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JOICE ARAÚJO RESUMO: Anorexia nervosa Conceito A anorexia nervosa é uma síndrome caracterizada por três critérios essenciais. O primeiro é uma inanição auto induzida até um grau significativo – um comportamento. O segundo é uma busca incessante por magreza ou um medo mórbido de engordar– uma psicopatologia. O terceiro critério é a presença de sinais e sintomas resultantes da inanição – uma sintomatologia fisiológica. Essa síndrome, com frequência, mas nem sempre, está associada a distúrbios da imagem corporal, à percepção do indivíduo de que ele é angustiantemente grande apesar da inanição médica óbvia. A distorção da imagem corporal é perturbadora quando presente, mas não patognomônica, invariável ou necessária para o diagnóstico. Existem dois subtipos de anorexia nervosa: restritiva e compulsão alimentar purgativa. O tema em ambos é a ênfase altamente desproporcional colocada na magreza como uma fonte vital, às vezes a única fonte, de autoestima, sendo o peso e, até certo ponto, a forma física transformados na preocupação principal e desgastante que toma conta dos pensamentos, humor e comportamentos durante o dia inteiro. Aproximadamente metade das pessoas anoréxicas irá perder peso reduzindo de forma drástica sua ingestão alimentar. A outra metade não só fará dieta como também se envolverá com regularidade em compulsão alimentar seguida de comportamentos purgativos. Alguns pacientes rotineiramente purgam depois de ingerir pequenas quantidades de comida. Epidemiologia A anorexia nervosa é muito mais prevalente em mulheres do que em homens e em geral tem seu início na adolescência. A idade mais comum de início é entre 14 e 18 anos. Estima-se que a anorexia nervosa ocorra em aproximadamente 0,5 a 1% das meninas adolescentes. É 10 a 20 vezes mais frequente em mulheres do que em homens. Ele parece ser mais frequente em países desenvolvidos e pode ser mais observado entre mulheres jovens em profissões que requerem magreza, como modelo ou bailarina. Etiologia Fatores biológicos Opioides endógenos podem contribuir para a negação da fome em indivíduos com anorexia nervosa. A função da tireoide também é suprimida. Essas anormalidades são corrigidas pela realimentação. Alguns autores propuseram uma disfunção no eixo hipotalâmico- -hipofisário (neuroendócrina). Alguns estudos apresentaram evidências de disfunção na serotonina, dopamina e norepinefrina, três neurotransmissores envolvidos na regulação do comportamento de alimentação no núcleo paraventricular do hipotálamo. Outros fatores humorais que podem estar envolvidos incluem o fator liberador de corticotrofina (CRH), o neuropeptídeo Y, o hormônio liberador de gonadotrofina e o hormônio estimulador da tireoide. Fatores sociais Algumas evidências indicam que esses indivíduos têm relações próximas, mas problemáticas, com seus pais. Em mulheres jovens, a participação em escolas de ballet rigorosas aumenta a possibilidade de desenvolvimento de anorexia nervosa em pelo menos JOICE ARAÚJO RESUMO: Anorexia nervosa sete vezes. Em meninos do ensino médio, a luta está associada a uma prevalência de 17% para síndromes de transtorno alimentar completo ou parcial durante a temporada de lutas, com uma minoria desenvolvendo um transtorno alimentar e não melhorando de maneira espontânea no fim do treinamento. Uma orientação gay em homens é um fator predisponente comprovado, não em razão da orientação sexual propriamente, mas porque as normas de magreza, ainda que magreza muscular, são muito fortes na comunidade gay, apenas um pouco menos do que para mulheres heterossexuais. Fatores psicológicos e psicodinâmicos A anorexia nervosa parece ser uma reação à demanda de que os adolescentes se comportem de forma mais independente e aumentem seu funcionamento social e sexual. Indivíduos com o transtorno substituem as preocupações adolescentes normais por outras preocupações, que são semelhantes a obsessões, com a alimentação e o ganho de peso. Esses indivíduos carecem de um senso de autonomia e individualidade. Muitos deles experimentam seu corpo como, de certa forma, sob o controle de seus pais, de modo que sua autoinanição pode ser um esforço para obter validação como uma pessoa única e especial. Somente por meio de atos de extraordinária autodisciplina é que um indivíduo anoréxico pode desenvolver um senso de autonomia e individualidade. Os clínicos psicanalíticos que tratam pacientes com anorexia nervosa concordam que esses jovens pacientes não conseguiram se separar psicologicamente de suas mães. O corpo pode ser percebido como se fosse habitado pela introjeção de uma mãe intrusiva e não empática. A inanição pode, de modo inconsciente, ter o significado de parar o crescimento desse objeto interno intrusivo e, assim, destruí-lo. Com frequência, um processo de identificação projetiva está envolvido nas interações entre o paciente e sua família. Muitos pacientes anoréxicos acham que os desejos orais são ávidos e inaceitáveis, portanto esses desejos são projetivamente repudiados. Outras teorias focaram em fantasias de gravidez oral. Os pais respondem à recusa a se alimentar com desespero, controlando se o paciente está de fato comendo. Este pode, então, vê-los como pessoas que têm desejos inaceitáveis e objetivamente rejeitá-los; ou seja, outras pessoas podem ser vorazes e governadas pelo desejo, mas não o paciente. DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS O início da anorexia nervosa costuma ocorrer entre 10 e 30 anos de idade. Ela está presente quando (1) o indivíduo voluntariamente reduz e mantém um grau doentio de perda de peso ou não consegue ganhar peso proporcional ao crescimento; (2) o indivíduo experimenta um medo intenso de engordar, tem uma busca incessante por magreza apesar da inanição médica óbvia, ou ambos; (3) o indivíduo experimenta sintomatologia médica significativa relacionada à inanição, de forma frequente, mas não exclusiva, funcionamento anormal do hormônio reprodutivo, mas também hipotermia, bradicardia, ortostase e reservas de gordura corporal severamente reduzidas; e (4) os comportamentos e a psicopatologia estão presentes por pelo menos três meses. Os critérios diagnósticos da 5ª edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5) para anorexia JOICE ARAÚJO RESUMO: Anorexia nervosa nervosa são apresentados na Tabela 15.1-3. Um medo intenso de ganhar peso e ficar obeso está presente em todos os indivíduos com o transtorno e, sem dúvida, nenhuma contribui para a falta de interesse em, e até mesmo resistência a terapia. Um comportamento mais aberrante direcionado para a perda de peso ocorre em segredo. Pessoas com anorexia nervosa em geral se recusam a fazer refeições com sua família ou em lugares públicos. Elas perdem peso reduzindo drasticamente sua ingestão alimentar total, com diminuição desproporcional dos alimentos com alto teor de carboidratos e gordura. Um pobre ajustamento sexual é com frequência descrito em pacientes com o transtorno. Muitos adolescentes com anorexia nervosa têm seu desenvolvimento psicossocial atrasado; em adultos, interesse por sexo acentuadamente reduzido costuma acompanhar o início do problema. Uma minoria dos pacientes anoréxicos tem história pré- -mórbida de promiscuidade, abuso de substância ou ambos, mas durante o transtorno apresentam redução no interesse por sexo. Os pacientes em geral recebem atenção médica quando sua perda de peso se torna aparente. À medida que ela fica mais profunda, aparecem sinais físicos, como hipotermia (em torno de 35° C), edema dependente, bradicardia, hipotensão e lanugem (aparecimento de pelo semelhante ao do período neonatal), e os pacientes apresentam uma variedade de alterações metabólicas (Fig. 15.1-1). Algumas pacientes com anorexia nervosa recebem atenção médica devido a amenorreia, que frequentemente surge antes que a perda de peso seja perceptível. Alguns pacientes induzem vômito ou abusam de purgativos e diuréticos; tal comportamento é motivo de preocupação relacionada com alcalose hipocalêmica. Também pode ser observado prejuízo na eliminação deágua (diurese). SUBTIPOS A anorexia nervosa foi dividida em dois subtipos clínicos: a categoria de restrição alimentar e a categoria de purgação. Na categoria de restrição alimentar, presente em cerca de 50% dos casos, a ingestão alimentar é muito restrita (em geral com tentativas de consumir menos de 300 a 500 calorias por dia e nenhum grama de gordura), e o paciente pode ser incansável e compulsivamente hiperativo, com lesões esportivas por esforço excessivo. No subtipo purgativo, os indivíduos alternam tentativas de dieta rigorosa com compulsão intermitente ou episódios de purgação. A purgação representa uma compensação secundária para as calorias indesejadas, muitas vezes realizada por meio de vômito autoinduzido, com frequência por uso de laxantes, menos frequentemente por diuréticos, e algumas vezes com eméticos. Existem casos de purgação repetitiva sem compulsão alimentar prévia, após a ingestão de bem poucas calorias. Ambos os tipos podem ser socialmente isolados e com sintomas de transtorno depressivo e diminuição do interesse sexual. Exercício em excesso e traços perfeccionistas também são comuns em ambos os tipos. Uma nova categoria diagnóstica no DSM-5 é o transtorno de compulsão alimentar (veja a Seção 15.3), caracterizado por ataques episódicos com a ingestão de quantidades excessivas de comida, mas sem purgação ou comportamento compensatório similar. Aqueles que praticam compulsão alimentar e purgação compartilham muitas características JOICE ARAÚJO RESUMO: Anorexia nervosa com as pessoas que têm bulimia nervosa sem anorexia nervosa. Indivíduos com compulsão e purgação são propensos a ter famílias nas quais alguns membros são obesos, e eles mesmos têm histórias de maior peso corporal antes do transtorno do que as pessoas com o tipo restritivo. Pessoas com compulsão alimentar-purgação têm maior probabilidade de estar associadas a abuso de substância, transtornos do controle de impulsos e transtornos da personalidade. As que apresentam anorexia nervosa restritiva costumam ter traços obsessivo-compulsivos em relação a comida e outros assuntos. Algumas com anorexia nervosa podem purgar, mas não têm compulsão. Pessoas com anorexia nervosa têm altas taxas de transtorno depressivo maior comórbido; foi relatado transtorno depressivo maior ou transtorno distímico em até 50% dos pacientes com anorexia nervosa. A taxa de suicídio é mais alta em pessoas com anorexia nervosa do tipo compulsão alimentar-purgação do que naquelas com o tipo restritivo. Indivíduos com anorexia nervosa são frequentemente reservados, negam seus sintomas e resistem ao tratamento. Em quase todos os casos, os parentes ou amigos próximos precisam confirmar a história do paciente. O exame do estado mental costuma mostrar um indivíduo alerta, com conhecimentos sobre o tema da nutrição e que é preocupado com alimentos e peso. O paciente deve passar por um exame físico geral e neurológico completo. Se estiver vomitando, uma alcalose hipocalêmica pode estar presente. Uma vez que a maioria dos pacientes está desidratada, os níveis de eletrólitos séricos devem ser determinados no início e periodicamente. Poderá ser necessária hospitalização para lidar com as complicações clínicas. PATOLOGIA E EXAMES LABORATORIAIS Um hemograma completo com frequência revela leucopenia com linfocitose relativa em pacientes emaciadas com anorexia nervosa. Se estiver presente compulsão alimentar e purgação, a determinação dos eletrólitos séricos revela alcalose hipocalêmica. As concentrações séricas de glicemia de jejum são frequentemente baixas durante a fase emaciada, e as concentrações séricas de amilase salivar costumam ser elevadas se a paciente estiver vomitando. O ECG pode apresentar alterações no segmento ST e na onda T, que são, em geral, secundárias a distúrbios eletrolíticos; pacientes emaciadas têm hipotensão e bradicardia. Garotas jovens podem ter um nível alto de colesterol sérico. Todos esses valores voltam ao normal com reabilitação nutricional e cessação dos comportamentos de purga. As alterações endócrinas que podem ocorrer, como amenorreia, hipotireoidismo leve e hipersecreção do hormônio liberador da corticotrofina, são causadas pela condição abaixo do peso e voltam ao normal com o ganho de peso. TRATAMENTO Em vista das complicadas implicações psicológicas e médicas da anorexia nervosa, é recomendado um plano de tratamento abrangente, incluindo hospitalização, quando necessário, e terapia individual e familiar. São usadas abordagens comportamental, interpessoal e cognitiva, e, em muitos casos, pode ser indicada medicação. Hospitalização A primeira preocupação no tratamento de anorexia nervosa é recuperar o estado nutricional das pacientes. Desidratação, inanição e desiquilíbrio eletrolítico podem comprometer JOICE ARAÚJO RESUMO: Anorexia nervosa gravemente a saúde e, em alguns casos, levar à morte. A decisão de hospitalizar uma paciente está baseada em sua condição médica e na quantidade de estrutura necessária para assegurar sua cooperação. Em geral, pacientes com anorexia nervosa que estejam 20% abaixo do peso esperado para sua altura são recomendadas para programas com internação hospitalar, e aquelas com peso 30% abaixo do esperado requerem hospitalização psiquiátrica por 2 a 6 meses. Os programas com internação psiquiátrica para pacientes com anorexia nervosa geralmente usam uma combinação de uma abordagem de manejo comportamental, psicoterapia individual, educação e terapia familiar e, em alguns casos, medicamentos psicotrópicos. O sucesso do tratamento é promovido pela habilidade dos membros da equipe de manter uma abordagem firme, mas apoiadora, das pacientes, com frequência por meio de uma combinação de reforçadores positivos (elogio) e reforçadores negativos (restrição de exercícios). O programa precisa ter alguma flexibilidade para uma individualização do tratamento que atenda às necessidades e capacidades cognitivas das pacientes. Estas deverão se tornar participantes abertas ao tratamento para que haja sucesso a longo prazo. A maioria das pacientes não está interessada em tratamento psiquiátrico e até mesmo resiste a ele; elas são trazidas contrariadas ao consultório médico por parentes ou amigos angustiados. As pacientes raramente aceitam a recomendação de hospitalização sem discutir ou criticar o programa proposto. Enfatizar os benefícios, como o alívio da insônia e dos sinais e sintomas depressivos, pode ajudar a convencê-las a se internar de forma voluntária. O apoio e a confiança dos parentes nos médicos e na equipe de tratamento são essenciais quando devem ser executadas recomendações rigorosas. As famílias devem ser alertadas de que as pacientes irão resistir à internação e, durante as primeiras semanas de tratamento, farão apelos dramáticos para obter o apoio familiar a fim de serem liberadas do programa hospitalar. Internação compulsória ou involuntária deve ser feita somente quando houver risco de morte em razão de complicações da desnutrição. Em raras ocasiões, as pacientes provam que a opinião do médico sobre o provável fracasso do tratamento ambulatorial está errada. Elas podem ganhar uma quantidade específica de peso a cada consulta ambulatorial, mas esse comportamento é incomum, e um período de cuidados hospitalares geralmente é necessário. Farmacoterapia Estudos farmacológicos ainda não identificaram medicamentos que produzam uma melhora definitiva dos sintomas centrais da anorexia nervosa. Alguns relatos apoiam o uso de ciproeptadina, uma droga com propriedades anti-histamínicas e antisserotonérgicas, para pacientes com o tipo restritivo de anorexia nervosa. Também foi reportado algum benefício com amitriptilina. Outros medicamentos que foram experimentados por pacientes com anorexia nervosa com resultados variáveis incluem clomipramina, pimozida e clorpromazina. Ensaios de fluoxetina resultaram em alguns relatos de ganho de peso, e agentes serotonérgicos podem produzir respostas positivas em alguns casos. Em pacientes com anorexia nervosa e transtornos depressivos coexistentes, a condiçãodepressiva deve JOICE ARAÚJO RESUMO: Anorexia nervosa ser tratada. Existem preocupações acerca do uso de drogas tricíclicas em pacientes deprimidas e de baixo peso com anorexia nervosa, que podem ser vulneráveis a hipotensão, arritmia cardíaca e desidratação. Depois que foi atingido um estado nutricional adequado, o risco de efeitos adversos graves por drogas tricíclicas pode reduzir; em algumas pacientes, a depressão melhora com o ganho de peso e com o estado nutricional normalizado. Referência bibliográfica Sadock, Benjamin J. Compêndio de psiquiatria : ciência do comportamento e psiquiatria clínica 11. ed. – Porto Alegre : Artmed, 2017.
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