBH4). 7.4.1 Oxidação dos álcoois A oxidação de álcoois fornece diferentes produtosque dependem da estrutura inicial do álcool. Álcoois primários resultam em ácidos carboxílicos, majoritariamente, ou aldeídos com determinados reagentes; e álcoois secundários oxidam para cetonas. Já os terciários, cujo carbono está ligado a outros três, dificilmente sofrem oxidação, devido à ausência de hidrogênio para ser removido, isto é, para que ocorra uma oxidação, é necessária a quebra de uma ligação carbono‑carbono. Observação A escolha do reagente é baseada em fatores como o custo, a conveniência, o rendimento e a sensibilidade do álcool. Oxidação de álcoois primários Os álcoois primários sofrem, na realidade, duas oxidações seguidas: a primeira resulta em um aldeído, porém os oxidantes que geralmente são utilizados na reação fazem com que esta prossiga e oxide o aldeído, formando o ácido carboxílico. Observe o exemplo a seguir: OH H2O [O] [O] H H3C H3C H3CC C CH H OH O O Álccol primário (etanol) Aldeído (etanal) Ácido carboxílico (ácido etanoico) Figura 149 104 Unidade III O símbolo [O] significa oxidação. Já a flecha apontando para baixo com H2O na ponta indica a água que foi produto da reação, ou seja, a reação também gerou água, que foi retirada. No esquema, os hidrogênios em vermelho reagiram com o oxigênio do agente oxidante, formando a água que foi retirada. Portanto diz‑se que a oxidação é um processo de “retirada de hidrogênio”. A reação de um álcool com KMnO4 é realizada em meio aquoso básico com aquecimento e, por fim, tratamento ácido para produzir o ácido carboxílico. A reação gera precipitado de MnO2, que é retirado no fim por filtração. Quando se deseja obter o aldeído produzido nesse processo, primeiro é necessário que tal composto tenha ponto de ebulição menor que o da água, pois o processo laboratorial se trata da lenta adição do álcool na solução oxidante em ebulição, assim, o aldeído formado é destilado para fora da mistura. Entretanto, a estratégia ilustrada não funciona para álcoois de cadeia maior, sendo necessário recorrer a agentes oxidantes em meio anidro, ou seja, na ausência de água. Isso ocorre porque não é o aldeído que sofre a oxidação, mas sim a sua forma hidratada. A própria oxidação dos álcoois produz água. Apesar da indesejada formação de ácido carboxílico na reação, os reagentes utilizados ainda resultam em bons rendimentos. Quanto ao processo inverso, podemos resumir que a redução de um ácido carboxílico gerará um aldeído, e a redução deste gerará um álcool primário. Oxidação de álcoois secundários Os álcoois secundários, diferente dos primários, são oxidados em apenas uma forma, gerando sempre como produto uma cetona. Essa reação ocorre rapidamente e possui um alto rendimento. Veja o exemplo a seguir: OH O [O] H H3C H3CCH3 CH3C C Propanol‑2 Álcool secundário Propanona Cetona Figura 150 Para a oxidação de álcoois secundários, geralmente são utilizados reagentes de cromo, como óxido de cromo (VI) (CrO3) ou dicromato de sódio (Na2Cr2O7) em ácido sulfúrico aquoso (reagente de Jones), mistura que é adicionada à solução do álcool em acetona ou ácido acético para que se proceda a oxidação. Tal estratégia oxida o álcool, e o cromo (VI) é reduzido a cromo (III). O rendimento da reação será excelente se a temperatura for controlada. 105 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL Oxidação de álcoois terciários A generalização feita para álcoois terciários é a de que a sua oxidação não ocorre. O processo envolve duas etapas, sendo a segunda uma reação de eliminação sobre o éster cromato formado na primeira etapa. Porém, em se tratando de um álcool terciário, a reação de eliminação não é possível, pois não há hidrogênio disponível para realizá‑la, logo, não há oxidação. Lembrete Álcoois primários se oxidam a ácidos carboxílicos; os secundários, a cetonas; e os terciários não oxidam. 7.4.2 Oxidações dos alcenos Os alcenos também sofrem reações de oxidação, nas quais a ligação dupla é oxidada e pode formar um diol ou quebrar, dependendo do método. Há três métodos principais para a oxidação de alcenos: di‑hidroxilação sin, quebra oxidativa e ozonólise. Di‑hidroxilação sin A di‑hidroxilação é uma reação feita com agente oxidante que causa uma quebra na dupla ligação do alqueno e a entrada de duas hidroxilas (OH), formando um diol (álcool com duas hidroxilas). Um agente oxidante muito usado nesse caso é o tetróxido de ósmio (OsO4). Veja o exemplo a seguir: H2O OH OH [O] branda CH3 CH3 H3C H3CC CCH CHCH3 CH3 2‑metil‑buteno (alceno) 2‑metil‑2,3‑butanodiol (diálcool) Figura 151 O mecanismo pode ser resumido pela adição sin dos átomos de oxigênio do reagente OsO4, formando um intermediário cíclico de ósmio, e este, com o tratamento por NaHSO3, tem as ligações de oxigênio rompidas e a adição de hidrogênios para a formação das hidroxilas. Quebra oxidativa (oxidação enérgica) Na quebra oxidativa, ou oxidação enérgica, o agente oxidante quebra a molécula na dupla ligação e, caso se forme um aldeído, ele é oxidado a ácido carboxílico. O agente oxidante mais comum nesse caso é o permanganato de potássio (KMnO4) a quente em meio básico. Observe: 106 Unidade III [O] energética CH3 H3C C CH CH3 H3C C O OH O C CH3CH3 2‑metil‑buteno (alceno) Propanona (cetona) Ácido etanoico (ácido carboxílico) + Figura 152 Observação Sempre que um composto que tem a dupla ligação na ponta da cadeia sofre oxidação enérgica, um dos produtos que se formam é o ácido carbônico (H2CO3), e este, por ser um ácido instável, transforma‑se em gás carbônico (CO2) e água (H2O). Ozonólise A ozonólise é a quebra de um alqueno causada pelo ozônio (O3), gerando como produtos uma cetona e/ou um aldeído. Consiste na borbulhação de ozônio em temperaturas muito baixas (‑78 ºC) em CH2Cl2, seguida pelo tratamento com zinco e ácido acético ou sulfeto de dimetila (Me2S). A molécula do alqueno é quebrada na dupla ligação e dois átomos de oxigênio (O) se adicionam. Veja o exemplo a seguir: O3 Zn / H2O CH3 H3C C CH CH3 H3C C O H H2O2 O C CH3CH3 2‑metil‑buteno (alceno) Propanona (acetona) Etanal (aldeído) Peróxido de hidrogênio + + Figura 153 Os alcanos, como todo hidrocarboneto, são combustíveis. Do ponto de vista químico, a oxidação dos alcanos tem pouca importância, uma vez que a molécula é destruída. Porém, do ponto de vista prático, é muito importante, pois é a base da utilização dos alcanos como fonte de energia. CnH2n+2 + 3n + 1 2 � � � � � � O2 nCO2 + (n + 1)H2O + Energia (55 kJ por grama de hidrocarboneto) 107 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL 7.4.3 Reações de aldeídos e cetonas Adição de hidreto, seguido de protonação CH3CH2CH2CH 1. NaBH4 2. H+, H2O Álcool primárioAldeído O CH3CH2CH2CH2 OH CH3CH2CH2CCH3 1. NaBH4 2. H+, H2O Álcool secundárioCetona O CH3 CH2 CH2 CHCH3 OH Figura 154 Redução seletiva de aldeídos e cetonas: NaBH4 CH3CCH2COCH3 1. NaBH4 2. H+, H2O O OO CH3CHCH2COCH3 OH Figura 155 – Cetona/aldeído na presença de éster CH3CH=CHCH2CCH3 1. NaBH4 2. H+, H2O O CH3CH=CHCH2CHCH3 OH Figura 156 – Cetona/aldeído na presença de ligação C=C 7.4.4 Redução de compostos carboxílicos: LiAlH4 1. LiAIH4 2. H+, H2O H2O Ácido carboxílico Álcool primário + O OH OH 1. LiAIH4 2. H+, H2O H2O Éster Álcool primário + O OCH3 OH Figura 157 LiAlH4 é um agente redutor mais forte que NaBH4. É utilizado para reduzir compostos menos reativos. O mecanismo da redução de ésteres com hidreto ocorre conforme representado a seguir: 108 Unidade III CH3CH2 CH3CH2OCH3 H H ‑ O OO O H H C CCH3CH2 C CH3CH2CH CH3CH2 C CH3CH2CH2OH H3O + OCH3 + CH3O –AIH3 AIH3 ‑ ‑ ‑ + H ‑ Éster Aldeído Álcool primário Produto de substituição acílica Produto de adição Figura 158 Observe o mecanismo da redução de ácidos carboxílicos com hidreto: CH3C H O O O O H HH O O O O O CH3C CH3CH CH3CHCH3C CH3CH2OCH3CH2OH AIH3 AIH3H3O + AIH2 + AIH2O – AIH3 AI‑ ‑ ‑ ‑ ‑ ‑ + H H Álcool Aldeido + H2 Figura 159 7.4.5 Formação de aminaspor redução de amidas 1. LiAIH4 2. H20 Amida Amina O NH2 NH2 Figura 160 O mecanismo dessa reação está ilustrado a seguir: CH3C NCH3 NCH3 NCH3 O H HH O O O CH3C H + H2 CH3C CH3CH HO–+ CH3CH2NHCH3 AIH3 AIH3H2O AIH2 AI + H + AIH2O – H NCH3 CH3CH = NCH3CH3CH2NCH3 Segunda adição de hidreto Novo doador de hidreto Hidreto remove um próton AIH3 ‑ ‑ ‑ ‑ ‑ ‑ Figura 161 109 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL 7.4.6 Resumo das reações de oxidação e redução em compostos orgânicos Redução Oxidação Alcano Álcool Aldeído Ácido carboxílico Dióxido de carbono H H H C H H H H C OH O O H HH OH O = C = O (CO2) C C [ox] [ox] [ox] [ox] [red] [red] [red] [red] Figura 162 Lembrete O agente oxidante promove a reação de oxidação e se reduz. O agente redutor promove a reação redução e se oxida. 7.5 Reações de adição 7.5.1 Reações de adição de HX Os alcenos se comportam como nucleófilos (bases de Lewis) em reações polares. A ligação dupla carbono‑carbono é rica em elétrons e pode doar um par de elétrons para um eletrófilo (ácido de Lewis). Exemplo: CC H3C H3C H H + HBr Br H CH3 H H3C C CC H 2‑metilpropeno 2‑Bromo‑2‑metilpropano Figura 163 A figura a seguir destaca o mecanismo da reação de adição de HX: C CCC CC+ H3C H3C H3C H3C H3C BrH3C H Br Br– H HH H HH HH Alceno Carbocátion intermediário Haleto de aquila Figura 164 110 Unidade III O eletrófilo HBr é atacado pelos elétrons π da ligação dupla, formando uma nova ligação σ (C‑H). Isso leva a outro átomo de carbono com uma carga positiva e a um orbital p vazio. O Br‑ doa um par de elétrons para o átomo de carbono carregado positivamente, formando uma ligação σ (C‑Br) e criando o produto de adição neutro. A orientação de adição nucleofílica segue a regra de Markovnikov. Observe cuidadosamente as reações apresentadas no mecanismo anterior. Um alceno substituído assimetricamente produz um único produto de adição, preferencialmente a uma mistura. Por exemplo, o 2‑metilpropeno poderia ter reagido com o HCl para produzir o 1‑cloro‑2‑metilpropano (cloreto de isobutila), além do 2‑cloro‑2‑metilpropano, mas não o faz. Diz‑se que tais reações são regioespecíficas, quando apenas uma das duas possíveis orientações de adição ocorre. CH2 + HClC H3C H3C Cl H CH3 H H3C C CC H Cl H CH3 H H3C C CC Cl Único produto Não ocorre Figura 165 Depois de examinar os resultados de muitas dessas reações, o químico russo Vladimir Markovnikov propôs uma regra que ficou conhecida como regra de Markovnikov: • Na adição de HX a um alceno, o H liga‑se ao carbono com menos substituintes alquila e o X liga‑se ao carbono com mais substituintes alquila. CC H3C H3C H H CH3 CH3 H H H + HBr Br Nenhum grupo alquila (H) 2 grupos alquila (X) Figura 166 • Quando ambos os átomos de carbono da dupla ligação possuem o mesmo grau de substituição, o resultado é uma mistura de produtos de adição: 111 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL CC H H3CH2C CH3CH2CH2CHCH3 e CH3CH2CHCH2CH3 CH3 H + HBr Br Br 2‑penteno 2‑bromopentano 3‑bromopentano Figura 167 A formação de uma ligação regioespecífica pode ser explicada pela estabilidade relativa dos carbocátions formados durante a reação: Exemplo: CH2 + HClC H3C H3C H H Cl H CH3 CH3 CH3 CH3 H3C H3C H3C H3C C+ C C C CH2 +CH2 CH3 CH2Cl Carbocátion 3º (tert‑butila) Carbocátion 1º (isobutila) 2‑cloro‑2‑metilpropano 1‑cloro‑2‑metilpropano Não formado Figura 168 A estabilidade dos carbocátions é a seguinte: H C + H H R C + H H R C + R H R C + R R Metil primário secundário terciário < < < Figura 169 7.5.2 Reações de adição de X2 (Cl2, Br2) A reação de um alceno com um halogênio se procede de forma similar ao HX, porém obtendo como produto um di‑haleto de alquila. CC H H H H + Cl2 Cl Cl H H H C CC H Etileno 1,2‑dicloroetano Figura 170 112 Unidade III O mecanismo da reação de adição de X2 está ilustrado a seguir: C CC CC CC+ C H H H H H ClH Cl Cl H HCl Cl Cl + ‑ H H H H Cl H H H H Carbocátion intermediário Íon clorônio Figura 171 O alceno atuando como nucleófilo se liga com a molécula de Cl2, formando uma nova ligação σ (C‑Cl) e tornando o outro carbono carregado positivamente. Assim, diferentemente do mecanismo do HX, o carbocátion intermediário se rearranja compartilhando o átomo de cloro com o carbono deficiente em elétron, formando o íon clorônio. Com a introdução de mais um íon Cl‑, a formação intermediária se rearranja, formando o dialeto de alquila, 1,2‑ dicloroetano. 7.5.3 Hidratação de alcenos É reação de adição de água a alcenos para produzir álcoois. A reação ocorre sobre o tratamento de alceno com a água e um ácido forte como catalisador (HA) por um mecanismo similar ao de adição de HX. C C C CC C+ C C H3C H3C H H H H3C H3C H3C H3C H3C H3C H A H H H H O HH O+ O A– HA + H H H H H H H 2‑metilpropeno 2‑metil‑2‑propano Figura 172 A hidratação também pode ser feita empregando um composto de mercúrio orgânico, acetato de mercúrio (II), formando o íon mercurínio, com estrutura semelhante à do íon bromônio, que é oxidado pelo boro hidreto de sódio, constituindo o álcool correspondente. CH3 CH3 OH Hg(OAc)2 NaBH4 Figura 173 113 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL 7.5.4 Reação de hidrogenação ou redução dos alcenos A reação de hidrogenação ou redução de alcenos é a reação entre o H2 com o alceno na presença de um catalisador para formar os alcanos saturados correspondentes. A platina e o paládio são os catalisadores mais comuns para a hidrogenação de alcenos. O paládio é normalmente usado como um pó muito fino em um suporte de material inerte como o carvão (Pd/C) para maximizar a área superficial. A platina costuma ser usada como PtO2, um reagente conhecido como catalisador de Adams. A hidrogenação catalítica, ao contrário da maioria das outras reações orgânicas, é um processo heterogêneo, isto é, a reação de hidrogenação não ocorre em uma solução homogênea, em vez disso, ocorre na superfície de partículas sólidas do catalisador. A hidrogenação usualmente ocorre com estereoquímica Syn (cis) – com ambos os hidrogênios adicionados do mesmo lado da ligação dupla. H2, PtO2 CH3 CO2H CH3 CH3 CH3 CH3 H H 1,2‑dimetilcicloexeno Cis‑1,2‑dimetilcicloexano Figura 174 O mecanismo de hidrogenação ou redução dos alcenos está ilustrado a seguir. Catalisador Inserção de hidrogênio na ligação dupla C‑C Catalisador regenerado Hidrogênio adsorvido na superfície do catalisador Hidrogênio adsorvido na superfície do catalisador H2 H2C=CH2 H2C=CH2 C C H HH H H H Produto alcano H H C CC Figura 175 Devido a esse mecanismo, o produto da reação geralmente é do tipo cis. Em moléculas com um grupo que bloqueie o contato (impedimento estérico), a reação irá ocorrer na superfície oposta. 114 Unidade III CH3 CH3 CH3CH3H2 Pd/C CH3 H H H3C H3C Figura 176 – Duplas ligações estáveis como a ligação C=O das cetonas, C=C dos anéis aromáticos, e C≡N das nitrilas, geralmente não são hidrogenadas A reação de hidrogenação possui grande importância industrial porque permite a conversão de óleos em gorduras adequadas para a produção de margarinas e produtos de panificação. Essa hidrogenação melhora a consistência das gorduras e reduz a sensibilidade à rancidez (deterioração de alimentos ricos em lipídeos muda a cor, o sabor, o aroma e a consistência). CH3(CH2)7–CH = CH –(CH2)7COOH + H2 CH3(CH2)16COOH Ácido oleico Ácido esteárico Figura 177 Os óleos vegetais são predominantemente poli‑insaturados (soja, girassol, milho, açafrão) e, consequentemente, líquidos, devido à sua baixa estabilidade. Os óleos são ésteres glicerídeos de ácido carboxílico com longas cadeias de carbono. Nosso organismo não é capaz de produzir gorduras poli‑insaturadas, portanto é importante que elas estejam presentes em nossa dieta em quantidades moderadas. Já as saturadas são sintetizadasatravés de alimentos como carboidratos. Um problema potencial que surge do uso da hidrogenação catalítica para produzir óleos vegetais parcialmente hidrogenados é que os catalisadores usados para hidrogenação causam isomerização de algumas das ligações duplas de ácidos graxos (algumas não absorvem o hidrogênio). Na maioria dos óleos e gorduras naturais, as duplas ligações têm configuração cis. Durante o processo, algumas dessas configurações cis podem se converter em trans não naturais. Os efeitos de ácidos graxos trans na saúde ainda estão em estudos, mas experimentos indicam que eles causam aumento nos níveis de colesterol e de triacilgliceróis no soro, o que, por sua vez, eleva o risco de doenças cardiovasculares. 7.5.5 Reações de adição de HX e X2 em alcinos De modo geral, as reações de alcenos e alcinos são semelhantes, porém existem algumas diferenças significativas. A adição de HX ou X2 a um alcino, de modo geral, produz um alceno ligado a um halogênio; dando sequência à reação, o produto formado é um alcano dissubstituído, um di‑halogênio. 115 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL 2,2‑dibromoexano CH3(CH2)3C ≡ CH HBr HBr CH3(CH2)3C = CH Br H CH3(CH2)3C – CH Br Br H H 1‑hexino 2‑bromo‑1‑hexeno Figura 178 Nos alcenos, a adição dos átomos de hidrogênio e halogênio segue a regra de Markovnikov: halogênio adicionado no carbono mais substituído e o hidrogênio no carbono menos substituído. A estereoquímica trans de H e X é normalmente encontrada no produto de reação. Os halogênios (X2), como o bromo (Br2) e o cloro (Cl2), também se adicionam a alcinos para produzir compostos com uma estereoquímica trans. 1,1,2,2‑tetrabromobutano CH3CH2C ≡ CH Br2 Br2 1‑butino (E)‑1,2‑dibromo‑1‑buteno CC Br CH3CH2 Br H CH3CH2CBr2CHBr2 Figura 179 7.5.6 Reações de hidratação em alcinos Assim como os alcenos, os alcinos podem ser hidratados por dois métodos. A adição direta de água é catalisada por íon mercúrio (II), produzindo um composto que segue a regra de Markovnikov. Já a adição indireta de água por hidroboração/oxidação constitui como produto um composto com adição anti‑Markovnikov (que não será discutida). Quando hidratados, os alcinos têm como produto final a formação de uma cetona. 2‑hexanona1‑hexino Enol intermediário CH3(CH2)3C ≡ CH CH3(CH2)3C CH3 O CH3(CH2)3C = CH OH H Figura 180 7.5.7 Reações de hidrogenação dos alcinos Os alcinos são facilmente hidrogenados a alcanos pela adição de H2 sobre um catalisador metálico, com mecanismo idêntico ao já visto nos alcenos. A reação ocorre em duas etapas, por meio de um alceno intermediário. HC ≡ CH H2 H2C = CH2 H2 H3C CH3 116 Unidade III Lembrete Nas reações de adição, ocorre inicialmente um ataque eletrofílico à dupla ligação, produzindo um intermediário denominado carbocátion, que depois sofre ataque nucleofílico. 7.6 Reações de substituição 7.6.1 Reações de substituição nucleofílica (SN) As reações de substituição nucleofílica na presença de base estão entre as reações mais versáteis e utilizadas em química orgânica. Substituição + X‑C CX NuNu + Figura 181 O mecanismo geral das reações de substituição nucleofílica está representado a seguir. Exemplos: HO– + CH3 Cl CH3 OH + Cl ‑ CH3O ‑ + CH3CH2 Br CH3CH2 OCH3 + Br ‑ Geral Nu + R–X R–Nu + X‑ Nucleófilo Haleto de alquila (substrato) Produto Íon haleto Figura 182 Nesse tipo de reação, um nucleófilo, uma espécie com um par de elétrons não compartilhados, reage com um haleto de alquila (chamado de substrato) pela reposição do halogênio substituinte. Acontece uma reação de substituição, e o halogênio substituinte, chamado de grupo retirante, se afasta como um íon haleto. Como a reação de substituição é iniciada por um nucleófilo, ela é chamada de reação de substituição nucleofílica (SN). Nas reações SN, a ligação C‑X do substrato passa por uma heterólise, e o par não compartilhado do nucleófilo é usado para formar uma nova ligação para o átomo de carbono: 117 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL Grupo retirante Nu: + R–X R–Nu + X‑ Nucleófilo Heterólise Produto Íon haleto Figura 183 Os haletos de alquila não são as únicas substâncias que podem agir como substratos nas reações SN. Para ser reativo, isto é, para ser capaz de agir como substrato em uma reação SN, uma molécula precisa possuir um bom grupo retirante. Nos haletos de alquila, o grupo retirante é o halogênio, que se afasta como um íon haleto. Para ser um bom grupo retirante, o substituinte deve ser capaz de se afastar como um íon ou uma molécula básica fraca, relativamente estável. Os melhores grupos retirantes são aqueles que se tornam os íons mais estáveis depois que se desprendem. Como a maioria dos grupos se desprende como um íon com carga negativa, os melhores grupos retirantes são aqueles íons que estabilizam uma carga negativa mais eficazmente. Como as bases fracas executam isso melhor, os melhores grupos retirantes são as bases fracas. XC X C δ+ δ‑ H H H H H H Intermediário Carbocátion + X‑ SN1C+ H HH XC X C δ+ δ‑ H H H H H H Intermediário Nu + X‑ SN2C H H H Nu Nu‑ Figura 184 Nucleófilo maior é mais forte, apesar de sua basicidade ser menor. Dos halogênios, o íon iodeto é o melhor grupo retirante, e o íon fluoreto o mais fraco: I‑ > Br‑ > Cl‑ >> F‑ I‑ > Br‑ > Cl‑ >> F‑ Outras bases fracas que são bons grupos retirantes: os íons alcanossulfonatos, o íon sulfato de alquila e o ptoluenosulfonato. 118 Unidade III SO R O O S‑O O R O O S‑O O O CH3 P‑toluenossulfonatoÍon alcanossulfonato Sulfato Figura 185 Íons muito básicos raramente atuam como um grupo retirante. O íon hidróxido, por exemplo, é uma base forte, assim, uma reação como a apresentada a seguir não ocorre. X‑ + R OH R X + HO‑ Tal reação não ocorre porque OH‑ é uma base forte. Entretanto, quando um álcool é dissolvido em um ácido forte, ele pode reagir com o íon haleto (H+). Como o ácido protona, o grupo hidroxila (–OH) do álcool, o grupo retirante não necessita mais ser um íon hidróxido, ele agora é uma molécula de água, uma base muito mais fraca que o íon hidróxido. X‑ + R O+ H R X + H20 H Bases muito poderosas, tais como os íons hidretos (H:‑) e os íons alcanido (R:‑), quase nunca atuam como grupos retirantes, portanto, reações do tipo acentuado a seguir não são possíveis: Nu: + CH3CH2 H CH3CH2 Nu + :H ‑ Nu: + CH3 CH3 CH3 Nu + :CH3 ‑ Comparação entre basicidade e nucleofilicidade Bases fortes são tipicamente bons nucleófilos. Entretanto existe uma diferença fundamental entre as duas propriedades: Basicidade é uma propriedade termodinâmica A‑ + H20 K HA + HO‑ K = constante de equilíbrio Nucleofilicidade é um fenômeno cinético Nu‑ + R‑X K Nu R + X‑ K = constante de velocidade Figura 186 119 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL O mecanismo das reações SN pode ocorrer de duas maneiras: • Reações do tipo SN2 (ou bimolecular): é necessário o choque do nucleófilo com o haleto de alquila. As ligações carbono‑halogênio se rompem ao mesmo tempo em que uma nova ligação se forma entre o nucleófilo e o carbono. XC X C δ+ δ‑ H H H H H H Intermediário Nu + X‑ SN2C H H H Nu Nu‑ Figura 187 CH3Cl + NaOH H2 O/Aquecimento CH3OH + NaCl V = k [CH3Cl] [OH] ‑ Figura 188 A reação de substituição nucleofílica bimolecular é um processo de segunda ordem: a velocidade é proporcional à concentração do substrato e do nucleófilo. • Reações do tipo SN1 (primeira ordem): é necessário apenas o haleto de alquila. A ligação carbono‑halogênio se rompe e forma um carbocátion, que posteriormente reage com o nucleófilo. XC X C δ+ δ‑ H H H H H H IntermediárioCarbocátion + X‑ SN1C + H HH CH3 CH3 CH3 CH3 H3C H3CC CBr + NaOH OH + Br ‑ Velocidade = k1 [RBr] k1 = 0,010 litros/mol‑seg. 80% etanol 20% água 55 ºC Figura 189 Lembrete Compostos que têm carbonos sp2 (dupla ligação) ou sp (tripla ligação) geralmente não sofrem reação de substituição nucleofílica. 120 Unidade III 7.6.2 Reações do tipo SN2 São reações de segunda ordem global. É razoável concluir, portanto, que para que a reação se realize, um íon hidróxido e uma molécula de cloreto de metila precisam colidir. Dizemos também que a reação é bimolecular (duas espécies estão envolvidas na reação) ou do tipo SN2, que significa substituição nucleofílica bimolecular. Nu: + CH3CH2 (grupo retirante) CH3CH2 Nu + (grupo retirante) Mecanismo das reações SN2 De acordo com esse mecanismo (Hughes‑Ingold), o nucleófilo aborda o carbono que carrega o grupo retirante por trás, isto é, pelo lado diretamente oposto ao grupo retirante. Com a ligação do nucleófilo, ocorre uma inversão da configuração. O mecanismo Hughes‑Ingold para a reação SN2 envolve apenas uma etapa e não há intermediários. A reação prossegue através da formação de uma disposição instável de átomos, o que recebe o nome de estado de transição. XC X C δ+ δ+ H H H H H H Estado de transição Nu + X‑ SN2C H H H Nu Nu‑ Figura 190 ∆H Energia Estado de transição [ET] Substrato Produto Ea SN2 Figura 191 121 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL As reações de SN2 ocorrem com inversão de configuração. Exemplo: C Br BrC δ‑ δ‑ H CH3 CH3 C6H13 C6H13 C6H13H HO + Br‑C CH3 HHO ‑ HO + + Figura 192 Evidências experimentais para o mecanismo da reação SN2 • A velocidade de reação depende da concentração do haleto de alquila e do nucleófilo (segunda ordem). • A velocidade de reação depende da reatividade do nucleófilo (nucleofilicidade). • A velocidade de reação com certo nucleófilo diminui com o aumento do tamanho substrato. • A velocidade de reação depende da qualidade do grupo de partida. • A configuração do produto de substituição é invertida quando comparada com a configuração do substrato quiral, utilizado como reagente. Impedimento estérico nas reações SN2 Impedimento estérico é quando um substituinte volumoso no substrato reduz a reatividade (velocidade). Lembrete Compostos primários sofrem reações SN2 com cinética de segunda ordem. SN2: velocidade = k2 [RBr] [NaOH] 7.6.3 Reações SN1 Quando os íons hidróxido não participam no estado de transição da etapa que controla a velocidade da reação e apenas moléculas de cloreto de terc‑butila são envolvidas, trata‑se de uma reação unimolecular (reação de SN1, substituição nucleofílica unimolecular). As reações SN1 são reações multietapas, em que existe uma etapa determinante da velocidade. 122 Unidade III Se uma reação acontece em uma série de etapas, e se uma etapa é intrinsecamente mais lenta que todas as demais, então a velocidade da reação global será essencialmente a mesma velocidade dessa etapa mais lenta. Consequentemente, essa etapa lenta será chamada de etapa limitante da velocidade. Reagente Intermediário 1 Intermediário 2 Produto Etapa lenda Etapa rápida Etapa rápida Figura 193 Exemplo: (CH3)3C–Cl + HO ‑ Intermediários (CH3)3C–OH + Cl ‑ ∆H Energia Carbocátion intermediário Etapa 1 Etapa 2 Material partida Produto Ea1 Ea2 SN1 TS2 TS1 Figura 194 Evidências experimentais para o mecanismo da reação SN1 • A velocidade de reação depende somente da concentração do haleto de alquila. • A velocidade de reação é aumentada pela presença de grupos volumosos no haleto de alquila. • Na substituição de haletos de alquila quirais, obtém‑se uma mistura racêmica como produto de reação. 123 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL Mecanismo para a reação SN1 CH3 CH3 H3C C ClEtapa 1) Lenta H2O H3C + Cl ‑C+ CH3 CH3 H O H Etapa 2) Rápida H3C C + CH3 CH3 H3C CH3 CH3 C O+ H H H O H Etapa 3) Rápida H3C H3C H CH3 CH3 CH3 CH3 H C C O+O+ O HH + H H Figura 195 Carbocátions A partir de 1920, muita evidência começou a se acumular, sugerindo simplesmente que os cátions de alquila fossem os intermediários em uma variedade de reações iônicas. Em 1962, o pesquisador George A. Clah comprovou a existência do carbocátion, elucidando diversos mecanismos de reação. A estabilidade relativa dos carbocátions se refere ao número de grupos alquila ligados ao átomo de carbono trivalente carregado positivamente. > > >R C+ R R R C+ H R R C+ H H H C+ H H Carbocátion terciário (+ estável) Carbocátion secundário Carbocátion primário Metila (‑ estável) Figura 196 Lembrete Compostos terciários sofrem reações SN1 com cinética de primeira ordem. SN1: velocidade = k2 [RBr] 124 Unidade III Estereoquímica das reações SN1 O carbocátion formado na primeira etapa de uma reação SN1 é plana triangular. Quando reage com um nucleófilo, ele pode reagir tanto pelo lado da frente quanto por trás. Com o cátion terc‑butila não faz diferença, pois o produto formado é o mesmo, independentemente do modo de ataque. O O H H H H C+ C C H3C H3C H3C H2O + O+H2 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 Mesmo produto Figura 197 A seguir, destaca‑se a estereoquímica de uma reação SN1 envolvendo 3‑bromo‑3‑metilexano e moléculas de água: C C+Br CH3CH2CH2 CH2CH2CH3 CH3CH2 CH2CH3 CH3 CH3 Lenta + Br‑ C CH2CH2CH3 CH2CH3 1 1 2 CH3 H H O C CH2CH2CH3 CH2CH3CH3 H H O+ 2 C CH2CH2CH3 O+H3CH2C H3C H H Rápida 1 2 Produto 1 Produto 2 H H O H H O C+ CH2CH2CH3 CH2CH3CH3 H H O+ C CH2CH2CH3 O+H3CH2C H3C C CH2CH2CH3 CH2CH3H3C HO C CH2CH2CH3 H3CH2C H3C OH H H Rápida Figura 198 125 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL 7.6.4 Solvólise É uma substituição nucleofílica na qual o nucleófilo é uma molécula do solvente. Quando o solvente é água, a reação também é chamada de hidrólise. Se for metanol, é metanólise, e assim por diante. Exemplo: (CH3)3C–Br + H2O (CH3)3C–OH + HBr (CH3)3C–Cl + CH3OH (CH3)3C–OCH3 + HCl (CH3)3C–Cl + HC–OH (CH3)3C–OCH + HCl O O Figura 199 O mecanismo da solvólise ocorre por substituição nucleofílica unimolecular: Etapa 1) H3C CH3 CH3 C Cl Lenta C+ CH3 CH3H3C + Cl‑ H O O CH Etapa 2) H3C H3C CH3 CH3 CH CH H H CH3 CH3 C C O O+ ORápido Ressonância C+ CH3 CH3H3C O + Etapa 3) H3C H3C CH3 CH3 CH Cl‑ CH H + HCl CH3 CH3 C C O+ O ORápido O Figura 200 7.6.5 Fatores que podem afetar a velocidade das reações de substituição nucleofílica do tipo SN1 e SN2 • O efeito da estrutura do substrato. • O efeito da concentração e da força do nucleófilo (SN2). 126 Unidade III • Efeitos do solvente sobre as reações SN2: solventes polares próticos e apróticos (com ou sem átomos de hidrogênio). • Efeito do solvente sobre as reações SN1: a capacidade de ionização do solvente. • A natureza do grupo retirante. 7.6.6 O efeito da estrutura do substrato nas reações SN1 e SN2 Nas reações SN2, haletos de alquila simples mostram a seguinte ordem de reatividade nas reações bimoleculares: Metila > carbono primário > carbono secundário > carbono terciário A metila é bastante reativa, já o carbono terciário dificilmente reage por SN2. Nas reações SN1, o fator primário que determina a reatividade de substratos orgânicos é a estabilidade relativa do carbocátion que se forma: > > >R C+ R R R C+ H R R C+ H H H C+ H H Carbocátion terciário (+ estável) Carbocátion secundário Carbocátion primário Metila (menos estável) Figura 201 Lembrete A natureza de um nucleófilo só é importante para reação SN2, pois na SN1 não está envolvido na etapa determinante da velocidade. 7.6.7 Efeitos da concentração e da força do nucleófilo A influência da concentração e da força do nucleófilo só ocorre em reações do tipo SN2, pois é necessário o choque de duas moléculas para haver a substituição.Observe: • Um nucleófilo com carga negativa é sempre um nucleófilo mais reativo que seu ácido conjugado. Exemplo: HO‑ é melhor que H2O; RO ‑ é melhor que ROH. 127 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL • Em um grupo de nucleófilos, no qual o átomo nucleofílico é o mesmo, a força dos nucleófilos acompanha as basicidades respectivas. Exemplo: composto de oxigênio. (base forte) RO‑ > HO‑ >> RCO2 ‑ > ROH > H2O (base fraca) 7.6.8 Efeitos do solvente sobre as reações SN2: solventes polares próticos e apróticos Solventes polares próticos são aqueles com um átomo de hidrogênio ligado a um átomo de um elemento fortemente eletronegativo (reage mais rápido) SH‑ > CN‑ > I‑ > OH‑ > NH3 ‑ > CH3CO2 ‑ > Cl‑ > F‑ > H2O Solventes polares apróticos são aqueles que em solução não liberam um íon H+ em solução, por exemplo: N,N‑dimetilformamida (DMF) Dimetilsulfóxido (DMSO) Dimetilacetamida (DMA) H C O N CH3 CH3 H3C S O CH3 C O N CH3 H3C CH3 Hexametilfosfosamida (HMPA) P O (CH3)2N N(CH3)2 N(CH3)2 Figura 202 7.6.9 Efeitos do solvente sobre as reações SN1: a capacidade de ionização do solvente Devido à capacidade de solvatar cátions e ânions tão eficazmente, o uso de um solvente polar prótico irá aumentar em muito a velocidade da ionização de um haleto de alquila em qualquer reação SN1. Isso acontece porque a solvatação estabiliza o estado de transição que leva ao carbocátion intermediário e ao íon haleto mais do que com os reagentes, assim a energia livre de ativação é mais baixa, ou seja, quanto mais polar é o solvente, mais eficaz é a ionização. (+ polar) H2O > ácido fórmico > DMSO > DMF > acetonitrila > metanol > HMPA > etanol > acetona > ácido acético (‑ polar) 7.6.10 Natureza do grupo retirante O melhor grupo retirante são as bases fracas, pois são mais estáveis depois de se desprenderem da molécula. Lembrete Reações SN1 preferem solventes próticos polares que podem solvatar o ânion e o cátion formados na etapa determinante da velocidade. Reações SN2 preferem solventes “não polares” ou solventes polares apróticos que não solvatam o Nu. 128 Unidade III 7.6.11 Resumo: reações SN1 versus SN2 Na tabela a seguir, há um breve resumo dos principais fatores que favorecem reações do tipo SN1 ou SN2. Tabela 11 Fator SN1 SN2 Substrato Compostos de carbono terciário (formação de carbocátion estável) Metila > 1º > 2º (substratos com pequeno bloqueio estérico) Nucleófilo Bases fracas de Lewis, moléculas neutras; o nucleófilo pode ser solvente (solvólise) Base Lewis forte; a velocidade é favorecida pela alta concentração do nucleófilo Solvente Solvente polar prótico (álcool, água) Solvente polar aprótico (DMF, DMSO) Grupo retirante I ‑ > Br‑ > Cl‑ > F‑ para ambos: SN1 e SN2 (quanto mais fraca a base, depois da partida do grupo, melhor será o grupo retirante) 7.6.12 Comparações entre reações SN1 e SN2 Tabela 12 SN1 SN2 Cinética Segunda ordem Primeira ordem Estereoquímica Inversão Racemização Rearranjo Não ocorre Pode ocorrer Reatividade CH3W > 1º > 2º > 3º 3º > 2º > 1º > CH3W Aplicações em síntese Muito útil Pouco útil 7.6.13 Reações SN1 e SN2 na síntese Algumas transformações importantes: uma ampla seleção de nucleófilos torna possível a síntese de muitos tipos de compostos orgânicos, conforme segue: Haletos de alquila Álcoois Éteres Nitrilas Ésteres Alcinos Tióis R‑Y + Nu Nucleófilos R‑Nu + Y Produto Classe Cl‑, Br‑, I‑ OH‑ RO‑ C≡N ‑ R’ C O O‑ R’ C≡C ‑ SH‑ R X R OH R O R’ R C≡N: R’ R C O O R’ C≡C R R SH Figura 203 R’ 129 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL 7.7 Reação de troca de haletos Trata‑se o haleto de alquila com NaI/acetona. Como o brometo e o cloreto de sódio são menos solúveis, ocorre uma precipitação do sal. Isso permite a remoção de NaCl ou NaBr com uma simples filtração. Br l O ONal Acetona Figura 204 7.8 Reações de álcoois, éteres e epóxidos A ativação dos grupos de partida ruins HO‑ e RO‑ ocorre através da protonação. Já a formação de haletos de alquila, a partir de álcoois, e de éteres, a partir de álcoois e haletos de alquila. 7.8.1 Transformação de álcoois haletos de alquila CH3CH2CH2OH + Hl ∆ CH3CH2CH2l + H2O Álcool primário Álcool secundário OH Br + HBr ∆ + H2O Figura 205 Álcoois secundários e terciários reagem pelo mecanismo SN1. CH3 CH3 CH3CH3 CH3 CH3 CH3 HBr CH3 CH3 CH3 CH3 CH3CH3 CH2 C C CC+ CH3 C HOH OH Br H + + H2OBr+ Br Produto de eliminação T‑butanol (álcool terciário) Produto de substituição ‑ H+ ‑H+ Figura 206 R’ 130 Unidade III Álcoois secundários podem sofrer rearranjos na reação SN1. CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 + + CH3CHCHCH3 + HBr CH3CHCHCH3 CH3CCH2CH3 CH3CHCHCH3 CH3CHCHCH3 CH3CCH2CH3 ‑H2O OH Br Br +OH H Carbocátion secundário Rearranjo Carbocátion terciário Br‑ Br‑ Figura 207 Álcoois primários reagem via SN2. A transformação de álcoois secundários e terciários em haletos de alquila é difícil, e em muitos casos essa transformação é acompanhada pela formação de produtos de eliminação. + Etanol (álcool primário) CH3CH2 OHCH3CH2OH + H Br CH3CH2Br + H2O H Br ‑ Figura 208 7.8.2 Reações de éteres pelo mecanismo SN1 Como no caso da reação de álcoois, o éter é “ativado” por protonação, formando o bom álcool (CH3OH no caso) em vez do alcoolato. CH3C CH3C CH3C + CH3C CH3 CH3 CH3 CH3 + CH3 CH3 CH3 CH3 H+OCH3 CH3OH OCH3 SN1H+ + I‑ I Figura 209 7.9 Substituição alílica e o radical alila Quando o propeno reage com o bromo ou cloro a baixas temperaturas, a reação que ocorre normalmente é a adição de halogênio a uma ligação dupla. 131 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL CH2 = CH CH3 + X2 Baixa temperatura CCl4 (Reação de adição) CH2CH–CH3 X X Figura 210 Contudo, quando o propeno reage com o cloro ou o bromo a temperaturas muito elevadas ou sob condições em que a concentração de halogênio é muito pequena, a reação que ocorre é uma substituição. Esses dois exemplos ilustram como podemos mudar o curso de uma reação orgânica, muitas vezes, simplesmente alterando as condições. Alta temperatura ou baixa concentração do X2 (Reação de substituição) CH2 CH–CH3 + X2 CH2–CH–CH2X + HX Figura 211 Nessa substituição, um átomo de halogênio substitui um dos átomos de hidrogênio do grupo metila do propeno. Esses átomos de halogênio são chamados de átomos de hidrogênio alílico, e a reação de substituição é conhecida por substituição alílica. H H HH H H C C C Átomos de hidrogênio alílico Figura 212 Esses são também os termos gerais; trata‑se de átomos de hidrogênio de qualquer carbono saturado adjacente a uma ligação dupla. São chamados átomos de hidrogênio alílico. Qualquer reação na qual um átomo de hidrogênio alílico é substituído, é chamada substituição alílica. H C C C Figura 213 7.9.1 Cloração alílica (temperatura elevada) O propeno sofre cloração alílica quando o propeno e o cloreto reagem em uma fase gasosa a 400 ºC. Esse método para sintetizar o cloreto de alila é denominado “processo Shell”. 132 Unidade III CH2 CH2 CH2ClCHCH3 + Cl2 + HClFase gasosa 3‑cloropropeno (cloreto de alila) 400 °CCH Figura 214 O mecanismo para a substituição alílica é o mesmo do mecanismo de cadeia para as halogenações do alcano. Na etapa de iniciação da cadeia, a molécula de cloro se dissocia em átomos de cloro. Cl Cl Cl2 Luz Etapa de iniciação da cadeia Radical cloro Figura 215 Na primeira etapa de propagação da cadeia, o átomo de cloro abstrai um dos átomos de hidrogênio alílico. H HH H H HH H H + HCl Cl H H C C C C C C Radical alila Primeira etapa de propagação da cadeia Figura 216 O radical que é produzido nessa etapa é denominado radical alílico. Na segunda etapa, o radical alila reage com uma molécula de cloro. H HH H + Cl Cl ClClH H C C CH2 CH2 C C Cloreto de alila Segunda etapa de propagação da cadeia Figura 217 Essa etapa promove a formação de uma molécula decloreto de alila e um átomo de cloro. Então, o átomo do cloreto provoca uma repetição da primeira etapa de propagação da cadeia, cuja reação continua até que as etapas normais de terminação da cadeia consumam os radicais. 133 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL O motivo para a substituição nos átomos de hidrogênio alílico do propeno será mais claro se examinarmos a energia de dissociação de ligação de uma ligação carbono‑hidrogênio alílica e a compararmos às energias de dissociação de ligação de outras ligações carbono‑hidrogênio, conforme a tabela a seguir. Tabela 13 A:B → A∙ + ∙B Ligação rompida kJ mol‑1 Ligação rompida kJ mol‑1 H‑H 435 (CH3)2CH‑Br 285 F‑F 159 (CH3)2CH‑I 222 Cl‑Cl 243 (CH3)2CH‑OH 385 Br‑Br 192 (CH3)2CHOCH3 337 I‑I 151 (CH3)2CH2CH‑H 410 H‑F 569 (CH3)3C‑H 381 H‑Cl 431 (CH3)3C‑Cl 328 H‑Br 366 (CH3)3C‑Br 264 H‑I 297 (CH3)3C‑I 207 CH3‑H 435 (CH3)3C‑OH 379 CH3‑F 452 (CH3)3COCH3 326 CH3‑Cl 349 C6H5CH2‑H 356 CH3‑Br 293 CH2=CHCH2‑H 356 CH3‑I 234 CH2=CH‑H 452 CH3‑OH 383 C6H5‑H 460 CH3‑OCH3 335 H‑C≡C‑H 523 CH3‑CH2‑H 410 CH3‑CH3 368 CH3‑CH2‑F 444 CH3‑CH2‑CH3 356 CH3‑CH2‑Cl 341 CH3‑CH2‑CH2‑CH3 356 CH3‑CH2‑Br 289 CH3‑CH2‑CH2‑CH3 343 CH3‑CH2‑I 224 (CH3)2CH‑CH3 351 CH3‑CH2‑OH 383 (CH3)3C‑CH3 335 CH3‑CH2OCH3 335 HO‑H 498 CH3‑CH2‑CH2‑H 410 HOO‑H 377 CH3‑CH2‑CH2‑F 444 HO‑OH 213 CH3‑CH2‑CH2‑Cl 341 (CH3)3CO‑OC(CH3)3 157 CH3‑CH2‑CH2‑Br 289 C6H5COO‑OOC6H5 139 CH3‑CH2‑CH2‑I 224 CH3CH2O‑OCH3 184 CH3‑CH2‑CH2‑OH 383 CH3CH2O‑H 431 CH3‑CH2‑CH2O‑CH3 335 CH3OC‑H 364 (CH3)2CH‑H 395 (CH3)2CH‑F 439 (CH3)2CH‑Cl 339 134 Unidade III Observe alguns exemplos: CH2 CHCH2 H CH2 CHCH2• + •H ∆H = 360 kJ mol ‑1 Propeno Radical alila (CH3)3C H (CH3)3C• + •H ∆H = 380 kJ mol ‑1 Isobutano Radical terciário (CH3)2C H (CH3)2CH• + •H ∆H = 395 kJ mol ‑1 Propano Radical secundário CH3CH2CH2 H CH3CH2CH2• + •H ∆H = 410 kJ mol ‑1 Propano Radical primário CH2 CH H CH2 CH• + •H ∆H = 452 kJ mol ‑1 Eteno Radical vinila Nota‑se que uma ligação carbono‑hidrogênio alílica é até mais facilmente fragmentada que a ligação carbono‑hidrogênio terciária do isobutano e muito mais facilmente fragmentada que a ligação carbono‑hidrogênio vinílica. CH2 CH CH2 H X CH2 CH CH2 + HX Energia de ativação baixa Radical alila X + H–CH CH–CH3 CH CH–CH3 + HX Energia de ativação alta Radical vinílico Figura 218 A facilidade com que uma ligação carbono‑hidrogênio alílica é fragmentada significa o seguinte: com relação a radicais livres primários, secundários, terciários e vinílicos, o radical alila é o mais estável. Estabilidade relativa alílica ou alila > terciário > secundário > primário > vinílica 7.10 Reações de eliminação As reações de eliminação na presença de base estão entre as reações mais versáteis e utilizadas em química orgânica. C CC C H X Eliminação Nu‑ + Nu H + X‑ Figura 219 135 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL CH3CH2CH2 X + Y ‑ CH3CH CH2 + H Y + X ‑ X = Cl, Br, I (desidroalogenação) X = OH (desidratação) 7.10.1 Reações de eliminação dos haletos de alquila (desidroalogenação) As reações de eliminação de haletos de alquila podem ser representadas pela reação geral: C Y C Z CC Alceno eliminação (‑YZ) Figura 220 A eliminação de HX de um haleto de alquila é um excelente método de preparação de alcenos (reação de desidroalogenação), porém esse assunto é muito complexo, porque as reações de eliminação ocorrem por meio de vários mecanismos diferentes, da mesma maneira que as reações de substituição. CH3 CH2CH3 CH3HO ‑ H2O Br ‑ CH3 CH3 Br C C+ + + 2‑metilpropeno Figura 221 Nas reações de desidroalogenação, as bases mais utilizadas são o hidróxido de potássio (KOH) ou um alcóxido de sódio (RO‑Na+), solubilizado em álcool. O álcool é apenas um solvente. 7.10.2 Reação de eliminação bimolecular (E2) A reação E2 ocorre quando um haleto de alquila é tratado com uma base forte, como um íon hidróxido ou alcóxido (RO‑). Esse é o caminho de eliminação mais comum e pode ser formulado como descrito a seguir. C C R R R R R R R R R R R R CC C C H H X X Nu Nu + Nu H + X‑ Figura 222 A base (nucleófilo: Nu) ataca um hidrogênio vizinho e inicia a remoção do H ao mesmo tempo em que a ligação dupla do alceno se forma e o grupo X deixa a molécula. 136 Unidade III O alceno neutro é produzido quando a ligação C‑H estiver completamente rompida e o grupo X partir com o par de elétrons da ligação C‑X. Do mesmo modo que as reações SN2, a reação E2 ocorre em uma única etapa, sem intermediários. À medida que a base começa a abstrair o H+ do carbono, próximo ao grupo de saída, a ligação C‑H inicia o rompimento, uma ligação C=C começa a se formar e o grupo de saída inicia sua saída, levando com ele o par de elétrons da ligação C‑X. CH2 CH2 CH3 CH3H CH3 CH3 Br C C HO‑ + H2O + Br ‑ Figura 223 A velocidade da reação depende do [substrato] e da [base]. Velocidade = k . [haleto de alquila] . [base] A reação é consertada e não há formação de intermediário de reação. O estado de transição formado envolve ambos os reagentes (substrato e base). Mecanismo geral: reação de eliminação bimolecular (E2) C C + +C H HB H X Xδ‑ C B X‑ δ‑B CC Estado de transição Figura 224 A reação E2 ocorre em uma única etapa (sincronizada), sem intermediários: • A base começa a abstrair o próton do carbono. • A ligação C–H inicia o rompimento. • Uma ligação C=C começa a se formar. • O grupo de saída leva com ele o par de elétrons da ligação C–X. Exemplo: eliminação no 2‑bromopropano com etanol. V= k [CH3CHBrCH3] [C2H5O ‑] 137 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL Efeito do solvente sobre a velocidade de E2 Em um mecanismo bimolecular, em regra, o aumento da polaridade diminui a velocidade da reação, pois uma intensa solvatação da base dificulta o ataque desta sobre o H. Entretanto, é necessário o uso de solventes próticos polares, que têm cargas desenvolvidas, para estabilizar o estado de transição, diminuir a energia de ativação e, por consequência, aumentar a velocidade da reação. Cada situação deve ser avaliada especificamente, mas é muito comum utilizar sistemas mistos, como etanol/água, metanol/água, entre outros. Ordem decrescente de polaridade de alguns solventes: água > ácido fórmico > dimetil sulfóxido (DMSO) > N, N‑dimetilformamida (DMF) > acetonitrila > metanol > etanol > acetona > ácido acético. Regiosseletividade das reações E2 Regra de Zaitsev: será formado o alceno mais substituído quando um próton for removido do carbono β que estiver ligado ao menor número de hidrogênios. Exemplos de reações. Equação da reação do 2‑bromo propano: Br CH3CHCH3 + CH3O ‑ CH3CH CH2 + CH3OH + Br ‑ Propeno Carbonos β Figura 225 Equação da reação do 2‑bromobutano: H3C CH2 CH CH3 H3C CH CH CH3 + H3C CH2 CH CH2 2‑bromobutano 2‑buteno (80%) 1‑buteno (20%) Br Figura 226 138 Unidade III Observe o diagrama da coordenada de reação do 2‑bromobutano: Energia Marcha da reação 2‑bromobutano + CH3O ‑ 1‑butano + CH3OH + Br ‑ 2‑butano + CH3OH + Br ‑ Figura 227 A reação que leva ao alceno mais estável ocorre mais rápido do que a reação que leva ao alceno menos estável: δ‑OCH3 CHCH3CH3CH H Br δ‑ δ‑OCH3 CHCH2CH3CH2 H Br δ‑ Estado de transição que leva ao 2‑buteno Mais estável Estado de transição que leva ao 1‑buteno Menos estável Figura 228 Reatividade relativa de haletos de alquila em uma E2 Haleto terciário > Haleto secundário > Haleto primário R R Br RCH2CR RCH CR Br RCH2CHR RCH CHR RCH2CH2Br RCH CR 3 substituintes alquila 2 substituintes alquila1 substituinte alquila Figura 229 139 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL Lembrete Reação E2: eliminação bimolecular, relacionada com SN2, uma etapa, sem intermediário. 7.10.3 Reação de eliminação unimolecular (E1) Da mesma forma que a reação E2 é semelhante à reação SN2, a reação SN1 possui um análogo próximo chamado reação E1. A reação E1 pode ser formulada como indicada no mecanismo a seguir, para eliminação de HCl a partir de 2‑cloro‑2‑metilpropano. Mecanismo geral E1 C C + +C H HB H X Xδ‑ C B X‑ δ‑B CC Estado de transição (ET) CH3 CH2 CH3 CH3 CH3 CH3 Br C C + H3O + + Br‑+ H2O Brometo de terc‑butila 2‑metilpropeno Figura 230 A velocidade da reação depende somente do [substrato]: Velocidade = k. [haleto de alquila] A reação ocorre em duas etapas. Apenas o haleto de alquila está envolvido na etapa lenta da reação. Há formação de um intermediário de reação – um carbocátion. CH3 CH2 CH2 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 Br H C C C + H3O + + Br‑ + lenta rápidaO haleto de alquila se dissocia, formando o carbocátion H2O A base captura um próton do carbono beta Figura 231 140 Unidade III A base participa apenas da segunda etapa de reação, portanto, sua concentração não influencia na velocidade. Utilizam‑se bases fracas, como água ou álcool. Efeito do solvente sobre a velocidade de E1 Como o intermediário da reação é uma espécie iônica, fatores que o estabilizam aumentam a velocidade da reação. Por isso, o aumento da polaridade do solvente, em regra, eleva a velocidade de uma reação que segue um mecanismo E1. Por esse motivo, é frequente o uso de solventes binários em E1, onde um dos componentes é a água. Regiosseletividade das reações E1 Equação da reação do 2‑cloro‑2‑metilbutano com água: CH3CH2CCH3 + H2O CH3CH CCH3 CH3 + CH3CH2C CH2 + H3O + + Cl‑ CH3 CH3 CH3 Cl Figura 232 Observe o diagrama da coordenada de reação do 2‑cloro‑2‑metilbutano: Energia Marcha da reação CH3CH2CCH3 CH3 Cl + H2O CH3CH2CCH3 CH3 Cl‑ + + H2O CH3 CH3CH2C CH2 + H3O + + Cl‑ CH3 CH3CH CCH3 + H3O + + Cl‑ Figura 233 Assim, forma‑se o alceno mais estável. Reatividade relativa de haletos de alquila em uma E1 Haleto terciário > haleto secundário > haleto primário (E1) (E1) (E2) 141 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL Está diretamente relacionada à estabilidade do carbocátion – intermediário de reação. Reatividade relativa de álcoois em uma E1 Álcool terciário > Álcool secundário > Álcool primário (E1) (E1) (E2) Álcoois primários: ácido concentrado e temperatura elevada; álcoois secundários: condições amenas; e álcoois terciários: desidratação fácil e condições extremamente amenas. Lembrete Reação E1: eliminação unimolecular, parecido com SN1, com carbocátion como intermediário. 7.11 Resumo das reatividades: SN1, SN2, E1 e E2 SN1, SN2, E1 e E2: como você pode se orientar? Como prever o que acontecerá em cada caso? Ocorrerá substituição ou eliminação? A reação será bimolecular ou unimolecular? Não há respostas rígidas para essas questões, mas é possível reconhecer algumas tendências e fazer algumas generalizações. Tabela 14 Tipo de haleto SN1 SN2 E1 E2 RCH2X (primário) Não ocorre Altamente favorecido Não ocorre Ocorre quando bases fortes são utilizadas R2CHX (secundário) Pode ocorrer com haletos de benzina e alila Ocorre em competição com a reação E2 Pode ocorrer com haletos de benzina e alila Favorecido quando bases fortes são utilizadas R3CX (terciário) Favorecido em solventes hidroxílicos Não ocorre Ocorre em competição com a reação SN1 Favorecido quando as bases são utilizadas Haletos de alquila primários A substituição SN2 ocorre se um bom nucleófilo, como RS ‑, I‑, CN‑, NH3 ou Br‑, for usado. A eliminação ocorre se uma base forte, volumosa, como tert‑butóxido, for utilizada. Haletos de alquila secundários A substituição SN2 e a eliminação E2 ocorrem juntas, frequentemente levando à mistura de produtos. Se um nucleófilo fracamente básico for usado em um solvente aprótico polar, predomina a substituição SN2. Se uma base forte como CH3CH2O‑, OH‑ ou NH2‑ for usada, predomina a eliminação E2. 142 Unidade III Haletos de alquila terciários A eliminação E2 ocorre quando uma base como OH‑ ou RO‑ for usada. A reação sob condições neutras (aquecimento em etanol puro) leva a uma mistura de produtos, resultante de ambas, substituição SN1 e eliminação E1. Lembrete Reações de eliminação (E1 e E2) geralmente têm maior energia de ativação (são mais difíceis) do que as de substituição (SN1 e SN2). Temperaturas mais elevadas costumam favorecer reações de eliminação. 7.12 Reações dos álcoois Como a água, os álcoois são fracamente ácidos (eletrófilos) e básicos (nucleófilos). Como bases fracas, os álcoois são reversivelmente protonados pelo tratamento com ácidos fortes, formando o íon oxônio, ROH2+: O O+ R RH H H + +XH X‑ Álcool Íon oxônio Figura 234 Como ácidos fracos, os álcoois se dissociam fracamente em solução aquosa diluída, doando um próton para a água, formando H3O + e um íon alcóxido, RO‑, ou um íon fenóxido, ArO‑: R O‑O O O+ R H HH H H H + + Álcool Íon hidrônio Íon alcóxido Figura 235 A força de um ácido é a capacidade com que esse composto tem de se dissociar em solução, e essa propriedade pode ser expressa pela constante de acidez, Ka: HA Ka = H2O H3O + A‑+ pKa = ‑log Ka [A‑] [H3O +] [HA] Os compostos com valores de Ka baixos (ou valores de pKa elevados) são menos ácidos, enquanto os compostos com valores de Ka elevados são mais ácidos. A tabela a seguir mostra a acidez de alguns álcoois: 143 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL Tabela 15 Álcool pka Característica (CH3)3COH 18,00 Fraco CH3CH2OH 16,00 Fraco HOH (Água) 15,74 Fraco CH3OH 15,54 Fraco CF3CH2OH 12,43 Médio Fenol 9,89 Forte Fonte: USP (2006, p. 107). O efeito da substituição de grupos alquílicos na acidez dos álcoois deve‑se principalmente à solvatação do íon alcóxido resultante da dissociação. Quanto mais facilmente o íon alcóxido é solvatado pelas moléculas de água, mais estável e mais energeticamente favorável é sua formação e, consequentemente, maior sua acidez. Por exemplo, o átomo de oxigênio de um íon alcóxido desprotegido, como o metanol, é estericamente acessível e facilmente solvatado pela água, como o álcool terc‑butila, é menos facilmente solvatado e, portanto, menos estabilizado. C O H H H Estericamente acessível; mais facilmente solvatado C O H3C H3C H3C Estericamente menos acessível; menos facilmente solvatado Figura 236 Os efeitos indutivos também são importantes na determinação da acidez dos álcoois. Os substituintes retiradores de elétrons, como os halogênios, estabilizam o íon alcóxido, pois distribuem a carga negativa sobre toda a molécula, tornando o álcool mais ácido. Compare, por exemplo, a acidez do etanol (pKa = 16,00) com o 2,2,2‑trifluoroetano (pKa = 12,43). C H H H C F F F CH2 CH2OH OH Figura 237 Uma vez que são muito menos ácidos em comparação aos ácidos carboxílicos ou ácidos minerais, os álcoois não reagem como bases fracas, a exemplo das aminas ou do íon bicarbonato. Também reagem + 144 Unidade III de maneira limitada como os hidróxidos metálicos, como NaOH. Os álcoois, entretanto, reagem com os metais alcalinos e com as bases fortes, como o hidreto de sódio (NaH), o amideto de sódio (NaNH2) e os reagentes de Grignard (RMgX). Os alcóxidos são bases e, portanto, muito usados como reagentes em química orgânica. As reações dos álcoois dividem‑se em dois grupos – aquelas que ocorrem na ligação C‑O e as que ocorrem na ligação O‑H. Uma das reações mais valiosas envolvendo a ligação C‑O é a reação de desidratação de álcoois na formação de alcenos. A ligação C‑O e a ligação vizinha C‑H são rompidas e uma ligação pi no alceno é formada: C C H OH H3O + + H2OCC H3O + THF, 50 ºC +H3C CH3 OH C CH2CH3 2‑metil‑2‑butanol H3CH3C CHC CH3 H2C H3C CH2C CH3 2‑metil‑2‑buteno Majoritário 2‑metil‑1‑buteno Minoritário OHH3C 1‑metilcicloexanol 1‑metilcicloexeno H3O + THF, 50 ºC CH3 Figura 238 Apenas os álcoois terciários são rapidamente desidratados com ácido. Os secundários podem reagir, porém as condições são mais drásticas (75% H2SO4, 100 ºC). Os álcoois primários são ainda menos reativos que os álcoois secundários, sendo necessárias condições ainda mais severas (95% H2SO4, 150 ºC). Reatividade R OH H C H R OH R C H R OH R C R< < Figura 239 145 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL Pode‑se compreender a ordem de reatividade observada visualizando o mecanismo da reação. As desidratações catalisadas por ácido são reações E1, que ocorrem por um mecanismo que envolve três etapas, a protonação do oxigênio do grupo hidroxila, a perda espontânea de água para formar o intermediário carbocátion e a perda final de um próton (H+) do átomo de carbono vizinho. O HH3C H3C H3C 1‑metilcicloexanol 1‑metilcicloexeno H H H H H H H O+ CH3 H + H3O + O+ H2O + Álcool protonado Carbocátion Figura 240 Outra reação de álcoois envolvendo a ligação C‑O é a sua conversão em haletos de alquila. Os álcoois terciários são rapidamente convertidos em haletos de alquila pelo tratamento com o HCl ou o HBr a 0 ºC. Os álcoois primários e secundários são muito mais resistentes ao tratamento ácido; em geral, são convertidos em haletos a partir da reação com o SOCl2 ou o PBr3. A reação de um álcool terciário com o HX ocorre por um mecanismo SN1. O ácido protona o átomo e o oxigênio do grupo hidroxila, eliminando a água para formar um carbocátion. Então, o cátion reage com o íon halogênio nucleofílico para formar um haleto de alquila como produto. O ClHH3C H3CH3C H3C 1‑metilcicloexanol 1‑cloro‑1‑metilcicloexano H H H Cl O+ Cl‑ + Álcool protonado Carbocátion Figura 241 Uma das reações mais importantes dos álcoois é a reação de oxidação para preparar compostos carbonílicos – a reação oposta de redução de um composto carbonílico para formar os álcoois: Oxidação Redução C C H OH O Figura 242 146 Unidade III Os álcoois primários reagem para formar os aldeídos ou os ácidos carboxílicos; os álcoois secundários, às cetonas; porém os álcoois terciários normalmente não reagem com a maioria dos agentes oxidantes. C OH HH R Álcool Aldeído Ácido carboxílico O R H C O R OH C [O] [O] Álcool primário C OH HR’ R Álcool Cetona O R R’ C [O] Álcool secundário C OH R’’R’ R Álcool [O] Álcool terciário Não ocorre Figura 243 Os agentes oxidantes mais comuns são o permanganato de potássio (KMnO4), o trióxido de crômio (CrO3) e o dicromato de sódio (Na2Cr2O7). 7.13 Reações dos fenóis Apesar de os fenóis serem estruturalmente semelhantes aos álcoois, são ácidos muito mais fortes. Os valores pKa da maioria dos álcoois são da ordem de 18, e os dos fenóis, em sua grande maioria, menores que 11. Apesar de o fenol ser um ácido fraco, quando comparado a um ácido carboxílico do tipo ácido acético (pka = 4,75), o fenol é um ácido muito mais forte do que o cicloexanol. Resultados experimentais e teóricos mostram que a maior acidez dos fenóis é devida, principalmente, a uma distribuição de carga elétrica no fenol que faz com que o oxigênio do grupo hidroxila (–OH) seja mais positivo; portanto o próton está ligado com menos força. De fato, o anel benzênico do fenol atua como se fosse um grupo retirante de elétrons quando comparado com o anel do cicloexano do cicloexanol. Podemos entender esse efeito se observarmos que o átomo de carbono que carrega o grupo hidroxila no fenol está hibridizado em sp2, enquanto no cicloexano ele está hibridizado em sp3. Devido a seu 147 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL caráter mais acentuado em s, os átomos de carbono hibridizados em sp2 são mais eletronegativos que os átomos de carbono hibridizados em sp3. As contribuições ao híbrido da ressonância global do fenol, feitas pelas estruturas 2‑4, também influenciam na distribuição de elétrons. Observe que o efeito dessas estruturas é de retirar os elétrons do grupo hidroxila e tornar o oxigênio positivo. O O 1A 1B 2 3 4 H H O+ H ‑ ‑ O+ H O+ H Estrutura de ressonância para o fenol ‑ Figura 244 Como os fenóis são mais ácidos que a água, a seguinte reação se completa e produz o fenóxido de sódio solúvel em água. OH O‑Na++ +NaOH H2O H2O Ácido mais forte pKa = 10 (ligeiramente solúvel) Base mais forte Base mais fraca (solúvel) Ácido mais fraco pKa = 16 Figura 245 A reação correspondente do 1‑hexanol com hidróxido de sódio aquoso não avança significativamente, porque o 1‑hexanol é um ácido mais fraco que a água. CH3(CH2)4CH2OH + NaOH H2O CH3(CH2)4CH2O ‑Na+ + H2O Ácido mais forte pKa = 16 Ácido mais fraco pKa = 18 (muito pouco solúvel) Base mais fraca Base mais forte Figura 246 O fato de que os fenóis se dissolvem no hidróxido de sódio aquoso, enquanto a maioria dos álcoois com seis átomos de carbono ou mais não dissolve, nos fornece um meio conveniente de distinguir e separar os fenóis da maioria dos álcoois. Álcoois com cinco átomos de carbono ou menos são bastante solúveis em água – alguns o são infinitamente – e, portanto, se dissolvem no hidróxido de sódio aquoso, apesar de não terem sido convertidos em alcóxidos de sódio em quantidade apreciável. A maioria dos fenóis, contudo, não é solúvel em bicarbonato de sódio aquoso (NaHCO3), mas os ácidos carboxílicos são solúveis. Assim, o NaHCO3 aquoso fornece um método para distinguir e separar a maioria dos fenóis dos ácidos carboxílicos. 148 Unidade III Os fenóis reagem como os anidridos do ácido carboxílico e os cloretos de ácido para formar ésteres. Essas reações são bastante semelhantes àquelas dos álcoois. OH O + Base RC 2O O CR RCO‑ O O OH O + Base RC Cl O CR Cl‑ O Figura 247 Os fenóis podem ser convertidos em éteres por meio da síntese de Williamson. Como os fenóis podem ser convertidos em fenóxidos de sódio através do uso de hidróxido de sódio em uma etapa subsequente, ele pode reagir com um haleto de alquila para formar um éter. Reação geral ArOH NaOH ArO‑ Na+ R X ArOR + NaX (X = Cl, Br, I, OSO2OR’ ou OSO2R’) Exemplos específicos CH3 CH3 CH3 OH O‑Na NaOH CH3CH2 I OCH2CH3 + NaI + NaOSO2OCH3 OH O‑Na+ H2O CH2OSO2OCH3 OCH3 + NaOH Figura 248 149 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL 7.13.1 Reações de substituição aromática eletrofílica O grupo hidroxila é um orto e paradirigente nas reações de substituição aromática eletrofílica. Como resultado, os fenóis são substratos muito reativos nas reações eletrofílicas de halogenação, nitração e sulfonação. 7.13.2 Oxidação de fenóis: quinonas Os fenóis não sofrem oxidação da mesma maneira que os álcoois porque não têm um átomo de hidrogênio ligado ao átomo de carbono que contém o grupo hidroxila. Ao contrário, a reação do fenol com qualquer agente oxidante forte vai produzir a 2,5‑ciclo‑hexadieno‑1,4‑diona ou quinona. Os procedimentos mais antigos empregavam o Na2Cr2O7 como oxidante, mas hoje se prefere usar o sal de Fremy [nitrodissulfonato de potássio (KSO3)2NO]. A reação ocorre em condições brandas por um mecanismo radicalar e, geralmente, o produto é obtido com rendimento elevado. OH O O (KSO3)2NO H2O Fenol Benzoquinona Figura 249 As quinonas constituem uma classe de compostos muito interessante e valiosa em razão de suas propriedades de oxidação‑redução ou propriedades redox. As quinonas podem ser facilmente reduzidas a hidroquinonas (p‑dihidroxibenzenos) a partir de reagentes como o NaBH4 e o SnCl2. Também podem ser facilmente reoxidadas a quinonas por meio do sal de Fremy. OH OH O O Benzoquinona Hidroquinona SnCl2, H2O Sal de Fremy Figura 250 As propriedades das quinonas são importantes no funcionamento dos organismos vivos, cujos compostos conhecidos como ubiquinonas agem como agentes oxidantes bioquímicos na mediação dos processosde transferência de elétrons envolvidos na produção de energia. As ubiquinonas, também chamadas coenzimas‑Q, são componentes das células de todos os organismos aeróbicos, desde a bactéria mais simples até os seres humanos. Elas possuem esse nome em virtude de sua ocorrência ubíqua, onipresente na natureza. 150 Unidade III CH3CH3O CH3O O O (CH2CH CCH2)nH Ubiquinona (n = 1‑10) CH3 Figura 251 As ubiquinonas atuam dentro da mitocôndria das células para mediar o processo respiratório no qual os elétrons são transportados a partir de um agente redutor biológico, no NADH, para o oxigênio. Por meio de várias etapas complexas, o resultado final é um ciclo em que o NADH é oxidado a NAD+, O2 é reduzido em água e energia é liberada. A ubiquinona age apenas como intermediária e, portanto, não sofre alteração. Etapa 1 Etapa 2 Resultado final CH3 CH3CH3O CH3O CH3O CH3O O OH OHO R R Forma reduzida NADH + H+ + + NAD+ Forma oxidada CH3CH3 CH3OCH3O CH3OCH3O OOH OH O RR + 1/2 O2 + H2O NADH + 1/2 O2 + H + NAD+ + H2O Figura 252 Sistemas que possuem um orbital p em um átomo adjacente a uma ligação dupla – moléculas como ligações π deslocalizadas – são chamados sistemas insaturados conjugados. Esse fenômeno geral é chamado conjugação. E essas conjugações dão a esses sistemas propriedades especiais. Veremos, por exemplo, que radicais conjugados, íons ou moléculas, são mais estáveis que os não conjugados. A conjugação permite também que as moléculas sofram reações anormais, a exemplo da reação Diels‑Alder, importante para a formação de anéis. 151 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL 7.14 Reações em compostos aromáticos (SEAr) Como comprovado experimentalmente, a aromaticidade confere uma estabilidade adicional. Portanto a perda da aromaticidade representa a formação de um produto menos estável e não ocorre. Assim, reações de adição não ocorrem em sistemas aromáticos, pois haveria a formação de um produto não aromático. Já em reações de substituição, ocorre a perda da aromaticidade para formação de um intermediário, porém a aromaticidade é restituída para constituição do produto. Portanto sistemas aromáticos reagem somente por substituição. Nesse caso, o anel aromático age como nucleófilo, atacando uma espécie eletrofílica. O anel aromático utiliza os elétrons π para o ataque nucleofílico. O mecanismo ocorre em duas etapas: • etapa 1: ataque ao eletrófilo, originando um intermediário catiônico; • etapa 2: perda de um próton e restauração da eletrofilicidade. A etapa lenta é a formação do intermediário carregado (interrupção da aromaticidade/ intermediário carregado). E E H E ProdutoIntermediário catiônico Adição de eletrófilo Perda do próton Figura 253 A reação mais comum de um composto aromático é a de substituição aromática eletrofílica, ou seja, um eletrófilo (E+) reage com o anel aromático e substitui um dos seus átomos de hidrogênio. H HH H H H H E H H H H + E+ + H + Figura 254 152 Unidade III Vários substituintes diferentes podem ser introduzidos no anel aromático por meio das reações de substituição eletrofílica. Pela escolha adequada dos reagentes, tem‑se: R H C O R X NO2 SO3H Nitração Sulfonação Alquilação Halogenação Acilação Figura 255 Começando com alguns materiais simples, é possível preparar diversos compostos aromáticos substituídos. 7.14.1 Reação de halogenação aromática Um anel benzênico, com seis elétrons π em um sistema cíclico conjugado, é um local de densidade eletrônica. Além disso, os elétrons π do benzeno são acessíveis aos reagentes que se aproximam por causa de sua localização acima e abaixo do plano do anel. Assim, o benzeno age como um doador de elétrons (uma base de Lewis ou nucleófilos) em grande parte da sua química e a maioria das reações ocorre com reagentes receptores de elétrons (ácido de Lewis ou eletrófilos). Por exemplo, o benzeno reage com o Br2 na presença do catalisador FeBr3 para formar um produto de substituição, bromo benzeno. Br Benzeno Bromobenzeno + Br2 + HBr FeBr3 Figura 256 As reações de substituição eletrofílica são características de todos os anéis aromáticos, não apenas do benzeno e de seus análogos substituídos. De fato, a habilidade de um composto em sofrer uma substituição eletrofílica é um bom teste de aromaticidade. Quando um reagente como o HCl é adicionado a um alceno, o átomo de hidrogênio eletrofílico se aproxima dos orbitais p da ligação dupla e forma uma ligação com o átomo de carbono, deixando a carga positiva no outro átomo de carbono. Esse intermediário carbocátion então reage com o íon nucleófilo Cl‑ para formar o produto de adição. 153 QUÍMICA ORGÂNICA EXPERIMENTAL H Cl H Cl‑ C C C H Cl + Alceno CC C Carbocátion Produto de adição Figura 257 Uma reação de substituição aromática eletrofílica começa de maneira semelhante, porém existem algumas diferenças. Uma delas é que os anéis aromáticos são menos reativos que os alcenos em relação aos eletrófilos. Por exemplo, o Br2 reage instantaneamente com a maioria dos alcenos, mas não reage com o benzeno à temperatura ambiente. Para que ocorra a bromação do benzeno, é necessária a presença de um catalisador como o FeBr3. O catalisador age sobre a molécula de Br2, tornando‑a mais eletrofílica devido à formação da espécie FeBr4—Br +, que reage como se fosse o Br+. – + Cargas momentâneas – + Br Br Bromo (eletrólito fraco) FeBr3 Br3Fe3 – ‑ – Br – ‑ – Br Bromo polarizado (eletrólito forte) Figura 258 Então a molécula de Br2 polarizada é atacada pelos elétrons π do anel benzênico nucleofílico em uma etapa lenta, determinante da velocidade da reação, para formar um intermediário carbocátion não aromático. Esse carbocátion é duplamente alílico e tem três formas de ressonância: Br Br Br + + + Benzeno + Br Br FeBr3 Figura 259 Ainda que o intermediário dessa reação de substituição aromática eletrofílica seja estável em comparação com um típico carbocátion alquílico, ele é muito menos estável que o próprio anel benzênico 150 kJ mol‑1 de estabilidade aromática. Assim, a reação eletrofílica com o benzeno é endergômica, com uma energia de ativação relativamente alta e, portanto, uma reação lenta. Outra diferença entre a reação de adição e a de substituição eletrofílica ocorre após a formação do intermediário carbocátion. Em vez de ocorrer o ataque do Br‑ para formar um produto de adição, o intermediário carbocátion perde H+ do átomo de carbono vizinho ao átomo que sofreu o ataque para formar um produto de substituição. Observe que a perda de H+ é semelhante ao que acontece na segunda etapa de 154 Unidade III uma reação E1. O efeito líquido da reação de Br2 com o benzeno é a substituição de H + por Br+, como mostra o mecanismo global da reação: Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3 Br Br FeBr3 Br Br FeBr3 Br + + FeBr4 ‑ – – + + O bromo se combina com FeBr3 para formar um complexo que se dissocia para formar um íon bromo positivo e FeBr4 – Br H H H Br Br + + + Br+ Lenta Carbocátion não aromático, íon arênio O íon bromo positivo ataca o benzeno para formar um íon arênio Um próton é removido do íon arênio para tornar‑se bromobenzeno Br H + Br + HBr + FeBr3 Br FeBr3 Figura 260 O mecanismo de cloração é análogo ao da bromação utilizando cloreto férrico. O flúor reage rapidamente com o benzeno. O iodo, por outro lado, tem tão pouca reatividade que é necessário usar um agente oxidante para que a iodação ocorra. I2 + 2Cu +2 2I‑ + 2Cu+ 7.14.2 Reação de nitração aromática Os anéis aromáticos podem sofrer reações de nitração pela reação com uma mistura de ácido nítrico e sulfúrico concentrada. O eletrófilo nessa reação é o íon nitrônio, NO2 +, gerado a partir de HNO3 pela protonação e perda de água. O íon nitrônio reage com o benzeno para formar um intermediário carbocátion da mesma maneira que o eletrófilo
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