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APOSTILA PSICOLOGIA DA PERSONALIDADE INFANTIL

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www.facuminas.com.br 
PSICOLOGIA DA PERSONALIDADE 
INFANTIL 
 
 
 
 
MATERIAL DIDÁTICO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA 
PORTARIA N° 3.445 DO DIA 19/11/2003 
 
 
1 
 
Sumário 
Desenvolvimento da personalidade nos primeiros anos de vida ........................ 3 
Temperamento ou personalidade? Considerações conceituais quanto aos dois 
construtos ........................................................................................................... 5 
Principais teorias do temperamento infantil ........................................................ 7 
A Teoria dos Três Superfatores de Hans Eysenck ........................................... 11 
Como avaliar o temperamento infantil? ............................................................ 14 
Temperamento e suas associações com as habilidades cognitivas e o 
desempenho escolar ........................................................................................ 17 
DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE DA CRIANÇA: O PAPEL DA 
EDUCAÇÃO INFANTIL .................................................................................... 22 
SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE NA INFÂNCIA ....... 28 
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 39 
 
 
 
 
2 
 
 
FACUMINAS 
 
 
 
A história do Instituto Facuminas, inicia com a realização do sonho de 
um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para 
cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a Facuminas, 
como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. 
A Facuminas tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas 
de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a 
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua 
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos 
culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e 
comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de 
comunicação. 
A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de 
forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir 
uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma 
das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela 
inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 
 
 
 
 
 
 
 
3 
 
Desenvolvimento da personalidade nos primeiros 
anos de vida 
É possível observar diferenças individuais relativas ao temperamento do 
indivíduo desde muito cedo. Os bebês, por exemplo, experimentam emoções 
de diversos tipos, esboçadas em reações de agrado ou desagrado diante das 
situações. De acordo com Hidalgo e Palácios (1995), essas reações globais 
dão passagem para emoções específicas que vão aparecendo 
progressivamente ao longo do primeiro ano de vida – inicialmente, a alegria e o 
mal-estar, depois a cólera e a surpresa e, finalmente, o medo e a tristeza. 
Assim, alegria, aborrecimento, surpresa, ansiedade, medo e tristeza são 
emoções básicas possíveis de serem observadas em todas as crianças 
durante a primeira infância. 
Entre o segundo e terceiro ano de vida as crianças já são capazes de 
experimentar um conjunto de emoções mais complexas que tem a ver com a 
descoberta de si mesmas e com a manifestação da relação com os demais. As 
mais importantes dessas emoções são a vergonha, a culpa e o orgulho. 
Observa-se que, para a criança sentir vergonha ou orgulho, é necessário um 
conhecimento das normas sociais, uma avaliação da própria conduta em 
relação a tais normas e uma atribuição de responsabilidade a si mesma diante 
do êxito ou fracasso para se ajustar às situações. O sentimento de culpa, por 
sua vez, está ligado ao desenvolvimento sócio moral e tem estrita relação com 
o aparecimento de condutas altruístas, já que inibe comportamentos que 
possam prejudicar os outros e consiste em um motivador para a reparação de 
danos (Saarni, Mumme & Campo, 1998). 
A partir dos quatro ou cinco anos de idade, auxiliadas pela regularidade 
das experiências cotidianas, as crianças já começam a compreender seus 
próprios estados emocionais. É nesta idade que o processo de avaliação 
costuma aparecer, permitindo que as emoções comecem a ser explicadas e 
contextualizadas (Hidalgo & Palácios, 1995). 
 Para Harris (1989), as crianças parecem passar por duas etapas 
diferentes na compreensão das normas de expressão de suas emoções. Num 
 
4 
 
primeiro momento, podem esconder suas emoções em determinadas 
situações, mas não são de todo eficazes, pois estão agindo mais conforme o 
que seus pais lhes ensinam do que de acordo com uma estratégia de 
dissimulação bem compreendida. Num segundo momento, a partir dos cinco ou 
seis anos, parecem compreender realmente a diferença entre uma emoção real 
e uma emoção expressa, sendo conscientes de seus estados mentais e 
conseguindo esconder, deliberadamente, seus sentimentos com objetivo de se 
ajustar às normas sociais. 
Com esta tomada de consciência em relação às suas reações 
emocionais e comportamentais, pode-se vislumbrar um incipiente padrão de 
regularidade comportamental na criança, tendo em vista que a mesma já é 
capaz de buscar ativamente por determinadas situações ou eventos, ao 
mesmo tempo em que evita outros. Este padrão de regularidade, tanto 
temporal quanto situacional, é o que se chama de personalidade ou 
temperamento – mais adiante estes termos serão conceituados e discutidos 
com maior profundidade – e sua estrutura e desenvolvimento consistem em 
aspectos a serem melhor explorados pelo campo da pesquisa em psicologia. 
Neste sentido, um fenômeno que vem sendo alvo de investigação por parte de 
muitos pesquisadores consiste nas mudanças que ocorrem na personalidade 
quando se passa da infância para a adolescência e desta para a vida adulta. 
Assim, indaga-se: o temperamento de uma criança desenvolve-se de 
forma estável e coerente com a personalidade que ela irá exibir 
posteriormente? A resposta é positiva. As pesquisas apontam para a 
possibilidade da estrutura da personalidade de um indivíduo na infância conter 
importantes similaridades com a estrutura da personalidade deste mesmo 
indivíduo adulto. De acordo com Caspi, Roberts e Shiner (2005) é preciso 
atentar para algumas diferenças no desenvolvimento dos traços infantis. 
Observa-se que a estrutura das diferenças individuais dos dois aos oito anos 
de idade requer uma atenção especial, pois as mudanças que aparecem 
durante este período são rápidas e amplas. Assim, as crianças passam da 
manifestação de um pequeno número de emoções para um grande número 
muito rapidamente, o que configura sua personalidade como pouco integrada e 
 
5 
 
mais complexa. Não há, para esta faixa etária, um padrão comportamental 
consistente como há para o adulto. 
Existem achados apontando que as diferenças comportamentais que 
aparecem na infância tendem a se manter na vida adulta, o que indica uma alta 
estabilidade do temperamento infantil. Caspi (2000), em seu famoso estudo em 
Dunedin sobre as continuidades do desenvolvimento da personalidade, 
sustenta que as diferenças temperamentais que aparecem no início da vida 
têm uma influência decisiva no desenvolvimento da estrutura da personalidade 
adulta. Seus resultados mostram que as crianças que apresentaram, aos três 
anos de idade, falta de controle sobre si próprias e maior tendência à 
externalização de problemas (por exemplo, mentir, desobedecer, fazer 
ameaças) tornaram-se impulsivas, instáveis, agressivas, bem como 
apresentaram maior taxa de criminalidade e conflito com membros de sua 
esfera social e profissional, no início da vida adulta. Já aquelasque, aos três 
anos, foram classificadas como inibidas e com tendência à internalização dos 
problemas (por exemplo, sentir-se inquieto, chorar facilmente, andar amuado 
ou triste), mostraram-se pouco assertivas e com maior tendência para 
depressão e escassez de suporte social, aos vinte e um anos de idade. 
Conclui-se que, embora as manifestações comportamentais se 
modifiquem com o passar do tempo, o curso do desenvolvimento da 
personalidade apresenta certa coerência, com características que se mantêm 
ao longo dos anos. 
Temperamento ou personalidade? Considerações 
conceituais quanto aos dois construtos 
Muitos psicólogos que estudam a personalidade infantil têm se 
concentrado no estudo do temperamento, da consistência comportamental e 
dos seus substratos biológicos, por serem fenômenos que aparecem cedo na 
vida. Há um esforço para se mostrar a ligação entre o temperamento na 
infância e a personalidade do adulto, mas figura-se como obstáculo principal a 
dificuldade de delimitação conceitual dos construtos temperamento e 
personalidade. 
 
6 
 
O temperamento pode ser conceituado como a qualidade das respostas 
emocionais da criança. É mensurado na infância e tem a tendência de se 
manifestar em traços mais específicos, sendo influenciado pelos componentes 
biológicos ou genéticos mais do que pela experiência (Caspi, 2005). Para 
Strelau (1998), o temperamento consiste em uma característica formal do 
comportamento, sendo expresso através do nível de energia e de fatores 
temporais. São traços básicos e relativamente estáveis, presentes desde cedo 
nas crianças. É primariamente determinado por mecanismos biológicos e, ao 
longo do tempo, está sujeito a mudanças causadas tanto pela maturação 
quanto pela interação do indivíduo com o ambiente. 
De forma geral, o temperamento é atribuído a bebês e crianças 
pequenas – até cerca de sete anos de idade –, destacando-se por sua forte 
influência biológica, sendo que a tendência de integração dos comportamentos 
culmina na formação da personalidade adulta (Goldsmith et al., 1987). 
O construto denominado personalidade consiste em um domínio mais 
amplo, envolvendo hábitos, valores, conteúdo da cognição social e padrões de 
reação e de sentimentos. Há um número significativo de variáveis que estão no 
cerne de sua concepção e desenvolvimento e, por ser um construto com ampla 
variabilidade, costuma ser atribuído a crianças mais velhas, adolescentes e 
adultos. A forte influência de fatores biológicos divide espaço com mecanismos 
ambientais que irão moldar as características gerais do indivíduo (Rothbart & 
Bates, 1998; Shiner & Caspi, 2003). Para Colom (1998), a personalidade pode 
ser compreendida por meio dos atos cotidianos das pessoas e, para abordá-la 
de forma cientifica é preciso empreender uma investigação das diferenças de 
conduta numa amostra variada de situações para, então, compreender quais 
são as propriedades que governam o comportamento das pessoas. Tais 
comportamentos podem ser consistentes – quando não mudam de forma 
significativa em diferentes situações – ou estáveis – quando não há uma 
mudança demasiado grande ao longo do tempo. Assim, partindo-se da 
regularidade da conduta de uma pessoa, é possível prever seu comportamento 
futuro. 
 
7 
 
A literatura, porém, não aponta uma distinção clara entre os termos 
temperamento e personalidade infantis, que são tratados muitas vezes como 
conceitos sobrepostos (Rothbart &Bates, 1998; Shiner & Caspi, 2003). Para 
Teiglasi (1995), o contraste entre os dois conceitos é obscuro, pois apresentam 
um vocabulário descritivo semelhante, havendo também uma carência de 
dados capazes de diferenciá-los com base em fatores biológicos. É possível 
elencar três formas de sobreposição ou relacionamento apontados na literatura 
entre os conceitos temperamento e personalidade: 1) o temperamento pode ser 
considerado como um dos elementos da personalidade; 2) como seu sinônimo; 
3) ou como um fenômeno totalmente independente da personalidade (Strelau, 
1991, como citado em Hofstee, 1991). 
Mas também é possível estabelecer, a partir da literatura, algumas 
diferenças fundamentais entre os dois construtos: a) o temperamento é 
biologicamente determinado, enquanto a personalidade é um produto do 
ambiente social; b) os traços de temperamento podem ser identificados desde 
cedo na vida, enquanto a personalidade é investigada em períodos posteriores 
do desenvolvimento; c) diferenças individuais no temperamento – como 
ansiedade e busca de estimulação – podem ser observadas também em 
animais, enquanto a personalidade é uma prerrogativa do ser humano; d) o 
temperamento inclui características mais estilísticas e formais do 
comportamento, enquanto a personalidade refere-se mais a conteúdos do 
comportamento (Strelau, 1998). 
Diante do exposto, muitos autores preferem fazer uso do termo 
temperamento no lugar de personalidade quando se referem a crianças 
pequenas, ou até mesmo a bebês, tendo em vista que o temperamento 
constitui a base afetiva e ativacional da personalidade posterior (Rothbart, & 
Bates, 1998). 
 Principais teorias do temperamento infantil 
Dentre as diversas teorias que explicam o temperamento infantil, 
destaca-se a de Thomas e Chess, que foram os primeiros a realizarem um 
estudo longitudinal (New York Longitudinal Study) com o objetivo de descrever 
 
8 
 
as categorias do temperamento na infância. Para estes autores, o 
temperamento é um atributo que interage com outros, mas mantém sua 
independência. O estudo longitudinal começou em 1956 e foram observadas 
100 crianças nos Estados Unidos. A coleta de informações a respeito das 
crianças se fez principalmente por meio do relato dos pais e professores e a 
partir da observação direta das mesmas. Nove categorias foram analisadas a 
partir das informações coletadas: nível de atividade; ritmicidade; 
aproximação/afastamento; adaptabilidade; limiar de resposta; intensidade da 
reação; qualidade do humor; distração; duração da atenção e persistência. A 
partir destas categorias foi possível classificar as crianças em três grupos 
distintos: a) temperamento fácil: humor positivo, responde adequadamente à 
novidade e à mudança, tem horários regulares de sono e alimentação, sorri a 
estranhos, adapta-se facilmente a novas situações e rotinas e aceita melhor as 
frustrações; b) temperamento difícil: humor negativo, chora alto (e também ri 
alto), responde mal à novidade e mudança, aceita lentamente novos alimentos, 
é desconfiada com estranhos; c) temperamento de aquecimento lento: reações 
de intensidade moderada, ora positiva, ora negativa, responde lentamente à 
novidade e mudança, resposta inicial negativa e moderada a novos estímulos. 
(Chess & Korn, 1982; Thomas & Chess, 1990). 
O modelo pioneiro proposto por Thomas e Chess foi investigado, 
posteriormente, por vários pesquisadores e, devido à baixa replicabilidade dos 
seus nove traços, novos modelos inspirados no referido estudo foram 
propostos. Um deles foi o desenvolvido por Buss e Plomin, em 1975 (Shiner, 
1998), o qual é conhecido como modelo Emocionalidade- Atividade- 
Sociabilidade- Impulsividade (EASI). Esses pesquisadores sustentam que 
essas dimensões são as fundações essenciais da individualidade da nossa 
espécie, posto que elas aparecem cedo no desenvolvimento, mostram alguma 
estabilidade e estão entre os traços mais herdáveis na personalidade. 
Outra importante pesquisadora do temperamento infantil é Mary 
Rothbart, que postula que o temperamento corresponde às diferenças 
individuais em relação à reatividade e regulação. Essas características seriam 
estáveis ao longo do tempo e determinadas biologicamente. Rothbart afirma 
 
9 
 
que o temperamento pode ser medido nos primeiros meses de vida e exerce 
influência sobre aspectos do comportamentoda criança. Contudo, o 
temperamento não é o único fator que influencia o comportamento. Outros 
fatores como estados motivacionais do indivíduo, estruturas de conhecimento e 
as expectativas influenciam igualmente e intervêm no desenvolvimento. A 
pesquisadora avalia o temperamento da criança a partir da sua resposta a 
estímulos sensoriais e propõe algumas dimensões que podem sofrer alteração 
ao longo do tempo. Tais dimensões classificam-se em: a) reatividade negativa: 
aversão à aproximação e expressão de sentimentos negativos; b) reatividade 
positiva: aproximação e expressão de sentimentos positivos; c) comportamento 
inibido diante de estímulos novos e intensos; e c) capacidade de manter a 
atenção (Rothbart, 1981, como citado em Rothbart & Bates, 1998). 
Seguindo a mesma abordagem psicobiologia de Rothbarts, Robert 
Cloninger, propôs um modelo composto por quatro dimensões do 
temperamento: 1) Busca por novidade: relaciona-se à ativação e iniciação de 
comportamentos por estímulos novos, implicando uma predisposição para a 
excitabilidade, impulsividade e comportamento exploratório; 2) Evitação de 
danos: cessação ou inibição de comportamentos frente a sinais de estímulos 
aversivos, implicando uma tendência para pessimismo, apreensão, 
fatigabilidade, medo e timidez; 3) Dependência da recompensa: manutenção 
de comportamentos previamente associados com recompensa, visando a 
obtenção de prêmios e vínculos sociais satisfatórios, estabelecendo uma 
tendência à sentimentalidade e dependência da aprovação de terceiros; 4) 
Persistência: medida do grau em que uma pessoa mantém um comportamento 
sem receber reforços imediatos. O autor sugere que as três primeiras 
dimensões são também observadas em animais, sendo que a persistência é a 
única vista somente em humanos (Cloninger, Battaglia, Przybeck & Bellodi, 
1996). 
Diante da diversidade de abordagens teóricas que tentam explicar o 
desenvolvimento do temperamento em crianças, Goldsmith et al (1987), em 
revisão bibliográfica, elencaram pontos de concordância e discordância entre 
as principais teorias. Quanto aos consensos é posto que: a) as dimensões do 
 
10 
 
temperamento refletem tendências mais comportamentais; b) há uma ênfase 
na origem biológica do temperamento e na sua continuidade com a 
personalidade que será formada ao longo do tempo; c) há uma tendência a se 
centrar o estudo do temperamento no período da infância devido à ideia de que 
nessa fase a relação entre temperamento e ambiente é menos complexa; d) o 
temperamento se refere a diferenças individuais mais do que a características 
gerais de uma espécie. Mas há também divergências fundamentais entre as 
principais teorias, que instigam o desenvolvimento de novas pesquisas: a) os 
teóricos postulam distintos critérios para definir o temperamento, como por 
exemplo: estilos de comportamento, reações emocionais ou estabilidade da 
conduta; b) os teóricos também divergem no momento de definir as dimensões 
que são consideradas como temperamento. Há um consenso para as 
dimensões nível de atividade e a emocionalidade, mas nem todas as 
dimensões propostas são aceitas por todos os teóricos; c) a maioria dos 
investigadores do temperamento está de acordo que este é um componente da 
personalidade, mas divergem ao estabelecer os limites entre estes dois 
conceitos. 
Em síntese, a maioria dos modelos do temperamento infantil inclui os 
seguintes elementos como descritivos do temperamento: a) nível de energia ou 
atividade; b) emoções positivas: tendência para humor positivo e para evocar 
atenção social, com suscetibilidade para recompensas; c) emoções negativas: 
podem ser internalizastes (culpa, medo, insegurança e ansiedade) ou 
externalizantes (irritabilidade, raiva e frustração); d) timidez social; e) esquiva 
de novas situações; f) capacidade de se confortar (Rothbart & Bates, 1998; 
Shiner & Caspi, 2003). 
Embora consideráveis avanços tenham sido observados nos estudos da 
personalidade infantil, tal área depara-se ainda com alguns obstáculos. Um 
deles refere-se à inexistência de uma taxonomia única e consensual que 
descreva a estrutura da personalidade da criança. Os pesquisadores trabalham 
com modelos diferentes, o que leva ao segundo obstáculo: a pouca 
convergência entre as tantas medidas existentes para se avaliar o 
temperamento infantil (Caspi et al., 2005). 
 
11 
 
A Teoria dos Três Superfatores de Hans Eysenck 
O motivo da inclusão de um tópico específico sobre a teoria dos Três 
Superfatores proposta pelo pesquisador Han Eysenck se deve ao fato de a 
construção do questionário para avaliação do temperamento em crianças pré-
escolares realizada nesta pesquisa basear-se neste modelo. 
A opção por esta abordagem foi feita partindo-se de duas razões 
principais: 
1) É fundamental dispormos de evidências biológicas na explicação do 
temperamento e, como será discutido adiante, os substratos biológicos 
responsáveis pelas diferenças individuais nas dimensões da personalidade são 
especificados nesta abordagem, 2) No Brasil, há evidências de replicabilidade 
deste modelo para faixa etária infantil fornecidas por meio das pesquisas 
realizadas por Fermino Sisto com a construção da ETPC (Sisto, 2004a). 
 Dentre as diversas abordagens teóricas sobre a personalidade, uma 
que vem se destacando por sua objetividade na descrição das propriedades 
desse construto são as teorias fatoriais ou dos traços. Tais teorias investigam 
as dimensões que descrevem de modo mais completo e adequado a 
personalidade, buscando a relação entre a conduta das pessoas com o 
ambiente e os fatores biológicos. As propriedades da personalidade 
correspondem aos traços ou fatores que compõem esse constructo, os quais 
são alcançados através de testes capazes de medir, com garantias 
psicométricas, os supostos fatores do conceito a ser investigado. As teorias 
fatoriais desenvolveram-se através do estudo psicolexical e fatorial de dados. O 
primeiro sustenta que as diferenças individuais mais salientes e socialmente 
relevantes vêm codificadas nas várias línguas. Assim, a linguagem cotidiana 
seria a fonte que permitiria identificar os termos que melhor descrevem a 
personalidade. Já a perspectiva fatorial permite o rearranjo de dados com o 
objetivo de descobrir o menor número de fatores independentes que possam 
descrever e classificar tais dados. A técnica fatorial determina quais 
comportamentos estão relacionados e são independentes de outros, 
determinando as unidades da estrutura da personalidade (Calvin, Lindzey, 
 
12 
 
Gardner & Campbell, 2000; Flores-Mendoza & Colom, 2006; Pervin & John, 
2004). 
Hans Jurgen Eysenck, um dos teóricos pioneiros no estudo da estrutura 
fatorial da personalidade, desenvolveu uma teoria partindo da definição de que 
a personalidade consiste em uma integração das características afetivas, 
volitivas, cognitivas e físicas, de modo a formar uma estrutura que o diferencie 
dos outros sujeitos. Ele reconhece o papel crítico desempenhado pela 
aprendizagem e pelas forças ambientais, mas enfatiza o papel determinante e 
causal dos fatores biológicos, havendo evidência de componentes herdáveis 
para a estrutura proposta (Eysenck, 1959). 
A abordagem de Eysenck especifica os substratos biológicos que são 
responsáveis pelas diferenças individuais em dimensões fundamentais da 
personalidade. Seu modelo inclui três dimensões tipológicas básicas, 
estruturadas numa hierarquia. No nível inferior encontram-se as respostas 
específicas e no nível superior encontram-se os tipos, que consistem em 
agrupamentos de características estáveis e recorrentes do sujeito (traços). 
Dessa forma, o modelo propõe três tipos fundamentais da estrutura da 
personalidade humana, sendo que as pessoas diferem entre si no tocante à 
intensidade da manifestação de cada tipo. 
1 Extroversão: altos escores neste fator descrevemo sujeito como 
sociável, animado, ativo, assertivo, despreocupado, dominante, 
cordial, aventureiro e com busca de sensações. Baixos escores 
reúnem características opostas e definem o sujeito como 
introvertido. 
2 Neuroticismo: sujeitos com altos escores neste fator são 
definidos como ansiosos, deprimidos, tensos, irracionais, tímidos, 
melancólicos, emotivos, com tendência a sentir culpa e baixa 
autoestima. Baixos escores neste fator caracterizam o sujeito 
como emocionalmente estável. 
3 Psicoticismo: descrito, quando há altas pontuações, por adjetivos 
como agressivo, frio, egocêntrico, impessoal, impulsivo, 
 
13 
 
antissocial, não-empático, criativo e obstinado. Sujeitos com 
escores baixos neste fator apresentam características contrárias e 
são definidos pelo controle de impulsos. 
De acordo com Sisto et al. (2004b), o Psicoticismo, apesar de ser 
retratado como uma dimensão da personalidade normal, caracteriza crianças 
com altas pontuações como despreocupadas com os outros, solitárias e hostis, 
inclusive com os mais próximos. Além disso, sentem prazer em perturbar os 
outros ou deixá-los de mau humor. A manifestação desta dimensão está 
estreitamente associada com a socialização, sendo que crianças com alto 
Psicoticismo apresentam indícios de anti-sociabilidade, o que gera uma 
expectativa de rejeição social, especialmente por parte dos pares. Resultado 
similar é sustentado por Omar (1994), que encontrou que crianças com 
tendência ao Psicoticismo mostraram predisposição a comportamentos 
antissociais e foram mais rejeitados pelos colegas. Heaven, Newbury e Wilson 
(2004) também encontraram que o Psicoticismo possui um alto poder preditivo 
para uma diversidade de comportamentos delinquentes, como o uso de drogas, 
advertência policial e dano de propriedade. 
Inicialmente, os três fatores foram estudados em adultos, mas as 
pesquisas se estenderam para a faixa etária infantil e têm evidenciado uma 
replicabilidade do modelo também para crianças (Campbell et al., 2000; 
Eysenck, 1959). 
O modelo causal de Eysenck relaciona as diferenças entre introvertidos 
e extrovertidos em termos de níveis de excitação, localizando as estruturas no 
sistema nervoso central em que ocorrem tais diferenças. Uma explicação 
neurológica é também oferecida para diferenciar neuróticos de pessoas 
emocionalmente estáveis. As diferenças entre Introversão e Extroversão são 
em termos de níveis de atividade no sistema ativador reticular ascendente 
(SARA) – a atividade desse sistema serve para estimular o córtex cerebral, 
levando à maior excitação cortical. Os introvertidos caracterizam-se por uma 
maior atividade no SARA, o que gera níveis mais altos de excitação cortical. 
São, portanto, mais excitados e mais excitáveis do que os extrovertidos. Por 
 
14 
 
ficarem superestimados mais facilmente, procuram ambientes mais tranquilos e 
com menos estimulação. O contrário ocorre com sujeitos extrovertidos, 
caracterizados por uma menor atividade no SARA e, portanto, buscam ativação 
no ambiente. Em relação ao Neuroticismo, as diferenças dependem de níveis 
de atividade do sistema nervoso autônomo (SNA). Indivíduos neuróticos 
caracterizam-se por níveis mais elevados de ativação e por limiares mais 
baixos no SNA. Há poucos dados referentes aos mecanismos biológicos do 
fator Psicoticismo, mas sabe-se que o mesmo associa-se ao sistema de 
ataque-fuga pertencente à malha cortiço-amigdalar, ou circuito do medo. Dessa 
forma, sujeitos com alto Psicoticismo apresentam baixa atividade no córtex pré-
frontal, o que gera agressividade e impulsividade, bem como apresentam uma 
dificuldade de experimentar o medo, o que está vinculado à falta de empatia 
(Campbell et al., 2000; Eysenck, 1992; Juan-Espinosa, 2006). 
Inicialmente, Eysenck desenvolveu uma série de questionários de auto 
relato para medir as diferenças individuais nas dimensões Neuroticismo e 
Extroversão. O primeiro deles foi o Maudsley Personality Inventory (MPI), 
desenvolvido na década de 50 e que foi substituído pelo Eysenck Personality 
Inventory (EPI), e mais tarde pelo Eysenck Personality Questionnaire (EPQ). 
Este último tendo sua primeira versão na década de 70. Uma das alterações 
diz respeito aos itens do traço impulsividade, que carregavam na escala de 
Extroversão do EPI e que foram transpostos para a escala de Psicoticismo do 
EPQ. O EPQ conta com uma versão para adultos (EPQ-Adult) e com uma 
versão para adolescentes (EPQ- Junior), estando esta última em processo de 
adaptação para o contexto brasileiro. 
Como avaliar o temperamento infantil? 
A mensuração das diferenças individuais no temperamento de crianças 
compõe-se dos hetero-relatos dos pais e professores – que respondem sobre 
comportamentos e sentimentos observados nos filhos e alunos - aos quais são 
incorporadas as técnicas de observação e os questionários de auto relato. 
Sabe-se que a mensuração através de relatos de múltiplos informantes e 
 
15 
 
métodos diversos de avaliação são necessários para fornecer informações 
mais confiáveis e válidas da personalidade da criança. 
Segundo Measelle, Ablow, P. Cowan e C. Cowan (2005), as medidas de 
auto relato para crianças, apesar da vantagem de oferecerem informações 
muitas vezes não disponíveis nos relatos de outros, apresentam algumas 
complicações. Dentre elas, a limitada capacidade cognitiva, níveis 
inconscientes de engajamento e vieses motivacionais. Observa-se, também, 
que tais medidas nem sempre são confiáveis, posto que fatores como 
desejabilidade social, inteligência, autoestima e autoconceito, que ainda estão 
em processo de formação, influenciam nas descrições que as crianças fazem 
de si. No que se refere ao relato de pais e professores, sabe-se que eles são 
os informantes mais privilegiados do funcionamento comportamental da 
criança, e por isso, o uso de tais relatos tem sido extensivo, tanto na pesquisa 
clínica quanto na desenvolvimental (Rothbart, Ahadi & Evans, 2000). 
Os pais são considerados informantes por excelência da personalidade 
das crianças, uma vez que se situam em posição de observar uma variedade 
de comportamentos em diferentes situações e por longo intervalo de tempo. 
Eles observam comportamento da criança em situação natural, podendo, com 
isso, ter acesso a comportamentos que, para outros, podem parecer 
infrequentes (Rothbart & Bates, 1998). Já o relato de professores é bastante 
utilizado porque, ao interagir por um período de tempo considerável com as 
crianças, possuem um amplo referencial com base no qual respaldam suas 
respostas (Laidra, Allik, Harro, Merenakk & Harro, 2006). 
Embora o hetero-relato consista em um método fundamental de 
avaliação da personalidade de crianças, as medidas de auto relato – quando 
aplicadas a crianças em idade suficiente para respondê-las - são 
indispensáveis, considerando que as crianças são capazes de utilizar pistas 
internas que não são acessíveis aos demais observadores. 
Elas encontram-se, por isso, em posição singular de observar como se 
comportam em diferentes ambientes. 
 
16 
 
No tocante ao grau de concordância entre o relato dos diferentes 
informantes sobre a criança, tem-se, de acordo com revisão realizada por De 
Fruyt e Vollrath (2003), uma alta correlação entre relatos de pais e mães, bem 
como uma alta correlação entre o relato de professores. Já a correlação entre o 
relato de pais e professores, apresenta-se como moderada. 
A falta de uma alta convergência no relato dos vários informantes reflete 
o fato de que diferentes observadores fornecem um perfil diferente da criança, 
posto que eles observam-na em diferentes contextos, mas também porque 
possuem experiências distintas com a mesma. Os pesquisadores aceitam que 
as diferenças entre múltiplos informantes podem refletir: a) especificidade 
interacional; b) especificidadecomportamental, e c) distorções nas percepções 
individuais (Grietens et al., 2004). No caso específico dos professores, Laidra 
et al. (2006) acreditam que dois fatores podem atuar na diminuição da acurácia 
do relato: 1) a avaliação de várias crianças ao mesmo tempo, e 2) a falta de 
motivação dos professores para tal tarefa. 
 A existência de baixo acordo encontrado em alguns estudos entre 
adultos pode também ser decorrente do que Watson, Hubbard e Wiese (2000) 
chamam de “Efeito da Visibilidade do Traço”. Segundo os autores, há traços de 
personalidade que são facilmente observados (aqueles com claras e 
frequentes manifestações comportamentais). Esses traços apresentam maior 
acordo entre informantes do que aqueles para os quais a informação externa 
disponível é pequena. 
Acentua-se, por fim, que a baixa concordância encontrada em alguns 
estudos não implica que um determinado tipo de relato seja preferível, apenas 
indica que as pessoas podem utilizar diferentes referenciais quando avaliam a 
sua personalidade e a dos outros. 
 No Brasil, destacam-se as pesquisas na área do temperamento e 
personalidade infantil realizadas por Raquel Guzzo (Guzzo & Pereira, 2002), 
que vem desenvolvendo pesquisas sobre o temperamento e a personalidade 
na infância e adaptou a escala Pavlovian Temperament Survey (PST) para 
crianças e adolescentes de 7 a 14 anos. A escala avalia três dimensões do 
 
17 
 
temperamento: 1) Força de Excitação: maneira como o indivíduo reage à 
estimulação; 2) Força de Inibição: capacidade do indivíduo de inibir um 
comportamento quando necessário; 3) Mobilidade: habilidade do indivíduo em 
responder adequadamente às mudanças ambientais. Destaca-se também o 
trabalho de Fermino Sisto (Sisto, 2004), que desenvolveu a Escala de Traços 
de Personalidade para Crianças (ETPC), tendo como base o modelo de 
estruturação da personalidade proposto por Hans Eysenck. A ETPC avalia 
quatro fatores da personalidade em crianças de 5 a 10 anos de idade, num 
questionário de auto relato: Neuroticismo, Psicoticismo, Extroversão e 
Sociabilidade. 
Para avaliação de crianças na faixa etária pré-escolar, entende-se que 
os questionários de hetero-relato são mais adequados, considerando as 
limitações da criança nesta idade para refletir sobre seu comportamento nas 
diversas situações, compará-lo com o de outras crianças e responder a 
perguntas sobre si. No Brasil, contudo, ainda não dispomos de questionários 
de avaliação no formato hetero-relato para a faixa etária pré-escolar. 
 Temperamento e suas associações com as 
habilidades cognitivas e o desempenho escolar 
De acordo com Reeve, Meyer e Bonaccio (2006), a relação entre 
inteligência e personalidade vem sendo alvo de interesse científico ao longo 
dos últimos cem anos. Embora muitos psicólogos diferencialistas vejam a 
inteligência e a personalidade como inextrincavelmente ligadas, estes dois 
domínios foram historicamente tratados de forma separada. Contudo, a última 
década foi marcada pelo esforço de se estudar as duas principais instâncias 
das diferenças individuais como sendo relacionadas ao invés de 
independentes. Os estudos, em sua maioria, têm sido voltados para a faixa 
etária adulta, sendo que as conclusões sobre a associação entre 
temperamento e cognição em pré-escolares permanecem insólitas. 
De acordo com Miklewska, Kaczmarek e Strelau (2006), os construtos 
temperamento e cognição podem ser relacionados na infância a partir de três 
grupos de hipóteses: 
 
18 
 
A primeira hipótese sustenta a ideia de uma base comum entre os dois 
construtos. Tal base seria o nível de estimulação cerebral (arousal), conceito 
presente em vários modelos do temperamento, como o modelo EASI de Buss e 
Plomin, ou a busca por sensação de Zuckerman. O nível de estimulação 
cerebral é reportado como um forte influente na eficácia do aprendizado e 
como uma medida dos traços de temperamento relativos à necessidade de 
estimulação - como o nível de atividade ou a busca por sensações. D. 
Robinson e Behbehani (1996) investigaram a relação entre a inteligência e o 
nível de estimulação cerebral e concluíram que este último exerce influência 
sobre os recursos de atenção e memória de trabalho. 
 A segunda hipótese defende que o desenvolvimento da inteligência 
está sob influência de características temperamentais. Zuckerman (1994) 
mostrou que os valores de correlação entre o QI e a busca por sensação giram 
em torno de 0,19 – 0,34. Contudo, Lemelin, Tarabulsy e Provost (2006) 
ressaltam que um alto nível de atividade e energia consiste em uma 
característica favorável para o aprendizado apenas até os quinze meses de 
idade. Em consonância com este achado, Saklofske e Kostura (1990) não 
encontraram nenhuma correlação significativa entre escores de QI e a 
Extroversão em crianças com idade a partir de quarenta e oito meses. Tais 
resultados levam à conclusão de que as relações hipotéticas entre a 
necessidade de estimulação - expressada pelo nível de atividade e busca por 
sensação – e a inteligência podem ser modificadas por outros fatores. Tem-se, 
por exemplo, dados apontando que os extrovertidos operam cognitivamente de 
forma mais eficiente sob condições de alta estimulação, enquanto os 
introvertidos operam mais eficientemente em condições de baixa estimulação, 
isto é, em situações monótonas (Eysenck & Eysenck, 1985, como citado em 
Furnham & Medhurst, 1995). Assim, a relação entre necessidade de 
estimulação e habilidade intelectual pode ser mediada por fatores como a 
natureza da tarefa intelectual ou seu nível de novidade e dificuldade. 
 Por fim, uma terceira hipótese é a de que o temperamento influencie 
na mensuração da inteligência, sendo um moderador no processo de avaliação 
cognitiva, que é comumente sentido como estressante e ameaçador na cultura 
 
19 
 
ocidental. Nesse caso, características temperamentais ligadas à 
emocionalidade negativa prejudicariam a execução de tais tarefas (Miklewska 
et al. 2006). 
De acordo com Lemelin et al. (2006), as diferenças individuais na 
irritabilidade e níveis de atividade influenciam a capacidade de processamento 
de informação e, posteriormente, afeta a habilidade de aprender. Porém, há 
uma considerável variabilidade de resultados quanto à natureza das 
associações. Por exemplo, Matheny (1989) reportou correlações negativas 
entre nível de atividade e o desenvolvimento mental de 1 a 12 anos de idade. 
Lemelin et al (2006) também observaram uma associação negativa entre nível 
de energia e medidas cognitivas aos trinta e seis meses de idade. Já em 
estudo envolvendo pares de gêmeos, DiLalla et al. (1990) reportaram 
correlações positivas entre o nível de atividade acessado aos nove meses de 
idade e medidas cognitivas de 1 a 3 anos de idade. Miklewska et al. (2006) 
encontraram, para pré-escolares, correlações negativas entre a inteligência 
fluida e a emocionalidade negativa, enquanto a inteligência cristalizada foi 
positivamente relacionada ao nível de atividade. Os mesmos autores 
reportaram correlação negativa entre força de excitação (tolerância a 
estimulações longas e duráveis) e a inteligência fluida para crianças de 8 e 9 
anos. 
 Tal divergência nos achados foi explicada por Lemelin et al. (2006), que 
sugeriram que o nível elevado de atividade no início da infância (aos nove 
meses) pode servir para organizar a estimulação, eliciar a interação adulto-
criança e permitir que as crianças fiquem alertas às diferentes dimensões do 
ambiente. Porém, se o nível elevado se mantiver (a partir dos quinze meses) 
pode acabar obstruindo estes processos. 
Esta variabilidade de resultados levou alguns autores a sugerirem uma 
quarta explicação para a relação entre temperamento e funções cognitivas. Tal 
hipótese propõe que esta relação é moderada por outros aspectos ambientais,tais como a qualidade da interação entre a mãe e o filho, o QI dos pais, idade 
da mãe e nível socioeconômico da família (Lemelin et al., 2006). Esta hipótese 
 
20 
 
mostra-se interessante, posto que a literatura nem sempre apresenta relações 
robustas entre temperamento e cognição - as correlações normalmente variam 
de fracas a moderadas. Os dados sugerem que estas características podem 
contribuir, em interação com outras variáveis, para uma parte da variância no 
funcionamento cognitivo. 
 Dentre as variáveis moderadoras na relação temperamento/cognição, 
a qualidade da interação materna é uma das mais estudadas. Maziade et al. 
(1987) sugeriram que uma alta irritabilidade pode eliciar uma interação mãe-
filho mais frequente do que uma baixa irritabilidade da criança. Considerando 
que: a) o comportamento materno eliciado num ambiente de alto risco pode ser 
menos apropriado para um desenvolvimento cognitivo saudável; e b) o 
comportamento eliciado em ambientes de baixo risco pode auxiliar o 
desenvolvimento cognitivo, espera-se que a qualidade da interação 
mãe/criança na predição do desenvolvimento cognitivo seja mediada pela 
vulnerabilidade social do ambiente. 
Resultado similar foi encontrado por J. Robinson e Acevedo (2001), que 
mostraram que, em contexto de interação positiva entre mãe e filho, o distress 
(aflição, angústia) apresentado pela criança foi positivamente relacionada com 
seu desenvolvimento cognitivo posterior. Isto sugere que mesmo 
comportamentos relacionados à emocionalidade negativa da criança podem 
auxiliar seu desenvolvimento cognitivo, ao passo que geram interação com a 
mãe. Contudo, tal suposição é esperada apenas para ambientes de interação 
positiva. 
Lemelin et. al. (2006), em estudo longitudinal, mostraram uma 
associação negativa entre a tendência à raiva e o desenvolvimento cognitivo 
em grupos de baixo risco social, mas quase nenhuma correlação entre estas 
duas variáveis no grupo de alto risco. Há também evidências empíricas 
suportando que crianças de nível socioeconômico baixo exibem dimensões 
associadas ao temperamento difícil (Smart, Prior, Oberklaid & Pedlow, 1994). 
Contudo, há divergências quanto à influência destas terceiras variáveis. 
Coplan et. al. (1999) observam que muitos autores recorrem à explicação de 
 
21 
 
que a associação entre temperamento e desempenho acadêmico é mediada 
por variáveis como sexo, nível de instrução dos pais, nível socioeconômico e 
vocabulário da criança. Porém, estes autores constataram, em pesquisa com 
pré-escolares, que o temperamento permanece como um preditor do 
desempenho acadêmico mesmo quando essas terceiras variáveis são 
controladas. De acordo com estes autores, as habilidades numérica e 
linguística estão positivamente associadas com atenção; negativamente com a 
emocionalidade negativa; e não apresentam correlação significativa para 
soothability (capacidade de se acalmar) e sociabilidade. As habilidades 
emergentes no aprendizado da leitura e escrita, além das habilidades 
aritméticas foram relacionadas também com a educação parental e extensão 
do vocabulário das crianças. Os resultados revelaram que temperamento – 
principalmente a emocionalidade e o nível de atividade – prediz habilidades 
linguísticas e numéricas. Estas duas características temperamentais foram 
consideradas, pelos autores, como as que apresentam a mais forte ligação 
com o sucesso escolar. Conclusão similar foi reportada por Matheny (1989), ao 
observar que o nível de energia e a emocionalidade podem contribuir para as 
diferenças individuais na forma como a criança absorve o material ensinado no 
contexto escolar. 
 Em revisão bibliográfica, Martin (1989, como citado em Coplan et al., 
1999) observou alguns padrões de relação entre o temperamento em pré-
escolares e o desempenho acadêmico futuro, sugerindo que, no início da 
infância, crianças que são mais ativas, mais distraídas e menos persistentes – 
entendido como capacidade de dar continuidade a tarefas difíceis - tendem a 
ter baixos escores em medidas de desempenho escolar. 
No tocante às diferenças de gênero sobre o temperamento e o 
desempenho acadêmico, essas parecem estar bem estabelecidas nos 
primeiros anos escolares. Meninos são geralmente reportados como tendo 
níveis maiores de atividade (Coplan et al., 1999) e emocionalidade positiva do 
que as meninas (Shoen & Nagle, 1994). Já as meninas são superiores em 
habilidades verbais, de pré-leitura e em vocabulário (Schoen & Nagle, 1994), 
superando os meninos também em habilidades numéricas e linguísticas 
 
22 
 
(Coplan et al., 1999). Sisto et al (2004b) também observou, em crianças de 7 a 
9 anos, que as meninas obtiveram índices maiores de Neuroticismo e 
Psicoticismo em relação aos meninos, não sendo encontradas diferenças 
significativas para a Extroversão. 
No Brasil, não foram encontrados estudos que verificassem a 
associação entre temperamento, inteligência e rendimento escolar nos anos 
pré-escolares. Este é um campo que merece atenção dos pesquisadores, 
tendo em vista a importância da personalidade e da inteligência na predição do 
sucesso do indivíduo em diversas esferas da vida. 
DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE DA 
CRIANÇA: O PAPEL DA EDUCAÇÃO INFANTIL 
Quando nasce uma criança, que responsabilidades seu nascimento 
agrega à vida dos pais e à sociedade que a cerca? Como devem ser 
organizadas suas condições de vida e educação? Quais as suas necessidades 
presentes e futuras? Que capacidades ela formará ao longo da vida? Como 
educá-la para que seja sujeito de seus atos, consciente de seu posicionamento 
e lugar no mundo? 
O nascimento de cada criança representa um grande desafio para todos 
aqueles que se responsabilizam pelo seu cuidado e pela sua educação. 
Simultaneamente, representa a renovação das esperanças de homens e 
mulheres, pois nasce com ela uma nova oportunidade de alcançar a plena 
humanização do sujeito, com a consolidação de capacidades práticas, 
intelectuais e artísticas (Zaporóshetz, 1987) e de afetos constituídas na sua 
integração à vida social, as quais se expressam na sua forma singular de ser, 
de sentir e de agir. Como a escola da infância pode contribuir no processo de 
desenvolvimento da personalidade de cada criança? Qual a função da 
Educação Infantil na formação integral dos pequenos e pequenas, propalada 
pelos textos acadêmicos e legais, mas nem sempre concretizada nas práticas 
educativas em creches e pré-escolas (Brasil, 2009a, 2009b)? É a essas 
questões que nossas reflexões se dedicam. Sabemos, não obstante, que, dada 
a sua complexidade, não temos condições de esgotá-las em um artigo. 
 
23 
 
Buscaremos, assim, apresentar alguns princípios que consideramos 
fundamentais para a compreensão do desenvolvimento da personalidade das 
crianças pequenas, a partir dos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural. 
Entendemos que o diálogo que aqui travamos com os autores que nos ajudam 
a refletir sobre o tema sob essa perspectiva pode ampliar-se em/para outros 
espaços, contribuindo para que professores e professoras tomem ciência de 
quanto - ainda que muitas vezes de maneira pouco intencional - interferem na 
formação da personalidade infantil e sobre como o entendimento desse 
processo pode tornar mais desenvolvente (Davídov, 1988) a sua atuação junto 
às crianças. Assim, compreendemos que a discussão conceitual sobre o 
desenvolvimento da personalidade e, sobretudo, sobre a interferência que o 
processo educativo exerce sobre ele constitui temática importante à formação 
de professores e professoras que atuam ou atuarão em creches e pré-escolas. 
Acreditamos ser imprescindível, ao lado da observação atenta das crianças, o 
aprofundamento das leituras, dos estudos e debates protagonizados pelos 
professores e professoras que trabalham nesses espaços, já quena sua 
prática se concretiza a produção de currículos específicos da e para a 
Educação Infantil (Carvalho, 2011; Brasil 2009a), o que lhes possibilita 
contribuir para ampliar e qualificar positivamente o modo pelo qual meninos e 
meninas se relacionam com o mundo a seu redor, com as pessoas, e nesse 
processo, como constroem progressivamente a compreensão de si mesmos. 
Neste artigo, convidamos o leitor a refletir conosco sobre os 
fundamentos teóricos que nos permitem perceber como o trabalho pedagógico 
intervém na formação das capacidades especificamente humanas em cada 
criança de que cuidamos e a quem educamos. Afinal, o fazer docente interfere 
– tenhamos consciência disso ou não – no desenvolvimento da personalidade 
infantil, que torna cada menino ou menina um indivíduo único e irrepetível, e 
das forças intelectuais e práticas essenciais à sua vida presente e futura. 
Para compreender a importância da educação no processo de 
desenvolvimento da personalidade, comecemos pela discussão do que 
significa, para a Teoria Histórico-Cultural, falar sobre este conceito. 
 
24 
 
Sabemos que, com base no Materialismo Histórico-Dialético, o 
movimento e a contradição constituem categorias essenciais à explicitação dos 
fenômenos. Vigotski3 e seus colaboradores embasaram todo o seu construto 
teórico nesta filosofia. Com base neste ponto de vista, compreendemos que o 
desenvolvimento humano envolve, em movimento contínuo, duas forças que, 
se do ponto de vista do senso comum se mostram contraditórias e 
independentes, são, para a Teoria Histórico-Cultural, essencialmente inter-
relacionadas: as forças sociais e as forças biológicas. De acordo com Vygotsky 
(1931/2013a), 
Ambos os planos de desenvolvimento – o natural e o cultural – 
coincidem e se amalgamam um ao outro. As mudanças que têm lugar nos dois 
planos se intercomunicam e constituem, na realidade, um processo único de 
formação biológico-social da personalidade da criança. Na medida em que o 
desenvolvimento orgânico se produz em um meio cultural, passa a ser um 
processo biológico historicamente condicionado. Ao mesmo tempo, o 
desenvolvimento cultural adquire um caráter muito peculiar que não pode 
comparar-se com nenhum outro tipo de desenvolvimento, já que se produz 
simultânea e conjuntamente com o processo de maturação orgânica e que seu 
portador é o mutante organismo infantil em vias de crescimento e maturação. 
(p. 36, tradução nossa). 
Perceber a interinfluência entre fatores biológicos e sociais, atribuindo ao 
desenvolvimento cultural a força de interferir na formação das capacidades 
especificamente humanas, que Vygotsky (1931/2013a) denomina funções 
psíquicas superiores, tem implicações diretas no modo de vislumbrar o trabalho 
pedagógico. Desta forma entendemos que, como professores e professoras, 
podemos atuar sobre o desenvolvimento infantil organizando espaços e 
tempos, estabelecendo relações e propondo experiências envolventes e 
enriquecedoras do repertório cultural das crianças que lhes possibilitem 
desenvolver atividades com os objetos da cultura e, assim, apropriar-se deles 
(Carvalho, 2011; Duarte, 1993). À medida que a atividade se torna mais 
complexa, tornam-se mais complexas também as capacidades intelectuais e a 
 
25 
 
personalidade, uma vez que essas se formam na e pela atividade (Bissoli, 
2005). 
Perguntamos aqui: o que isso significa? Quando a criança está 
envolvida em fazeres com significado, quando sabe o porquê e o para quê das 
suas ações e mobiliza-se emocionalmente para alcançar seus objetivos, ela 
está em atividade e, por isso desenvolve de forma plena as suas capacidades, 
tomando, paulatina e progressivamente, consciência dos motivos de sua 
conduta (Leontiev, 2010). Assim, conceito de atividade nos permite perceber a 
indissociabilidade entre cognição e afetividade no desenvolvimento da 
personalidade, que, segundo Leontiev (1978, p. 135) é “uma nova formação 
psicológica que se vai conformando em meio às relações vitais do indivíduo, 
como fruto da transformação da sua atividade.” Para o autor, a personalidade 
configura-se como uma formação integral, cujas qualidades sistêmicas são 
engendradas pelas relações sociais, nas quais cada indivíduo assume papel de 
sujeito da atividade. É o que fica evidente em suas palavras: “... a base real da 
personalidade do homem é o conjunto de suas relações com o mundo, que são 
sociais por natureza, mas das relações que se realizam, e são realizadas por 
sua atividade, mais exatamente pelo conjunto de suas diversas atividades” 
(Leontiev, 1978, p. 143, itálicos do autor). Neste sentido, quando o adulto 
permite que a criança participe das decisões sobre como expressar aquilo que 
aprendeu na visita ao zoológico, por exemplo – por intermédio da elaboração 
de um painel, ou de uma dramatização, ou ainda de um fichário contendo as 
curiosidades sobre os animais lá conhecidos –, cada tarefa adquire sentido e, 
pelo envolvimento emocional que permite, contribui para o desenvolvimento 
das diferentes capacidades da criança. Neste sentido, memória, atenção, 
linguagem oral, escrita ou plástica e autocontrole são algumas das funções 
psíquicas superiores que se fortalecem, interferindo diretamente no 
desenvolvimento da personalidade. 
É importante ressaltar que a personalidade é uma formação complexa 
do psiquismo humano (Leontiev, 1978), que engloba tanto as capacidades 
cognitivas quanto as emoções, a vontade, os traços de caráter. A 
personalidade é um sistema constituído por distintas funções psicológicas que, 
 
26 
 
integradas, caracterizam a forma peculiar de cada indivíduo atuar no mundo. É 
um sistema estável. Assim, a personalidade desenvolvida caracteriza-se por 
determinadas reações unívocas aos acontecimentos (relativa unidade de 
comportamentos, reações do indivíduo ao que acontece no seu entorno) e por 
valores unitários. Isso significa que ela não é meramente reativa às situações. 
Uma pessoa com personalidade madura tem consciência de suas 
possibilidades, dos motivos de sua conduta, e acima de tudo, pode dominar 
ativamente seu comportamento. 
Não obstante, Duarte (2013), com base nos estudos de Vygotsky, 
ressalta que o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos está 
condicionado pelo desenvolvimento já alcançado pela sociedade da qual ele 
faz parte, uma vez que o psiquismo humano é histórico e social. O autor 
destaca que é o processo de o sujeito se apropriar da cultura de forma ativa o 
elemento propulsor do domínio das capacidades próprias à dinâmica social e, 
também, do domínio da conduta, atribuindo ao processo educativo uma 
importância fundamental: a ampliação do capital cultural, efetivada na escola, 
sofistica as formas de compreensão dos sujeitos sobre a sociedade e sobre si 
mesmos, possibilitando a transformação qualitativa da sua consciência e, com 
ela, de suas formas de atuação e da personalidade. 
Se este é um processo complexo que se estende por um longo período 
na ontogênese, tê-lo como objetivo desde a primeiríssima infância é o modo 
pelo qual professores e professoras podem contribuir para o enriquecimento 
das vivências das crianças. Segundo Vigotski, as vivências representam a 
unidade entre os elementos do meio cultural e as particularidades da 
personalidade e determinam a forma como cada criança se relaciona com o 
seu entorno em cada momento de seu desenvolvimento (Vigotski, 1935/2010; 
Mello, 2010). Propor experiências que ampliem as referências culturais das 
crianças por meio de atividades envolventes que as tenham como sujeitos 
significa construir um currículo que interfere intencionalmente no 
desenvolvimento das diferentes funções psíquicas infantis, das emoções e da 
personalidade (Carvalho, 2011). 
 
27 
 
Diferentemente de outras abordagens, a Teoria Histórico-Cultural tem 
como um de seus pressupostosque o desenvolvimento da personalidade não é 
natural, mas histórico e social, ou seja, depende da integração do indivíduo, 
desde os primeiros momentos de vida, na sociedade, que é repleta de 
exigências, expectativas e costumes. Por isso as regularidades que 
caracterizam a formação da personalidade desde a infância até a vida adulta 
são – como o são todas as esferas do desenvolvimento da pessoa sob essa 
mesma óptica–, resultantes do intercâmbio entre as peculiaridades do 
desenvolvimento psicofisiológico da criança e de seu desenvolvimento cultural 
(Vygotski, 1931/2013a). É na atividade social que a personalidade se configura. 
Na infância se estabelecem os primeiros níveis da formação da 
personalidade do indivíduo. Leontiev (1978) afirma que este é o período 
espontâneo do desenvolvimento deste sistema. É nos primeiros anos de vida 
que a criança aprende valores, normas de conduta e capacidades 
especificamente humanas e torna-se capaz de expressar-se de maneira 
singular diante do mundo: ela forma uma consciência cada vez mais complexa 
sobre os objetos e seu conhecimento, sobre as relações humanas e, 
sobretudo, sobre si mesma (a autoconsciência). Esse processo é mediado 
pelas situações que a criança vivencia, por isso podemos afirmar que a 
personalidade de cada um resulta de sua biografia: das suas condições de vida 
e educação, das atividades que desenvolve, das aprendizagens que 
empreende e do desenvolvimento do seu psiquismo, como destacam Vigotski 
(1929/2000) e Sève (1979). 
Por essa razão o processo educativo intencional e sistematizado que 
acontece na escola da infância assume um papel fundamental. Como 
professores e professoras, baseados no permanente aprofundamento teórico, 
que permite compreender a criança e construir formas específicas de ensinar, 
podemos e devemos mediar a formação desse sistema integrativo, que marca 
a singularidade de cada criança. Busquemos compreender as implicações 
pedagógicas dessa afirmativa. 
 
28 
 
SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE NA 
INFÂNCIA 
Ao nascer, a criança é imediatamente inserida nas relações sociais: 
todas as suas necessidades são atendidas pelo adulto, que se torna o centro 
das atenções do bebê. O carinho, a atenção e a fala constante com a criança 
criam nela uma necessidade socialmente mediada: a necessidade de novas 
impressões (Bozhovich, 1981), isto é, a necessidade de ver mais, ouvir mais, 
tocar mais e ser mais tocada. É importante lembrar que, no bebê, os aparatos 
visuais e auditivos não estão ainda completamente desenvolvidos. É o 
enriquecimento das impressões visuais e auditivas que contribui para que a 
evolução orgânica dos sentidos aconteça de forma satisfatória. Por isso, 
quanto mais ricas forem as vivências da criança com o adulto - que se torna o 
mediador dos primeiros contatos sensoriais do bebê com o mundo à sua volta -
, mais positivo será o desenvolvimento físico e emocional nesse primeiro 
período de vida. 
A formação psicológica central do primeiro ano de vida é a percepção. 
Ela permite a apropriação sensorial do mundo em um processo comunicativo-
emocional direto com o adulto. O que isso significa? Nesse primeiro período do 
desenvolvimento psíquico, a atividade principal – aquela que possibilita o 
desenvolvimento mais amplo das capacidades intelectuais e práticas e da 
personalidade da criança nesse momento (Leontiev, 2010) – é a comunicação 
emocional que o bebê estabelece com as pessoas de seu entorno (Elkonin, 
1987). Por isso, apesar de nos primeiros meses de vida o bebê ainda não 
conseguir se expressar por meio da fala convencional, ele não deixa de se 
comunicar com as pessoas que estão à sua volta. Para isso ele usa outras 
linguagens, como o choro, o sorriso, os movimentos de lançar os braços e o 
corpo na direção do adulto e dos objetos que deseja, fechar as mãozinhas 
como se quisesse pegar algo que não alcança, etc. É importante perceber que 
todos esses comportamentos do bebê estão matizados afetivamente, ou seja, 
eles acontecem porque as pessoas que estão no entorno dele e os objetos que 
lhe apresentam despertam emoções, como a alegria de alcançá-los ou o prazer 
do contato físico com o adulto, criando a necessidade de novas impressões. 
 
29 
 
Assim, conversar com a criança, mostrar a ela os objetos e as pessoas, 
tomá-la no colo, tocá-la de maneira carinhosa são formas de comunicação 
mediadas afetivamente que sofisticam a percepção e promovem o 
desenvolvimento funcional do cérebro através do enriquecimento das 
impressões sobre o mundo e as pessoas e da possibilidade de o bebê realizar 
as suas primeiras formas de generalização: as generalizações sensoriais. 
Basta recordar a unidade sensório-motora que caracteriza o primeiro ano de 
vida. A percepção acontece à medida que o bebê atua sobre os objetos à sua 
volta, em interação constante com o adulto. Cabe lembrar que é justamente 
essa interação o motivador principal do desenvolvimento intelectual e afetivo do 
bebê. Assim, conhecendo quanto o trabalho educativo sistematizado e 
intencional pode impulsionar o desenvolvimento das crianças desde muito 
pequenininhas, podemos compreender a importância de que na Educação 
Infantil, desde o berçário, os bebês sejam cuidados e educados por 
professores e professoras (Brasil, 2009a, 2009b). 
A atividade conjunta com o adulto desperta uma nova necessidade 
culturalmente mediada e dá origem a um novo momento do desenvolvimento 
psíquico da criança: o momento da manipulação dos objetos (Elkonin, 1987), 
que se estende pelo período de um a três anos aproximadamente. 
No momento da manipulação dos objetos a memória se torna, a 
princípio, a função que se desenvolve como linha principal, subordinando as 
demais formações psíquicas. A criança bem pequenininha deixa de submeter-
se completamente aos estímulos presentes em seu campo perceptivo. Se até 
pouco tempo atrás o adulto podia distraí-la, colocando à sua frente diferentes 
objetos por si mesmos atrativos, agora, com a evolução da memória, a criança 
demonstra já a sua condição de sujeito. Ela não quer mais qualquer objeto. 
Quer um determinado objeto do qual se recorda e pelo qual seu 
comportamento está motivado. Há, pela primeira vez, um indício claro de sua 
personalidade em desenvolvimento. Têm-se então as representações 
motivantes (Bozhovich, 1987), as quais atestam a presença de um novo nível 
de pensamento: se antes o bebê pensava apenas por intermédio de ações, 
agora passa a pensar também por imagens. Assim, quanto mais o professor 
 
30 
 
conversar com os bebês sobre os objetos que manipula e reconhece – que 
devem ser variados e atrativos –, mais estará contribuindo para incrementar o 
seu pensamento. 
Nesse período, a percepção da criança torna-se cada vez mais 
semântica, isto é, ela já é capaz de compreender o mundo à sua volta de modo 
mais integrado. A criança pequenininha passa a perceber-se como sujeito das 
ações que realiza, e esse é um progresso central para o desenvolvimento de 
sua personalidade. Desse modo, ainda que o adulto continue sendo o 
motivador central do comportamento da criança, nesse momento ele passa a 
uma nova posição: a de companheiro nas ações empreendidas sobre os 
objetos sociais. A criança manipula-os, apropriando-se de suas características 
físicas e, simultaneamente, percebendo as suas próprias possibilidades como 
sujeito que realiza ações com esses objetos. Por isso é tão comum ela repetir 
inúmeras vezes as mesmas ações: abrir e fechar a porta; jogar e recuperar um 
objeto do chão; empurrar e puxar... Ela está envolvida em um complexo 
processo de percepção das coisas e de autopercepção, mediado pela 
presença do adulto – primeiro como colaborador, depois, como modelo de 
ações. É importante considerar que nesse momento a criança imita as ações 
do adulto em si mesmas. Acontece então o que Vigotski (1932/2013b)denomina de um “quase jogo” (p. 359). Se aparentemente a atividade que 
realiza é um faz-de-conta, na realidade a criança não cria uma situação fictícia, 
que é pressuposto do jogo de papéis. Ela ainda não é capaz de representar 
simbolicamente um papel. Por isso ela nina sua boneca, mas não deixa de 
considerá-la como boneca, enquanto para uma criança maior, envolvida no faz-
de-conta, a boneca seria, dentro de uma situação imaginária, a filha, e ela, a 
mãe. Podemos dizer que a criança imita externamente as ações do adulto, sem 
se colocar no lugar dele. 
Ainda antes dos três anos consolida-se uma primeira forma de 
autoconsciência na criança: a afetiva. Embora ela não saiba conscientemente 
que é alguém diferente do adulto e ainda que não se perceba como pessoa e 
não tenha desenvolvido plenamente a sua identidade, a criança já tem 
vontades próprias que, muitas vezes, contradizem a vontade do adulto, o que 
 
31 
 
dá mostras de que sua personalidade está em vias de passar por uma 
completa transformação. 
No período em que a atividade principal é a manipulação dos objetos, a 
criança desenvolve uma capacidade fundamental, que marcará uma nova 
etapa em seus processos de pensamento: a linguagem oral. Nesse momento 
ela busca ampliar suas possibilidades comunicativas expandindo 
deliberadamente o seu vocabulário. Ela quer saber os nomes dos objetos, 
como se aqueles fossem propriedades desses. O enriquecimento da linguagem 
oral permite novos níveis de generalização, que passam a mediar as ações 
infantis. É interessante observar que, mesmo sem um domínio completo das 
estruturas da linguagem, a criança passa a comunicar-se muito bem: cria 
expressões, palavras e frases que permitem compreendê-la, embora seu 
pensamento se diferencie radicalmente do pensamento adulto. Nesse sentido, 
adultos e crianças compartilham as palavras, o que permite aos pequenos a 
assimilação de um vocabulário cada vez mais rico e um pensamento 
progressivamente menos situacional, embora os significados dessas mesmas 
palavras estejam passando por um processo evolutivo e guardem 
características próprias (Vygotsky, 1934/2001). 
Assim, a linguagem oral possibilita que a criança faça generalizações 
mais complexas e pense em objetos e relações que não estão presentes em 
seu campo perceptivo. Esse enriquecimento desvela a consolidação de uma 
nova forma de pensamento: o pensamento verbal. Por isso é fundamental 
conversar com a criança. Estar atento ao que ela fala e dialogar com ela sobre 
os fatos e os objetos são atitudes que mobilizam o desenvolvimento cada vez 
mais amplo da linguagem e do pensamento. 
Vigotski (1935/2010) nos ajuda a refletir sobre uma questão essencial à 
compreensão do desenvolvimento da personalidade da criança: em cada 
momento da vida e de acordo com as possibilidades já alcançadas em seu 
desenvolvimento, a criança é capaz de compreender os fatos e situações à sua 
volta e de se relacionar emocional e cognitivamente com eles de maneira 
completamente nova. Assim, o desenvolvimento do pensamento verbal assume 
 
32 
 
importância fundamental na formação da personalidade. O autor afirma que 
nossas memórias mais antigas em relação à primeira infância têm origem a 
partir do momento em que linguagem e pensamento deixam de ser processos 
independentes e passam a constituir um único processo, mediado pelos 
significados das palavras – que passam a ser o substrato tanto da forma como 
pensamos o mundo quanto da forma como expressamos nossa compreensão 
dele (Vygotsky, 1931/2013a). 
Nesse sentido, se antes a criança pequenininha tinha uma compreensão 
dos fatos, das pessoas e das relações que se limitava àquilo que era 
imediatamente visto e presenciado, sem terem se estabelecido relações mais 
complexas, agora, com o pensamento verbal, ela pode fazer novas e mais 
sofisticadas relações, por intermédio das palavras, que representam os objetos, 
os fatos, as pessoas (Mello, 2010). Isso permite que pouco a pouco a criança 
vá se desvencilhando do efeito coercitivo que os objetos exerciam sobre ela e 
passe a atuar de acordo com planos e motivos que se expressam por 
intermédio da linguagem oral, que representa a forma verbal do pensamento. 
Ela se torna capaz de pensar, e também de se emocionar e de motivar seu 
comportamento por palavras, o que representa uma sofisticação intensa de 
suas possibilidades de se relacionar e de compreender o mundo à sua volta. 
Por volta dos três anos de idade inicia-se um novo momento no 
desenvolvimento da personalidade infantil, que vai se estender até os seis anos 
aproximadamente: o momento dos jogos e atividades lúdicas (Bissoli, 2005). 
Nesse período a criança passa por uma completa transformação em sua 
personalidade, sendo marcada por uma nova formação central: a descoberta 
de si mesma como sujeito, a formação da própria identidade, ou, nas palavras 
de Bozhovich (1987, p. 261), do “sistema eu”. Se até algum tempo atrás a 
criança não tinha consciência de ser uma pessoa independente do adulto, 
agora essa mudança acontece. Ela passa a referir-se a si mesma por 
intermédio do pronome “eu” e a buscar marcar a sua possibilidade de realizar 
atividades sem a ajuda daqueles que cuidam dela. Quer vestir-se, banhar-se e 
comer sozinha; indispõe-se com o adulto que pretenda controlar suas ações. A 
 
33 
 
consciência dos pais e dos professores sobre a importância desse momento 
crítico, que representa uma virada no desenvolvimento da criança, é 
fundamental para evitar as crises (Vygotsky, 1932/2013b), que acontecem 
quando há uma profunda diferença entre aquilo que a criança já é capaz de 
fazer e o que efetivamente lhe é permitido pelos adultos. Neste contexto, se 
não é possível deixar que a criança resolva tudo por si mesma, o adulto pode 
apresentar opções para que ela faça escolhas. O importante é que ela assuma 
uma nova posição nas relações, que não seja mais tratada como um bebê e 
que exercite, na medida do possível, a sua autonomia. Assim, se as condições 
de vida e de educação incentivaram a sua condição de sujeito em 
desenvolvimento, com voz e vez, esta autonomia resulta das vivências 
anteriores da criança, nas quais ela foi desenvolvendo a fala, o andar, a 
memória, as percepções em geral e a percepção de si mesma. Cabe recordar 
que sua relação com o entorno mudou proporcionalmente ao desenvolvimento 
de suas capacidades. Ela é capaz de compreender os fatos e a si mesma de 
maneira inteiramente nova, e nessas condições, o adulto tem o papel essencial 
de evitar crises, permitindo que a criança assuma novos papéis nas relações 
com as pessoas (Leontiev, 2010). 
Os jogos de papéis ou jogos de faz-de-conta constituem a atividade 
principal desse momento do desenvolvimento (Elkonin, 1987,2009), que se 
inicia por volta dos três anos de idade. A criança, que já imitava as ações do 
adulto desde o período anterior, passa a reconhecer que tais ações têm uma 
função social. O desejo de realizar as mesmas atividades que realiza o adulto e 
a impossibilidade de fazê-lo, aliados ao desenvolvimento até aqui alcançado, 
condicionam o aparecimento do faz-de-conta. Como se caracteriza nesse 
momento o seu desenvolvimento? Podemos dizer que, com a organização 
adequada da vida da criança e com as experiências vividas nos três primeiros 
anos de vida a criança terá formado ou estará em vias de formar: a percepção 
semântica do mundo, que permite que ela compreenda a realidade de maneira 
integrada; a memória desenvolvida; o pensamento verbalizado; a linguagem 
intelectualizada; a atenção cada vez mais concentrada, que a libera das 
reações a todo e qualquer estímulo presente em seu campo perceptivo; a 
 
34 
 
possibilidade de realizar ações com objetivos indiretos; a representação 
simbólica, que permite o uso de objetos substitutivos para representar objetos 
reais; aconsciência, primeiro afetiva e cada vez mais racional de si como 
pessoa que, além de realizar ações, também participa de relações como um 
“eu social” (Bozhovich, 1987, p. 264); a subordinação de motivos, que permite 
que a criança hierarquize suas ações e atue segundo essa hierarquização; a 
formação de instâncias éticas internas (Vygotski, 1932/2013b), que possibilitam 
que a criança diferencie o querer do dever e, no jogo, atue conforme as regras, 
apropriando-se das normas e valores sociais. Com todo esse desenvolvimento, 
que é cognitivo e afetivo, integradamente (Gomes, 2008), agora, ao brincar, a 
criança imita os papéis sociais dos adultos que pôde observar em suas 
experiências reais de vida. Ela representa simbolicamente as atividades 
realizadas por eles, desenvolvendo, progressivamente, suas formas de 
compreender o mundo, as pessoas e a si mesma. 
É importante destacar que o jogo de papéis não se desenvolve 
espontaneamente (Vigotski, 2007; Mukhina, 1996; Martins, 2006), ele é 
também socialmente mediado: os temas das brincadeiras das crianças são 
aqueles presentes em seu cotidiano e passíveis de observação. Disso decorre 
a importância essencial do adulto no enriquecimento das experiências infantis. 
Quando o adulto lê histórias diariamente, quando incentiva a observação dos 
papéis sociais presentes no entorno, quando enriquece as vivências infantis 
com conhecimentos sobre o mundo e as pessoas, a possibilidade de brincar de 
faz-de-conta torna-se muito mais ampla e desenvolvente. 
Por outro lado, algo precisa ser lembrado: embora tenham importância 
essencial, os jogos de papéis não são os únicos responsáveis pelo 
desenvolvimento de todas as aprendizagens importantes da criança na 
Educação Infantil. O seu envolvimento em outras atividades, que desenvolvam 
a sua capacidade expressiva e o seu conhecimento do mundo, das pessoas e 
dos objetos sociais tem um papel fundamental. O desenho, a oralidade, o 
movimento que promove a consciência corporal, a pintura, a modelagem, os 
conhecimentos matemáticos, a música, a escrita e a leitura também assumem 
grande importância na formação das capacidades intelectuais, práticas e 
 
35 
 
artísticas e no desenvolvimento da personalidade. Disso decorre a necessidade 
de que a criança esteja envolvida em atividades diversificadas e significativas, 
que instiguem a sua curiosidade e a afetem positivamente e, nesse sentido, 
mobilizem-na para se apropriar dos objetos culturais, desenvolvendo suas 
funções psíquicas superiores. Neste contexto, o trabalho do professor 
enquanto pessoa que, ao propor situações que possibilitem a ampliação das 
necessidades de conhecer e de se expressar das crianças, diversifiquem e 
enriqueçam as suas atividades, torna-se essencial para o desenvolvimento da 
personalidade infantil (Zaporóshetz, 1987). 
O momento dos jogos e atividades lúdicas cria as bases para um novo 
período do desenvolvimento da personalidade: o momento da escolarização. 
Ao imitar os papéis sociais dos adultos, a criança, progressivamente, vai 
percebendo que ainda não domina os conhecimentos daqueles, os quais se 
tornam tão interessantes para ela. Adultos (e crianças maiores) sabem muitas 
coisas que a criança deseja conhecer. Na nossa sociedade, o local privilegiado 
para a aprendizagem desses conhecimentos é a escola, e desde cedo meninos 
e meninas sabem disso. Eles desejam ocupar novos espaços nas relações 
sociais, uma nova situação de desenvolvimento, em que não se sintam mais 
tão distantes do adulto, mas sejam valorizados por ele. Novas transformações 
da personalidade hão de vir: formas de pensamento cada vez mais abstrato e a 
formação de conceitos que disso decorre; uma maior capacidade 
argumentativa; uma autoconsciência cada vez mais profunda acerca das 
próprias possibilidades e vontades; a possibilidade de agir tendo objetivos 
previamente formulados. Todas essas novas capacidades e traços de 
personalidade tornarão mais complexa a consciência da criança no momento 
da escolarização (Bozhovich, 1981, 1987; Elkonin, 1987). 
Imprescindível é o papel de professores nesse processo. Esses 
profissionais exercem uma função social inalienável no desenvolvimento pleno 
da criança. Reflitamos sobre isso. 
Como temos visto até agora, a educação assume papel preponderante 
no desenvolvimento da criança. Educar é humanizar; é, segundo José Martí 
 
36 
 
(1991, citado por Mészáros, 2008), depositar em cada homem toda a obra 
humana que o antecede, tornando-o efetivamente humano. 
Sabemos que a atividade educativa não acontece apenas na escola, 
também família e a sociedade participam ativamente dessa 
tarefa. Só que a escola é o local sistematicamente organizado para 
educar. Sua função social é a de promover, por meio do processo pedagógico, 
a aprendizagem dos conteúdos da cultura elaborada pela humanidade ao longo 
da História e, a partir dela, promover o desenvolvimento das capacidades da 
criança e de sua forma singular de ser e de atuar socialmente. 
Para isso, o trabalho pedagógico efetivamente promotor do 
desenvolvimento fundamenta-se no profundo conhecimento teórico acerca do 
desenvolvimento humano. Cabe ao professor compreender que a cultura, por 
diferentes formas de mediação, pode ser apropriada pela criança, contribuindo 
para a sua formação como pessoa completa. Cabe-lhe, ainda, selecionar 
objetos materiais e não materiais do capital cultural acumulado pela 
humanidade e, conhecendo as especificidades dos momentos do 
desenvolvimento da personalidade infantil, organizar tempos, espaços, 
relações e experiências formativas que permitam a apropriação efetiva de 
conhecimentos que vão além daqueles já presentes no cotidiano das crianças 
e são assimilados mesmo sem a participação do trabalho sistematizado da 
escola. A escola da infância deve ser um espaço que faça diferença na vida da 
criança: um espaço de atuação sobre as capacidades em formação, um 
espaço de atividades que possibilitem à criança compreender e compreender-
se, perceber e perceber-se, conhecer, fruir (Brasil, 2009a, 2009b). A escola 
deve ser um espaço de criação de novas necessidades que impulsionem a 
criança a aprender e a desenvolver-se. 
Assim, à medida que a criança vai crescendo e vivenciando situações 
diferentes – vendo, ouvindo, imitando e realizando por si própria o que aprende 
com as pessoas que vivem ao seu redor, participando da vida em sua família, 
comunidade e sociedade –, novas formações (Leontiev, 1978) vão se 
construindo em seu cérebro e novas relações vão sendo estabelecidas pela 
 
37 
 
criança com o seu entorno social. A escola da infância tem um papel 
fundamental na qualificação desses processos quando realiza um trabalho 
pedagógico marcado pela intencionalidade e sistematicidade. 
Atuar pedagogicamente de modo a intervir positivamente no 
desenvolvimento amplo das crianças pequenas, provocando o 
desenvolvimento da personalidade, requer conhecer as principais 
características de cada momento do desenvolvimento infantil e sua dinâmica 
formativa. Demanda, sobretudo, atuar não sobre as capacidades já formadas, 
mas, principalmente, sobre aquelas capacidades que estão em processo de 
formação na criança. Dessa forma, o professor atua, primordialmente, sobre a 
zona de desenvolvimento próximo da criança (Vygotski, 1932/2013b), e assim 
seu trabalho impulsiona o desenvolvimento das capacidades intelectuais, 
afetivas, práticas e artísticas da personalidade infantil. 
Compreender o que significa ser mediador da aprendizagem e do 
desenvolvimento torna-se, aqui, fundamental. Etimologicamente, a palavra 
mediação deriva do latim mediatio, que significa intercessão, interposição, 
intervenção. Nesse sentido, mediar é posicionar-se entre, é atuar 
deliberadamente para interferir em um processo ou situação. A interpretação 
do termo mediar,

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