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1 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA tutoria 03 leishmaniose tegumentar americana Foi o inseto Doutor? A.C.M.N., 22 anos, sexo masculino, fumante, residente em Guanambi – Ba, procura a Emergência do HGG– Ba devido à piora do quadro clínico de um ferimento que surgiu na face. HMA: O paciente alega uma picada de inseto, na face, em dezembro de 2020, associado à febre alta e persistente. Alguns dias após, procurou atendimento na UPA de Guanambi – Ba, devido a uma ferida na face e a um caroço que apareceu no pescoço. Na oportunidade, foi diagnosticado sinusite e ele fez uso de amoxicilina. Após oito dias de tratamento, a lesão apresentou-se maior e com sinais flogísticos. Procurou a UPA novamente e a amoxicilina foi substituída por cefalexina. Entretanto, evoluiu com erupção cutânea importante. Não apresentando melhora do ferimento, procurou atendimento na emergência do HGG – Ba, onde foi medicado com oxacilina venosa, devido ao diagnóstico presuntivo de celulite na face. Posteriormente, foi avaliado pela infectologista da unidade, realizado biópsia da lesão, não sendo visualizado parasita. Foi iniciado tratamento empírico com antimoniato pentavalente (glucantime), observando-se boa evolução. O paciente recebeu alta hospitalar após sete doses da medicação, concluindo 29 dias de tratamento no ambulatório. Objetivo 01: Analisar a leishmaniose tegumentar americana, considerando a etiologia, epidemiologia, fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico diferencial, tratamento, prognóstico e prevenção. I. Conceito É uma doença cutâneo-mucosa, causada por protozoários; de evolução crônica, que acaba acometendo a pele, mucosas do nariz, da boca, da faringe e da laringe. Causada por protozoários do gênero Leishmania e transmitida por insetos: flebotomíneos. II. Epidemiologia ↳ Acomete mais homens que mulheres e mais adultos que crianças; ↳ No Brasil, todos os estados apresentam registro de casos de LTA. Por ser uma zoonose primária, o homem adquire a infecção ao entrar em contato com áreas florestais; ↳ A zoonose acomete milhares de indivíduos por ano, gerando um vasto espectro de formas clínicas, abrangendo desde as infecções sem sintomas, até as mutilações graves que ocorrem nas formas mucosas. III. Etiologia ↳ Existem seis espécies que estão envolvidas na etiologia da LTA: a. LEISHMANIA AMAZONENSIS: tem ampla distribuição, principalmente nas florestas tropicais da região Amazônica. No Brasil, é encontrada nas regiões Nordeste, Centro- Oeste, Sudeste e no Sul. Pode ser responsável por formas cutâneas, cutâneomucosas, ou com forma tegumentar difusa; b. LEISHMANIA BRAZILIENSIS: o agente da leishmaniose cutaneomucosa, representa a forma mais trave da doença, que acomete com frequência as mucosas. No Brasil, ocorre na maioria dos estados, tanto em áreas florestais, como em regiões de colonização antiga, acometendo também os animais domésticos. Causa a leishmaniose cutânea e cutâneo-mucosa; 2 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA c. LEISHMANIA GUYANENSIS: distribuição restrita ao norte do brasil (Amazonas, Pará, Roraima e Amapá). Causa, com frequência, lesões cutâneas múltiplas; IV. Fisiopatogenia O exame histopatológico revela inflamação crônica e aguda, com alterações granulomatosas. Células mononucleares do sangue periférico d individuas com leishmaniose cutânea típica produzem interferon-y em resposta a antígenos de Leishmania in vitro, e os pacientes apresentam reação de hipersensibilidade do tipo tardio. Na lesão, parece haver um equilíbrio entre uma imunidade celular protetora e uma exacerbadora da doença. Por fim, as células T com resposta Th 1 (ação pró-inflamatória) predominam e ocorre a cura da lesão, deixando uma cicatriz atrófico no local. As diferentes apresentações cutâneas parecem apresentar relação com o desenvolvimento de uma resposta imunológica adequada. Aparentemente, pacientes com resposta imunológica inadequada (predominantemente Th2), apresentam maior risco de apresentar a forma cutânea disseminada da doença. V. Manifestações clínicas ↳ A doença começa a se manifestar na pele, onde as formas promastigotas foram inoculadas pela picada do flebotomíneo. A depender da resposta do hospedeiro e da espécie infectante, a doença fica limitada ao local da inoculação do parasita, ou acabar atingindo novos sítios na pele e nas mucosas do nariz, da orofaringe e da laringe. forma cutânea localizada ↳ As manifestações ditas mais comuns na pele é a úlcera, observada em 85% dos pacientes; em outros casos, é possível observar também algumas lesões verrucosas, vegetantes, papulares, nodulares, tuberosas, ou em placas infiltradas; ↳ Na leishmaniose, a úlcera característica apresenta-se com um contorno circular, borda elevada, dando a ideia de uma ‘’cratera’’; pouco exsudativa, sem tendência ao sangramento espontâneo, com fundo granuloso e de coloração vermelha (quando amarelada, há a deposição de fibrina); ↳ Alguns pacientes nesse caso referem ardência e pontadas, podendo até ser confundida com a miíase; raramente os pacientes se queixam de dor intensa. ↳ A pele pode ficar com coloração avermelhada devido ao infiltrado de células que percorre na margem da úlcera; em alguns casos, não há presença de sinais flogísticos (como edema e calor); porém, é bastante comum que o paciente apresenta uma lesão exsudativa ou purulenta, tornando-a mais dolorosa. ↳ Falando um pouco da evolução da doença, é importante destacar que tem início após um período de incubação de 2 a 8 semanas. Após a picada, forma-se uma pápula ou um nódulo, e a partir disso, a úlcera é instalada, evoluindo em tamanho durante os 3 ou 4 primeiros meses. Logo após, a lesão vai se desestabilizando a medida que houver a prevalência da reação imune do hospedeiro, curando espontaneamente. OBS: DURANTE O CURSO INICIAL DA DOENÇA, PODE-SE APRESENTAR LINFAGITE E LINFADENITE REGIONAIS, ESPECIALMENTE LESÕES NA FACE OU NOS MMSS. a. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ↳ As úlceras crônicas do MMII (localizadas no terço inferior da perna ou no maléolo, constituem a principal causa de erro no diagnóstico da leishmaniose; (PRIMEIRA IMAGEM) 3 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA ↳ Alguns podem ser descartados desse tipo de diagnóstico: Pacientes em idade avançada (podem apresentar distúrbios da circulação venosa ou linfática), pacientes diabéticos, hipertensos, tabagistas, entre outros fatores que podem predispor á úlcera crônica. ↳ Podem ser confundidas também com as formas verrucosas e vegetantes. (SEGUNDA IMAGEM) forma cutânea disseminada ou cutâneo-mucosa ↳ Alguns indivíduos infectados pela L.V BRASILIENSIS evoluem com essa forma, podendo apresentar frequentemente algumas lesões múltiplas da pele, com evolução em vários estágios diferentes, levando á disseminação do parasita por via sanguínea; As lesões cutâneas também estão associadas ao comprometimento das mucosas, por isso o nome; ↳ A evolução da doença ocorre nos três primeiros meses, com lesões distribuídas em face e nos MMSS, observando lesões papulares e tuberosas. Acomete indivíduos sem nenhum distúrbio imunológico aparente, porém, sua resposta imunitária específica parece estar retardada, pois mais de 30% dos doentes vão apresentar o teste de Montenegro negativo (sendo revertida após a terapêutica antimonial). a. RESPOSTA IMUNE ↳ Em relação á imunologia diante ao quadro clínico apresentado, é possível perceber um infiltrado nodular de linfócitos e células plasmáticas na derme, com raros macrófagos, semelhante ao que se observa na leishmaniose cutânea localizada, porém, a sorologianesse caso, apresenta casos de anticorpos específicos mais elevados. O que pode se concluir diante disso é que a resposta imune humoral mais intensa esteja inibindo parcialmente a imunidade celular. Por esse motivo, a doença com muitas lesões cutâneas não vai responder adequadamente ao tratamento, sendo necessário alguns esquemas terapêuticos mais intensivos e prolongados. OBS: PACIENTES SOROPOSITIVOS, INFECTADOS PELA L. BRAZILIENSIS, VÃO DESENVOLVER FORMAS GRAVES DA DOENÇA, COM COMPROMETIMENTO VISCERAL. 4 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA forma mucosa ↳ Vão se instalar preferencialmente nas vias aéreas superiores, especialmente o septo nasal, pois acomete as estruturas mais resfriadas pela passagem do ar inspirado; ↳ É caracterizada pelas manifestações como: desconforto, obstrução nasal, ardência, aumento de secreção e formação de crosta (que as vezes pode provocar sangramento); ↳ Essa forma cursa com uma evolução variada, ora com predomínio de caráter ulcerativo, ora com aumento e volume das partes moles, porém, sem nenhuma destruição; ↳ As lesões cursam progressivamente, raramente evoluindo para a cura espontânea. Na boca, orofaringe e na laringe por ex, as lesões são de caráter proliferativo; é comum a úvula e os pilares amigdalianos aumentarem de volume e apresentarem eritema, rugosidade e ulcerações, que com o tempo podem sofrer deformidades ou destruição total; OBS: O COMPROMETIMENTO DA FARINGE E DA LARINGE PODE SER MUITO INTENSO, PODENDO CAUSAR DISTÚRBIOS NA DEGLUTIÇÃO, DIFICULDADE RESPIRATÓRIA, ROUQUIDÃO OU ATÉ MESMO AFONIA. a. RESPOSTA IMUNE ↳ A doença nas mucosas está intimamente relacionada á exacerbação da resposta imune que é mediada pelas células T, sendo evidenciada pela intensa reação cutânea de hipersensibilidade tardia. A partir disso, a lesão é caracterizada por intenso infiltrado de linfócitos e de células plasmáticas; OBS: A DETECÇÃO DE ELEVADAS CONCENTRAÇÕES DE TNF-A NO SORO DOS PACIENTES ANTES DO TRATAMENTO, E DE BAIXOS NÍVEIS NO FINAL DELE, ACABAM POR SUGERIR QUE ESSA CITOCINA SEJA RESPONSÁVEL POR ESSA LESÃO. b. DIGNÓSTICOS DIFERENCIAIS ↳ PARACOCCIDIOIDOMICOSE: raramente acomete a mucosa nasal, mas causa lesões no vestíbulo nasal; ↳ HANSENÍASE: pode afetar o septo nasal; ↳ GRANULOMAS NECROSANTES: linfomas e os carcinomas epidermoides. leishmaniose difusa ↳ Denominada como difusa ou hansenoide. Caracteriza-se pela presença de nódulos isolados ou agrupados, pápulas, máculas e placas infiltrada. As lesões começam localizadas, e aos poucos vai se disseminando por todo o corpo, acabando por ser confundida com a pele normal, lembrando a hanseníase virchowiana. ↳ O exame histopatológico vai relevar atrofia da epiderme, e a presença na derme de granulomas bem constituídos, predominando os macrófagos com citoplasma vascularizado, repletos de parasitas e linfócitos. VI. Diagnóstico exames laboratoriais a. PESQUISA DE PARASITAS ↳ Deve ser realizado antes do início do tratamento, pois os parasitas desaparecem das lesões após instituída a terapêutica antimonial; ↳ Os resultados mais satisfatórios são os que são feitos por meio de esfregaços em lâmina, a partir da raspagem na borda interna da úlcera; Possui 5 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA índice de positividade em torno de 90%, sendo considerado maus eficaz que o exame histopatológico. OBS: AS FORMAS AMASTIGOTAS SÃO MAIS ABUNDANTES NA FASE INICIAL DA DOENÇA, TORNANDO-SE RARAS NAS MUCOSAS. b. TESTE DE MONTENEGRO ↳ Vai avaliar a resposta celular mediante a ativação dos linfócitos. No caso de reações positivas, é possível verificar uma reação inflamatória local, o que acaba formando um nódulo ou pápula, que atinge o pico em 48-72 horas; ↳ Os resultados podem ser: reação negativa, o que implica dizer que não há nenhum sinal de inoculação, ou reação positiva, em que há a presença de nódulos com diâmetro variado; OBS: PACIENTES COM LT CUTÂNEA= RESULTADOS +; PACIENTES COM LT CUTÂNEA-MUCOSA= REULTADOS +; PACIENTES COM LT CUTÂNEO- DIFUSA= POR SE TRATAR DE UMA RESPOSTA TH2, PODE HAVER UM RESULTADO FALSO NEGATIVO, POR ISSO É UM TESTE LIMITADO PARA ESSE TIPO DE DIAGNÓSTICO. c. HISTOPATOLOGIA ↳ Apresenta-se com um infiltrado inflamatório crônico, inespecífico (maioria das vezes), havendo predominância de linfócitos, plasmócitos, histiócitos; ↳ Há variação em função de algumas características imunitárias do hospedeiro e do tempo de evolução da doença; em lesões mais antigas por ex, o processo inflamatório pode constituir um granuloma tuberculoide. VII. Tratamento antimonias pentavalentes ↳ É a principal droga; Pode ocorrer efeitos colaterais como artralgia, mialgia, náuseas,vômitos e tosse. É imprescindível que se faça o controle de transaminases, função renal e cardíaca antes e durante o tratamento; ↳ Interferem na forma amastigota da leishmania bionergeticamente. Isso pode ser explicado da seguinte maneira: a glicólise e a oxidação dos ácidos graxos são inibidas, e essa inibição é acompanhada de redução na produção de ATP e GTP, logo, a exposição das formas amastigotas por algumas horas, leva ao decréscimo de certos substratos, uma dose dependente de CO2. Dessa maneira, observou-se a queda no nível de produção de CO2 a partir da glicólise, facilitando assim a destruição do parasito. ↳ Altamente tóxica para o aparelho cardiovascular, com alteração da repolarização por achatamento ou inversão da onda T, aumento do espaço QT e alteração do ritmo cardíaco OBS: OS CASOS DE RECIDIVA PODEM SER EXPLICADOS PELO USO IRREGULAR DO MEDICAMENTO, EM DOSES ERRADAS. ISSO, ASSOCIADO AO FATO DE DIFÍCIL ACOMPANHAMENTO DA EVOLUÇÃO DE CURA, FAVORECE A MANUTENÇÃO DAS LESÕES, PRINCIPALMENTE EM MUCOSAS DO NARIZ, OROFARINGE E LARINGE. ↳ Alterações no eletrocardiograma e morte do paciente A onda T representa os potenciais elétricos gerados na repolarização dos ventrículos e o intervalo QT tem a mesma duração da contração ventricular, de 0,3-0,46seg. O prolongamento do espaço QT pode ser etiologia congênita ou patológica externa. É um fator de risco para a morte súbita, independentemente da idade do paciente, de HF, FC, uso de drogas, etc. Os pacientes com intervalo QT >0,44seg têm chance de 2-3x+, sendo a de morte variante de 1-2% ao ano. ⋅ Por ter rápida excreção renal, sugere-se uso de mais de uma dose por dia ⋅ Dose: varia de 10-20mg/kg/dia, durante 30 dias, dependendo do paciente 6 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA ⋅ Para pacientes com miocardiopatia ou arritmias sinusais, o uso é contraindicado ↳ Toxicidade: são substâncias de depósito, principalmente após a 2asem de uso. 85% dos pacientes apresentam mialgia ou artralgia. Em 30% dos pacientes, observa-se cefaleia, anorexia e mal- estar gástrico. Alterações mais importantes ocorrem a nível cardiovascular, mas sem comprometimento hemodinâmico sistêmico (alteração de onda T e QT). Com suspensão do medicamento, os efeitos colaterais desaparecem. Manifestações tardias são menos frequentes. anfotericina b ↳ Quando há a persistência e a resistência do parasita, é recomendado o uso de anfotericina B por via endovenosa gota a gota em 6 a 8 horas; ↳ É uma droga que atua nas formas promastigotas e amastigotas; Por possuir interferência nos éteres da membrana citoplasmática, apresenta uma toxicidade seletiva. VIII. Profilaxia referências • Veronesi- Doenças infecciosas e parasitárias- 8ª ed; • Cecil- Medicina Interna- 23ª ed; • GONTIJO, Bernardo; CARVALHO, Maria de Lourdes Ribeiro de. Leishmaniose tegumentar americana. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, [S.L.], v. 36, n.1, p. 71-80, jan. 2003. FapUNIFESP (SciELO);
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