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Vitoria Cunha MEDICINA LEGAL TANATOLOGIA FORENSE II – CRONOTANATOGNOSE Tanatologia é o estudo científico da morte. Investiga os mecanismos e aspectos forenses da morte, tais como as mudanças corporais que acompanham o período após a morte e os aspectos sociais e legais de forma mais ampla. A morte é a cessação dos fenômenos vitais, pela parada das funções cerebral, respiratória e cardíaca/circulatória. Se dá pela Tríade de Thoinot – imobilidade, ausência de respiração e ausência de circulação (critérios de morte aparente). Fenômenos que surgem após a morte: Abióticos/Avitais/Vitais negativos ▪ Imediatos ▪ Consecutivos Transformativos (decorrentes da Tafonomia*) ▪ Transformativos destrutivos • Autólise • Putrefação • Maceração ▪ Transformativos conservadores • Mumificação • Saponificação • Calcificação • Corificação *Obs.: Tafonomia – estudo da transição dos restos biológicos a partir da morte até a fossilização. Todo o processo que ocorre no corpo no pós-morte. Decreto Lei nº 3.689 – 03 Outubro de 1941 Art. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto. Parágrafo único. Nos casos de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver, quando não houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de alguma circunstância relevante. Isso ocorre para que justamente o médico não utilize como critérios de morte, apenas critérios de morte aparente. Podendo utilizar além dos critérios imediatos, os consecutivos para avaliar o caso. Fenômenos Abióticos imediatos Ocorrem imediatamente, perda da consciência e da sensibilidade (geral e especiais); abolição da motilidade e do tônus muscular, o que justifica Face Hipocrática e o relaxamentos de alguns músculos fazendo dilatação pupilar, abertura das pálpebras, relaxamento esfincteriano e abertura da boca; a respiração (ausência dos murmúrios vesiculares), circulação e atividade cerebral cessam. Fenômenos Abióticos Consecutivos Começam a surgir a partir de 01 hora do óbito. Pode haver desidratação cadavérica, com decréscimo do peso, surgimento de pele apergaminhada, dessecamento de mucosa e lábios e modificação dos globos oculares. VITORIA CUNHA MEDICINA Vitoria Cunha São sinais do Globo Ocular: - Sinal de Louis: ocorre perda do humor vítreo e consequente perda da resistência muscular do globo ocular, ficando amolecido à palpação. Desidratação. - Sinal de Sommer e Larcher: A coroide (entre a esclerótica e a retina) do globo ocular normalmente possui melanócitos, em situação de desidratação/morte, com o ressecamento do globo como um todo, a melanina começa a aparecer nessa camada que vai se ampliando ao longo do tempo de morte. - Sinal de Stenon-Louis: Cama mais esbranquiçada que se forma ao redor do olho pela contínua opacificidade da região por conta do ressecamento. Outro fenômeno abiótico consecutivo é o esfriamento cadavérico (perda das medidas para controle da temperatura), a tendência é que o cadáver chegue à temperatura ambiente, configurando o estado de Algor Mortis; Nas primeiras 03 horas após a morte, a perda de temperatura é de mais ou menos meio grau/hora, nas 08 horas consecutivas há perda de 1 grau/hora, atingindo a temperatura ambiente de 20 a 24 horas; A temperatura de 20°C é incompatível com a vida. As manchas de hipóstase configuram o Livor mortis, sangue que parou de circular e se acumula de acordo com a gravidade, o que é muito importante para entender a posição em que o cadáver foi deixado após a morte. Geralmente são visíveis de 2-3 horas após o óbito. Há modificação do local das manchas em até 12 horas, após esse tempo o sangue não circula mais, nem de acordo com a gravidade, estando estagnado, ou seja, fixando. Cuidado com as marcas da mesa de necrópsia, de acordo com o tempo em que irá ser realizada. As hipóstases são vistas até o início da fase de putrefação, onde iniciam as alterações teciduais. Para diferenciar, equimoses e hematomas são reações vitais de coleção sanguínea ou infiltração tecidual do sangue, já as hipóstases são quantidade de sangue parado dentro do vaso, logo, ao cortar o tecido podemos constatar estas diferenças. A rigidez cadavérica ou Rigor mortis é um dos processos que ocorrem de forma mais precoce, geralmente de 1-2 horas após o óbito. Geralmente ocorre no sentido craniocaudal, ou seja, inicialmente encontramos rigidez de mandíbula ou região cervical, por exemplo, até chegar nos membros inferiores e/ou rigidez completa, em torno de 08 horas após a morte. Tal rigidez começa a se desfazer no mesmo sentido e em cerca de 24h após a morte, se inicia o processo de putrefação externa (ação de bactérias destruindo o tecido). Fenômenos Transformativos Destrutivos Autólise – destruição das células por ação enzimática. As células iniciam um processo de autodestruição, em locais com maior distribuição de enzimas, como por exemplo o pâncreas, a destruição se inicia e acontece de forma mais rápida. Putrefação – fenômeno mais frequente. Destruição do corpo através de bactérias aeróbias e anaeróbias, que em conjunto, causam outras alterações. É muito comum que ao longo do corpo, a putrefação se encontre em fases diferentes. São fatores que influenciam no processo de putrefação, a condição do indivíduo na morte, causa mortis e local de decomposição do corpo (Ex: Corpos com composição corporal com maior quantidade de gordura, tem o processo de putrefação acelerado). A evolução desse processo acontece em quatro períodos: (1) Período Cromático ou de Coloração: Surgimento de uma mancha verde, geralmente abdominal, entre 18 e 14 horas após a morte. Essa mancha surge pela maior concentração de bactérias existentes na região de intestinos, sendo assim, essas bactérias produzem sulfas que se combinam à hemoglobina, formando a sulfahemoglobina e dando uma coloração mais esverdeada aos tecidos. Isso não significa que esse processo não ocorra em outros locais, só que nessa região acontece com maior intensidade. Em casos em que a Vitoria Cunha causa da morte, é por exemplo afogamento, essa mancha pode aparecer nas vias aéreas pela maior contaminação e proliferação de bactérias com a entrada de líquidos. (2) Período Gasoso ou Enfisematoso: A ação de bactérias produz gases, aumento o volume da região, principalmente fazendo uma distensão abdominal acentuada. Por conta de todo o processo, o corpo reage fazendo a Posição do Lutador/Boxeador. Além disso, pode ocorrer projeção de olhos e língua, prolapso intestinal, retal e uterino e parto post mortem (a força dos gases é tão grande que ocorre expulsão do útero). Podemos observar a Vascularização Póstuma de Brouardel, que consiste no aparecimento dos vasos através da pele pela compressão da rede vascular. Há destacamento epidérmico, descolamento da epiderme dos outros tecidos por conta do enfisema. O Fogo Fátuo ocorre geralmente nos túmulos, pela junção da eliminação dos gases pelo corpo com chama de fogo liberada por velas, resultando em chamas azuis ou esverdeadas. (3) Período Coliquativo ou de Liquefação – após a destruição bacterina há formação da massa de putrilagem. (4) Período de Esqueletização – desaparecimento dos tecidos moles e da massa de putrilagem. Obs.2: Pode haver larvas em cadáveres putrefeitos, além das bactérias, compondo a Fauna Cadavérica, que é diferente nas diferentes fases de putrefação do corpo – de acordo com o tempo/horas. Quando encontramos o corpo em avançado estado de putrefação, a larva encontrada ali é enviada para estudo e assim, definirá o tempo de morte do cadáver. Maceração – excesso de umidificação da pele por tempo prolongado,gerando uma grande quantidade de exsudato que pode levar a dermatites ou processo de erosão da pele adjacente. a. Maceração asséptica – ex: cadáver de um feto encontrado no útero materno (ambiente asséptico). b. Maceração séptica – ex: cadáver que ficou exposto à água por muito tempo. Fenômenos Transformativos Conservadores Mumificação – Ocorre através de processos que retardam a putrefação. Não há mais tecidos moles, porém ocorre preservação de outros tecidos e do formato do corpo, assim como esqueleto. Pode ser classificada em natural (enterro em locais muito secos), artificial (embalsamamento) ou mista. Ocorre uma desidratação intensa do corpo que dificulta a proliferação bacteriana e o consequente processo de destruição tecidual e posterior putrefação. São fatores que influenciam o processo, o local de exposição do cadáver (locais secos, de baixa umidade), fatores individuais (cadáveres com menor quantidade de gordura) e a causa mortis. Saponificação – Conhecida como Adipocera. Fenômeno que transforma o cadáver a ponto de conservá-lo da decomposição. Ocorre durante a fase de putrefação, no período em que as enzimas bacterianas hidrolisam as gorduras neutras do corpo, produzindo ácidos graxos, que em contato com elementos minerais se tornam ésteres e formando uma camada adiposo/sabonete pelo corpo (característica de queijo). É mais comum em corpos que possuem grande quantidade de gordura e Vitoria Cunha que se encontram em ambientes/solos muito argilosos ou impermeáveis. Os fatores que influenciam também são o local de exposição do cadáver, as características individuais e a causa mortis. Calcificação – Processo de petrificação do corpo. Fenômeno muito raro. Obs.3: Litopédio é uma petrificação do feto dentro do útero, acabando com todas as partes moles ali existentes, não gerando infecção, mas se tornando tecido calcário. Forma mais comum. Corificação – Ocorre por inibição de qualquer um dos fenômenos transformativos. A pele fica com cor e aspecto de “couro curtido”, mais escura e brilhante. Raro, não é comum pois, para que ocorra esse processo, é necessário que não haja nenhum início de processo transformativo. Geralmente ocorrem em urnas hermeticamente fechadas. Congelação – Preservação do cadáver através de temperaturas extremamente baixas, inibindo os processos transformativos destrutivos. Preserva o cadáver por muito tempo. Fossilização – Moldagem da estrutura do solo, sem acharmos os tecidos ou estrutura orgânica. Lesões Antemortem x Lesões Postmortem Algumas lesões são decorrentes do processo post mortem. Existem ainda lesões peri mortem, as quais encontra-se dificuldade de definir o período de surgimento pelo contínuo processo de morte celular mesmo após o seguimento da morte e podem se comportar tanto com lesões ante mortem como lesões post mortem. Espera-se que a partir de uma lesão que ocorreu antes da morte, reações vitais (Ex: Ao levar um tiro, no processo antes da morte em si, o corpo realiza reações vitais como equimose, hematomas (lesões circulatórias), infiltrações ou até mesmo reações inflamatórias). Principalmente no período de putrefação encontramos uma grande dificuldade de definir o tempo das lesões, sendo assim, se há dúvida, torna-se necessário abrir/cortar o local das lesões e observar todo o processo e características ali existentes, destacando os processos de reações vitais.