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Pericardite (definição, quadro clínico, principais etiologias, relacionar com o exame físico, tratamento). Fernanda M. Consolim-Colombo, Maria Cristina de Oliveira Izar, José Francisco Kerr Saraiva. Tratado de cardiologia SOCESP 4a ed. . Editora Manole, 2019. https://pebmed.com.br/pericardite-aguda-quando-a-dor-toracica-nao-e-uma-sindrome-coronariana-aguda/ ⇒ Fisioanatomia: O pericárdio consiste de duas membranas (visceral e parietal) que envolvem o coração, e entre elas encontram-se normalmente cerca de 15 a 50 mL de um líquido seroso e claro. Acredita-se que esse líquido pericárdico aja como lubrificante, diminuindo a fricção do coração durante o ciclo cardíaco. Além disso, o líquido pericárdico teria a função de reservatório de moduladores parácrinos como prostanoides, peptídeos natriuréticos e endotelinas, que podem regular os tônus simpático e coronário, a frequência cardíaca e a pressão arterial (PA), além do possível papel imunológico. ⇒ Pericardite é o processo inflamatório do pericárdio e pode ser de causa primária ou secundária a diversas doenças sistêmicas. As formas agudas e recorrentes são as mais comuns na prática clínica. # O termo pericardite aguda é geralmente utilizado para o primeiro episódio da doença, ao passo que pericardite recorrente refere-se literalmente à recorrência após a remissão inicial, independentemente do intervalo de tempo de reaparecimento. # O termo pericardite crônica é muito usado para aqueles casos de pericardite de curso prolongado, arbitrariamente definido como superior a 3 meses. ⇒ Etiologia⇒ A pericardite idiopática é a forma mais comum de apresentação da pericardite aguda (85% dos casos) ⇒ na grande maioria desses casos a etiologia é viral (não se faz pesquisa viral de rotina na prática clínica devido à relação custo-benefício). # A ação inflamatória é decorrente da ação direta do vírus ou pela resposta imunológica ⇒ As manifestações da doença ocorrem de 1 a 3 semanas após um quadro de infecção viral ⇒ Acometendo preferencialmente indivíduos jovens e têm manifestação clínica em geral autolimitada (geralmente o tratamento clínico é suficiente para promover alívio dos sintomas e prevenir complicações). ⇒ Além das pericardites idiopáticas ou virais, várias patologias também podem cursar com pericardite, tornando extensa a lista de causas potenciais. A pericardite pode ser a primeira manifestação de uma doença autoimunes (relacionadas à lesão do pericárdio, doença do tecido conectivo e formas autorreativas), neoplásicas, desordens metabólicas e pericardites traumáticas ou tuberculosa. # As pericardites bacterianas são raras em adultos e exibem taxa elevada de mortalidade, em torno de 40%. O acometimento do pericárdio, mais comumente, ocorre por extensão direta de uma pneumonia ou empiema. Além disso, a via hematogênica durante uma bacteremia e contaminação após cirurgia torácica ou trauma também são importantes (Os agentes etiológicos mais comuns são os estafilococos, pneumococos e estreptococos). # A pericardite tuberculosa, acomete principalmente indivíduos imunocomprometidos, em especial aqueles infectados pelo vírus HIV ⇒ mortalidade em pacientes não tratados chega a 85%, e a evolução para constrição pericárdica em 30 - 40% ⇒ O diagnóstico se faz pela identificação do Mycobacterium tuberculosis no líquido e/ou tecido pericárdico. A dosagem da adenosina-deaminase (ADA) também é útil para o diagnóstico. Títulos maiores de 40 UI/l são específicos para https://pebmed.com.br/pericardite-aguda-quando-a-dor-toracica-nao-e-uma-sindrome-coronariana-aguda/ pericardite tuberculosa. Estudos indicam que o tratamento com prednisona esteve associado a menor mortalidade e menor necessidade de pericardiocentese e pericardiectomia, entretanto seu uso permanece controverso. # Pacientes com IAM transmural frequentemente são acometidos por diferentes formas de pericardite. Em geral, entre o terceiro e o sétimo dia de evolução, quase metade dos pacientes apresentam inflamação do pericárdio subjacente à área infartada, podendo se traduzir por dor pleurítica ou surgimento de atrito pericárdico, mesmo em indivíduos assintomáticos (Entre 2 e 11 semanas após o infarto, pode ocorrer outra síndrome, caracterizada por febre, infiltrado pulmonar e dor pleurítica). ⇒ Manifestação clínica + diagnóstico de pericardite aguda ⇒ Realizado na presença de pelo menos dois dos seguintes critérios diagnósticos: # Dor característica ⇒ quase sempre presente (em mais de 85% dos casos) com intensidade e duração variáveis e normalmente é precedida de pródromos infecciosos, como febre e mal-estar. A dor é ventilatório-dependente podendo ser retroesternal, precordial ou epigástrica; piora em decúbito dorsal, e melhora quando está em pé ou em posição reclinada para a frente (Em razão da relação com o nervo frênico, a dor irradia caracteristicamente para a região inferior do músculo trapézio, podendo também irradiar para ombros, braços e mandíbula, podendo ser confundida com dor de isquemia miocárdica) # Atrito pericárdico ⇒ é o achado clássico da pericardite aguda, no entanto está presente somente em cerca de um terço dos casos; é decorrente da fricção dos pericárdios visceral e parietal ⇒ Trata-se de um rangido de alta frequência, mais audível ao final da expiração. # Alteração eletrocardiográfica sugestiva ⇒ No ECG os pacientes com pericardite aguda frequentemente exibem alterações eletrocardiográficas compatíveis com inflamação do tecido epicárdico (A intensidade dessas alterações depende de características próprias do paciente, do agente etiológico, do miocárdio associado) ⇒ Às arritmias cardíacas, principalmente atriais, podem ocorrer em qualquer momento do curso da doença ⇒ A presença de complexos QRS de baixa amplitude sugere DP, ao passo que a alternância elétrica de morfologia e amplitude do QRS sinaliza DP volumoso e está associada a tamponamento cardíaco. # Novo derrame pericárdico (DP) ⇒ Melhor explicado ao final. ### Embora a elevação de marcadores inflamatórios como a proteína C reativa não seja critério diagnóstico, trata-se de achado confirmatório e necessário para o diagnóstico de pericardite, conforme alguns autores. # O colapso do átrio direito é sinal sensível de tamponamento cardíaco, ao passo que o colapso do ventrículo direito por tempo maior que um terço da diástole constitui um sinal mais específico. Observa-se aumento da variação respiratória do fluxo sanguíneo através da valva mitral e tricúspide, refletindo a presença de pulso paradoxal. ⇒ Ecocardiograma⇒ exame indicado como parte da avaliação diagnóstica de rotina ⇒ Quando ocorre acometimento concomitante do miocárdio, pode revelar alterações de função e contratilidade cardíacas ⇒ Possibilita a avaliação de comorbidades, como doença isquêmica cardíaca, derrame pleural, dissecção de aorta e pericardite constritiva. # Permite avaliar características do pericárdio como a presença de espessamento (maior que 3 mm) ou aumento de ecogenicidade, que pode ser relacionada a fibrose ou depósito de cálcio ⇒ A detecção do DP por ecocardiografia é relativamente simples e permite a confirmação diagnóstica na suspeita de pericardite. ⇒ Radiografia de tórax⇒ pode mostrar aumento da silhueta cardíaca na presença de DP e colaborar com a suspeita de pericardite (apenas derrames com volume acima de 200 mL são geralmente identificados pela radiografia). # A presença de derrame pleural, alterações concomitantes nos campos pulmonares ou no mediastino podem ser auxiliar no diagnóstico etiológico, como, por exemplo, a observação de cavitações tuberculosas. ⇒ Exames laboratoriais⇒ O hemograma pode revelar leucocitose com predomínio de linfócitos. Elevações acentuadas podem indicar infecção bacteriana ou malignidade, ao passo que leucopenia indica a necessidade de pesquisar doenças autoimunes. A elevação da VHS e da proteína C-reativa é achado comum na pericardite, embora não seja sensível ou específico. A elevação discreta de biomarcadores cardíacos, como a fração MB da creatinoquinase e da troponina, é comume não parece apresentar correlação prognóstica. Nesta situação, deve-se suspeitar da presença de miopericardite. Esquema de avaliação na pericardite. Proposta de triagem para pericardite aguda com base na epidemiologia e preditores de gravidade na apresentação. Pelo menos um critério de gravidade é suficiente para identificar casos de alto risco. Casos de moderado risco são definidos como aqueles sem critérios de gravidade mas resposta incompleta ou ausente à terapia com AINH. Casos de baixo risco são aqueles sem critérios de gravidade e boa resposta aos AINH. ⇒ Tratamento⇒ A pericardite aguda idiopática ou viral tem curso autolimitado na maioria dos casos e responde ao tratamento com AINH que atua reduzindo inflamação e promovendo analgesia. # A droga de escolha é o ibuprofeno por causa de efeitos colaterais raros e impacto favorável no fluxo sanguíneo coronariano⇒ dose recomendada é de 400 a 800 mg a cada 6 ou 8 horas por 14 dias, seguido de esquema regressivo de 600 mg/semana por 3 semanas. # O AAS pode ser utilizado na dose de 500 a 750 mg a cada 6 ou 8 horas por 7 a 10 dias e então regredido 500 mg/semana por 3 semanas. # A indometacina 50 mg a cada 8 horas por 2 semanas seguida de redução gradual a cada 2 ou 3 dias por 3 semanas é uma alternativa, mas deve ser evitada em pacientes com doença arterial coronariana porque reduz o fluxo sanguíneo coronariano, e também na pericardite pós-infarto do miocárdio por comprometer a cicatrização da área infartada. # No caso de infarto do miocárdio, a administração de AAS é a escolha por não interferir no processo de cicatrização do miocárdio. Também é preferida caso exista indicação de antiagregação plaquetária concomitante por qualquer causa. # A colchicina tem mostrado benefício na redução da dor e na prevenção de recorrência (Também parece prevenir a síndrome pós-pericardiotomia que pode ocorrer após cirurgia cardíaca ) ⇒ A colchicina deve ser associada ao AINH na dose de 0,5 mg 2 vezes ao dia em pacientes com 70 kg ou mais, e 1 vez ao dia para aqueles com até 70 kg ⇒ duração do tratamento é de 3 meses na pericardite aguda e de 6 meses na recorrente. O esquema regressivo não é obrigatório, no entanto, pode ser considerada a redução para 0,5 mg/dia (70 kg ou mais) ou 0,5 mg em dias alternados (até 70 kg) nas últimas semanas de tratamento. # A dose de colchicina deve ser reduzida pela metade em idosos com mais de 70 anos. # Em pacientes com insuficiência renal, a dose de colchicina deve ser ajustada pelo clearance de creatinina: 30 a 60 mL/min – 0,5 mg/dia; 10 a 30 mL/min – 0,5 mg a cada 2 ou 3 dias; menos de 10 mL/min – evitar uso crônico. # deve ser evitada na disfunção hepato-biliária grave e em pacientes com doença hepática. ####Apesar dos corticosteróides produzirem resposta rápida no controle dos sintomas e remissão inicial do quadro, há evidência de associação de pericardites de repetição após o uso desses medicamentos ⇒ devem ser considerados apenas naqueles pacientes com pericardites recorrentes não respondedores aos AINH e colchicina, ou como tratamento de uma doença inflamatória sistêmica específica, ou ainda em pacientes anticoagulados com dificuldade em utilizar AINH ⇒ dose usual da prednisona é de 0,25 a 0,50 mg/kg/dia; após resolução da dor e normalização da PCR, inicia-se redução lenta e gradual (2,5 mg a cada 2 semanas). ⇒ Pericardite Recorrente ⇒ episódios repetidos de pericardite, com caráter incessante ou intermitente, em um processo de provável etiologia autoimune ⇒ São considerados intermitentes os casos em que há um intervalo de pelo menos 6 semanas entre as crises (Quando o intervalo é menor que 6 semanas, define-se a pericardite incessante) ⇒ A incidência varia de acordo com a etiologia e acomete em média 30% dos pacientes, comumente entre o 18ª e 20ª mês após o evento inicial. # As principais causas de pericardite recorrente são ⇒ pericardite viral/ idiopática, síndrome pós-pericardiotomia e pós-IAM. Tuberculose, neoplasias e pericardites bacterianas habitualmente não cursam com recorrência. ⇒ Diagnóstico e quadro clínico⇒ O diagnóstico da pericardite recorrente é realizado em pacientes com pericardite aguda prévia documentada, dor torácica sugestiva e quando há a presença de um dos seguintes critérios: - Alterações no ECG: supradesnivelamento difuso do segmento ST, infradesnivelamento de PR. - Atrito pericárdico. - Derrame pericárdico novo ou piora do preexistente ao ecocardiograma. - Elevação de PCR e/ou VHS. - Leucocitose. # Comumente os sintomas na recorrência são menos intensos em relação ao primeiro episódio. A dor torácica é o sintoma mais frequente e habitualmente tem caráter pleurítico, com melhora quando o paciente se senta e com piora quando se deita. Nos casos duvidosos, a ressonância cardíaca com pesquisa de realce tardio deve ser indicada. Esse é o exame não invasivo padrão-ouro para o diagnóstico de pericardite aguda. Pode revelar edema pericárdico e realce tardio após injeção de gadolínio, achados que podem sugerir processo inflamatório em atividade. ⇒ Tratamento da pericardite recorrente ⇒ objetiva o alívio dos sintomas, a melhora da qualidade de vida e a prevenção de complicações. Recomenda-se a investigação etiológica nesses pacientes em busca de causas potencialmente reversíveis e com tratamento específico (p. ex., tuberculose, doenças autoimunes). #### Pericardiectomia⇒ A cirurgia de ressecção do pericárdio pode ser indicada em pacientes com sintomas refratários ao tratamento clínico ou com sinais de complicações como pericardite constritiva e tamponamento. No entanto, trata-se de abordagem invasiva e há relatos de recidiva da pericardite após a cirurgia, provavelmente relacionada à ressecção incompleta do pericárdio. ⇒ Derrame pericárdico (DP)⇒ acúmulo patológico de líquido na cavidade pericárdica. # Classificação do DP: - Início: Agudo (< 1 semana), Subagudo (1 semana a 3 meses) e Crônico (> 3 meses). - Tamanho: Pequeno < 10 mm, Moderado 10-20 mm e Grande > 20 mm - Distribuição: Loculado e Circunferencial - Efeito hemodinâmico: Sem e com tamponamento e Efusivo-constritivo - Tipo/composição: Exsudato, transudato, Hidropericárdio, hemopericárdio, piopericárdio, quilopericárdio, pneumopericárdio. ⇒ Manifestação clínica do DP⇒ depende basicamente da etiologia, do tamanho e da velocidade de acúmulo de líquido no espaço pericárdico ⇒ Derrames pequenos, em geral, não causam restrição ao enchimento das câmaras cardíacas e não determinam sintomas. Entretanto, nos derrames moderados ou grandes, o aumento da pressão pericárdica pode determinar compressão das câmaras cardíacas e restrição ao enchimento diastólico, condição denominada tamponamento cardíaco. # Nos casos de tamponamento, o exame físico habitualmente revela taquipneia com pulmões limpos, taquicardia, hipotensão arterial, abafamento de bulhas, estase jugular e pulso paradoxal. Em alguns casos, o sinal de Kussmaul, caracterizado pela distensão venosa jugular durante a inspiração, pode estar presente, embora ele seja mais frequente em pacientes com pericardite constritiva. ⇒ Pericardite Constritiva ⇒ é consequência da inflamação crônica do pericárdio, que se torna espesso e calcificado desencadeando restrição do enchimento diastólico dos ventrículos, queda do volume sistólico e baixo débito cardíaco. ⇒ Quadro clínico⇒ sugestivo de IC direita com anasarca, ascite, distensão abdominal e edema de membros inferiores, que podem ser agravados por enteropatia perdedora de proteínas. Sintomas inespecíficos incluem fadiga, anorexia, náuseas, dispepsia e perda de peso. Ao exame físico observa-se paciente com caquexia cardíaca, elevação de pulso venoso jugular e sinal de Kussmaul. O knock pericárdico é um achado sugestivo de pericardite constritiva; trata-se de som rude, protodiastólico, que ocorre devido à vibração da parede ventricular na fase de enchimento rápido. Em razão da fisiopatologia semelhante, por vezes é difícil diferenciá-lo da terceira bulha cardíaca (B3). A ausculta pulmonar geralmente revela pulmões limpos.O pulso arterial é usualmente normal, entretanto, nos casos mais graves associados à disfunção ventricular, pode se apresentar filiforme. ####Resumo: As principais síndromes clínicas relacionadas à pericardite crônica são derrame pericárdico, pericardite recorrente e pericardite constritiva. # A pericardite recorrente se caracteriza por episódios repetidos de pericardite, com caráter incessante ou intermitente, em um processo de provável etiologia autoimune ⇒ Seu adequado manejo é essencial para a completa remissão dos sintomas e prevenção das recorrências ⇒ a colchicina deve ser indicada sempre que possível. # Derrames pericárdicos pequenos e sem repercussão hemodinâmica, em geral, não demandam investigação ou tratamento específico ⇒ Contudo os derrames volumosos apresentam risco de tamponamento cardíaco e, por essa razão, exigem investigação etiológica e avaliação para drenagem, preferencialmente por vídeo pericardioscopia. # A pericardite constritiva é uma sequela tardia da pericardite aguda e consiste em fibrose e perda de elasticidade do pericárdio ⇒ ocorre restrição ao enchimento ventricular e insuficiência cardíaca (IC) ⇒ A pericardiectomia é o tratamento de escolha e apresenta bons resultados, com resolução dos sintomas na maioria dos casos.
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