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Analise de Jurisprudencia

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1. De quem é o ônus de arcar com as despesas postais decorrentes do exercício do direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC ?
O art. 49 do Código de Defesa do Consumidor traz norma que, rompendo com a lógica contratual clássica, confere ao consumidor o direito de arrependimento dos contratos firmados fora do estabelecimento comercial.
Em linhas gerais, toda vez que a aquisição do produto ou serviço ocorrer fora do estabelecimento comercial, independentemente do meio ou da forma de abordagem, o direito de arrependimento poderá ser exercitado. O dispositivo assegura que “o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”.
Note-se que o exercício desse direito é incondicionado, isto é, depende única e exclusivamente da manifestação de vontade do consumidor, sem que se exija a declinação dos motivos que o levaram a arrepender-se do negócio (direito potestativo). 
O objetivo do Código é proteger o consumidor das compras por impulso.
O consumidor que desistir da compra terá direito ao reembolso de todos os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, sendo a devolução imediata e monetariamente atualizada (art. 49, parágrafo único, do CDC). Nesse passo, o STJ já considerou abusiva cláusula contratual que autorizava o fornecedor a repassar aos consumidores o ônus de arcar com as despesas postais decorrentes do exercício do direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC[1].
A referência a telefone ou a domicílio contida no artigo 49 é meramente exemplificativa, conforme se infere do emprego do advérbio especialmente. Assim, estão abrangidas pelo dispositivo as vendas externas (em que o fornecedor se dirige à residência do consumidor ou ao seu local de trabalho); as contratações por telefone ou telemarketing; pela Internet (ex.: e-mail, lojas virtuais, home banking etc.); por correspondência (ex.: mala direta ou carta-resposta); pela TV ou qualquer outro meio eletrônico. Daí ser correto concluir que esse direito também se aplica às compras de passagens aéreas pela internet.
A despeito disso, sempre foi prática comum das companhias aéreas a cobrança de elevadas multas pelo cancelamento da compra de passagens pela internet, mesmo que o consumidor tenha manifestado tal vontade dentro do prazo de reflexão previsto no artigo 49 do CDC. Trata-se de prática abusiva, porque ofensiva ao direito do consumidor de receber de volta todos os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão.
Em caso de desistência da compra, quem arca com a despesa de entrega e devolução do produto? A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que esse ônus é do comerciante. “Eventuais prejuízos enfrentados pelo fornecedor nesse tipo de contratação são inerentes à modalidade de venda agressiva fora do estabelecimento comercial”, diz a ementa do REsp 1.340.604.
O relator do caso, ministro Mauro Campbell Marques, afirmou no voto que “aceitar o contrário é criar limitação ao direito de arrependimento, legalmente não previsto, além de desestimular tal tipo de comércio, tão comum nos dias atuais”.
A tese foi fixada no julgamento de um recurso do estado do Rio de Janeiro contra a TV Sky Shop S/A, responsável pelo canal de compras Shoptime. O processo discutiu a legalidade da multa aplicada à empresa por impor cláusula contratual que responsabilizava o consumidor pelas despesas com serviço postal decorrente da devolução de produtos.
Seguindo o que estabelece o parágrafo único do artigo 49 do CDC, os ministros entenderam que todo e qualquer custo em que o consumidor tenha incorrido deve ser ressarcido para que ele volte à exata situação anterior à compra.
[1] REsp 1.340.604/RJ, 2.ª Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 15.08.2013 (Informativo STJ 528).
[2] O STJ ainda não se manifestou a respeito dessa questão, mas nos Tribunais de segunda instância e nos colégios recursais o entendimento majoritário é no sentido de que o artigo 49 do CDC se aplica às compras de passagens aéreas pela internet. A título de exemplo, confiram-se: TJSP, Apelação n. 1021139-89.2016.8.26.0564, 16ª Câmara de Direito Privado, Rel. Daniela Menegatti Milano, j. 30.05.2017; TJRS, Apelação n. 70.075.009.464, 12ª Câmara Cível, Rel. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, j. 07.11/2017; TJDF, Recurso 2008.01.1.125046-8 Acórdão 398.269, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Rel. Juíza Wilde Maria Silva Justiniano Ribeiro, DJDFTE 13.01.2010; e TJBA, Recurso 124461-2/2007-1, Terceira Turma Recursal, Rel. Juiz José Cícero Landin Neto, j. 28.05.2008. Em sentido contrário: TJDF, EIC 20120110360896, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Jair Soares, j. 03.11.2014.
[3] Iniciado no Senado, o Projeto de Lei 281/2002 está em tramitação na Câmara dos Deputados (PL 3514/2015).
2- As locações de espaço em shopping centers e revisional de contrato de aluguel em tempos de pandemia.
O cenário de Calamidade Publica referente à pandemia causada pelo novo coronavirus, tem ensejado há alguns meses severos prejuízos ao comercio em geral, prejuízos estes que infelizmente se projetarão por um longo período.
Especificamente os Shoppings centers tiveram desde o inicio da pandemia, uma queda brusca de movimentos, o que ocasionou a redução acentuada de lojistas. Para os lojistas, sabe-se que há um contrato de locação que contempla diversos encargos e valores que não são exeqüíveis em períodos como o presente. 
Contudo, apesar de serem contratos individuais e apresentarem variáveis, o contexto atual evidentemente impacta em tais relações e pode ensejar uma revisão desses contratos de locação. Contudo, apresentam peculiaridades que podem repercutir no problema da revisão judicial. 
Desde o início da pandemia, o Poder Judiciário vem consolidando o entendimento de que, diante de faturamentos muito comprometidos, os contratos envolvendo lojistas de varejo, principalmente, devem ser revistos. Assim, os tribunais se colocam mais favoráveis aos lojistas, e fazem uso da teoria da imprevisão, que determina: a necessidade de que se atenda ao “princípio da justiça contratual, que impõe o equilíbrio das prestações nos contratos comutativos, a fim de que os benefícios de cada contratante sejam proporcionais aos seus sacrfícios”.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo já havia sedimentado, anos atrás, o seguinte entendimento sobre a teoria da imprevisão:  “A teoria da imprevisão decorre da constatação de que o contrato, celebrado para ser respeitado e cumprido, segundo as mesmas condições existentes no momento da celebração, pode ser alterado, excepcionalmente, se ocorrerem fatos supervenientes imprevisíveis que estabeleçam o desequilíbrio entre as partes, onerando sobremaneira uma delas, com proveito indevido da outra. 
Nesta hipótese, incide a cláusula rebus sic stantibus, mediante a qual se retorna ao estado de equilíbrio anterior, afastando- se qualquer hipótese de supremacia e de vantagem indevida de uma das partes, em desfavor da outra que ficaria prejudicada. Segundo a doutrina de Orlando Gomes, “… quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração do contrato, acarretando conseqüências imprevisíveis, das quais decorre excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação, o vínculo contratual pode ser resolvido ou, a requerimento do prejudicado, o juiz altera o conteúdo do contrato, restaurando o equilíbrio desfeito. Em síntese apertada: ocorrendo anormalidade da álea que todo contrato dependente do futuro encerra, pode-se operar sua resolução ou a redução das prestações”.  Para Cunha Gonçalves, há como que um defeito do ato jurídico (segundo o conceito do Direito Brasileiro): “…é tão injusto e imoral aproveitar um contraente, excessivamente, de circunstâncias que para o outro ou para ambos eramimprevisíveis no momento do contrato. (…)”
(TJSP; Apelação Com Revisão 9142407-42.2001.8.26.0000; Relator (a): Carvalho Viana; Órgão Julgador: 3ª Câmara (Extinto 1° TAC); Foro de São Caetano do Sul – 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 19/03/2002; Data de Registro: 15/05/2002).
O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) também já se posicionou sobre a definição da Teoria da Imprevisão, inclusive, em matéria de contratos de locação em Shopping Centers, quando questionado sobre a validade da cláusula de 13º aluguel nesta modalidade de contratação:
DIREITO CIVIL. VALIDADE DA CLÁUSULA DE 13º ALUGUEL EM CONTRATO DE LOCAÇÃO EM ESPAÇO DE SHOPPING CENTER.
Não é abusiva a mera previsão contratual que estabelece a duplicação do valor do aluguel no mês de dezembro em contrato de locação de espaço em shopping center. De início, cabe ressaltar que o contrato de locação deve ser analisado com base no disposto no art. 54 da Lei de Locações (Lei n. 8.245/1991), que admite a livre pactuação das cláusulas no contrato de locação de espaço em shopping center firmado entre lojistas e empreendedores, observadas as disposições da referida lei. O controle judicial das cláusulas contratuais constantes de contrato de locação de espaço em shopping center deve ser estabelecido a partir dos princípios reitores do sistema de Direito Empresarial, partindo-se, naturalmente, do disposto no art. 54 da Lei de Locações. Com efeito, a locação de espaço em shopping center é uma modalidade de contrato empresarial, contendo fundamentalmente os seguintes elementos: o consentimento dos contratantes, a cessão do espaço e o aluguel. O aluguel em si é composto de uma parte fixa e de uma parte variável. A parcela fixa é estabelecida em um valor preciso no contrato com possibilidade de reajuste pela variação da inflação, correspondendo a um aluguel mínimo mensal. A parcela variável consiste em um percentual sobre o montante de vendas (faturamento do estabelecimento comercial), variando em torno de 7% a 8% sobre o volume de vendas. Se o montante em dinheiro do percentual sobre as vendas for inferior ao valor do aluguel fixo, apenas este deve ser pago; se for superior, paga-se somente o aluguel percentual. No mês de dezembro, é previsto o pagamento em dobro do aluguel para que o empreendedor ou o administrador indicado faça também frente ao aumento de suas despesas nessa época do ano, sendo também chamado de aluguel dúplice ou 13º aluguel. A cobrança do 13º aluguel é prevista em cláusula contratual própria desse tipo peculiar de contrato de locação, incluindo-se entre as chamadas cláusulas excêntricas. A discussão acerca da validade dessa cláusula centra-se na tensão entre os princípios da autonomia privada e da função social do contrato. De acordo com doutrina especializada, o princípio da autonomia privada corresponde ao poder reconhecido pela ordem jurídica aos particulares para dispor acerca dos seus interesses, notadamente os econômicos (autonomia negocial), realizando livremente negócios jurídicos e determinando os respectivos efeitos. A autonomia privada, embora modernamente tenha cedido espaço para outros princípios (como a boa-fé e a função social do contrato), apresenta-se, ainda, como a pedra angular do sistema de direito privado, especialmente no plano do Direito Empresarial. O pressuposto imediato da autonomia privada é a liberdade como valor jurídico. Mediatamente, o personalismo ético aparece também como fundamento, com a concepção de que o indivíduo é o centro do ordenamento jurídico e de que sua vontade, livremente manifestada, deve ser resguardada como instrumento de realização de justiça. O princípio da autonomia privada concretiza-se, fundamentalmente, no direito contratual, por meio de uma tríplice dimensão: a liberdade contratual, a força obrigatória dos pactos e a relatividade dos contratos. A liberdade contratual representa o poder conferido às partes de escolher o negócio a ser celebrado, com quem contratar e o conteúdo das cláusulas contratuais. É a ampla faixa de autonomia conferida pelo ordenamento jurídico à manifestação de vontade dos contratantes. Assevera doutrina que o princípio da relatividade dos contratos expressa, em síntese, que a força obrigatória desse negócio jurídico é restrita às partes contratantes (res inter alios acta). Os direitos e as obrigações nascidos de um contrato não atingem terceiros, cuja manifestação de vontade não teve participação na formação desse negócio jurídico. De outro lado, nenhum terceiro pode intervir no contrato regularmente celebrado. Limita-se, assim, até mesmo, a atuação legislativa do próprio Estado, em virtude da impossibilidade de uma lei nova incidir retroativamente sobre contrato regularmente celebrado por constituir ato jurídico perfeito. Entretanto, admite-se a revisão administrativa e judicial dos contratos nos casos expressamente autorizados pelo ordenamento jurídico. Já a força obrigatória dos contratos é o contraponto da liberdade contratual. Se o agente é livre para realizar qualquer negócio jurídico dentro da vida civil, deve ser responsável pelos atos praticados, pois os contratos são celebrados para serem cumpridos (pacta sunt servanda). A necessidade de efetiva segurança jurídica na circulação de bens impele a ideia de responsabilidade contratual, mas de forma restrita aos limites do contrato. O exercício da liberdade contratual exige responsabilidade quanto aos efeitos dos pactos celebrados. Assim, o controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor daeconomia. Ressalte-se que a autonomia privada, como bem delineado no Código Civil de 2002 (arts. 421 e 422) e já reconhecido na vigência do Código Civil de 1916, não constitui um princípio absoluto em nosso ordenamento jurídico, sendo relativizada, entre outros, pelos princípios da função social, da boa-fé objetiva e da prevalência do interesse público. Essa relativização resulta, conforme entendimento doutrinário, o reconhecimento de que os contratos, além do interesse das partes contratantes, devem atender também aos “fins últimos da ordem econômica”. Nesse contexto, visando à promoção desses fins, admite o Direito brasileiro, expressamente, a revisão contratual, diante da alteração superveniente das circunstâncias que deram origem ao negócio jurídico (teoria da imprevisão, teoria da base objetiva etc.). 
(REsp 1.409.849-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/4/2016, DJe 5/5/2016.)
Estes julgados nos demonstram, portanto, que a teoria da imprevisão é pautada pela realidade vivenciada pelas partes no curso do contrato celebrado. Assim, a teoria da imprevisão enseja a possibilidade de revisão de contratos de locação em Shopping Centers quando do acontecimento de fatos que não poderiam ser previstos pelas partes.
3- Herdeira que ocupa exclusivamente imóvel decorrente da partilha deve pagar indenização mensal aos demais inventariantes?
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou, por unanimidade, acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que decidiu ser de responsabilidade de uma viúva inventariante o pagamento do IPTU e da taxa condominial do imóvel onde ela reside e que é objeto da ação de inventário.
No recurso especial, a recorrente alegou que o acórdão do TJSP estaria em desacordo com a orientação do STJ. Sustentou que as despesas do imóvel objeto de inventário deveriam ser divididas entre os herdeiros, independentemente do uso exclusivo ou não pela inventariante.
Segundo o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, a utilização do bem de forma exclusiva pela inventariante e sem contrapartida financeira aos demais herdeiros faz com que os encargos referentes ao período posterior à abertura da sucessão se destinem exclusivamente a ela, sob pena de enriquecimento sem causa.
“Não se mostra razoável que as verbas de condomínio e deIPTU, após a data do óbito do autor da herança, sejam custeadas pelos demais herdeiros, sob pena de enriquecimento sem causa, devendo, portanto, as referidas despesas serem descontadas do quinhão da inventariante”, afirmou o ministro.
Herança e partilha
Marco Aurélio Bellizze disse que os artigos 1.794 e 1.791 do código civil estabelecem que, com a abertura da sucessão, a herança é transmitida aos herdeiros legítimos e testamentários, sendo que, até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível e regulado pelas normas relativas ao condomínio.
De acordo com o relator, o artigo 1.997 do CC também dispõe que o espólio responderá por todas as dívidas deixadas pelo falecido nos limites da herança e até o momento em que for realizada a partilha, quando então cada herdeiro responderá na proporção da parte que lhe couber na herança.
No entanto, segundo o ministro, no caso em análise, a inventariante reside de forma exclusiva no imóvel objeto de discussão, tolhendo o uso por parte dos demais herdeiros, não existindo qualquer pagamento de aluguel ou indenização referente à cota-parte de cada um na herança.
Aluguel proporcional
O ministro destacou que o STJ tem entendimento no sentido de que o herdeiro que ocupa exclusivamente imóvel objeto da herança deverá pagar aluguel proporcional aos demais herdeiros.
“Com efeito, ou a inventariante paga aos demais herdeiros valores a título de aluguel proporcional correspondentes à fração de cada um, relacionados ao imóvel que ocupa com exclusividade, podendo, nesse caso, compartilhar também as despesas correlatas, ou deverá ser responsabilizada pelos respectivos encargos de forma exclusiva”, explicou.
Ao negar provimento ao recurso especial, Bellizze afastou a divergência jurisprudencial alegada pela recorrente, afirmando não haver similitude fática entre as decisões confrontadas.
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. DESPESAS DE IPTU E TAXA CONDOMINIAL DE IMÓVEL, OBJETO DA HERANÇA, REFERENTES A PERÍODO POSTERIOR À ABERTURA DA SUCESSÃO. UTILIZAÇÃO DO BEM DE FORMA EXCLUSIVA PELA INVENTARIANTE (VIÚVA) E SEM QUALQUER CONTRAPARTIDA FINANCEIRA AOS DEMAIS HERDEIROS. NECESSIDADE DE ABATIMENTO DOS RESPECTIVOS VALORES DE SEU QUINHÃO, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. A questão discutida consiste em saber de quem é a responsabilidade, no bojo de ação de inventário, pelos encargos com IPTU e taxa condominial de imóvel, objeto da herança, utilizado com exclusividade pela inventariante (viúva). 2. Nos termos dos arts. 1.784 e 1.791 do Código Civil, com a abertura da sucessão, a herança transmite-se, desde logo, como um todo unitário, aos herdeiros legítimos e testamentários, sendo que, até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio. O art. 1.997 do mesmo diploma legal, por sua vez, também dispõe que o espólio responderá por todas as dívidas deixadas pelo de cujus nos limites da herança e até o momento em que for realizada a partilha, quando então cada herdeiro responderá na proporção da parte que lhe couber na herança. Logo, em regra, as despesas do inventário serão suportadas pelo espólio, repercutindo, inarredavelmente, no quinhão de todos os herdeiros. 3. Na hipótese, contudo, a inventariante reside de forma exclusiva no imóvel objeto de discussão, tolhendo o uso por parte dos demais herdeiros, não havendo, tampouco, qualquer pagamento de aluguel ou indenização referente à cota-parte de cada um na herança. Dessa forma, em relação ao respectivo imóvel, não se mostra razoável que as verbas de condomínio e de IPTU, após a data do óbito do autor da herança, sejam custeadas pelos demais herdeiros, sob pena de enriquecimento sem causa, devendo, portanto, as referidas despesas serem descontadas do quinhão da inventariante. 4. Afasta-se a apontada divergência jurisprudencial, tendo em vista a ausência de similitude fática entre os arestos confrontados, ressaltando-se, ainda, que os fundamentos do acórdão paradigma não servem para infirmar o entendimento do acórdão recorrido. 5. Recurso especial desprovido.
(STJ - REsp: 1704528 SP 2016/0285715-2, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 14/08/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/08/2018)
4 -  Mulher pode voltar a usar nome de solteira mesmo sem pedido quando após homologação do divórcio.
Tanto o casamento como a união estável possibilitam ao cônjuge ou ao companheiro o acréscimo dos patronímicos ou sobrenomes do outro.
Em se tratando de casamento, aplica-se diretamente o disposto no parágrafo 1º do artigo 1.565 do Código Civil. Esse acréscimo, normalmente, é postulado no processo de habilitação, mas pode ocorrer depois do casamento. Já decidiu o STJ que o direito de acrescer o sobrenome “deve-se estender ao período de convivência do casal, enquanto perdurar o vínculo conjugal. Porém, nesta hipótese, o nome deve ser acrescido por intermédio da ação de retificação de registros públicos, nos termos dos arts. 57 e 109 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973).
Na união estável, a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) já permitia a averbação do patronímico do companheiro pela companheira, desde que ambos fossem “solteiros, desquitados ou viúvos” e desde que houvesse impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas (artigo 57, parágrafo 2º). 
A adoção do sobrenome do marido pela mulher sempre foi (e continua sendo) uma tradição entre nós. Na vigência do CC/1916 e até o advento do Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/62), o acréscimo era obrigatório para a mulher. Depois de 1962, tornou-se facultativo, mas ainda prerrogativa exclusiva da mulher. A partir do CC/2002, também o marido (e por extensão o companheiro) adquiriu o direito de acrescer o sobrenome da mulher, muito embora essa situação seja pouco frequente na prática, por razões culturais.
Bom que se esclareça que aquilo que a lei permite é o “acréscimo”, ou seja, ao casar, um cônjuge pode somar aos seus os apelidos de família do outro cônjuge, mas não pode “substituir” os seus pelo do cônjuge. Inexiste autorização legal para a supressão de apelidos de família.
Com a dissolução do casamento ou da união estável, tem-se, como um dos primeiros efeitos pessoais do divórcio ou do fim da convivência, a possibilidade de os ex-cônjuges ou ex-companheiros retomar o uso dos nomes que usavam antes da relação conjugal ou convivencial. Isso pode ocorrer tanto por ocasião da sentença de divórcio ou de dissolução como posteriormente, por iniciativa de quaisquer dos ex-cônjuges ou ex-companheiros5.
Antes do CC/2002, a perda do nome de casado era quase obrigatória. Na separação judicial, a manutenção ou perda do nome estava relacionada à discussão da culpa, e a perda do nome somente teria lugar se vencida a mulher naquela ação.
Com o código de 2002, a regra foi invertida. O parágrafo 2º do artigo 1.571 permitiu, expressamente, a manutenção do nome de casado, pelo cônjuge divorciado, em tutela do seu direito ao nome (direito da personalidade), seja pelo divórcio direto, seja pelo divórcio-conversão, em inexistindo renúncia a esse direito, salvo no caso da perda determinada por sentença judicial em face dessa última espécie de divórcio, regulada na forma do artigo 1.5787. Esse dispositivo estabeleceu a perda condicionada do direito de uso do sobrenome pelo cônjuge declarado culpado mediante critérios objetivamente considerados a contrario sensu, a partir do elemento volitivo do cônjuge inocente que haveria de, expressamente, requerer a não conservação, pelo ex-consorte, daquele direito.
A Constituição de 1988 não previu, de maneira explícita, a proteção ao nome da pessoa natural, muito embora o faça de maneira indireta, ao tutelar o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização cabível (artigo 5º, V); bem como ao proteger a inviolabilidade da intimidade, da vidaprivada, da honra e da imagem das pessoas (5º, X, CF).
O Código Civil de 2002, por sua vez, trouxe norma expressa de proteção ao direito à identidade10, que abrange o nome, o prenome, o nome dos pais, ou patronímico, o gentílico ou nome de família, o sobrenome adquirido pelo casamento ou por adoção, e ainda quaisquer outros sinais identificadores da pessoa.
Em suma, adquirido o sobrenome pelo casamento e incorporado este aos caracteres identificadores do cônjuge na sociedade, somente a renúncia pelo que agregou o sobrenome possibilitará a alteração do registro civil e o retorno ao nome de solteiro. Irrelevante a perquirição de culpa. Culpado ou inocente,manterá o seu direito da personalidade.
A mudança do nome de casado ou a sua conservação, com a dissolução do casamento, é uma prerrogativa do cônjuge.
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O Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu o direito de uma mulher voltar a assinar o nome de solteira mesmo sem que ela tenha requerido, na homologação de divórcio, a exclusão do sobrenome do ex-marido. O entendimento que predominou na 5ª Câmara Cível do TJ-MG, que julgou recurso do processo, foi o de que se deve oportunizar que futuramente o ex-cônjuge possa requerer essa alteração, caso isso não tenha sido feito no momento da separação.
Ao analisar os autos, a relatora do processo, juíza convocada Lílian Maciel Santos, observou que a Lei de Registros Públicos admite a alteração do nome civil, "por meio de exceção e motivadamente", desde que não leve à perda de personalidade, à impossibilidade de identificação da pessoa e nem prejudique terceiros". No caso, ela avaliou que o pedido do casal estava motivado, "não se podendo obrigar a parte a utilizar o sobrenome do ex-marido, ante uma omissão do acordo de divórcio consensual".
O ex-casal apresentou à Justiça ação de retificação de registro civil pedindo a alteração, para que a autora voltasse a utilizar o nome de solteira. Eles se casaram em 14 de fevereiro de 2013, quando a mulher adotou o sobrenome do então marido. Contudo, o vínculo foi dissolvido, mas nada se estabeleceu acerca da modificação do nome dela, no sentido de excluir o sobrenome acrescentado com o matrimônio. Em 1ª instância, a 4ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia negou o pedido. Mas o casal recorreu, sustentando não mais existirem os laços afetivos que justificaram o casamento, não cabendo mais à mulher, dessa maneira, sustentar o nome de casada, quando não o desejava. Os ex-cônjuges destacaram que o pedido não traria nenhum prejuízo à sociedade.
Entre outros pontos, a magistrada do TJ-MG observou que "a imutabilidade é uma das características essenciais do nome, genericamente referido, uma vez que se trata de registro de identificação das pessoas que interessa não apenas ao identificado. Além disso, possui função pública e social, tratando-se, inclusive, de elemento que atende ao princípio da segurança jurídica".
No caso, como não se vislumbrava "qualquer mácula à identificação da pessoa, à sua ascendência e, tampouco, risco de fraude", avaliou que não seria razoável negar o pedido Ao modificar a sentença, determinando que se proceda à inscrição, na certidão de casamento, da retificação do nome da mulher, para que ela volte a assinar o nome de solteira, a magistrada ressaltou: "O ex-cônjuge pode ter interesse em estabelecer novos vínculos afetivos, devendo estar livre das amarras que o sobrenome do outro cônjuge pode lhe impor".
Os desembargadores Moacyr Lobato e Áurea Brasil votaram de acordo com a relatora.
Apelação Cível 1.0702.15.032798-0/001
5- Devedor de alimentos e prisão em tempos de pandemia da Covid-19.
Entre os inúmeros dilemas vivenciados neste ano conturbado está a questão da prisão dos pais que devem alimentos aos filhos. Em pauta, a popularmente conhecida “pensão alimentícia” em tempos de pandemia de Covid-19.
Caso que deve ser levado em consideração, nesse momento, é a prisão de devedor de alimentos cujo mandado esteja em vias se ser expedido ou, tendo sido expedido, não tenha sido cumprido.
Ocorre que junto da obrigação de pagamento dos alimentos há, também, o direito à vida e saúde do devedor. São direitos conflitantes, amparados pela Constituição Federal, que merecem atenção do Estado, a fim de que pondere qual deve ser aplicado em detrimento do outro.
De nada adianta que aquele que não esteja infectado tenha o risco de infectar-se, quando adentrar no sistema prisional e, da mesma forma tantos os funcionários públicos, quanto os demais detidos, têm o direito de serem protegidos em face da possibilidade de o novel prisioneiro ter o vírus e contaminá-los, quando preso.
No estado atual, em que se preza pelo isolamento social, distanciamento, bem como (ainda) para que sejam redobrados os cuidados de higiene pessoal e coletiva, é temerário inserir uma pessoa em um sistema penitenciário "falido" é gerar danos a si e aos demais que lá se encontram.
A prisão do devedor de alimentos gera um duplo dano, reitere-se: ao preso, com a possibilidade de se contaminar e aos demais detentos (e serventuários) com a possibilidade de se contaminarem.
Entendemos que há de prevalecer o direito à vida e saúde do devedor sobrepondo-se à pena de prisão pelo não adimplemento oportuno dos alimentos, vez que de nada adianta o inadimplente adoecer ou, ainda, morrer e deixar de custear os alimentos posteriormente.
Por isso que, data vênia, a Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é, nesse ponto, prejudicial, vez que em seu artigo 6º recomenda que se coloque em prisão domiciliar aquele que se encontram presos por dívidas alimentícias.
"Artigo 6º — Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus".
O que se tem percebido é que os mandados de prisão são (inicialmente) cumprida eposteriormente, pretendida a colocação em prisão domiciliar, essa é analisada pelo magistrado, seguindo literalmente a citada recomendação do CNJ.
O devedor é exposto (e/ou expõe terceiros) ao vírus para, depois (de horas, dias, semanas etc.), ser avaliada a colocação em prisão domiciliar, pondo em risco a vida e saúde daquele que foi recentemente preso ou, ainda, dos terceiros que com ele terão contato.
O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de analisar o tema. Em alguns entendimentos converteu da prisão civil em estabelecimento prisional para a prisão domiciliar.
Entretanto pensamos que o entendimento mais acertado, ante o aumento dos casos de infectados pelo coronavírus, seja a solução aplicada recentemente pela 3ª Turma, consignada no julgamento do Habeas Corpus nº 580261/MG.
No citado caso, conforme voto do ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino, ficou consignado que seria o caso de "... determinar a suspensão do cumprimento das prisões civis durante o período da pandemia...", considerando ser a medida mais prudente, no atual estado das coisas.
Por certo que referido entendimento foi aplicado no caso em questão, mas mostra uma sensibilidade do Superior Tribunal de Justiça em casos como o ora em estudo, padronizando a suspensão (momentânea) das penas de prisão civil, evitando que mau maior (ao devedor e terceiros) ocorra, ponto em risco, inclusive, o cumprimento da obrigação de alimentos que, poderia, ser futuramente adimplida com a prisão civil, pós-pandemia, como meio de coerção.
Entendemos, dessa forma, que há a necessidade de que haja a suspensão das ordens de prisão, momentaneamente, prosseguindo-se a execução com as medidas de expropriação patrimonial, mas não permitindo que o devedor seja colocado (ou coloque terceiros) em risco em estabelecimento prisional.
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