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O que é? Cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação grave que pode ocorrer durante a evolução do diabetes mellitus tipo 1 e 2 esta presente em cerca de 25% dos casos no momento do diagnostico de DM1 e é a causa mais comum de morte entre crianças e adolescentes com DM1, além de ser responsável por metade das mortes nesses pacientes com menos de 24 anos. A CAD moderada e grave deve ser tratada em Unidade de Terapia Intensiva e, fundamentalmente, por profissionais habilitados para esse tipo de complicação. A CAD não é uma complicação exclusiva de pacinetes com DM1, pode acometer os pacientes com DM2, inclusive idosos acima dos 70 Os estados infecciosos são a etiologia mais comum da CAD. Dentre as infecções, as mais frequentes são as do trato respiratório superior, as pneumonias e as infeccões de vias urinárias. Além disso, na prática diária, é necessário valorizar outros fatores importantes, como acidente vascular cerebral (AVC), ingestão excessiva de álcool, pancreatite aguda, infarto agudo do miocárdio (IAM), traumas e uso de glicocorticoides. Dentre as drogas ilícitas, a cocaína pode ser a causa de episódios recorrentes de CAD em jovens . Os distúrbios psiquiátricos associados a irregularidades na condução da dieta ou no uso diário de insulina também podem contribuir para a CAD. Atualmente, com o uso mais frequente de bombas de infusão contínua subcuta ̂nea de insulina ultrarrápida, tem-se observado aumento na incidência de CAD. Tal fato pode ocorrer em razão da obstrução parcial ou total do cateter, provocando redução aguda de infusão de insulina. Vale lembrar que a descompensacão glicemica costuma ser mais prolongada e mais grave em pacientes com DM1 recém- diagnosticados e idosos com diabetes associado a processos infecciosos ou com limitacões no autocontrole físico ou psíquico Na CAD, fundamentalmente, o que ocorre é a redução na concentração efetiva de insulina circulante associada à liberação excessiva de hormônios contrarreguladores, entre os quais o glucagon, as catecolaminas, o cortisol e o hormônio de crescimento. A deficiência de insulina pode ser absoluta, em pacientes com DM1, ou relativa, como observado em pacientes com DM2 na presença de estresse ou doenças intercorrentes. Em resumo, essas alterações hormonais na CAD desencadeiam o aumento da producão hepática e renal de glicose e a reducão de sua captacão pelos tecidos periféricos sensíveis à insulina resultando em hiperglicemia e hiperosmolalidade no espaço extracelular. Portanto, a hiperglicemia é resultante de três mecanismos: Na CAD, observam-se desidratação e glicosúria de graus variáveis, diurese osmótica e perda de fluidos e eletrólitos. Os inibidores do cotransportador sódio-glicose (SGLT2), uma nova classe de antidiabéticos orais, cuja função é diminuir a glicemia plasmática ao inibir a reabsorção tubular renal de glicose, podem estar associados a CAD em pacientes com DM1 e DM2 . História e exame físico O quadro clínico da CAD representa uma evolução lenta e progressiva dos sinais e sintomas de DM descompensado. Entre eles, citam- se poliúria, polidipsia, perda de peso, náuseas, vomitos, sonolencia, torpor e, finalmente, coma . Ao exame físico, na presença de acidose, podem-se observar hiperpneia e, em situações mais graves, respiração de Kuss- Maul. Desidratacão com pele seca e fria, língua seca, hipotonia dos globos oculares, extremidades frias, agitacão, face hiperemiada, hipotonia muscular, pulso rápido e pressão arterial variando do normal até o choque hipovolemico. A intensificação da desidratação dificulta e torna doloroso o deslizamento dos folhetos da pleura e do perito ̂nio, sendo possível observar defesa muscular abdominal localizada ou generalizada, com quadro de dor abdominal presente em até 51% dos casos em alguns casos, são verificadas dilatação, atonia e estase gástrica, o que agrava o quadro de vômitos. O atraso no início do tratamento da acidose e da desidratacão pode evoluir com choque hipovolemico e morte. ativac ̧a ̃o da gliconeoge ̂nese e da glicogenoĺise e reduc ̧a ̃o da utilizac ̧a ̃o perife ́rica de glicose, principalmente nos muśculos. A avaliação laboratorial inicial de pacientes com CAD deve incluir a determinacão de glicose plasmática, fósforo, ureia, creatinina, cetonemia, eletrólitos, inclusive com o cálculo de anion-gap, análise urinária, cetonúria, gasometria, hemograma e eletrocardiograma. Quando necessário, solicitam-se raios X de tórax e culturas de sangue e urina. A última recomendação da American Diabetes Association (ADA), datada de 2009, adota, como critério diagnóstico da CAD, glicemia sanguínea ≥ 250 mg/dL, porém alguns pacientes apresentam aumentos menores nos valores da concentração da glicemia sanguínea após a retenção ou diminuição da dose da insulina na presença de doenças que diminuem a ingesta alimentar. Recentemente, sugeriram a necessidade de revisar os posicionamentos de CAD com a mudança de critério para hiperglicemia ≥ 200 mg/dL. Em concorda ̂ncia, os critérios bioquímicos atuais revisados para o manejo da CAD em crianças e adolescentes da International Diabetes Federation (IDF) são: glicemia sanguínea > 200 mg/dL, sendo que, em casos raros, a glicemia pode ser < 200 mg/dL (CAD euglicemica);30 pH de sangue venoso < 7,3 ou bicarbonato sérico < 15 mmol/L, além de cetonemia e cetonúria. A CAD é definida como grave quando evolui com pH de sangue venoso < 7, moderada entre 7 e 7,24 e leve entre 7,25 e 7,3. A maioria dos pacientes com CAD apresenta-se com leucocitose, verificada em até 55% dos casos, e pode traduzir apenas intensa atividade adrenocortical. O sódio sérico mostra-se abaixo do normal em 77% dos casos na CAD devido à transferência osmótica de líquidos do espaço intra para o extracelular, vo ̂mitos e, também, pela perda renal associada aos corpos ceto ̂nicos . No diagnóstico, o potássio sérico pode estar elevado em 37% dos casos, secundário à acidose, normal em 58% ou baixo em 5% dos casos, dependendo das reservas prévias nos espaços intra e extracelulares, além de exigir bastante cuidado durante o tratamento, pelo risco de arritmias ou até de parada cardíaca. Os valores de fosfato plasmático podem encontrar-se normais (54% dos casos) ou aumentados (38% dos casos) no diagnóstico e tendem a diminuir com a terapia insulínica . A elevação da ureia e creatinina reflete a depleção de volume intravascular. Outros achados são hipertrigliceridemia e hiperamilasemia, as quais, quando acompanhadas de dor abdominal, podem sugerir o diagnóstico de pancreatite aguda. A cetose de jejum, a cetoacidose alcoólica, a acidose láctica pelo uso inadequado de fármacos como salicilatos e metformina. As metas do tratamento das crises hiperglicêmicas agudas são: • Manutenção das vias respiratórias pérvias e, em caso de vomitos, indicacão de sonda nasogástrica; • Correção da desidratação; • Correção dos distúrbios eletrolíticos e acidobásicos; • Redução da hiperglicemia e da osmolalidade • Identificação e tratamento do fator precipitante. Reposição de líquidos e de eletrólitos Para a correção da desidratação, na ausência de comprometimento das funções cardíaca e renal, deve-se indicar infusão salina isotonica de cloreto de sódio (NaCl) a 0,9%, em média 15 a 20 mL/kg na primeira hora, buscando-se restabelecer a perfusão periférica . A escolha subsequente de fluidos dependerá da evolução dos eletrólitos séricos e da diurese. Se o paciente evolui com sódio elevado (≥ 150mEq/L), deve-se prescrever solucão salina hipotonica de NaCl 0,45%, em média, 10 a 14 mL/kg/h. Caso contrário, pode-se administrar solução isoto ̂nica de NaCl 0,9%. Com a função renal normal, ou seja, com débitourinário, inicia-se a infusão de 20 a 30 mEq/L de cloreto de potássio (KCl) 19,1% por hora, com a proposta de manter o potássio sérico entre 4 e 5 mEq/L. É importante comentar que esses pacientes, principalmente se evoluírem com falência cardíaca ou renal, devem ser continuamente monitorados, do ponto de vista hemodina ̂mico, para prevenir a sobrecarga de líquidos . Para corrigir a hiperglicemia e a acidose metabólica, inicia-se a terapia com insulina. A insulina somente deve ser iniciada se o potássio for superior a 3,3mEq/L, devido ao risco de arritmias associado à hipopotassemia. Nos episódios mais graves de CAD, a via de escolha é a infusão intravenosa contínua de insulina regular, e a dose, em média, de 0,1 U/kg/h . Em casos leves ou moderados, pode-se utilizar insulina regular IM, a cada hora, ou análogos ultrarrápidos SC, a cada 1 ou 2 horas. Apesar de muitos estudos demonstrarem a mesma eficácia e segurança das vias SC e IM, estas são recomendadas apenas em casos moderados ou leves. Em crianças, o uso de baixas doses de insulina (0,1 U/kg/h) nos protocolos de tratamento da CAD também demonstraram eficácia em relação às altas doses, com menor potencial de hipoglicemia e hipopotassemia. A dose de 0,1 U/kg/h vem sendo utilizada amplamente em crianças e adolescentes, contudo um recente estudo demostrou que o uso de doses muito baixas (0,03 e 0,05 U/kg/h) no tratamento inicial normaliza adequadamente os valores do ácido betahidroxibutírico. Outro aspecto importante e a favor do uso de baixas doses de insulina é que, com a correção gradual da glicemia e, portanto, da osmolalidade, pode-se prevenir o edema cerebral clínico, sobretudo em jovens. Quando a concentracão de glicose na CAD atingir 200 a 250 mg/dL, deve-se iniciar o soro glicosado a 5% associado à insulina regular intravenosa contínua ou SC a cada 4 horas até a resolucão da CAD. Na prática, os critérios utilizados para definir o controle laboratorial da CAD incluem glicemias ≤ 200 mg/ dL, bicarbonato sérico ≥ 15 mE- q/L e pH ≥ 7,3. Assim que o paciente conseguir alimentar-se e estiver bem controlado dos pontos de vista clínico e laboratorial, inicia-se a insulinoterapia basal com insulina humana de ação intermediária ou com análogos de insulina de longa ação, associada a múltiplas injeções de insulina regular ou análogos de insulina ultrarrápida antes das refeições. A administração de bicarbonato de sódio intravenoso de rotina não demonstrou melhora clínica na resolução da acidose, duração do plano de tratamento e mortalidade em pacientes com CAD, e geralmente não é recomendada, essencialmente em crianças. recomendacão do uso de bicarbonato de sódio se reserva a casos graves de pacientes adultos com acidose com pH < 6,9. Caso seja indicado, a dose preconizada em adultos é de 50 a 100 mmol, diluídos em solucão isotonica de 400 mL para reduzir o potencial risco de hipocontratilidade cardíaca e arritmias. Atenta-se para a chance de hipocalemia durante a administração do bicarbonato de sódio. O uso de bicarbonato de sódio com pH > 6,9 não melhora o prognóstico. Os riscos de uso inapropriado são alcalose metabólica, acidose liquórica paradoxal, edema cerebral e anóxia tecidual. A hipofosfatemia leve é um achado comum e geralmente assintomático durante a terapia da CAD. Não está indicada a reposição de sais de fosfato de rotina, em parte devido ao risco de hipocalcemia. As complicações mais comuns da CAD são; hipoglicemia secundária ao uso inapropriado de insulina; hipopotassemia, devida à administração de doses inadequadas de insulina e/ou de bicarbonato de sódio; hiperglicemia secundária à interrupção de infusão de insulina sem cobertura correta de insulina subcuta ̂nea; hipoxemia; edema agudo de pulmão e hipercloremia por infusão excessiva de fluidos. O edema cerebral é uma complicação rara no adulto, mas pode evoluir com herniação de tronco cerebral e parada cardiorrespiratória; portanto, deve ser tratado prontamente com infusão intravascular de manitol a 20% . A correção gradual da glicemia e da osmolalidade pode prevenir o edema cerebral clínico as doenças agudas rinocerebrais, denominadas de mucormicoses, também podem ocorrer, principalmente em imunossuprimidos. Insuficiência renal aguda, rabdomiólise e feno ̂menos tromboembólicos são incomuns, e, quando presentes, são secundários a desidratação grave. Em crianças, as complicações de CAD são raras, sendo o edema cerebral responsável por aproximadamente 0,5 a 1% nesse grupo. Os fatores de risco para o seu desenvolvimento durante a CAD são: paciente com DM1 recém-diagnosticados, bicarbonato baixo, baixa pressão parcial de CO2 e valores aumentados de ureia sanguínea. Recomendac ̧ões e conclusões Grau de recomendação • Grave: o uso de insulina regular intravenosa contínua (bomba de infusão) é o tratamento de escolha • A • Leve ou moderada: pode-se usar insulina regular IM, a cada hora, ou análogos ultrarrápidos SC, a cada hora, ou a cada 2 horas • A • O uso de bicarbonato de sódio com pH > 6,9 não melhora o prognóstico • A • Indica-se o fosfato apenas com hipofosfatemia grave em pacientes com anemia, insuficiência cardíaca congestiva ou em • condições clínicas associadas à hipóxia • A • Deve-se tratar o edema cerebral prontamente, com infusão intravascular de manitol a 20% • A • Indica-se solução salina isoto ̂nica (NaCl a 0,9%) no tratamento da desidratação • A • em crianças, não se recomenda insulina regular intravenosa em bolus no início do tratamento • A REFERNCIAS SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES Kitabchi AE, Umpierrez GE, Miles JM, Fisher JN. Hypergly- cemic crises in adult patients with diabetes. Diabetes Care. 2009;32(7):1335-43. 2. 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