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Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 1 Mírian Santos – 7° semestre Problema 01 – “Não consegue falar” Objetivos: 1. Compreender o AVE isquêmico Definição; Epidemiologia; Classificação; Fatores de risco; Etiologia; Fisiopatologia + breve; Manifestações clínicas; Diagnóstico (Exame neurológico); Diagnóstico diferencial; Indicações de trombolíticos ou não. Acidente Vascular Encefálico O acidente vascular cerebral (AVC) por definição é uma manifestação clinica e/ou anatomopatológica que ocorre devido ao comprometimento da circulação cerebra. É uma das maiores causas de morte e incapacidade funcional no mundo, sendo uma doença complexa e multifatorial. Em algumas regiões do Brasil ainda figura como a principal causa de morte. Caracteriza-se por um déficit neurológico, geralmente focal, de instalação súbita e rápida evolução, decorrente do dano localizado em alguma região cerebral, o qual pode ser de natureza isquêmica (AVCI) 80% dos casos ou hemorrágica (AVCH) 20% dos casos. No caso do AVCI o dano é causado pela redução da oferta tissular de oxigênio e do suprimento energético devido comprometimento do fluxo sanguíneo (isquemia) para aquela respectiva região. O AVCI pode ser classificado com base no mecanismo determinante do fenômeno isquêmico. Os mecanismos mais comuns de AVCI são a trombose de grandes vasos, a embolia de origem cardíaca e a oclusão de pequenas artérias. Caso o fenômeno isquêmico cerebral seja de menor duração e intensidade, não levando ao dano tissular irreversível, o déficit neurológico súbito será́ passageiro, geralmente com duração de poucos minutos, ao que chamamos ataque isquêmico transitório (AIT). No AVCH o dano decorre do rápido extravasamento de sangue no interior do tecido cerebral, ao que chamamos de hemorragia intraparenquimatosa (HIP), com compressão mecânica e comprometimento da anatomia normal do tecido cerebral adjacente, e aumento da pressão intracraniana. Outros prováveis mecanismos de dano secundário incluem citotoxicidade, estresse oxidativo, inflamação e edema. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 2 Mírian Santos – 7° semestre AVE Isquêmico Definição; O acidente vascular encefálico (AVE) isquêmico/obstrtutivo é definido como um episódio de disfunção neurológica causada por estenose ou oclusão vascular (afetando arteria de medio ou pequeno calibre) que resulta em infarto focal no cérebro, na medula espinal ou na retina sem um território vascular específico. Esta oclusão, na maioria das vezes é do tipo embolica (trombo proveniente de local distante que caminha pela circulação arterial até impactar na artéria) 65% dos casos, mas também pode ser trombótica (trombo formado na própria artéria envolvida no AVE). Com um acidente vascular encefálico, os sintomas geralmente persistem por mais de 24 horas, porém os déficits clínicos que persistem por mais de 1 a 2 horas normalmente se associam a dano cerebral permanente, muitas vezes demonstrável por tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM), apesar de recuperação clínica completa (CASO DO REGIONAL). Por comparação, os sintomas de AITs geralmente não persistem por mais de 1 a 2 horas e não causam danos permanentes em estudos de neuroimagem. Os pacientes com AIT estão em risco consideravelmente maior de ter um AVE em horas a dias após um AIT. Classificação; Existem dois tipos de AVE isquêmico embólico: Cardioembólico (forma mais comum nos EUA): a fonte emboligênica é o coração, na maioria das vezes com fibrilação atrial (trom bo no AE), seguida pelo IAM de parede anterior (trombo no VE) e pelas cardiomiopatias dilatadas (trombo em VE e/ou AE); Arterioembólico: é o AVE isquêmico típico dos pacientes hipertensos. A fonte emboligênica geralmente é uma placa aterosclerótica instável (com trombo) na carótida comum ou bifurcação carotídea ou na artéria vertebral. AVE trombótico: O AVE trombótico mais comum é o AVE lacunar (20% dos AVEs isquêmicos), definido por infarto de tamanho inferior a 2 cm (0,2 a 15 mm3 ), causado pela oclusão de pequenas artérias perfurantes cerebrais, que nutrem o tálamo, a cápsula interna e os gânglios da base, ou dos ramos arteriais que irrigam o tronco cerebral. Essas pequenas artérias desenvolvem uma lesão obstrutiva chamada lipo- hialinose (espessamento hialino da camada média), que pode precipitar a trombose in situ. O AVE trombótico de artérias de médio calibre é raro, sendo o mais clássico o AVE pontino extenso pela trombose da artéria basilar. Suspeita-se de AVE trombótico em médias artérias na síndrome do “AVE em evolução” (o deficit neurológico se desenvolve de forma subaguda). Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 3 Mírian Santos – 7° semestre Quando o ecocardiograma transtorácico não evidencia cardiopatias emboligênicas e Doppler de carótidas/vertebrais é normal, o AVE isquemico não pode ser classificado como cardioembólico ou arterioembólico. Este é o AVE criptogênico! Sugere-se que muitos desses casos sejam decorrentes de embolia paradoxal através de forame oval patente, ou que os êmbolos sejam provenientes de placas ateromatosas da aorta ascendente. Epidemiologia; Estima-se que 650.000 AVE isquêmicos agudos ocorram a cada ano nos EUA, sem mencionar outros países. Apesar das DCV serem conhecidas por um aumento progressivo na incidência e prevalência a partir de faixas etárias mais avançadas, dois terços das DCV ocorrem em pessoas menores de 70 anos. A incidência em pessoas mais jovens, além de não estar diminuindo, pode estar aumentando. Uma das razões seria pelo aumento da prevalência de fatores de risco metabólicos e hábitos de vida não saudáveis entre os mais jovens. Fatores de risco; A hipertensão é o fator de risco mais importante no acidente vascular encefálico isquêmico e hemorrágico. A incidência do acidente vascular encefálico aumenta diretamente em relação ao grau de elevação da pressão sanguínea arterial sistólica e diastólica acima dos valores de base. Mais importante, há evidência conclusiva por mais de 30 anos que o controle da hipertensão previne os acidentes vasculares cerebrais. As meta-análises dos ensaios randomizados controlados confirmam uma redução aproximada de 30% a 40% no risco de acidente vascular cerebral com a redução da pressão arterial. Os fatores de risco individuais mais significativos para AVE isquêmicos agudos incluem além da hipertensão arterial, diabetes melito, tabagismo (cigarros), má nutrição, inatividade física, arritmias cardíacas, etilismo e obesidade. Aproximadamente 7% a 10% dos homens e 5% a 7% das mulheres maiores de 65 anos apresentam estenose assintomática da carótida superior a 50% e a taxa de ocorrencia de AVE nesses pacientes é de 1 a 2% anual. A fibrilação atrial não valvar carrega um risco anual de 3% a 5%. Em estudos epidemiológicos, o risco para o acidente vascular encefálico em fumantes é quase o dobro do que nos não fumantes. O risco relativo para o acidente vascular encefálico é 2 a 6 vezes maior nos pacientes com diabetes insulinodependente. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 4 Mírian Santos – 7° semestre Os pacientes com anemia têm um risco notadamente elevado de sofrerem um acidente vascular encefálico. A hiperlipidemia também aumenta o risco de acidente vascular encefálico, e a redução dos níveis do colesterol ligado à lipoproteína de baixa densidade (LDL) com usode estatinas diminui este risco. Há evidência sugerindo que a obesidade abdominal em homens e a obesidade e o ganho de peso em mulheres são fatores de risco independentes para o acidente vascular encefálico. As mortes hospitalares após AVE isquêmicos agudos são relativamente raras, ocorrendo em aproximadamente 5% dos casos, e estão associadas a envelhecimento, gravidade do AVE, história pregressa de fibrilação atrial, AVE prévio, estenose de artéria carótida, diabetes melito e história pregressa de doença da artéria coronariana (DAC). Incapacidade funcional e morbidade por complicações após o AVE são muito mais frequentes, acometendo a maioria dos pacientes. Como resultado disso, apenas 50% dos pacientes que sofrem um AVE isquêmico agudo recebem alta do hospital, enquanto os 50% restantes precisam de assistência adicional em unidades especializadas ou centros de reabilitação ou cuidados paliativos. Etiologia; Embora não sejam perfeitos, os critérios de classificação TOAST (Trial of Organon in Acute Stroke Treatment) é o sistema de classificação de AVE isquêmico mais amplamente aceito e inclui os seguintes cinco subtipos: aterosclerose de grande artéria (15 a 40%), cardioembólico (15 a 30%), oclusão de pequenos vasos ou “lacunar” (15 a 30%), criptogênico (até 40%) e “outras” causas (< 5%). Aterosclerose de grandes artérias A placa de aterosclerose pode surgir em qualquer ponto ao longo da árvore arterial extracraniana ou intracraniana, mas geralmente é encontrada nos pontos de ramificação vascular onde ocorre fluxo turbulento, mais comumente na bifurcação da artéria carótida comum, na origem da artéria vertebral, na junção vertebrobasilar ou na origem das artérias cerebrais anterior ou média. A placa aterosclerótica provoca AVE isquêmico por um de dois mecanismos: hipoperfusão devido estenose ou, mais frequentemente, ruptura da placa resultando na formação de trombo e subsequente embolização distal do trombo ou dos fragmentos da placa. Do ponto de vista clínico, é difícil diferenciar a isquemia consequente a aterosclerose de grandes artérias do AVE de origem cardíaca (AVE cardioembólico). A favor do diagnóstico de aterosclerose de grandes artérias existe a ocorrência de repetidos ataques isquêmicos transitórios ou infartos completos no mesmo território vascular e o melhor exemplo consiste em episódios repetidos de cegueira monocular transitória indolor relacionada com aterosclerose da artéria carótida ipsilateral. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 5 Mírian Santos – 7° semestre Essa condição, conhecida como amaurose fugaz, resulta de êmbolos de colesterol provenientes da placa na artéria carótida e provoca oclusão da artéria retiniana central ou uma de suas ramificações. Acidente vascular encefálico cardioembólico O AVE cardioembólico inclui todos os episódios de AVE causados por tromboembolia secundária a um evento cardíaco. Mais comumente, cardioembolia ocorre a partir de trombo formado no apêndice atrial esquerdo do coração de pacientes com fibrilação atrial. Os AVE cardioembólicos também podem ter causas neoplásicas, tais como mixoma atrial ou endocardite marântica, ou causas infecciosas, como endocardite infecciosa. Nas técnicas de imagem, AVE dispersos na junção das substâncias branca e cinzenta nos dois hemisférios ou nas circulações anterior e posterior são, mais provavelmente, cardioembólicos. Todavia, AVE que aparecem em associação com oclusões proximais de grandes vasos ou que parecem mais consistentes com infarto de pequenos vasos também podem ser de origem cardioembólica. Infarto de pequenos vasos AVE lacunares consequentes à oclusão de pequenos vasos são definidos clinicamente por cinco subtipos gerais: (1) hemiparesia motora pura, (2) síndrome sensorial pura, (3) síndrome sensorimotora atáxica e (5) disartria-mão desajeitada, embora várias outras manifestações possam ocorrer dependendo do território do vaso acometido. Esses AVE resultam do bloqueio de pequenas artérias perfurantes oriundas da artéria cerebral média (ACM) (lenticuloestriadas), das artérias cerebral posterior ou comunicantes posteriores (tuberotalâmica, paramediana, coroidal posterior, inferolateral) e da artéria basilar (perfurantes pontinas). Esses vasos são propensos a desorganização e fibrose da parede arterial segmentar, um processo conhecido como lipo-hialinose, e formação de microateroma. Com o passar do tempo, a parede arterial se torna espessada e ocorre redução do lúmen do vaso, provocando o aparecimento de uma região de isquemia aguda que geralmente tem menos de 1,5 cm de diâmetro. Infarto lacunar ocorre mais frequentemente nos núcleos da base, no tálamo, na cápsula interna, na coroa radiada e na ponte. As técnicas de imagem ajudam a diferenciar o AVE lacunar de outros tipos de AVE por sua localização subcortical e por suas dimensões relativamente pequenas. Causa indeterminada de acidente vascular encefálico A etiologia de até 40% dos AVE permanece criptogênica ou indeterminada, mesmo após investigação laboratorial e radiológica substancial. No entanto, muitos desses pacientes têm fibrilação atrial não diagnosticada. Alguns estudos já mostraram que 10 a 20% dos pacientes com AVE “criptogênicos” têm Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 6 Mírian Santos – 7° semestre fibrilação atrial oculta após monitoramento cardíaco prolongado. Embora persistência do forame oval (PFO) e comunicação interatrial (CIA) também estejam associadas a AVE criptogênico nos pacientes mais jovens, o fechamento do forame oval persistente ainda não tem eficácia comprovada na prevenção de recorrência de AVE. Outras causas de acidente vascular encefálico As “outras” causas de AVE representam menos de 5% dos AVE isquêmicos agudos e são definidas por um processo mórbido específico que apresenta correlação temporal ou associação com o AVE. Além disso, a investigação diagnóstica não deve revelar outro mecanismo mais comum. Os exemplos incluem AVE consequente a distúrbios hematológicos (p. ex., hipercoagulabilidade, anemia falciforme), doença infecciosa ou inflamatória, doença intrínseca da parede arterial (ou seja, vasculopatia), dissecção vascular, infarto associado a infarto, distúrbios genéticos ou causas iatrogênicas. Fisiopatologia; Biopatologia - Embora represente apenas 2% do peso corporal total, o cérebro consome 20% da energia total do corpo e depende de um aporte constante de glicose e oxigênio para manter suas funções e sua integridade estrutural. A cada minuto, aproximadamente 1.000 mℓ de sangue são fornecidos para o cérebro pelas artérias carótidas e, em menor grau, pelo sistema vertebrobasilar. Para assegurar um fluxo sanguíneo cerebral (FSC) constante através de uma gama de pressões sanguíneas e estados metabólicos, os vasos sanguíneos cerebrais se contraem ou dilatam em resposta a alterações nas concentrações de oxigênio e dióxido de carbono e ao estresse de cisalhamento nas paredes vasculares relacionado com a velocidade do fluxo sanguíneo. O mediador primário da vasodilatação é o óxido nítrico, que é liberado pelas células endoteliais e relaxa as células musculares lisas circunferenciais na túnica média. Redução do fluxo sanguíneo cerebral Quando a pressão de perfusão cerebral se torna inferior a aproximadamente 60 mmHg, seja em decorrência de hipotensão sistêmica ou bloqueio arterial localizado, a vasodilatação autorreguladora não consegue compensar isso com consequente redução do fluxo sanguíneo cerebral de sua variação normal de 50 a 60 mℓ/100 g/min. Quandoo fluxo sanguíneo cerebral cai abaixo de 30 mℓ/100 g/min, a troca regional de nutrientes e oxigênio cai na unidade neurovascular (célula endotelial, pericitos circundantes, membrana basal, astrócitos perivasculares e neurônios adjacentes), resultando em despolarização patológica de neurônios e da glia e supressão da atividade elétrica normal como evidenciado por alentecimento e atenuação da atividade eletroencefalográfica de fundo. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 7 Mírian Santos – 7° semestre Hipoperfusão significativa persistente, com níveis de fluxo sanguíneo cerebral caindo abaixo de 20 mℓ/100 g/min, deflagra uma cascata de lesão isquêmica que pode evoluir para necrose neuronal irreversível e infarto cerebral. Cerne do infarto e penumbra Quando o fluxo sanguíneo cerebral cai abaixo de 20 mℓ/100 g/min, pressupondo uma taxa normal de metabolismo neuronal, o tecido nervoso evolui de um estado de disfunção elétrica reversível para um estado de “penumbra” de lesão citotóxica e morte celular programada (apoptose). Na terapia moderna do AVE, o tecido no estado de penumbra consiste em tecido cerebral ameaçado de morte. A falha da bomba transmembrana adenosina trifosfato (ATP) sódio/potássio ocorre primeiro, despolarizando os neurônios e a glia. A despolarização disseminada provoca liberação descontrolada de neurotransmissores excitatórios como glutamato, que resultam, por sua vez, em influxo intracelular de cálcio e sódio. Após a fase de excitotoxicidade e apoptose ser iniciada, ocorre uma fase de falência bioenergética com disfunção da bomba iônica e perda dos gradientes normais transmembrana de sódio e cálcio. No cerne do infarto, onde é maior a falência bioenergética, esses desvios eletrolíticos maciços fazem com que a água siga passivamente seu gradiente osmótico, resultando em tumefação celular e, por fim, lise. O edema resultante, denominado edema citotóxico porque resulta de tumefação intracelular, manifesta-se minutos após o agravo inicial e pode ser detectado por ressonância magnética (RM) como hiperintensidade nas sequências ponderadas em difusão (DWI). O cerne do infarto é circundado por uma área de hipoperfusão relativa, a penumbra isquêmica, na qual o fluxo sanguíneo cerebral é suficiente para manter temporariamente a sobrevida celular, mas não consegue manter indefinidamente a função celular normal. O tecido na área de penumbra pode ser salvo se perfusão adequada para o território puder ser restaurada em tempo hábil e isso é a base de todas as terapias de perfusão do AVE isquêmico agudo. Todavia, o tecido na área de penumbra é inerentemente instável e, com frequência, evolui para infarto completo com o passar do tempo, tornando o intervalo de tempo até reperfusão o fator terapêutico mais importante para a melhora do desfecho neurológico e a prevenção de morte após AVE isquêmico agudo. Infarto completo Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 8 Mírian Santos – 7° semestre Estima-se, a partir de estudos experimentais e em seres humanos, que o intervalo de tempo desde a oclusão vascular até o infarto completo varie, na maioria dos casos, de 3 a 6 h, dependendo das características do fluxo colateral. Após a necrose e o infarto do tecido, ele passa a ser facilmente visualizado na tomografia computadorizada (TC) e na sequência FLAIR (inversãorecuperação atenuada por líquido) da RM. O fluxo sanguíneo cerebral é conservado em níveis quase normais até a margem de um infarto completo onde cai para níveis indetectáveis enquanto o vaso comprometido permanecer ocluído. Nos dias seguintes o infarto se torna progressivamente edemaciado. As células isquemiadas que evoluem para infarto tecidual franco liberam várias citocinas pró-inflamatórias e proteases que rompem a arquitetura e a função da unidade neurovascular, aumentando a permeabilidade da barreira hematencefálica. A apoptose é deflagrada por vários processos inflamatórios, inclusive a combinação de receptor/ligante do receptor CD95 e TRAIL (ligante induzindo apoptose relacionada com fator de necrose tumoral) e liberação de citocromo c oxidase pela membrana mitocondrial, que resultam na ativação da cascata de morte celular programada intrínseca e morte celular tardia. Essa lesão neurológica tardia poderia, teoricamente, ser evitada por agentes neuroprotetores, embora nada tenha se mostrado útil nos estudos clínicos. A resposta inflamatória do parênquima resulta de suprarregulação dos receptores de adesão leucocitária das células endoteliais que provocam adesão leucocitária e transmigração para o tecido afetado e é responsável pelo prolongado processo de inflamação e remodelagem teciduais após um infarto se completar, enquanto o edema desaparece e as regiões envolvidas se tornam tecido fibrótico gliótico. Manifestações clínicas; Os AVE isquêmicos podem ser definidos clinicamente pela natureza do déficit neurológico associado com os sinais e sintomas se encaixando em síndromes definidas que representam territórios vasculares específicos. O conhecimento das síndromes maiores de AVE pode predizer o território do infarto e o vaso específico envolvido. Exceto se já existir lesão preexistente do SNC, circulação colateral ou variações na anatomia vascular ou cerebral. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 9 Mírian Santos – 7° semestre Infarto da artéria cerebral média O infarto da ACM provoca síndromes clínicas que dependem da extensão do infarto e o lado e o nível da oclusão vascular. A oclusão proximal da ACM só consegue comprometer as estruturas hemisféricas profundas, assim como as estruturas hemisféricas corticais, quando existe vascularização colateral irrigando o córtex. Isquemia isolada das estruturas cerebrais profundas, sobretudo a cápsula interna, os núcleos da base e a coroa radiada, ocorre em virtude de bloqueio das origens das artérias lenticuloestriadas que provoca hemiparesia contralateral e, possivelmente, perda hemissensitiva que frequentemente é indistinguível de uma síndrome lacunar. Infartos profundos de maiores dimensões (“infarto estriadocapsular”) que comprometem as conexões corticais para o tálamo e as radiações ópticas podem provocar as síndromes corticais de heminegligência, afasia e hemianopsia homônima ou quadrantanopsia. A isquemia cortical no território da ACM ocorre isoladamente quando a oclusão vascular está localizada nas divisões superior ou inferior da ACM (o número e a localização dessas ramificações podem variar). A lesão do córtex hemisférico (direito ou esquerdo) pode provocar fraqueza contralateral de membros, perda sensitiva contralateral, astereognosia (incapacidade de identificar objetos pelo tato), agrafestesia (incapacidade de reconhecer letras traçadas na pele), redução da discriminação de dois pontos, déficits contralaterais de campo visual e desvio do olhar para o lado lesionado. Apraxia ideacional (incapacidade de compreender a função de um objeto ou de manipulá-lo) acompanha a lesão hemisférica esquerda ou bilateral. As síndromes resultantes de uma lesão no hemisfério dominante incluem afasia (disfunção da linguagem), apraxia ideomotora bilateral (incapacidade de realizar tarefas motoras aprendidas) e apraxia bucolingual (incapacidade de controlar voluntariamente os movimentos da boca e da língua). O tipo e a intensidade da afasia dependem da localização e das dimensões do infarto. A oclusão de um RAMO SUPERIOR DA ACM comprometerá o córtex anterior em torno do aquedutode Sylvius (aqueduto do mesencéfalo segundo a Terminologia Anatômica) e o giro frontal inferior, provocando afasia de Broca (expressiva). A afasia de Broca se caracteriza por redução ou desaparecimento da fluência verbal e incapacidade de escrever com conservação da compreensão. Quando a afasia é expressiva ou global, geralmente há hemiparesia e esta é significativa. A oclusão de um RAMO INFERIOR DA ACM, afetando o córtex posterior em torno do aqueduto de Sylvius e o giro temporal superior e a junção temporoparietal, provoca afasia de Wernicke (receptiva). A afasia de Wernicke se caracteriza por conservação da fluência e da prosódia, mas o conteúdo é ininteligível, com erros parafásicos Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 10 Mírian Santos – 7° semestre fonêmicos e semânticos, comprometimento da compreensão e incapacidade de ler, nomear ou repetir. Com frequência, a afasia receptiva se acompanha de hemianopsia homônima ou quadrantanopsia, mas a hemiparesia pode ser leve ou mesmo inexistente. A síndrome de Gerstmann (confusão direita-esquerda, agnosia digital, acalculia e agrafia) é consequente a infarto do giro angular dominante. O infarto do lobo parietal não dominante (geralmente o direito) provoca negligência hemiespacial contralateral ou intenção aos aportes (inputs) sensoriais ou desempenho (output) motor para a metade contralateral do ambiente ou do corpo. Achados específicos incluem negligência visual (que pode acometer todo o campo visual contralateral ou ser específico para vários objetos), anosognosia (não conscientização dos déficits neurológicos), asomatognosia (incapacidade de reconhecer um membro do lado acometido) e aloquiria (transposição espacial resultando no paciente respondendo ao hemiespaço ipsilateral quando estimulado no lado oposto com negligência). Apraxia construcional (incapacidade de montar objetos ou desenhá-los) pode ser consequente a lesão do hemisfério direito ou esquerdo, embora seja mais óbvia nas lesões no hemisfério não dominante. Mesmo que o conteúdo da fala ou o aspecto proposicional da fala seja preservado, uma lesão no hemisfério não dominante pode causar déficits na pragmática ou nos aspectos sociolinguísticos da fala, envolvendo o tom e o intuito inferido. Infarto da artéria cerebral anterior O infarto da artéria cerebral anterior (ACA) causa, mais frequentemente, hemiparesia no membro inferior e/ou perda hemissensitiva contralaterais, embora muitas outras manifestações possam ocorrer. Como os infartos da zona de fronteira, os infartos no território da ACA podem causar afasia transcortical do tipo motor. Negligência motora (relutância em usar o membro contralateral apesar da ausência de fraqueza) é um achado frequente, consequente a disfunção do córtex motor suplementar pré-frontal. O infarto bilateral da ACA resulta, muitas vezes, em disfunção executiva com inércia motora e abulia (escassez de comportamentos espontâneos) ou, até mesmo, mutismo acinético (incapacidade de mover-se ou falar em um paciente acordado). A apraxia da marcha, embora seja um achado típico de lesões bilaterais, também pode resultar de AVE unilateral. A síndrome da mão alienígena (atividade motora involuntária) ou hemibalismo do membro superior contralateral pode resultar de lesão da parte anterior do corpo caloso ou da parte medial do córtex frontal. Comportamento de utilização e comportamento de imitação são síndromes neurocomportamentais que podem ocorrer nos infartos pré-frontais unilaterais. No comportamento de utilização, o paciente agarra, de modo automático e impulsivo, os Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 11 Mírian Santos – 7° semestre objetos que aparecem no seu campo visual e estão ao seu alcance. O comportamento de imitação consiste em imitação automática e involuntária dos movimentos do examinador. A oclusão da artéria recorrente de Heubner, uma artéria perfurante calibrosa oriunda da ACA proximal, resulta em infarto da cabeça do núcleo caudado, da cápsula interna anterior e da parte anterior do putame. Manifestações clínicas comuns incluem disartria, perseverança motora, hemiparesia contralateral, abulia e incontinência. Infarto da artéria carótida interna A oclusão aguda da artéria carótida provoca hipoperfusão hemisférica aguda que, na ausência de um polígono (ou círculo) de Willis patente, pode se manifestar como crise epiléptica, tremores do membro contralateral ou infarto holo-hemisférico dos territórios da ACA e ACM. Às vezes e sobretudo quando o polígono de Willis é bem desenvolvido, a oclusão da artéria carótida interna (ACI) poupa a ACA e provoca um quadro clínico indistinguível do infarto proximal da ACM. Se o fluxo colateral pela artéria comunicante posterior, pela artéria comunicante anterior ou pelas artérias piais for adequado, a oclusão pode ser clinicamente silenciosa ou acometer apenas áreas suscetíveis menores. Em contrapartida, a oclusão da ACI com pouca circulação colateral ou uma “oclusão em T” distal da ACI pode evoluir para infarto holo- hemisférico devastador, conservando apenas o território da ACP – tálamo, parte medial do lobo temporal e lobo occipital. Infarto da zona de fronteira As zonas de fronteira vascular estão localizadas entre os territórios das artérias cerebrais anterior, média e posterior e são suscetíveis à isquemia no caso de oclusão aguda da artéria carótida ou de hipoperfusão global. Infarto superficial da zona de fronteira ocorre na parte superior da convexidade da coroa radiada entre as estruturas corticais e profundas, anteriormente entre os territórios da ACA e ACM ou posteriormente entre os territórios da ACM e da ACP. Esse padrão de infarto ocorre quando o fluxo colateral consegue irrigar a maior parte dos territórios acometidos, mas não consegue “atender” a área entre os territórios. Os sinais/sintomas resultantes consistem em uma combinação de fraqueza, perda hemissensitiva e sinais corticais. Afasia transcortical do tipo expressivo ou receptivo com relativa preservação da capacidade de repetição também é comum. Os infartos de zona de fronteira de ACA e ACM provocam primariamente fraqueza do membro superior porque a região acometida corresponde anatomicamente aos neurônios da área motora de inervação dos membros superiores. Quando são bilaterais, como ocorre na parada cardíaca, os infartos de zona de fronteira de ACA e ACM resultam na síndrome do homem no barril que se caracteriza por fraqueza proximal bilateral de braço e membro inferior Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 12 Mírian Santos – 7° semestre com relativa preservação da força facial e na parte distal do membro. Infarto interno da zona de fronteira pode ocorrer na oclusão total da ACI ou nas oclusões de ramos calibrosos da ACM. As artérias penetrantes profundas não colateralizadas que descem do córtex para as paredes laterais dos ventrículos representam o “campo distal” mais vulnerável, do ponto de vista hemodinâmico, nesse cenário. O resultado é um padrão de múltiplos pequenos infartos profundos que comprometem a substância branca profunda da coroa radiada e o centro semioval. Infarto da artéria coroidal anterior A artéria coroidal anterior é o último ramo da ACI e se origina proximalmente à bifurcação ACA-ACM. Avança posteriormente e irriga várias estruturas, inclusive a cápsula interna, a parte lateral do tálamo e o corpo geniculado ou as radiações ópticas. Assim, a oclusão da artéria coroidal anterior resulta na síndrome clássicade hemiparesia contralateral, hemianestesia e hemianopsia homônima. Ocasionalmente, manifestações corticais como afasia ou heminegligência podem resultar da ruptura dos tratos talamocorticais de substância branca. Artéria cerebral posterior A oclusão da ACP provoca infarto do lobo occipital e da parte inferior do lobo temporal. O quadro clínico habitual consiste em instalação abrupta de hemianopsia homônima contralateral. Lesões bilaterais do lobo occipital podem provocar a síndrome de Anton (cegueira cortical que não é reconhecida pelo paciente). A síndrome de Charles Bonnet (alucinações visuais) também pode ocorrer na cegueira cortical consequente a lesão bilateral de lobo occipital. A síndrome de Baliant ocorre nos infartos blaterais da junção parieto-occipital e se caracteriza por simultanagnosia (incapacidade de reconhecer partes de um objeto como um todo), apraxia oculomotora (incoordenação do olhar) e ataxia óptica, (com comprometimento da coordenação da mão sob orientação visual). Heminegligência, embora seja incomum nas lesões occipitais, pode ocorrer quando a lesão se estende para o lobo parietal. Os infartos da ACP esquerda que comprometem a substância branca profunda da junção parieto-occipital ou o esplênio do corpo caloso podem causar alexia sem agrafia, um tipo de síndrome de desconexão entre o córtex occipital não dominante e a área de processamento da linguagem no córtex parietotemporal dominante. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 13 Mírian Santos – 7° semestre O infarto da parte inferomedial do lobo temporal pode causar delirium com agitação psicomotora ou amnésia global. O infarto proximal da ACP, afetando as artérias perfurantes talâmicas, resultará em infarto do tálamo ou do mesencéfalo. Se o núcleo posterior ventral do tálamo for preferencialmente acometido, o paciente apresentará hemianestesia contralateral. Hiperpatia pode ocorrer subsequentemente em uma condição denominada síndrome de Dejerine-Roussy ou síndrome álgica talâmica. Visto que o tálamo retransmite informações para o córtex, o infarto talâmico também pode provocar várias manifestações atípicas, como ataxia, afasia (dominante), heminegligência (não dominante), déficits de campo visual, perda da memória ou transtornos comportamentais. Letargia ou coma pode resultar se o sistema de ativação reticular no mesencéfalo ou nos tálamos for acometido e, com frequência, também ocorre uma combinação de anormalidades oculomotoras. Alterações da consciência são especialmente comuns quando existe uma artéria variante (artéria de Percheron) que irriga os tálamos mediais e a parte rostral do mesencéfalo a partir de um vaso único que se origina em uma ACP unilateral. Lesões no mesencéfalo, quando são posteriores, provocam a síndrome de Parinaud que se caracteriza por desvio persistente do olhar conjugado para baixo, paralisia do olhar para cima, nistagmo por convergência ou retração, retração palpebral ou sinal de Collier e dissociação de resposta pupilar à luz e a visão para perto. Infarto do território vertebrobasilar A artéria basilar é o principal conduto para suprir as artérias cerebrais posteriores e a trombose basilar pode se manifestar como uma combinação de sinais bulbares, pontinos, mesencefálicos e corticais posteriores. A trombose basilar que resulta em infarto da parte anterior da ponte bilateralmente provoca síndrome de encarceramento (paralisia completa da face, do membro superior e do membro inferior com preservação isolada dos movimentos oculares verticais e conservação da consciência). Os infartos resultantes de trombose de pequenos vasos (artérias perfurantes pontinas) provocam uma combinação de disfunção de nervos cranianos, sinais de tratos longos inclusive fraqueza, anormalidade dos reflexos ou hiperflexia, perda sensitiva e/ou achados cerebelares. AVE pequenos da parte anterior da ponte também podem provocar síndromes lacunares sem déficits dos nervos cranianos que são clinicamente indistinguíveis de infartos lacunares na circulação anterior. Paralisia do olhar ou dos nervos oculomotores, inclusive oftalmoplegia internuclear e desalinhamento vertical ou nistagmo também são achados comuns. O infarto rostral do tronco encefálico consiste na oclusão bilateral da parte distal da artéria basilar e da parte proximal da ACP com Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 14 Mírian Santos – 7° semestre consequente embolia nas artérias penetrantes talâmicas e mesencefálica. O resultado é um padrão de infartos bilaterais de pequenos vasos acometendo o mesencéfalo e os tálamos com anormalidades assimétricas do olhar vertical e desalinhamento do olhar vertical, alterações do nível de consciência e déficits motores e sensitivos bilaterais variáveis. O infarto da parte lateral do bulbo (medula oblonga) ocorre quando a artéria cerebelar inferior posterior ou um ramo da artéria vertebral é comprometido. O resultado disso é a síndrome de Wallenberg ou bulbar lateral, que se caracteriza por vertigem, ataxia ipsilateral, perda da sensibilidade álgica e térmica na face ipsilateral e no braço e na perna contralaterais, disfagia e síndrome oculossimpática ipsilateral (síndrome de Horner). Diagnóstico (Exame neurológico); O retardo no reconhecimento pré-hospitalar dos sinais/sintomas do AVE é a maior barreira à instituição imediata de tratamento e explica por que apenas 6% dos pacientes com AVE isquêmico agudo recebem terapia fibrinolítica. Apesar do benefício comprovado da avaliação oportuna e do potencial de recuperação neurológica associado ao tratamento precoce, apenas cerca de 20% dos pacientes são avaliados nas primeiras 2 h após o aparecimento dos sinais/sintomas e aproximadamente 25% na janela terapêutica de 4,5 h. Parte disso se deve à compreensão limitada e à falta de conscientização da comunidade em relação à necessidade de instituir o tratamento em tempo hábil, com os estudos sugerindo que apenas 5% das pessoas em uma população urbana conhece pelo menos três sinais/sintomas de AVE. Nos EUA, o recurso mnemônico FAST (face, braço [arm], fala [speech], intervalo de tempo até chamar o serviço de emergência [time]) foi propagado por meio de múltiplos esforços de orientação da comunidade em um esforço de aumentar a conscientização a respeito dos sinais/sintomas de AVE e da urgência em procurar assistência médica. Esforços para orientar o público como esse têm um papel crucial no aumento da proporção de pacientes atendidos dentro da janela de tempo terapêutica. Após o serviço de atendimento móvel de urgência ser acionado, os primeiros socorristas precisam caracterizar, de modo rápido e acurado, os sinais/sintomas de um AVE. As escalas pré-hospitalares de AVE devem ser empregadas para ajudar no processo de rastreamento e no rastreamento rápido [Nível 1]. As mais usadas são Cincinnati Pre-hospital Stroke Scale, Los Angeles Pre-hospital Stroke Screen e Face Arm Speech Teste (FAST). A avaliação rápida do AVE deve ser seguida por notificação pré-hospitalar porque já foi constatado que isso aumenta o uso do ativador do plasminogênio tecidual (tPA) IV e reduz o Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 15 Mírian Santos – 7° semestre intervalo de tempo entre o aparecimento dos sinais/sintomas e a instituição do tratamento [Nível 1]. Avaliação hospitalar inicial As diretrizes da American Heart Association e da American Stroke Association (AHA/ASA) recomendam que, sempre que houver suspeita de AVE agudo, os pacientesdevem ser levados para centros especializados em AVE de modo a assegurar um nível padronizado de assistência [Nível 1]. Ao chegar ao setor de emergência o paciente precisa ser submetido a avaliação clínica e diagnóstica rápida na preparação para o potencial tratamento. A anamnese inicial deve ser direcionada para a definição do déficit e do momento específico do aparecimento dos sinais/sinais de AVE ou do último momento conhecido quando o paciente estava normal. A seguir, o médico precisa realizar uma avaliação neurológica rápida usando a NIHSS (National Institutes of Health Stroke Scale). O escore da NIHSS varia de 0 a 42, com os escores mais altos significando maior déficit neurológico. Tomografia computadorizada A TC de crânio não contrastada é um exame rápido, extremamente sensível e disponível em muitas unidades para detectar os derivados do sangramento agudo. Seu valor na diferenciação entre hemorragia cerebral e isquemia presumida tornou esse exame uma etapa vital e necessária na avaliação do AVE agudo. Os achados precoces na TC do AVE isquêmico agudo incluem desaparecimento da diferenciação entre as substâncias branca e cinzenta (observada primeiro no córtex insular), obscurecimento da substância cinzenta nos núcleos da base e trombo agudo visualizado na parte proximal da ACM, também conhecido como sinal da ACM densa. Todavia, os achados na TC em pacientes com AVE isquêmico agudo não são observados de modo confiável até terem transcorrido 6 h desde o aparecimento dos sinais/sintomas de AVE. Portanto, TC de crânio não contrastada normal na vigência de uma síndrome clínica de AVE sugere etiologia isquêmica. O escore ASPECTS (Alberta Stroke Programme Early CT Score) pode ser muito útil na quantificação dos sinais de isquemia aguda na TC de crânio não contrastada. Os escores ASPECTS e NIHSS podem ajudar a prever o desfecho funcional e a resposta ao tratamento. Ressonância magnética Embora a TC seja a modalidade de imagem mais sensível para a detecção de AVE hemorrágico agudo, a RM e especialmente a sequência DWI é a modalidade mais sensível para detectar AVE isquêmico nas primeiras 6 h a partir dos primeiros sinais/sintomas. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 16 Mírian Santos – 7° semestre Todavia, apesar de sua sensibilidade superior, a utilidade da RM no manejo agudo do AVE isquêmico agudo é limitada devido a sua relativa indisponibilidade na maioria dos setores de emergência e ao período de tempo (prolongado) para a aquisição de imagens. Apesar de sua sensibilidade superior, infartos pequenos e infartos na circulação posterior podem não ser detectados na sequência DWI, especialmente nas primeiras horas após o infarto. Embora isso restrinja sua utilidade no quadro agudo, a realização de uma RM após a tomada de decisão terapêutica pode ajudar na confirmação da existência de AVE isquêmico agudo, na identificação do local específico do AVE e no diagnóstico da etiologia do AVE. Técnicas de imagem vasculares A angiotomografia computadorizada (ATC) possibilita a avaliação aguda dos vasos cervicais e cerebrais por meio da opacificação da vasculatura com contraste. O contraste delineia quaisquer irregularidades, estenoses ou oclusões que possam existir. A angiorressonância magnética (ARM) detecta fluxo nos vasos sanguíneos, possibilitando a visualização da vasculatura e de desaparecimento de sinal (flow voids) em seu interior. Contudo, como na RM, a ARM é limitada pelo tempo necessário para a aquisição de imagens. Técnicas especializadas de RM, como visualização de paredes vasculares e marcação arterial, podem mostrar detalhes da parede vascular e da dinâmica do fluxo, entretanto, seu valor na prática clínica ainda está sendo investigado. A avaliação por ultrassonografia das artérias carótidas ou da vasculatura intracraniana proximal pode fornecer informações sobre o sentido do fluxo sanguíneo e definir os locais de estenose ou oclusão arterial. Embora a visualização dos vasos não seja preconizada para todos os casos de AVE isquêmico agudo, seu uso em pacientes selecionados pode ajudar no planejamento de terapias intervencionistas. Técnicas de imagem de perfusão Uma TC de perfusão pode ser realizada juntamente com a ATC para determinar o intervalo de tempo até a chegada e o volume de contraste que alcança várias áreas do cérebro por escaneamentos repetidos durante uma injeção intravenosa de duração programada de contraste. O hemisfério oposto é usado para fins de comparação e imagens são criadas para mostrar partes relativas do fluxo sanguíneo cerebral (FSC), o volume sanguíneo cerebral (VSC) e o tempo de trânsito médio (TTM) do contraste. A técnica de perfusão ajuda a diferenciar a área de penumbra do cerne infartado. A área de penumbra conserva a capacidade de autorregulação vascular cerebral e apresenta vasodilatação e recrutamento de vasos colaterais em resposta à hipoperfusão relativa. A penumbra é definida por FSC baixo e TTM prolongado com aumento compensatório do VSC promovido por vasodilatação. Em contrapartida, o cerne infartado perde sua capacidade fisiológica de autorregulação e, Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 17 Mírian Santos – 7° semestre assim, o sangue é desviado para longe desse cerne e cria um déficit relativo de VSC. Se a área de penumbra se desestabilizar ainda mais, a autorregulação desaparece e a área com baixo VSC se expande. Tratamento Agudo A expansão do AVE é, em geral, completa nas primeiras 4 a 6 h após o início do quadro quando todas as áreas de penumbra que poderiam ser salvas estão irreversivelmente infartadas. O tratamento de emergência com administração intravenosa de ativador de plasminogênio tecidual (tPA) é fundamental para se conseguir reperfusão no AVE isquêmico agudo. Os efeitos benéficos estão diretamente relacionados com o intervalo de tempo até a instituição do tratamento com uma correlação linear entre o intervalo de tempo entre o aparecimento dos sinais/sintomas de AVE e a administração por via intravenosa de tPA e melhora do desfecho funcional 3 meses depois. Os efeitos benéficos diminuem após 4,5 h e logo depois o risco de reperfusão provocando transformação hemorrágica excede a capacidade de resgate do tecido em risco (área de penumbra). A fase aguda do AVE isquêmico restringe-se aos primeiros três dias do evento, quando a terapêutica pode impedir a transformação da penumbra isquêmica em infarto cerebral. Todo paciente que apresenta deficit neurológico focal súbito, com duração > 15min, deve ser avaliado imediatamente. Medidas de suporte O paciente deve permanecer deitado, com a cabeceira entre 0 e 15º nas primeiras 24 horas. Para pacientes com grande área isquêmica, manter a cabeceira a 30º. A dieta deve ser logo iniciada (dentro das primeiras 48h), evitando-se a desnutrição, fator que muito atrapalha a recuperação neurológica... Em caso de disfagia grave a dieta deve ser enteral, progredindo-se 500 ml, 1.000 ml, 1.500 ml até 2.000 ml (2.000 kcal/dia), variando de acordo com o cálculo das necessidades calóricas basais. Devem ser evitados a hiper- hidratação e o soro glicosado, a fim de prevenir hiponatremia e hiperglicemia. Medidas específicas Antiagregante plaquetário - Iniciar aspirina (325 mg) dentro das primeiras 48 horas do início do AVEi. Há uma redução pequena, porém estatisticamente significativa na morbimortalidade. Não há dados na literatura que justifiquem o uso de outro antiplaquetário, inclusive o clopidogrel, seja em monoterapia ou em associação à aspirina na faseaguda do AVEi. Heparina - Deve ser prescrita na dose profilática, para prevenção de TVP/TEP. Pode- se optar pela heparina não fracionada 5.000 UI a cada 8-12h, ou pela heparina de baixo peso molecular (ex.: enoxiparina 40 mg SC 1x dia). A heparinização plena, a princípio, não está indicada! Nenhum estudo até hoje mostrou dados consistentes a favor da anticoagulação plena na fase aguda do AVEi, pelo contrário, a Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 18 Mírian Santos – 7° semestre maioria mostrou aumento dos danos, com maior transformação hemorrágica do infarto cerebral, que ocorre em torno de 10% dos casos. Indicações de trombolíticos O tratamento ótimo envolve a administração de tPA o mais cedo possível até 3 h a partir do aparecimento dos sinais/sintomas de AVE para a maioria dos pacientes e 4,5 h em um seleto grupo de pacientes [Nível 1]. Critérios de inclusão a) AVCi em qualquer território vascular cerebral; b) possibilidade de se estabelecer precisamente o horário de início dos sintomas; c) possibilidade de se iniciar a infusão do rt- PA dentro de três horas do início dos sintomas (caso os sintomas tenham surgido ao paciente acordar, deve-se considerar o último horário acordado como o do início dos sintomas); d) TC de crânio sem evidência de hemorragia ou outra doença de risco; e) idade > 18 anos; f) paciente ou familiar responsável capacitado a assinar termo de consentimento informado. Critérios de exclusão a) Uso de anticoagulantes orais ou TP > 15 segundos (INR > 1,7); b) uso de heparina nas últimas 48 horas e PTTa elevado; c) AVC o Traumatismo Cranioencefálico (TCE) grave nos últimos três meses; d) história pregressa de alguma forma de hemorragia cerebral (HSA, AVCH); e) TC de crânio mostrando evidências de hemorragia ou edema cerebral em desenvolvimento; f) PA sistólica > 185 mmHg ou PA diastólica > 110 mmHg (em três ocasiões, com dez minutos de intervalo); O tratamento trombolítico exige controle rigoroso da PA (PA < 180 x 105 mmHg nas 24 horas após a infusão). A infusão do rt-PA deve ser realizada segundo alguns preceitos estabelecidos. Após checar os critérios de inclusão e exclusão, obter dois acessos venosos periféricos. Evitar punção venosa central ou punção arterial antes da trombólise até 24 horas após. Evitar a sondagem vesical previamente à trombólise, até após 30 minutos. A passagem de sonda nasogástrica deve ser evitada antes e nas 24 horas após a trombólise. Estando todos os pontos em conformidade, administrar o rt-PA na dose total de rt-PA = 0,9 mg/kg, até um total de 90 mg. Injetar 10% da dose em bolus EV, e o restante em 60 minutos, se possível com bomba de infusão. Durante a infusão, o paciente deverá estar monitorado para quaisquer mudanças no quadro neurológico, sinais vitais, ou evidência de sangramento. Alguns cuidados são essenciais após a infusão do rt-PA. O paciente deve ser monitorizado em unidade de terapia intensiva por 24 horas. Não se deve aplicar heparina ou antiagregantes plaquetários (AAS) nas Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 19 Mírian Santos – 7° semestre primeiras 24 horas (maior risco de sangramento). Não se deve puncionar artérias ou realizar procedimentos invasivos nas primeiras 24 horas. A investigação deve prosseguir para identificar a etiologia e evitar um novo evento cerebrovascular no futuro. REFERENCIAS 1. ROWLAND, L. P. MERRIT – Tratado de Neurologia. 13.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018 2. GOLDMAN, Lee; AUSIELLO, Dennis. Cecil Medicina Interna. 25. ed. SaundersElsevier, 2018. 3. LONG, Dan L. et al. Medicina Interna de Harrison. 20 ed. Porto Alegre, RS: AMGH Ed., 2019. 2v. 4. Neurologia – Medcurso2019. . Imagens – Tutoria 01 Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 20 Mírian Santos – 7° semestre Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 21 Mírian Santos – 7° semestre Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 22 Mírian Santos – 7° semestre Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 23 Mírian Santos – 7° semestre Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 24 Mírian Santos – 7° semestre
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