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Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA ANATOMIA DAS CORONÁRIAS O coração é um órgão muscular, que faz parte do sistema cardiovascular, com quatro câmaras que é responsável pela distribuição de sangue por todo o corpo. A atividade contínua do coração cria uma grande demanda de nutrientes a serem entregues ao tecido cardíaco e a remoção de resíduos. A circulação coronária é responsável por nutrir o coração durante o seu incansável esforço de bombear o sangue pelo corpo. Os primeiros ramos que surgem da aorta ascendente, assim que ela emerge do ventrículo esquerdo, são as artérias coronárias direita e esquerda, que fornecem diretamente sangue arterial para suprir o músculo cardíaco. Elas surgem bilateralmente dos seios aórticos, que estão localizados imediatamente distais à valva/válvula aórtica. ANATOMIA A artéria coronária esquerda cursa entre o átrio esquerdo e o tronco da artéria pulmonar. Ela fornece sangue ao átrio esquerdo, uma grande parte do ventrículo esquerdo, uma pequena parte do ventrículo direito, o septo interventricular e o nó sinoatrial em aproximadamente 40% da população. Seus dois principais ramos consistem: ▪ Ramo circunflexo, que fornece sangue para a superfície posterior do coração ao cursar em seu lado esquerdo no interior do sulco atrioventricular. ▪ Ramo interventricular, que cursa inferiormente no sulco interventricular para o ápice cardíaco, onde ele se anastomosa com a artéria interventricular posterior. A artéria coronária direita passa através do sulco atrioventricular para o lado direito, e continua para a superfície posterior do coração. Ela supre o átrio direito, a maior parte do ventrículo direito, a porção do ventrículo esquerdo que se encontra em contato com o diafragma, áreas dos septos interatrial e interventricular, o nó sinoatrial em cerca de 60% da população e o nó atrioventricular, de forma geral. Essa artéria ainda se divide em vários ramos: ▪ Ramo nodal sinoatrial. ▪ Ramo marginal direito, que cursa para a margem direita do coração. ▪ Ramo nodal atrioventricular, que fornece sangue ao nó atrioventricular, na junção das quatro câmaras cardíacas, dentro do septo, na parte posterior do coração. ▪ Ramo interventricular cursa ao longo do sulco interventricular A drenagem venosa do coração é governada primariamente pelo seio coronário, com auxílio secundário das veias cardíacas anteriores, que entram diretamente no átrio direito, e das veias cardíacas menores, que se abrem diretamente no interior das câmaras cardíacas. CIRCULAÇÃO A circulação coronariana começa com dois vasos que se originam de cada lado da raiz aórtica: o Tronco da Coronária Esquerda (TCE) e a Coronária Direita (CD). O TCE se divide em dois ramos principais: Descendente Anterior (DA) e Circunflexa (Cx). Estas são as coronárias epicárdicas, vasos de médio calibre que em conjunto irrigam todas as estruturas cardíacas. A aterosclerose geralmente incide sobre elas, de preferência em seus pontos de bifurcação (locais onde o estresse mecânico sobre a superfície endotelial é maior, devido ao turbilhonamento do sangue). ▪ Coronária Direita (CD): irriga o miocárdio do VD e, quando dominante (70% dos casos), irriga também a porção basal do septo e a parede inferior e posterior do VE. O que caracteriza uma coronária epicárdica como “dominante” é o fato dela dar origem aos ramos posteriores: artéria do nódulo AV e descendente posterior (interventricular posterior). Os outros ramos da CD são: artéria conal, artéria do nódulo sinusal e marginais direitas. ▪ Descendente Anterior (DA): irriga quase todo o septo IV, a parede anterior e a região apical do VE. Seus principais ramos são as artérias septais e diagonais. Quando a 1ª diagonal origina-se na bifurcação entre a DA e a Cx ela é chamada de diagonalis. Como podemos perceber, a DA é extremamente importante, pois irriga a maior parte do miocárdio do VE. ▪ Circunflexa (Cx): irriga a parede lateral do VE e, quando dominante (30% dos casos), irriga também a porção basal do septo e a parede inferior e posterior do VE. Seus principais ramos são as marginais esquerdas, sendo a artéria do nódulo AV e a descendente posterior ramos de uma Cx dominante. CONTROLE DO FLUXO SANGUÍNEO O fluxo sanguíneo coronariano é regulado pela vasodilatação arteriolar local, em resposta às necessidades nutricionais do músculo cardíaco – sempre que a força de contração cardíaca estiver aumentada, a intensidade do fluxo sanguíneo também aumenta. Isso ocorre porque, a diminuição da concentração de oxigênio no coração faz com que substâncias vasodilatadoras (adenosina) sejam liberadas pelas células musculares, dilatando as arteríolas. https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/coracao https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/sistema-circulatorio https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/sistema-circulatorio https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/sangue https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/diafragma Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA ▪ Sistema nervoso simpático: A estimulação simpática libera norepinefrina e epinefrina aumentando a FC e a contratilidade cardíaca, aumentando também o metabolismo cardíaco – o metabolismo aumentado do coração leva a dilatação das coronárias e o fluxo sanguíneo aumenta proporcionalmente às necessidades metabólicas do musculo cardíaco. Ao contrário, a estimulação parassimpática libera acetilcolina, diminuindo a FC e a contratilidade cardíaca, diminuindo também o metabolismo cardíaco – vasoconstrição das coronárias. ▪ A necessidade de oxigênio é o principal controlador do fluxo sanguíneo coronariano – isto é, sempre que os efeitos diretos da estimulação nervosa alterarem o fluxo sanguíneo coronariano na direção errada, o controle metabólico do fluxo coronariano superará os efeitos nervosos coronarianos diretos em segundos. ▪ Metabolismo cardíaco: Sob condições de repouso, o miocárdio consome normalmente ácidos graxos para suprir grande parte da sua energia (70%). Mas, em condições anaeróbicas ou isquêmicas, o metabolismo cardíaco deve recorrer aos mecanismos da glicólise anaeróbica para obtenção de energia – infelizmente, a glicólise consome enorme quantidade de glicose sanguínea e forma grandes quantidades de ácido lático no tecido cardíaco, sendo esta uma das causas da dor cardíaca em condições de isquemia. Na isquemia coronariana grave, o ATP > ADP > adenosina > vasodilatação das coronárias. SÍNDROMES CORONARIANAS AGUDAS A síndrome coronariana aguda consiste em uma das faces da doença aterosclerótica, a qual é oriunda da presença de placas ateromatosas na circulação arterial do coração. Ela se evidencia como um quadro instável, que se apresenta com sintomas anginosos que surgem aos mínimos esforços e até mesmo em repouso, estando associada a altos índices de morbidade e mortalidade. Dividimos a SCA em infarto agudo com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) e síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST), sendo que a SCASSST é composta pelo infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST (IAMSSST) e a angina instável (AI). EPIDEMIOLOGIA ▪ As síndromes coronárias agudas (SCA), ocupam a segunda posição na mortalidade global em nosso país e são a principal causa de óbito entre as doenças do coração. ▪ Entre 12-14% dos homens com idade entre 65-84 anos são portadores de angina estável, a forma crônica e sintomática da aterosclerose coronariana. Em relação às mulheres de mesma faixa etária o percentual é um pouco menor, entre 10-12%. ▪ Vale dizer que boa parte dos pacientes tem na síndrome coronariana aguda a primeira manifestação da doença, sem antes passar por uma fase crônica “estável”. A prevalência de doença coronariana assintomática gira em torno de 2-3% da população geral. ▪ Acredita-se que a explicação para tamanho impacto seja o estilo de vida moderno. ▪ O envelhecimentopopulacional também contribui em parte, permitindo que as pessoas vivam o bastante para desenvolver aterosclerose. Projetava-se que, em 2020, a doença isquêmica do miocárdio viesse se tornar a principal causa de óbito no mundo, porém teve o COVID. ▪ O IAM constitui a apresentação de cerca de 50% das síndromes isquêmicas miocárdicas instáveis (SIMI). Nestas, de 25 a 40% dos pacientes apresentam-se com supradesnível do segmento ST (IAMST). ▪ O infarto agudo do miocárdio é responsável por cerca de 8,8% dos óbitos no Brasil, sendo a mortalidade mais alta no sistema público do que no privado, decorrente de dificuldade de acesso ao serviço de terapia intensiva precocemente. ▪ A coronariopatia aguda representa também um enorme ônus financeiro ao sistema público de saúde. Estima-se que cerca de 1,7 milhões de portadores de SCA sejam hospitalizados anualmente. ▪ Seja como for, a mortalidade cardiovascular está caindo nos países ricos, graças aos recentes avanços na prevenção e terapêutica. O problema é que, nos países pobres, onde o crescimento desta condição tem sido “galopante”, a maior parte da população ainda não tem acesso a tais melhorias, em função das limitações dos sistemas de saúde e outros fatores de ordem econômica e sociocultural. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA FATORES DE RISCO Uma vez que já mencionamos brevemente o mecanismo pelo qual ocorre a síndrome coronariana aguda, faz sentido que os fatores de risco para ela sejam aqueles relacionados à ocorrência de aterosclerose, sendo que alguns desses são modificáveis e outros não. IDADE AVANÇADA A prevalência da síndrome coronariana aguda aumenta com a idade. Principalmente, acima dos 70 anos (prevalência maior). Os grupos de pacientes entre 50 e 69 anos estão mais associados ao tabagismo e ao diabetes. O envelhecimento produz alterações nas paredes dos vasos sanguíneos, afetando o transporte de oxigênio e nutrientes para os tecidos. Essas alterações fazem com que tais vasos enrijeçam, resultando em resistência periférica aumentada, além de fluxo sanguíneo comprometido e sobrecarga ventricular esquerda. TABAGISMO O tabagismo é o mais importante fator de risco para a síndrome coronariana, bem como para o aparecimento de suas manifestações uma vez que interfere nos mecanismos regulatórios do vaso: inibe a produção de óxido nítrico, promovendo maior vasoconstrição. DIABETES MELLITUS O diabetes pode contribuir para o desenvolvimento da síndrome coronariana por várias razões, como na sua associação com tabagismo, hipertensão arterial, dislipidemia que podem favorecer os mecanismos da inflamação vascular, disfunção da célula endotelial e das células musculares lisas, aumento da agregação plaquetária e do fibrinogênio, favorecendo o processo arteriosclerótico. A hiperglicemia aumenta os produtos de glicação avançada, que, por sua vez, eleva o nível de apolipoproteína B no fluxo sanguíneo. Esta apoproteína se liga à lipoproteína VLDL, gerando a lipoproteína LDL. A LDL se adere ao endotélio arterial devido à menor densidade, podendo evoluir para aterosclerose. Associada a deposição de LDL no endotélio, ocorre a agregação plaquetária, células de defesa, tecido fibroso, produto da inflamação da parede do vaso. Assim, citocinas inflamatórias são liberadas pelo tecido adiposo, aumentando a formação de placas de ateroma, um fator de predisposição à trombose. Com o aumento da lipólise, há a diminuição da enzima lipaselipossensível, responsável pela regulação de lipoproteínas, contribuindo para a presença de dislipidemia. HIPERLIPIDEMIA O nível de colesterol total elevado aumenta o risco de claudicação intermitente em até duas vezes. Os níveis elevados de colesterol, lipoproteínas de baixa densidade e triglicerídeos são fatores de risco independentes para a doença, sendo que as proteínas de alta densidade são fatores de proteção. HIPERTENSÃO ARTERIAL A hipertensão arterial (HA) é o maior fator de risco independente para o desenvolvimento de DAC, doença cerebrovascular e insuficiência renal; porém, a melhor abordagem terapêutica anti-hipertensiva para prevenção e manejo do hipertenso coronariopata ainda permanece controversa. Isso ocorre devido à sobrecarga no miocárdio, além de promover lesões devido ao turbilhonamento de sangue nas artérias. ETIOLOGIA As síndromes coronárias agudas são desencadeadas a partir da instabilização de uma placa aterosclerótica com trombose oclusiva em cerca de 90% dos casos. Outras vezes, elas podem resultar de processos patológicos de natureza diferente que também promovem um desequilíbrio entre a oferta de O2 ao miocárdio e o seu consumo. Entre as causas mais comuns de insuficiência coronária aguda não- aterosclerótica está o espasmo coronário. Normalmente produzido em áreas de aterosclerose incipiente, o vasoespasmo primário resulta de uma alteração da função vasodilatadora do endotélio (disfunção endotelial) com aumento do tônus vascular. Ele costuma acometer pacientes jovens do sexo feminino, provocando quadros de angina instável. O espasmo coronário também pode ser Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA secundário ao uso de agentes simpatomiméticos, como a cocaína. Nesse caso, o caráter mais prolongado do espasmo com aumento do consumo de O2 pelo miocárdio pode causar quadros mais graves, como IM ou morte súbita. A embolização coronária a partir de trombos valvares também é uma etiologia a ser considerada em portadores de próteses mecânicas ou endocardite bacteriana. FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia da síndrome coronariana aguda (SCA) geralmente decorre de redução súbita no fluxo coronariano causado por aterosclerose com trombose sobreposta. Em sua evolução natural, placas ateroscleróticas, principalmente aquelas ricas em lipídios, podem sofrer ruptura abrupta com consequente exposição de substâncias que promovem ativação e agregação plaquetária, geração de trombina e, por último, formação de trombo. Os trombos que geram elevação do segmento ST no eletrocardiograma (ECG) ocluem totalmente a luz do vaso e são ricos principalmente em fibrina. Já a SCA sem supradesnivelamento do segmento ST (SCAssST) apresenta trombos ricos principalmente em plaquetas. A SCA, assim, pode ser dividida em dois grandes grupos: SCA com supradesnivelamento do segmento ST (SCAcsST), que é quase sempre infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento de segmento ST (IAMcsST), antigamente chamado infarto transmural; e SCAssST, que, por sua vez, pode também ser dividida em angina instável (AI) e IAM sem supradesnivelamento de segmento ST (IAMssST), antigamente chamado infarto subendocárdico. ATEROSCLEROSE O “sistema vascular” (sistema circulatório) é complexo, porém os vasos sanguíneos individuais estão entre as estruturas teciduais mais simples do organismo. Um vaso sanguíneo é formado por apenas dois tipos celulares: células endoteliais que formam a túnica íntima e células musculares lisas que compõem a túnica média. A lesão aterosclerótica é a anormalidade mais comum encontrada nas artérias decorrente inicialmente de dois processos básicos: acúmulo de colesterol e a proliferação de células musculares lisas na túnica íntima, desenvolvendo-se, portanto, sobre um substrato formado dessas células, leucócitos derivados do sangue e de uma quantidade variável de tecido conectivo formando uma placa fibrosa que se projeta para dentro do lúmen modificando a túnica média e levando a uma série de complicações circulatórias. ▪ Aterosclerose: processo inflamatório dos vasos. ▪ Principal fator: Aumento de LDL e diminuição do HDL, gerando lesão do endotélio. O endotélio naturalmente, repelem as partículas de LDL presentes na corrente sanguínea. Porém, em uma disfunção endotelial, esse perde a capacidade de repelir o LDL e elas conseguem se infiltrar nas camadas mais internas, no tecido subendotelial (túnica íntima). O LDL temcomo função levar o colesterol do fígado para os tecidos periféricos, ou seja, trata-se de uma proteína que transporta o colesterol que o fígado exporta para os tecidos. Assim que o LDL entra na corrente sanguínea e se depara com uma lesão endotelial, eles adentram a túnica íntima. O LDL possui grande concentração de colesterol éster na sua porção hidrofóbica, mas em altas concentrações, ele pode ser oxidado (tornando pior) por diversos agente oxidantes, como o peróxido de hidrogênio. Assim, o LDL fica mais reativo e também penetra a túnica íntima. Então, para adentrar o espaço subendotelial, é preciso de lesão endotelial e LDL oxidado. Após essa mudança de conformação do LDL, cria-se um estado de recrutamento e de afinidade pela fagocitose dos macrófagos. Posteriormente, tem-se a entrada de monócitos que ao ver o endotélio lesado, fixam-se a ele e fazem a diapedese (entram na túnica íntima). Depois da penetração, eles se transformam em macrófagos. Esses vão ver o LDL e LDL oxidado e vão ingerir essas substâncias com o intuito da fagocitose. Dessa forma, os macrófagos começam a aumentar em tamanho e a pular grande concentração de Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA LDL do seu interior, perdendo sua conformação inicial e se transformando numa célula espumosa (macrófagos cheios de gordura). A célula espumosa começa a liberar várias substâncias ao seu redor, assim como, citocinas e fatores de crescimento tumoral que acaba afetando o tecido muscular adjacente na túnica íntima. Então, a célula muscular afetada começa a ingerir também o LDL, tornando-se outras células espumosas liberando assim, matrizes extracelulares (proteoglicanos, colágeno) para formar o tecido fibroso. Ainda, as células musculares afetadas podem sair do seu local padrão e se localizarem abaixo das células endoteliais. Como resultado, vai haver expansão e consequentemente, a formação de uma placa que invade e oclui o vaso. Isso faz com que o fluxo sanguíneo seja reduzido devido a estenose, e o paciente pode apresentar Angina. Além disso, fatores angiogênicos são liberados e vasos sanguíneos começam a aparecer, sobretudo em placas grandes, podendo se romper e expor a matriz extracelular e o corpo vai interpretar como um sangue que precisa ser estancado. Para isso, as plaquetas são atraídas, formando o tampão primário e desenvolvendo um trombo. Esse coágulo pode ocluir totalmente um vaso e desencadear o infarto. É importante saber em linhas gerais as características das placas ateromatosas quanto à sua classificação. Basicamente, tem-se a placa estável, que possui capa fibrótica mais espessa e menor core lipídico, e a placa vulnerável ou instável, a qual possui maior core lipídico e uma capa fibrótica mais delgada. Essa última é mais suscetível à ocorrência de rotura e erosão de sua capa, o que pode levar a um processo inicial de agregação plaquetária pela exposição do core lipídico, processo esse que gera o chamado trombo branco, o qual pode evoluir para um acúmulo de trombina e por consequência, de eritrócitos, o chamado trombo vermelho, que leva à trombose. ISQUEMIA MIOCÁRDICA O tecido miocárdico possui uma peculiaridade fisiológica que facilita a ocorrência de isquemia na vigência de uma obstrução do lúmen coronariano: trata-se do tecido com a maior taxa de extração de O2 do organismo. A Taxa de extração de O2 é a fração do conteúdo arterial de oxigênio captada pelos tecidos quando da passagem do sangue pela microcirculação. No miocárdio ela é relativamente FIXA e gira em torno de 75%, não havendo, por conseguinte, muita “margem” para aumentos. Essa taxa é muito importante visto que se não há como aumentar a taxa de extração de O2, a única forma de aumentar o aporte de O2 ao tecido cardíaco é aumentando o FLUXO de sangue pelo leito coronário. Tal proeza consegue ser realizada graças à chamada Reserva Coronariana – as arteríolas pré-capilares do leito coronário são capazes de se dilatar de acordo com a necessidade de oxigênio. A magnitude dessa dilatação pode aumentar o fluxo de sangue até 6x em relação ao basal. Entenda agora que, na medida em que surgirem oclusões hemodinamicamente significativas (> 50% do lúmen) nas coronárias epicárdicas, a reserva coronariana será progressivamente requisitada, a fim de manter em equilíbrio a relação entre oferta e consumo de oxigênio. Isso acontece mesmo que não haja aumento na demanda por oxigênio (isto é, mesmo no estado de repouso), o que acaba “esgotando” a reserva coronariana e, desse modo, diminui a capacidade de aumentar o fluxo sanguíneo em resposta a um verdadeiro aumento da demanda. Se a obstrução for aguda e grave (acometendo > 80% do lúmen), mesmo com uma vasodilatação arteriolar máxima, o fluxo ficará tão baixo que não será suficiente para suprir a necessidade basal de oxigênio, sobrevindo isquemia miocárdica em repouso – e posteriormente infarto – caso não exista uma circulação colateral bem desenvolvida (ou caso a coronária não seja reperfundida a tempo). Isso é o que acontece nas síndromes coronarianas agudas. Por outro lado, se a obstrução for mais gradual e não tão grave (entre 50-80%), a reserva coronariana será parcialmente utilizada no estado de repouso, sobrando uma capacidade variável de vasodilatação adicional. Se neste contexto houver qualquer aumento da demanda miocárdica (ex.: um esforço físico, uma emoção intensa), aquele “pouquinho” de reserva coronariana residual poderá não ser suficiente para suprir as necessidades de O2, justificando o surgimento de isquemia esforço-induzida. Isso é o acontece na angina estável. Os determinantes da demanda miocárdica de O2 são: (1) frequência cardíaca; (2) contratilidade; (3) tensão na parede ventricular. Já os determinantes do aporte miocárdico de O2 são: (1) conteúdo arterial de O2; (2) fluxo coronariano. O conteúdo arterial de O2 é uma variável que depende da fração de O2 no ar inspirado, da função Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA pulmonar, e também da concentração e funcionalidade da hemoglobina circulante. É interessante destacar ainda que a perfusão do leito coronariano ocorre predominantemente na diástole (período de relaxamento cardíaco). Na sístole, a microcirculação é comprimida, dificultando a entrada de sangue pelo lado arterial e acelerando sua saída pelo lado venoso. Tal fenômeno se dá de forma mais acentuada na região subendocárdica. Obs.: Quando uma coronária epicárdica evolui com oclusão aguda total, o tempo que leva para a necrose do miocárdio começar é de cerca de 20 minutos. Por este motivo, na síndrome coronariana aguda com supradesnível do segmento ST (sinal eletrocardiográfico que significa “coronária fechada”), a presença de dor em repouso > 20min prediz com elevado grau de certeza a ocorrência de infarto agudo do miocárdio – no IAMST, diz- -se que “tempo é miocárdio”. Em vista de todos esses conceitos importantíssimos de fisiologia, devemos entender que, na prática, é comum que múltiplos geradores de isquemia coexistam no mesmo paciente. Por exemplo: pacientes reais, com frequência, combinam fatores que aumentam a demanda miocárdica de O2 (taquiarritmias como a fibrilação atrial; hipertrofia do ventrículo esquerdo; HAS descontrolada) com fatores que limitam a oferta de O2 (doença pulmonar, anemia). A interação de tais fatores com a presença de doença coronariana subjacente (estável ou instável) resulta em limiares variáveis para o surgimento de isquemia miocárdica. Cumpre ressaltar ainda que às vezes o paciente não possui obstrução coronariana hemodinamicamente significativa, porém mesmo assim desenvolve isquemia – que inclusive pode ser grave e sintomática. São os casos em que há um aumento absurdo na demanda miocárdica de O2, como na HVE extrema (ex.: estenose aórtica grave), ou que evoluem com diminuições vertiginosas no conteúdo arterial de O2, como na intoxicação por monóxido de carbono (carboxi- hemoglobinemia).Ambos os mecanismos também podem coexistir (diminuição da oferta + aumento do consumo), como na intoxicação pela cocaína (espasmo coronariano + aumento do tônus adrenérgico). CONSEQUÊNCIAS DA ISQUEMIA MIOCÁRDICA Os cardiomiócitos isquêmicos desenvolvem alterações bioquímicas (queda do ATP) que prejudicam suas funções mecânicas e elétricas. Como a aterosclerose coronariana é uma doença focal, essas alterações tendem a aparecer de forma “segmentar” na parede miocárdica. Em termos mecânicos, num primeiro momento a isquemia induz à perda do relaxamento muscular (disfunção diastólica), que logo evolui para perda da capacidade contrátil (disfunção sistólica), caso a isquemia não se resolva. Descrevem-se três estágios evolutivos, de gravidade crescente: ▪ Hipocinesia: o segmento isquêmico se contrai, porém essa contração é “mais fraca” que a dos segmentos não isquêmicos. ▪ Acinesia: o segmento isquêmico não se contrai, ficando “imóvel” em relação aos segmentos não isquêmicos. ▪ Discinesia: o segmento isquêmico não se contrai, e apresenta um movimento paradoxal de “abaulamento” em relação aos segmentos não isquêmicos. Dependendo da extensão, localização e duração da isquemia, diferentes consequências clínicas podem advir, por exemplo: se uma grande porção da massa ventricular se tornar isquêmica (> 40% do ventrículo esquerdo), a contratilidade global diminui e o paciente desenvolve insuficiência cardíaca aguda; se os músculos papilares forem afetados, a valva mitral não se fecha adequadamente, e o paciente evolui com insuficiência mitral aguda. Como já dissemos, isquemias graves e persistentes (> 20min nas oclusões totais) conduzem ao infarto do miocárdio. Em termos elétricos, os primeiros sinais de isquemia são as alterações na repolarização ventricular, como a onda T alta, pontiaguda e simétrica (isquemia subendocárdica) e a onda T invertida, pontiaguda e simétrica (isquemia subepicárdica). Quando a isquemia é grave e persistente, sobrevém o desnivelamento do segmento ST (“corrente de lesão”): o INFRAdesnivelamento indica lesão “não transmural”, predominantemente no subendocárdio, ao passo que o SUPRAdesnivelamento denuncia lesão “transmural”, acometendo toda a espessura da parede cardíaca (do endocárdio ao epicárdio). Outra consequência importantíssima da isquemia é a instabilidade elétrica: a região isquêmica e suas adjacências manifestam propriedades eletrofisiológicas diferentes (ex.: excitabilidade variável, heterogeneidade dos períodos refratários). Dessa forma, ocorre o Fenômeno da Reentrada, o principal substrato fisiopatogênico das taquiarritmias. Não por acaso, a primeira manifestação isquêmica de muitos pacientes é a morte súbita por fibrilação ou taquicardia ventricular sem pulso. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA INFARTO A síndrome coronariana aguda pode ser caracterizada também pelas regiões do miocárdio atingidas pela isquemia ou pelas modificações tardias que surgem ao ECG. Infartos sem supra de ST costuma provocar necrose do miocárdio restrita à região subendocárdica, daí serem denominados de infartos subendocárdicos. Esse tipo de acometimento não costuma gerar cicatrizes eletrocardiográficas, de modo a também serem chamados infartos sem onda Q ou não-Q. Nos casos de isquemia severa e persistente, a necrose é mais extensa, atingindo toda a espessura do miocárdio, classificando esse evento como infarto transmural. Nesse caso, temos o desenvolvimento de uma onda Q ao ECG, de modo que esse evento pode ser denominado também como infarto com onda Q, ou infarto Q. Se você ficou confuso quanto à progressão da isquemia no músculo cardíaco, devemos lembrar que o coração possui irrigação arterial de fora para dentro, de modo que as artérias coronárias nutrem primeiramente o epicárdio, logo após, o miocárdio e, por último, o endocárdio. Logo, caso haja uma isquemia, faz sentido que o último a receber o suprimento sanguíneo seja o mais prejudicado, não? Sendo assim, podemos completar o raciocínio inferindo que a isquemia progrida no sentido contrário à irrigação. Dessa forma, primeiramente o endocárdio é acometido, depois o miocárdio e o epicárdio logo após ele. A instabilização de uma placa ateromatosa enraizada na luz de algum ramo coronariano ocorre por meio de rotura dessa placa, erosão superficial e hemorragia intraplaca. Em termos gerais, a rotura da placa consiste na forma mais grave de instabilização, sendo preponderante entre os casos de infarto agudo do miocárdio (IAM) fatais. Isso ocorre porque a placa rota faz com que o sangue seja exposto às substâncias trombogênicas que se encontram no interior da placa, propiciando a formação de um coágulo no local da rotura. Enquanto isso, a erosão da placa está relacionada às formas mais brandas da síndrome coronariana aguda, na qual ocorre a remoção de placas endoteliais vasculares, ocorrendo a exposição de colágeno da membrana basal, que estimula plaquetas circulantes, ativando a cascata de coagulação. Essa ativação geralmente é mais tênue, de modo que produz um coágulo mais friável do que aquele da rotura, mas ainda assim, esse mecanismo corresponde a cerca de 20% dos óbitos fatais por IAM. A hemorragia da placa é mais rara e atua rompendo a placa, uma vez que provoca uma rápida expansão da lesão. Uma vez que a placa tenha sofrido uma erosão superficial com extensão pequena, a trombose costuma ser autolimitada, sem gerar repercussões sintomáticas para o paciente, sendo que na maioria das vezes, o coágulo pode ser dissolvido pelo próprio sistema fibrinolítico endógeno ou pode também ser incorporado pela placa, de modo a contribuir para o aumento dessa. Caso ocorra uma trombose mais extensa, normalmente associada a rotura da placa com exposição de seu núcleo lipídico, pode ocorrer obstrução da luz mais severa ou até completa, gerando o aparecimento de sintomas. Nos casos de oclusão parcial, o fluxo residual impede a privação completa de oxigênio para as células miocárdicas, preservando a integridade dessas e evitando a necrose celular, consistindo no quadro característico da angina instável. INFARTO COM SUPRA X SEM SUPRA Caso ocorra oclusão completa temporária, tem-se, a princípio um evento que não gera supradesnivelamento do segmento ST, característico do infarto subendocárdico, que também não gera cicatrizes eletrocardiográficas. Podemos dizer que tanto o infarto subendocárdico quanto a angina instável são bem semelhantes do ponto de vista fisiopatológico, motivo esse pelo qual recebem tratamento muito semelhante. Quando ocorre a obstrução completa sustentada, a onda de isquemia se prolonga para além do endocárdio, de modo que a falta de suprimento sanguíneo atinge toda a espessura miocárdica, gerando o IAM transmural, o qual gera o aparecimento do supradesnivelamento do segmento ST, bem como o aparecimento de cicatrizes observáveis ao ECG por meio da presença de ondas Q. ANGINA INSTÁVEL Angina instável resulta de obstrução aguda de uma artéria coronária sem infarto do miocárdio. Assim, é uma síndrome coronariana aguda definida pela ausência de evidências bioquímicas de danos miocárdicos. ANGINA ESTÁVEL Representa a forma sintomática crônica da doença coronariana. O que caracteriza esta condição é a ocorrência de isquemia miocárdica transitória, esforço-induzida, que melhora com o repouso. Sua causa é a obstrução hemodinamicamente significativa (> 50% do lúmen) de uma ou mais coronárias epicárdicas por placas de ateroma “estáveis” (superfície íntegra e sem trombos). A maioria dos pacientes é do sexo masculino (~ 70%), proporção essa que fica ainda maior na faixa etária < 50 anos. Em mulheres, a prevalência de doença coronariana só se torna significativa após a menopausa QUADRO CLÍNICO Os sintomas decorrentes da síndrome coronariana aguda decorrem do desbalanço entre oferta e demanda de Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA oxigênioquanto ao miocárdio, gerando um cenário propício para a isquemia, uma vez que diante da doença aterosclerótica, ocorre disfunção endotelial, reduzindo a vasodilatação que ocorreria para compensar o aumento da demando por oxigênio, dada a obstrução ocorrida. DOR PRECORDIAL TÍPICA A dor típica é descrita como em aperto, opressiva, com irradiação para membros superiores, mandíbula, dorso ou epigástrio, podendo ser acompanhada de sudorese fria, dispneia, náuseas e vômitos. Em alguns casos, o paciente coloca sua mão espalmada sobre o centro do precórdio (sinal de Levine), o que é altamente sugestivo de isquemia miocárdica. Muitas vezes, no entanto, o paciente com isquemia miocárdica apresenta características atípicas de dor torácica. Os pacientes com história de doença arterial coronariana prévia tendem a repetir as mesmas características de dor em eventos isquêmicos recorrentes. O desconforto mais comum é retroesternal e de localização difusa. Dor localizada em uma pequena área e reproduzida à movimentação ou palpação geralmente torna menos provável a suspeita de isquemia miocárdica. É impossível caracterizar a parede miocárdica acometida baseando-se exclusivamente na localização da dor e sua irradiação. A dor epigástrica, entretanto, correlaciona-se um pouco mais com isquemia na parede inferior. Obs.: A duração da dor relaciona-se pouco com a diferenciação entre angina e infarto, embora, habitualmente, a dor mais prolongada correlacione-se com IAM. A intensidade da dor torácica também não permite diagnóstico de SCA, sendo extremamente comum encontrar pacientes com sensação de opressão sem muita dor, e que estão na vigência de um IAM. Desse modo, recomenda-se valorizar muito mais as características da dor e seus sintomas relacionados do que sua intensidade. Obs.: Muitas vezes o paciente se apresentará com claro desconforto corporal, podendo estar levemente curvado devido à dor anginosa e com o punho na região do coração. Essa condição postural do paciente configura o chamado sinal de Levine. OUTROS SINTOMAS Os principais sintomas associados são: dispneia, palpitações, sudorese, náuseas, tosse e síncope. Principalmente em pacientes idosos, diabéticos, negros e mulheres, o evento isquêmico pode ocorrer com pouca ou nenhuma sensação de desconforto precordial, configurando o conjunto dos demais sintomas presentes como equivalente isquêmico. Ainda assim, vale a ressalva de que o evento isquêmico nessas populações apresenta, com mais frequência, dor torácica típica, e não apenas os equivalentes isquêmicos isoladamente. APRESENTAÇÃO ATÍPICA Pacientes mais velho e diabéticos podem não apresentar quadro típico da doença, sem a presença de desconforto torácico, uma vez que, principalmente nos diabéticos, ocorre um quadro de denervação, decorrente da neuropatia diabética. Tais pacientes apresentarão o chamado equivalente anginoso ou isquêmico, que consiste na apresentação de sintomas como sudorese, mal-estar súbito, dispneia, náusea etc (sintomas que podem estar presentes com a angina em outros pacientes com síndrome coronariana aguda), sendo mais comum em mulheres, idosos e diabéticos, como já mencionado. Desse modo, deve-se ter atenção redobrada caso esses pacientes se apresentem na emergência com queixa de vertigem, dispneia, sudorese, náuseas, vômitos, arritmias ventriculares e até mesmo hipotensão. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS Nesse caso os Principais Diagnósticos Diferenciais da precordialgia são: DOR ESOFÁGICA O espasmo esofagiano difuso pode causar um desconforto retroesternal em aperto essencialmente indistinguível da angina. Esta sensação desagradável, inclusive, pode melhorar com repouso e/ou nitrato... A grande diferença é que a dor do EED pode não ter relação direta com esforço, e sim com a alimentação! A DRGE, por sua vez, costuma causar precordialgia “em queimação”. Novamente, a dor não possui relação direta com esforço, e sim com as refeições e o decúbito DOR MUSCULOESQUELÉTICA A distensão da musculatura peitoral e intercostal é comum, e pode ser confundida com angina. Todavia, neste caso a dor é agravada pela digitopressão local, bem como pela realização de certos movimentos específicos (e não exatamente com qualquer esforço físico). A inflamação das cartilagens costoesternais (síndrome de Tietze) é outra etiologia importante e, neste caso, às vezes verifica-se a presença de sinais flogísticos no precórdio. DOR PERICÁRDICA A dor no pericárdio tende a ser contínua (e não transitória), possuindo caráter pleurítico (piora à inspiração profunda), Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA agravando-se com o decúbito dorsal e melhorando com a posição genupeitoral. A irradiação da dor torácica para a crista do músculo trapézio é achado específico da dor pericárdica. TEP A distensão aguda do tronco da artéria pulmonar, que ocorre no TEP, pode causar dor torácica do tipo “anginosa”. A pista clínica é a presença de dispneia com pulmões “limpos” num portador de fatores de risco para TEP (ex.: pós-operatório, câncer, imobilização prolongada etc). DISTÚRBIOS PSIQUIÁTRICOS No distúrbio conversivo pode haver a somatização de queixas cardíacas cujas características dependerão do grau de conhecimento do paciente sobre o tema. O contexto clínico geral costuma sugerir este diagnóstico, particularmente quando o paciente tem baixa probabilidade pré-teste de coronariopatia. Vale lembrar, contudo, que a dor “psicogênica” deve ser um diagnóstico de exclusão. DIAGNÓSTICO É muito importante que a história e o raciocínio clínico sejam feitos de maneira coerente , pois, como é de conhecimento de todos, a dor torácica não é patognomônica de Síndrome Coronariana Aguda. Desse modo, deve-se rastrear achados e dados da anamnese e do exame físico que guiem o raciocínio clínico na direção certa. Isso porque, apesar de muitos acometimentos patológicos que causam dor torácica poderem ser benignos, existem doenças que se manifestam com quadros de dores no peito que podem culminar na morte do paciente, sendo que o tratamento de uma pode ser o inverso do utilizado em um diagnóstico diferencial. EXAME FÍSICO O exame físico é frequentemente normal nos pacientes com SCA, sendo mais importante para estabelecer gravidade e auxiliar em seu diagnóstico diferencial. Deve ser realizado simultaneamente com a adoção das primeiras medidas para tratamento das SCA. Provavelmente, o principal diagnóstico diferencial a ser realizado é a dissecção aguda de aorta, na qual o tratamento anticoagulante ou com múltiplos antiplaquetários pode ser bastante danoso. A pesquisa de diferença de pulsos radiais ou de membros inferiores em relação aos superiores é de fundamental importância para identificar essa condição em alguns casos, antes mesmo da realização de exames adicionais. Durante um episódio de dor anginosa podem ser flagrados: estertores pulmonares e terceira bulha; sinais de disfunção ventricular esquerda transitória; bem como sopro sistólico transitório de regurgitação mitral, resultado da isquemia dos músculos papilares. Esses achados, quando positivos, indicam maior gravidade e pior prognóstico. O achado de quarta bulha, resultante de transitória disfunção diastólica, está presente em mais de 90% dos casos na vigência de isquemia aguda, embora não guarde relação com prognóstico. Obs.: Muitos pacientes possuem exame físico alterado não pela doença coronariana em si, mas sim pelos seus fatores de risco. Por exemplo: HAS; obesidade centrípeta e acantose nigricans (resistência à insulina); diminuição e assimetria dos pulsos periféricos, sopro carotídeo e aneurisma de aorta abdominal (aterosclerose); xantomas e xantelasmas (hipercolesterolemia); alterações características no fundo de olho (HAS/DM); manchas nicotínicas nas pontas dos dedos. EXAMES COMPLEMENTARES Todo paciente sob suspeita de doença coronariana deve realizar uma série de exames “de rotina”visando à identificação de fatores de risco cardiovascular. Hemograma, lipidograma, função renal, glicemia/hemoglobina glicada, pesquisa de microalbuminúria e, no contexto clínico apropriado, função tireoideana, são parâmetros que sempre devem ser analisados e monitorados nesses indivíduos. Outro marcador inespecífico que tem sido valorizado é a dosagem de proteína C reativa. Este reagente de fase aguda (mesmo quando discretamente aumentado) é considerado fator de risco independente para morbimortalidade cardiovascular em coronariopatas. Quanto mais “inflamado” estiver o paciente, maior o risco de “instabilidade” e rotura das placas de ateroma. Obs.: Evita-se a coleta de exames que possam requerer punção arterial, uma vez que o tratamento dessa condição requer algumas medicações antitrombóticas. ELETROCARDIOGRAMA O paciente com dor torácica deve realizar um ECG em, no máximo, 10 minutos a partir de seu contato com a equipe de saúde. É particularmente importante realizá-lo durante a presença de sintomas. O ECG é o exame central que dividirá a SCA em SCAcsST ou SCAssST. Nele, buscam-se principalmente as seguintes alterações: Desvios significativos do segmento ST em relação ao espaço PR. Ondas T invertidas. Presença de ondas Q patológicas. Quaisquer dessas alterações devem estar presentes em duas ou mais derivações contíguas, de modo a caracterizar uma parede ventricular. As ondas Q não sugerem isquemia aguda, mas indicam IAM prévio. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA Como mencionado anteriormente, as SCA são divididas em dois subtipos, conforme a presença ou a ausência de elevação de segmento ST. Considera-se SCAssST a elevação em 1 mm nas derivações periféricas ou 2 mm nas derivações precordiais, em duas ou mais derivações contíguas. Adicionalmente, considera-se IAMcsST a presença de bloqueio completo de ramo esquerdo (BRE) novo ou supostamente novo. A identificação do IAMcsST modifica a prioridade do tratamento, como será mostrado adiante. Ainda que existam critérios que permitam diferenciação do BRE antigo àquele ligado ao IAM, não é recomendada essa diferenciação em ambiente de emergência. Assim, todo paciente apresentando dor precordial típica com BRE novo ou supostamente novo deve ser considerado como tendo IAMcsST, com semelhante prioridade em abrir a artéria culpada. ▪ Localização da parede afetada É possível identificar ao ECG a parede provavelmente acometida e sua artéria culpada. Sempre que for flagrado um supradesnivelamento de parede inferior (D2, aVF e D3), faz-se necessário realizar um ECG com as derivações precordiais direitas (V3R e V4R) para identificar um possível IAM de ventrículo direito, o que contraindica o uso de algumas medicações e traz uma preocupação adicional ao emergencista sobre o estado da pré-carga do ventrículo esquerdo. Pode ser útil também realizar as derivações V7, V8 e V9, com intuito de identificar IAM de parede posterior, especialmente se o supradesnivelamento do segmento ST de parede inferior estiver acompanhado de infradesnivelamento de parede septal. ▪ IAMssST Todo paciente com quadro clínico de SCA que não apresente supradesnivelamento conforme descrito e não apresente BRE novo ou supostamente novo deve ser considerado como tendo SCAssST e, assim, deve ser tratado como tal. Qualquer outra alteração sugestiva de isquemia reforça a hipótese diagnóstica, mas é importante frisar que, com frequência, o ECG não mostra alterações típicas de isquemia, o que não afasta SCA, uma vez que a dor precordial define a síndrome. A existência de um ECG prévio para comparação é bastante útil em algumas situações, principalmente nos casos de pseudonormalização do supradesnivelamento de ST e onda T e nos casos de BRE prévio. Outro conceito importante que todos os profissionais que lidam com pacientes com possível isquemia devem ter em mente é a necessidade de repetir o ECG com alguma frequência para flagrar o momento de alteração eletrocardiográfica isquêmica, especialmente quando há dor recorrente. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS QUANTO AO SUPRA DE ST Apesar do supra de ST ser critério diagnóstico para IAMSST, nem todo supradesnivelamento é característico de infarto com supra, sendo necessária a observação dos diagnósticos diferenciais para tal achado ao ECG, os quais podem ser observados na tabela a seguir: MARCADORES DE NECROSE MIOCÁRDICA Estes marcadores distinguem AI de IAM e podem quantificar tecido miocárdico que sofreu necrose, além de estimar prognóstico. Existem dezenas de tipos e subtipos de marcadores de necrose miocárdica (MNM), sendo CK-MB e troponinas os mais importantes. É necessário interpretar os valores desses marcadores a partir do momento de início da dor. ▪ CK-MB A CK-MB é o marcador mais amplamente disponível. Eleva- se após 4 a 6 horas, atinge o pico em cerca de 12 a 24 horas e normaliza-se em 48 horas. Pode ser medida a atividade da CK-MB ou, com mais acurácia, a massa de CK-MB. Quando testada a atividade de CK-MB é necessário mensurar também a CPK total. A relação CK-MB atividade/CPK entre 4 e 25% sugere IAM. A CK-MB atividade é menos específica para necrose miocárdica que as troponinas, uma vez que pode estar discretamente elevada em alguns indivíduos sadios e pode se elevar em casos de lesões musculares esqueléticas, de útero, cérebro, entre outros. A CK-MB massa tem maior acurácia, assim como as troponinas. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA ▪ Troponinas As troponinas disponíveis para aplicação clínica são as troponinas I e T cardioespecíficas. Em geral, nenhuma delas é detectada em indivíduos sadios. O critério universal para definição de IAM é o padrão de elevação e/ou queda de concentração de troponina, com pelo menos um valor acima do percentil 99 de uma população de referência normal, na presença de características clínicas compatíveis com a SCA. As troponinas elevam-se a partir de 4 a 6 horas após IAM, com pico em torno de 14 a 24 horas e com normalização em 5 a 10 dias para troponina I e 10 a 14 dias para troponina T. O tratamento de SCA não deve ser postergado em função da espera pela elevação dos MNM. Além disso, um supradesnivelamento do segmento ST mantido em paciente com achados clínicos compatíveis praticamente confirma tratar-se de IAMcsST. A troponina é o mais sensível marcador cardíaco, servindo principalmente para prognóstico em caso de valores aumentados em 72 horas nos pacientes com IAMcsST. Nos pacientes com IAMssST e angina instável, ela se torna muito importante tanto para o diagnóstico como para o prognóstico. A recomendação de tempo de coleta da amostra de sangue, de realização do exame em laboratório central e de recebimento do resultado não deve ultrapassar mais que 60 minutos, caso contrário a indicação deve ser a utilização de aparelhos portáteis de avaliação tipo point of care na beira leito. A troponina T ultrassensível já disponível é capaz de encurtar o tempo de detecção para menos de 3 horas do início dos sintomas, facilitando o diagnóstico do IAMssST e da angina instável. Obs.: O diagnóstico do IAMSST é, aliado à clínica compatível, eminentemente eletrocardiográfico, não necessitando que seja aguardada a dosagem sérica da troponina, uma vez que essa pode demorar a se elevar (lembre-se de que TEMPO É MÚSCULO!). Sendo assim, a presença do supradesnivelamento do segmento ST é suficiente para que o paciente seja elencado como de tratamento urgente. OUTROS EXAMES ▪ Radiografia de tórax A radiografia de tórax é útil para identificar possíveis diagnósticos diferenciais da SCA, como dissecção aguda de aorta, pneumotórax espontâneo, tromboembolia pulmonar e pneumonia. Um achado anormal de alargamento de mediastino sugerindo um aneurisma de aorta que se rompeu deve levar à preferência pela reperfusão mecânica em vez de fibrinólise química. A radiografia de tórax, no entanto, não deve retardar afibrinólise em pacientes com IAMcsST e dor torácica típica, sem irradiação da dor para as costas e sem importante elevação pressórica. ▪ Ecocardiograma Pela disponibilidade e facilidade da utilização de equipamentos portáteis de ecocardiografia, esse exame tem sido cada vez mais utilizado para auxiliar o diagnóstico de IAM quando existem dúvidas. Alterações de contratilidade regional aparecem rapidamente após a oclusão coronariana, bem antes da necrose miocárdica. A ausência desses achados exclui infartos significativos, porém a presença deles carece de especificidade, já que podem ser encontrados em outras circunstâncias, como áreas de infarto antigo. Nos pacientes em que o diagnóstico diferencial entre IAM e dissecção de aorta não estiver claro, o ecotransesofágico é de grande valia. ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO NA ADMISSÃO Dada a heterogeneidade dos grupos que se enquadram em síndromes isquêmicas sem supra de ST (IAM sem supra e angina instável), faz-se necessária a estratificação de risco desses pacientes: IAMCSST Embora existam diversos escores de estratificação de risco para pacientes com IAMcsST, essa estratificação, nesse grupo em particular, é de pouca aplicabilidade na emergência, uma vez que o tratamento desses pacientes é quase sempre inicialmente agressivo. A classificação de Killip, embora antiga (publicada em 1967, antes mesmo da diferenciação dos dois tipos de SCA, ou mesmo das estratégias de reperfusão coronariana) é a mais simples e mais utilizada. Já o escore TIMI para IAMcsST, é menos antigo e consiste em uma soma ponderada de vários critérios como: SCASSST Existem várias classificações e escores para estratificar o risco de eventos em pacientes com SCAssST. Os mais usados são: critérios de Braunwald, escore TIMI para SCAssST e Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA escore GRACE. Desses, o escore GRACE parece ser o melhor em estratificar riscos, porém não é tão prático quanto os dois primeiros .Entre os critérios de Braunwald, a presença de um único fator de alto risco caracteriza o paciente nesse grupo, mesmo que vários outros fatores característicos de risco intermediário estejam presentes. O paciente só é considerado de risco intermediário na ausência de qualquer das características de alto risco e na presença de pelo menos uma característica de risco intermediário. TRATAMENTO MEDIDAS GERAIS A primeira abordagem terapêutica ao paciente com suspeita de SCA deve ser, além de mantê-lo em repouso – se possível, em decúbito horizontal – realizar monitoração de ECG, pressão arterial não invasiva e oximetria. Deve-se, também, oferecer oxigênio e obter um acesso venoso antecubital, além de continuar colhendo, de forma dirigida, detalhes da história e do exame físico. TRATAMENTO MEDICAMENTOSO COMUM Quanto ao tratamento medicamentoso comum a SCAcsST ou SCAssST, pode ser útil a lembrança do acrônimo MONABCH. Muitos novos antiagregantes e antitrombóticos estão em estudo para aplicação ao tratamentos das SCA, alguns já com fase III concluída. Obs.: É recomendada a sedação leve para pacientes com SCA que estejam tensos ou inquietos, se não houver contraindicações, preferencialmente com benzodiazepínicos em dose baixa (p. ex., diazepam, 5 mg, a cada 8 horas). MORFINA Trata-se de um potente analgésico, com potencial ação vasodilatadora, sobretudo no leito venoso. Ainda que exista análise de registro sugerindo que o uso da morfina possa aumentar a mortalidade, essa análise é sujeita a importantes vieses, de modo que sua utilização é recomendada quando há persistência de dor após o uso de nitrato sublingual. O fármaco promove redução de pressão arterial, da pré-carga, do consumo miocárdico de oxigênio e dos sintomas congestivos, sendo, portanto, de grande valor nos casos de congestão pulmonar associada. Há ainda o desejado efeito ansiolítico, fundamental no cenário das SCA. Não deve ser utilizada em pacientes hipotensos ou bradicárdicos. Os principais efeitos colaterais são depressão respiratória, rebaixamento do nível de consciência, hipotensão e bradicardia. Seu antagonista é o naloxone. Obs.: No caso de pacientes que utilizam qualquer anti- inflamatório não esteroidal, seu uso deve ser interrompido imediatamente. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA OXIGÊNIO Todos os pacientes sintomáticos devem receber oxigênio durante a fase inicial do tratamento, para se obter a saturação arterial acima de 90%. Questiona-se o uso de oxigênio suplementar entre os pacientes normoxêmicos; porém, as diferentes diretrizes sugerem uso de oxigênio por cateter nasal em fluxo baixo nesses casos durante as primeiras horas. Nos casos de edema agudo de pulmão, deve ser feita breve tentativa de ventilação não invasiva com pressão positiva. Se houver comprometimento respiratório importante mantido ou colapso hemodinâmico, deve-se optar por ventilação mecânica invasiva por meio de tubo orotraqueal. NITRATOS A utilização de nitratos permite a redução da pré-carga, da tensão na parede do ventrículo esquerdo e, consequentemente, do consumo miocárdico de oxigênio. Além disso, promove discreta vasodilatação coronariana. Quando a SCA é decorrente de vasoespasmo (como na angina de Prinzmetal), a dor e a alteração eletrocardiográfica podem resolver-se rapidamente. Não há demonstração de redução de mortalidade com o uso de nitratos; no entanto, eles são altamente eficazes e constituem o grupo de escolha para o controle inicial da dor isquêmica, hipertensão e congestão pulmonar. São ainda úteis para identificação de alterações eletrocardiográficas dinâmicas. Obs.: É importante destacar que nitratos não devem ser indicados a pacientes que utilizaram inibidores da fosfodiesterase (sildenafil, tadalafil ou vardenafil) para tratamento de disfunção erétil nas últimas 24 a 48 horas, já que essa associação pode levar à hipotensão prolongada e grave, com risco de hipofluxo coronariano, piora da angina e infarto. TRATAMENTO ANTIPLAQUETÁRIO ▪ Ácido acetilsalicílico O ácido acetilsalicílico exerce ação antiagregante plaquetária pela inibição irreversível da ciclo-oxigenase-1, reduzindo a síntese de tromboxano A2. A ação do ácido acetilsalicílico, tanto nas SCAssST quanto nas SCAcsST, é amplamente estudada e considerada a terapia mais importante na redução de morbidade e mortalidade dessas condições. Sua única contraindicação absoluta é o antecedente de alergia aos salicilatos. Úlcera gastrointestinal com ou sem hemorragia ou outros sangramentos ativos são contraindicações relativas, que devem ser pesadas na vigência de quadro agudo de SCA. ▪ Outros antiagregantes plaquetários O clopidogrel e o prasugrel são tienopiridínicos oferecidos como pró-drogas que, após ativação pelo citocromo P450 no fígado, inibem irreversivelmente o receptor P2Y12. O prasugrel tem ação mais rápida e mais potente que o clopidogrel. Já o ticagrelor, uma ciclopentiltriazolpirimidina que inibe reversivelmente esse mesmo receptor, também de modo potente, tem meia-vida mais curta e exige utilização em duas tomadas diárias. ▪ Clopidogrel O clopidogrel é uma medicação segura e apresenta atualmente fortes evidências para seu uso em associação ao ácido acetilsalicílico, tanto nas SCAssST quanto nas SCAcsST, mesmo as tratadas com fibrinolíticos ou com angioplastia. Clopidogrel é administrado com ataque de 300 mg, VO, e manutenção subsequente com 75 mg ao dia, por um tempo a ser definido conforme o tipo de tratamento empregado. Novo ataque de 300 mg pode ser oferecido se o paciente realizar o cateterismo e for identificada necessidade de angioplastia de urgência. Alguns pacientes, em frequência bastante variável na literatura, podem apresentar resposta reduzida ao clopidogrel, mas até o momento não existe um teste simples e confiável que possa ser incorporado à prática clínica para identificar esses indivíduos.O fármaco deve ser interrompido cinco dias antes de procedimentos cirúrgicos de grande porte, como cirurgia de revascularização miocárdica. ▪ Ticagrelor O ticagrelor apresenta a vantagem de ter meia-vida mais curta, o que pode ser útil em casos de sangramento, e de ser mais potente que o clopidogrel. Foi testado principalmente no estudo PLATO e tem como efeitos colaterais mais importantes: maior chance de pausas ventriculares, especialmente na fase aguda da SCA, e dispneia sem associação com disfunção ventricular. Sua dose de ataque é de 180 mg, seguido de 90 mg a cada 12 horas. Seu uso em concomitância com fibrinólise química não foi adequadamente testado. ▪ Prasugrel O prasugrel, em face à metodologia desenvolvida no estudo TRITON-TIMI 38, tem indicação muito particular a pacientes com anatomia coronariana conhecida, que serão submetidos imediatamente à reperfusão coronariana percutânea. Deve ser administrado na dose de 60 mg de ataque e 10 mg de manutenção. Não deve ser usado em pacientes idosos ou com passado de acidente vascular encefálico (AVE), e a dose deve ser corrigida em pacientes de baixo peso (< 60 kg). Seu uso em pacientes submetidos à Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA trombólise química não é aconselhável por não ter sido testado nessa condição. ▪ Inibidores da glicoproteína IIbIIIa (iGPIIbIIIa) Os iGPIIbIIIa (abciximabe e tirofiban) bloqueiam a glicoproteína IIbIIIa da superfície plaquetária, inibindo a via final do processo de agregação. O abciximabe é um anticorpo que age diretamente contra os receptores IIbIIIa, enquanto o tirofiban é um peptídio que compete seletivamente com o fibrinogênio por esse mesmo receptor. O abciximabe deve ser utilizado exclusivamente na intervenção coronariana percutânea, e sua indicação mais frequente depende de achados de alta carga trombótica ao cateterismo, o que não é alvo deste capítulo. Já o tirofiban, que tem meia-vida bem mais curta que o abciximabe, pode ter aplicação mais ampla, sendo possível sua indicação a pacientes com SCAssST de alto risco, especialmente diabéticos, se os sintomas recorrerem a despeito de terapêutica máxima. BETABLOQUEADORES A perfusão coronariana ocorre especialmente durante a diástole, já que durante a sístole a vigorosa contração miocárdica impede o adequado fluxo sanguíneo por esses vasos. Os betabloqueadores aumentam o período diastólico e, consequentemente, a perfusão coronariana, diminuem o consumo miocárdico e os sintomas isquêmicos, além de facilitar o controle da hipertensão e das taquiarritmias associadas à isquemia aguda do miocárdio. Os betabloqueadores podem ser administrados por via oral (VO) ou venosa. Com os resultados do estudo COMMIT, tem sido adotada maior cautela em não reduzir muito rapidamente a frequência cardíaca e evitá-los em pacientes com congestão pulmonar ou sinais de insuficiência cardíaca (IC). Assim, restringe-se o uso dos betabloqueadores venosos a pacientes com sintomas isquêmicos persistentes após uso de nitrato e morfina, importante elevação pressórica ou arritmias ventriculares recorrentes. ▪ Contraindicações Os betabloqueadores não são indicados a pacientes com broncoespasmo, bradicardia, congestão pulmonar, bloqueio atrioventricular, pressão arterial sistólica menor do que 90 mmHg ou redução de 30 mmHg em relação à pressão basal. A doença arterial periférica não costuma ser uma contraindicação nesse cenário, em que o uso desse medicamento é tão importante. Os bloqueadores de canais de cálcio podem substituir os betabloqueadores quando estes forem contraindicados por broncoespasmo ou em casos de angina de prinzmetal. Além disso, podem ser úteis como adjuvantes no controle pressórico ou em raros casos de isquemia refratária. Os não di-hidropiridínicos (diltiazem e verapamil) agem inibindo inotropismo e cronotropismo cardíacos e, por isso, são priorizados nas SCA. Verapamil e diltiazem, no entanto, devem ser evitados em pacientes com bradicardia ou bloqueio atrioventricular. Se houver disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, amlodipina é a opção mais segura. Nenhum bloqueador dos canais de cálcio deve ser utilizado em pacientes hipotensos. TRATAMENTO ANTICOAGULANTE ▪ Heparina não fracionada A heparina não fracionada (HNF) age ativando a antitrombina circulante, uma enzima proteolítica que inativa os fatores IIa (trombina), IXa e Xa. Sua ação principal é a de evitar a propagação do trombo, porém, não é capaz de dissolver trombos pré-formados. Para garantir a efetividade da HNF, é fundamental a monitorar periodicamente o tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) e ajustar a dose de acordo com a relação dos tempos. Durante o tratamento com HNF, a contagem de plaquetas deve ser monitorada. Plaquetopenia discreta pode ocorrer precocemente em 10 a 20% dos pacientes. Apenas 1 a 2% dos pacientes apresenta quadros graves, geralmente em 4 a 14 dias após o início do tratamento. ▪ Heparina de baixo peso molecular A heparina de baixo peso molecular (HBPM) quando comparada à HNF tem comportamento mais homogêneo, melhor biodisponibilidade e meia-vida mais longa. Sua ação inibe predominante o fator Xa. Seu efeito anticoagulante é previsível e reprodutível, não sendo necessário rotineiramente o controle dos tempos de coagulação. Excepcionalmente, em pacientes com insuficiência renal, obesos (acima de 100 kg) e idosos, pode ser necessário ajuste da dose padronizada e/ou medida da atividade anti- Xa. ▪ Fondaparinux O fondaparinux é um inibidor direto do fator Xa. Sua dose em IAMcsST, quando a opção for por trombólise, é de 2,5 mg, EV, seguida da mesma dose, SC, ao dia durante a hospitalização – a dose terapêutica é a mesma dose profilática de trombose venosa profunda. Em SCAssST não é necessária a administração EV. Aparenta ser uma droga segura quanto à redução de sangramentos maiores. No entanto, apresenta risco de trombose de cateter quando realizada intervenção percutânea e, por isso, deve receber reforço com HNF (50 a 60 U/kg, em bolo) antes desse procedimento. Não deve ser usado na angioplastia primária. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA TRATAMENTO DA SÍNDROME CORONARIANA AGUDA COM SUPRA DE ST A identificação de um IAMSST requer, como necessidade urgente, a terapia de reperfusão, caso os sintomas tenham começado a menos de 12 horas. É importante que a decisão seja tomada rapidamente, a fim de evitar a progressão da isquemia miocárdica (lembre-se de que TEMPO É MÚSCULO!). A reperfusão miocárdica pode ser feita por meio do procedimento percutâneo, via cateterismo, ou por via farmacológica, fazendo o uso de fibrinolíticos. E para decidir entre essas duas opções da melhor forma possível, deve-se ter em mente o conceito de tempo porta-balão. Obs.; O tempo porta-balão consiste no tempo da entrada do paciente no serviço até o balonamento via cateter da artéria coronariana. CATETERISMO X ANGIOPLASTIA Caso o paciente consiga ser encaminhado para a sala de hemodinâmica do hospital para realizar o cateterismo em até 90 minutos após a sua chegada no serviço de emergência, deve-se optar pela realização da angioplastia primária. Caso o hospital em questão não possua serviço de hemodinâmica, mas o paciente pode ser transferido para um outro centro de saúde que o tenha, deve-se optar pela angioplastia no caso de o tempo porta-balão para esse paciente, incluindo a sua transferência para o serviço especializado, for de até 120 minutos. Caso não haja a possibilidade de cumprir com esses intervalos temporais, é recomendada a terapia fibrinolítica para o paciente, devendo ser seguida a consideração de transferência em um período de 3 a 24 horas para um centro com serviço de hemodinâmica. Essa tomada de decisão não é algo que deve ser feito no momento. Deve-se já ter em mente as condições do local em que se trabalha para avaliar se um paciente, ao ser diagnosticado com IAMSSTdeve ser transferido do pronto ou não. A angioplastia primária consiste em um tratamento superior à terapia fibrinolítica, uma vez que estudos demonstram que ela traz consigo menores índices de mortalidade, reinfarto e AVC. É a melhor opção para aqueles que cumprem os critérios quanto ao tempo porta-balão, bem como para aqueles que sofreram choque cardiogênico, independentemente de critérios temporais. O procedimento consiste na inserção de um cateter por meio de uma entrada arterial. Guia-se o dispositivo até o ponto coronariano acometido, infla-se um balão, a fim de desobstruir a artéria, e firma-se a abertura do vaso com um stent, que impede a retração elástica do vaso pós-balonamento. ▪ Opções de Stents Para a colocação do stent, existem opções quanto ao tipo farmacológico e não farmacológico. O stent farmacológico é recoberto por drogas anti-proliferativas, como paclitaxel, reduzindo a possibilidade de proliferação endotelial no interior do stent, de modo a reduzir as taxas de reestenose (nova aterosclerose no interior do stent) e, por consequência, diminui a necessidade de novas intervenções posteriores. Porém, essa classe está associada ao aumento do risco de trombose, principalmente quanto aos stents farmacológicos de primeira geração. Por outro lado, o stent convencional tem como benefício a diminuição do tempo requerido de anti-agregação plaquetária, dado que o risco de trombose é menor. Logo, deve-se avaliar a condição do paciente, seu prognóstico e sua história prévia para, dentro das possibilidades, escolher entre o melhor stent para ele. Apesar dessas características, ressalta-se que em termos de mortalidade, ambos os dispositivos são equivalentes. FIBRINÓLISE Nos casos em que não seja possível cumprir os requisitos do tempo porta-balão, deve-se proceder com a terapia fibrinolítica. O ideal é que o tempo de chegada até a punção venosa para iniciar o tratamento (tempo porta-agulha) seja menor do que 30 minutos, sendo o ideal em até 10 minutos. Reiterando a necessidade de urgência do tratamento, o Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA benefício é maior quando a terapia tem o seu início em até 2 horas a partir do início do quadro (quanto mais precoce, melhor), uma vez que com o passar do tempo, a organização do trombo, bem como a sua firmação, reduz a capacidade do agente fibrinolítico de dissolver esse trombo. A fibrinólise pode ser feita com o uso da streptoquinase (SK), administrando-se 1,5 milhões de UI entre 30 e 60 minutos. Ela possui efeitos colaterais alérgicos, como urticária e hipotensão e, além disso, ela já não é mais tão utilizada. O tratamento é feito majoritariamente com os novos fibrinolíticos, que apresentam melhores resultados, dado que são fibrinoespecíficos. Um deles é a alteplase (Tpa), que deve ser administrada em uma dose de 15 mg em bolus, seguida de manutenção de 0,75 mg/kg após 30 minutos e de 0,5 mg/kg após 60 minutos da primeira dose de manutenção, de modo que o tratamento dura uma hora e meia. Pode-se utilizar também a tenecteplase (TNK). SEGUIMENTO Uma vez realizada uma das terapias fibrinolíticas, deve-se ficar atento para o aparecimento dos Critérios de Reperfusão entre 60 a 90 minutos após o tratamento. O primeiro critério é eletrocardiográfico, consistindo na redução de, pelo menos, 30 a 50% do supra de ST, devendo ter como referência a derivação que apresentava a maior elevação do segmento ST. O segundo critério é sintomático e consiste na melhora da dor referida pelo paciente. Em caso positivo, adota-se a estratégia farmacoinvasiva, na qual, após a fibrinólise, o paciente deve ser encaminhado para o cateterismo dentre 2 a 24 horas, uma vez que se sabe que o fibrinolítico pode não ser capaz de desobstruir completamente a artéria do paciente, de modo que esse necessitará de uma angioplastia. Nos casos em que não forem satisfeitos os critérios de reperfusão, o paciente é classificado como urgente, devendo ser submetido a uma angioplastia de resgate. ESTRATÉGIA CONSERVADORA VERSUS ESTRATÉGIA INVASIVA PRECOCE (EXCLUSIVO PARA SCASSST) A estratégia invasiva precoce define-se pela realização rotineira de cineangiocoronariografia nas primeiras 48 horas de sintomas, mais frequentemente nas primeiras 24 horas, a fim de intervir precocemente na lesão culpada. Já a estratégia conservadora consiste em manter tratamento clínico e somente seguir para cateterismo se houver recorrência de isquemia ou após um teste para estratificação não invasiva. Habitualmente, a estratégia invasiva precoce é realizada entre pacientes com SCAssST estratificados como risco elevado ou intermediário, enquanto a estratégia conservadora costuma ser reservada a pacientes estratificados como de baixo risco. A cineangiocoronariografia precoce pode se tornar de indicação imediata entre pacientes com SCAssST caso ocorra uma destas três condições, a despeito de tratamento otimizado: dor refratária ou recorrente; instabilidade hemodinâmica; ou instabilidade elétrica, caracterizada por arritmias ventriculares complexas. TRATAMENTO ADJUVANTE A terapia adjuvante não é exatamente o foco da primeira hora de atendimento do emergencista. Entretanto, como alguns pacientes permanecem por um longo período no pronto-socorro, é conveniente que todos os emergencistas conheçam alguns princípios básicos que serão sugeridos pelo cardiologista que acompanhará o paciente. Inibidores da enzima de conversão da angiotensina (iECA) são recomendados a pacientes portadores de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, hipertensão, diabetes ou doença vascular periférica (cerebrovascular ou de membros inferiores). Nessa população, os iECA são capazes de reduzir a incidência de infarto, AVE e mortalidade; portanto, devem ser introduzidos precocemente. Na presença de intolerância aos iECA (tosse persistente ou angioedema), bloqueadores dos receptores de angiotensina-II são a opção de escolha. Devem ser indicados ainda nas primeiras 24 horas após realizado todo o tratamento inicial proposto e mantida a estabilidade clínica. Deve-se iniciar por uma dose baixa, com progressiva elevação nos dias posteriores. Obs.: Outras medidas específicas, como inibidores da aldosterona, podem ser necessárias fora de um contexto agudo. COMPLICAÇÕES MECÂNICAS PÓS -INFARTO As complicações mecânicas consistem em uma alteração da anatomia normal do coração, decorrentes dos déficits espaciais gerados pela necrose. Essas complicações são sempre acompanhadas por choque cardiogênico, que consiste em um quadro de hipoperfusão gerado por baixo débito cardíaco, dado o acometimento da plena capacidade do coração em suprir as demandas do organismo. Logo, é bem intuitivo que alterações graves como essas sejam mais Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA relacionadas ao IAMSST (IAM transmural). Em linhas gerais, elas podem ser divididas em: Funcionais - Insuficiência ventricular esquerda ,Insuficiência ventricular direita, Choque cardiogênico Mecânicas - Rotura de parede livre, Comunicação interventricular Insuficiência mitral aguda Elétricas - Bradiarritmias (Bloqueios atrioventriculares de 1º, 2º e 3º grau Taquiarritmias (ventricular e supraventriculares) Obs.: Devemos atentar para os fatores de risco que aumentam susceptibilidade do paciente para o desenvolvimento desse quadro. O primeiro deles consiste em um pico muito elevado dos marcadores de necrose miocárdica, principalmente a troponina, uma vez que representa maior quantidade de músculo acometido. A escassez de circulação colateral, quando de um primeiro evento isquêmico, também aumenta a chance de evolução para complicações mecânicas, dado que o coração, nesse caso, possui poucos vasos para tentar suprir a área isquemiada. ROTURA DE PAREDE LIVRE A rotura de parede livre ocorre geralmente do terceiro ao quinto dia pós- -IAM, podendo ocorrer em até duas semanas após o evento. Nesse caso,a isquemia gera a ruptura da parede miocárdica, gerando o extravasamento de sangue para o pericárdio e, com isso, gerando o quadro de tamponamento cardíaco. A continuidade desse extravasamento faz com que o débito cardíaco caia, uma vez que há menos sangue em circulação, levando o paciente ao choque, evoluindo na maioria das vezes para óbito nos casos de rotura total da parede ventricular esquerda. COMUNICAÇÃO INTERVENTRICULAR A comunicação interventricular pode ocorrer entre o terceiro e quinto dia pós-infarto. Essa complicação decorre do acometimento do suprimento vascular do septo interventricular, que é suprido pela artéria descendente anterior (em seus dois terços anteriores) e pela descendente posterior (em seu terço posterior). INSUFICIÊNCIA MITRAL A insuficiência mitral aguda pode ocorrer no período entre 2 a 7 dias após o IAM, sendo decorrente da ruptura do músculo papilar ou das cordas tendíneas da valva mitral. Devemos lembrar que a valva mitral possui dois aportes musculares: o músculo papilar anterolateral, que é irrigado pelas artérias descendente anterior e circunflexa; e o músculo papilar posteromedial, cuja irrigação é feita por meio da artéria coronária direita. Logo, obliterações desses ramos arteriais podem cursar com isquemia desses músculos, os quais podem se romper por necrose ou podem simplesmente perder a sua patência, gerando frouxidão que cursa com insuficiência desse músculo para sustentar a cordoalha tendínea. CUIDADOS PÓSTRATAMENTO E PRÉ -ALTA Nos casos de IAM sem complicações pós-tratamento com angioplastia primária, a internação dura cerca de três dias. Durante a fase final da hospitalização, o paciente deve retomar suas atividades, mas ainda deve ser monitorado, devendo a terapia medicamentosa deve ter preferência pela via oral, que é adequada para que o paciente a utilize fora do ambiente hospitalar. AVALIAÇÃO Deve ser realizada uma avaliação funcional antes da alta, incluindo um ECG para avaliar a função ventricular esquerda e um teste de estresse deve ser aplicado em determinados pacientes, como naqueles que receberam que foram classificados de baixo risco. MEV Devem ser incentivadas medidas de mudança do estilo de vida, como dieta, atividade física, tabagismo e outros fatores de risco (dislipidemia, HAS e diabetes). Os tratamentos ambulatoriais e de prevenção secundária devem ser revistos, devendo ocorrer um planejamento para o acompanhamento. Junto a isso, o paciente com alta deve ser referenciado para a reabilitação cardíaca, dado o fato de que essa possui efeitos de melhoria quanto ao desfecho desse paciente. FONTES Síndromes coronarianas agudas - Treinamento de Emergências Cardiovasculares Avançado Clínica Médica – USP Síndrome Coronariana Aguda (SCA) sem Supradesnivelamento do Segmento ST (SSST) - Revista QualidadeHC (USP) Atualização na Síndrome Coronariana Aguda – Revista da SOCESP
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