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- -1 LINGUÍSTICA APLICADA AO ENSINO DA LÍNGUA INGLESA CAPÍTULO 2 - A LINGUAGEM TEM PAPEL NO ENSINO DE LÍNGUAS? Renata C de Souza - -2 Introdução O mundo em que vivemos está representado pela linguagem, ao mesmo tempo em que a linguagem o representa. Contamos a nossa história, nos comunicamos e fazemos parte de uma sociedade por meio da língua, de imagens, de sinais, de desenhos, de pinturas, de gestos etc. Em outras palavras, fazemos o uso de diferentes linguagens na representação desse mundo. Isso ocorre tanto quando usamos nossa língua materna quanto quando aprendemos e usamos uma outra língua. Ao estudarmos uma segunda língua, por exemplo, aplicamos tais conhecimentos, competências e habilidades no aprendizado: comparamos léxico e sintaxe, ainda que de maneira inconsciente; traçamos paralelos entre experiências vividas em cada uma das línguas; construímos nosso conhecimento e desenvolvemos nossa proficiência a partir de interlocuções entre competências linguísticas, sociolinguísticas e pragmáticas. Passamos por processos diferentes daqueles que vividos na aquisição da nossa língua materna, mas nos valemos de uma expertise já adquirida. Logo, ampliamos nossas representações de mundo e a maneira como enxergamos nossa existência: somos parte de um todo e para que possamos agir nele, temos de nos comunicar de modo que os outros nos entendam. Com esse contexto em mente para a formação de um profissional das Letras, podemos fazer algumas reflexões. Qual é a relação da sociedade com a linguagem? Como o aprendizado de uma língua dimensiona realidades culturais, sociais e históricas? Como o “eu” é representado nesse novo contexto? A seguir, vamos discutir essas questões a fim de esclarecer o papel que a linguagem tem no ensino de línguas. Acompanhe com atenção e bons estudos! 2.1 Linguagem e sociedade Sua interação com outros sujeitos na sociedade em que vive está diretamente ligada ao uso da linguagem. Considere, por um momento, um indivíduo surdo. Quando colocado em um ambiente com outros surdos, ele se vale da língua de sinais para se comunicar com os outros e agir nesse contexto social; quando colocado em um ambiente com surdos e ouvintes que desconhecem a língua de sinais, ora faz uso da língua de sinais, ora busca apoio em outras formas de linguagem para que haja comunicação. Uma das garantias de que ela ocorrerá é o compartilhamento de elementos comuns entre surdos e ouvintes de uma determinada sociedade atrelados ao uso de diferentes linguagens, tais como imagética e gestual. Esse contexto dá início à nossa discussão e reflexão sobre o uso da linguagem como ferramenta, sua relação com a sociedade em que estamos inseridos e a evolução social e cultural pela qual passamos ao longo da história. 2.1.1 O alcance da Linguagem como ferramenta Quem seria você sem a linguagem? Como você se relacionaria com o mundo sem a linguagem? As respostas para estas perguntas incluem ter em mente as definições e diferenciações entre língua e linguagem, mas vão um pouco além disso: espera que a conectemos com o modo como compreendemos o mundo. - -3 Figura 1 - A linguagem nos conecta com o mundo e nos ajuda a colocar nossas ações e transformações em prática. Fonte: Shutterstock, 2019. Segundo Smolka (1995), assumir a concepção de linguagem como instrumento remonta a uma perspectiva histórico-cultural, influenciada pelas ideias de Vygotsky. Refletindo sobre a natureza das relações que surgem entre o uso de instrumentos e o desenvolvimento da linguagem, nota-se diferenças importantes entre eles. Os instrumentos são meios de controle e domínio na natureza e orientam o comportamento para o objeto da atividade, provocando modificações nos objetos. Em contraste, os signos são meios de atividade interna, dirigidos para o controle do indivíduo, modificando as próprias operações psicológicas e não o objeto sobre o qual incidem. Controle da natureza e controle do próprio comportamento estão interrelacionados de tal forma que as mudanças produzidas pelo homem na natureza modificam o próprio homem (SMOLKA, 1995, p. 11). Assim, ao tratarmos a linguagem em seu caráter instrumental, podemos conectá-la à ideia de uso e/ou de fabricação do instrumento, tanto em termos funcionais quanto em termos de utilidade (SMOLKA, 1995). A linguagem, nesse caso vista como um meio para atingir um fim, também pode ser concebida como um instrumento que não apenas faz parte de uma ação, mas também a transforma. - -4 Figura 2 - A linguagem deve ser vista como um meio para atingir um fim; ela sofre ajustes, reorientações e transformações até ser aplicada. Fonte: Rawpixel.com, Shutterstock, 2019. Um exemplo clássico dessa transformação é o caso de Kaspar Hauser (BLIKSTEIN, 1983), que teria sido criado sem nenhum contato humano até os 18 anos de idade, em um sótão, e que aparece na casa de uma família em Nurembergue com uma carta de referência e é acolhido por eles. Kaspar Hauser desconhece usos da linguagem e da língua, tal como a sociedade em que é inserido, e passa a ser considerado como um sujeito sem a capacidade de comunicação. Blikstein (1983, p. 17) pondera que uma vez que “Kaspar Hauser não dispõe de estereótipos perceptuais, a sociedade de Nurembergue vai impor-lhe a língua como o grande instrumental cognitivo: sem passar pela práxis, Kaspar Hauser deverá conhecer o mundo através da língua”. Tendo ficado sem contato com o mundo externo por anos, Kaspar Hauser não desenvolveu a capacidade de usar línguas ou até mesmo de comer o mesmo que as pessoas consumiam naquela sociedade. Seu desenvolvimento e seu organismo respondiam aos estímulos e vivências que havia tido e que não eram compatíveis com a vida em sociedade. A interação com outras pessoas e a necessidade de usar diferentes linguagens para tal levaram Kaspar Hauser a aprender a falar, escrever e portar-se socialmente. Suas habilidades em tais áreas eram comparadas às de uma criança, devido ao tempo em que esteve recluso. No entanto, ele se destacou na Música, uma das muitas linguagens. - -5 O relato da história de Kaspar Hauser, muito estudada por psicológos, linguístas e estudiosos das Letras, mostra tanto o impacto do meio no desenvolvimento da linguagem, como modo de interação, comunicação, ação e transformação, quanto a possibilidade de desenvolvimento de linguagem uma vez que haja intenção e necessidade. A capacidade existe. Existem outros relatos de crianças e adolescentes que teriam vivido isolados da sociedade e é possível observar que outras linguagens foram desenvolvidas para que fosse possível a convivência em outros espaços e com outros seres. Ainda que existam esses relatos, é importante que fiquemos atentos a suas veracidades. Isso porque há ocorrências questionadas por cientistas, especialmente por serem difíceis de serem averiguadas e estarem envoltas em mistério, mitos e crenças locais ou até mesmo relacionadas a sensacionalismo e ganhos financeiros. Quem debateu esse assunto foi Serge Aroles, autor de , publicado emL’Enigme des enfants-loup 2007, a respeito do caso de Amala e Kamala, duas meninas que ficaram conhecidas como “meninas lobo”, em 1920, na Índia. Em suma, ao refletirmos sobre a linguagem, devemos considerar que ela não pode ser resumida a um simples instrumento de comunicação e transmissão de informação. Smolka (1995, p. 21) relembra que “conhecimentos e sentidos se produzem com/por ela, nela e “fora” (ou além) dela” visto que “os processos de significação transcendem a linguagem falada”. A mensagem que fica é da relevância da linguagem na significação do nosso conhecimento, da nossa história e do sentido. VOCÊ QUER LER? O livro “Kaspar Hauser ou a Fabricação da Realidade” (BLIKSTEIN, 1983) discute de que forma a linguagem nos permite conhecer o real, o que é a realidade e como a percebemos. Blikstein (1983) relaciona estereótipos culturais à realidade fabricada e os registra como meio de condicionamento da nossa percepção da realidade. O autor argumenta que esses estereótipos são reforçados pela linguagem. VOCÊ QUER VER?O filme (1974), cujo título original éO Enigma de Kaspar Hauser Jeder für sich und Gott gegen (“Cada Um Por Si e Deus Contra Todos”), foi baseado na obra alle Casper Hauser oder die , escrito por Jakob Wassermann e publicado em 1908. Ele apresenta oTrägheit des Herzens personagem Kaspar Hauser, que teria vivido sem contato verbal e social até os 16 anos de idade. O filme mostra Kaspar desenvolvendo a linguagem e interagindo com outras pessoas. - -6 2.1.2 As dimensões linguísticas da história humana O ser humano conta sua história há muito tempo. Pinturas rupestres datadas de milhares de anos atrás, marcas e textos talhados em pedras, escritos em papiros; nossa história é narrada e registrada, ora para não ser esquecida, ora para servir de constante lembrança do que precisamos para que possamos conviver de maneira harmoniosa em sociedade. Figura 3 - As pinturas rupestres narram a vida e a história de sociedades antigas. São registros feitos pelo ser humano por meio de linguagem imagética. Fonte: Jannarong, Shutterstock, 2019. Hoje, contamos nossa história por meio de palavras e, ainda mais recentemente, por meio de vídeos na Internet, e outras maneiras que utilizam recursos tecnológicos e computacionais. Usamos a linguagem, seja elatweets verbal ou não verbal, para podermos apresentar ideias, fatos e conceitos, para podermos discutir, refletir e interagir com os outros. Ao longo de milhares de anos, evoluímos assim como outras espécies. Nosso destaque aqui é para a evolução linguística que vivemos. Clique na interação a seguir para continuar lendo sobre a evolução linguística. As línguas, como elementos passíveis de mudança e adaptação, são vivas e, como tal, não permanecem uniformes VOCÊ SABIA? A maior concentração de pinturas rupestres no Brasil fica no Parque Nacional Serra da Capivara, no sudeste do Piauí. As pinturas rupestres são formas gráficas de comunicação de grupos pré-históricos que habitaram a região. O parque, que recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade da UNESCO, abriga registros da história da humanidade datados de cerca de 12 mil anos feitos por meio de pinturas e gravuras rupestres. Saiba mais: < >.http://www.fumdham.org.br/ http://www.fumdham.org.br/ - -7 As línguas, como elementos passíveis de mudança e adaptação, são vivas e, como tal, não permanecem uniformes (POSSENTI, 1996). Por vezes, as mudanças são decorrentes do contato com outras línguas, como é o caso das diferenças que existem em termos lexicais e fonológicos entre a Língua Portuguesa falada no Brasil, influenciada por línguas indígenas como o Tupi e imigrações diversas, e a Língua Portuguesa falada em Portugal, que teve outras influências (OTHERO, 2004). No entanto, as mudanças linguísticas efetivas não ocorrem rapidamente. Marcas de oralidade e até mesmo gírias e jargões não perduram por muitos anos nem costumam ser significativos o suficiente para caracterizar uma língua. Othero (2004, p. 8) traça um paralelo entre as mudanças nas línguas e a teoria de Lamarck conhecida como “Lei do Uso e Desuso”, ponderando que as línguas “aproveitam apenas aquilo que é efetivamente usado e útil. Aquilo que realmente sirva para o falante. O que não é usado e não é exercitado (...) dificilmente passará às gerações futuras”. Nesse sentido, justificamos palavras e estruturas linguísticas que caem em desuso, ficam obsoletas ou são classificadas como arcaicas. A evolução e adaptação das línguas e da forma de comunicação do ser humano no geral trouxe-nos ao cenário que vivemos hoje. Destacamos, ainda, que isso não quer dizer que formas antigas de língua e linguagem são primitivas e que o que temos hoje é mais civilizado (POSSENTI, 1996). Elas representavam sociedades, culturas e identidades outras e tinham representações e usos coerentes com esses contextos. Seguindo esse mesmo pressuposto, Possenti (1996) defende que não há línguas mais simples ou mais complexas; essa alegação ora se confunde com a capacidade de aprender tal língua, ora com a dificuldade de fazê-lo. As dimensões linguísticas da História Humana, dessa forma, representam as sociedades, as culturas, as identidades e os tempos históricos de cada uma. Guerras, conflitos, deslocamentos de populações e interações comerciais, culturais, religiosas etc. com outros povos contribuíram para a evolução das línguas e de suas características ao longo dos anos. A Linguística Histórica e a Filologia se ocupam de estudos e pesquisas acerca dessas mudanças, transformações e interferências. Para tanto, valem-se de conhecimentos da História e das civilizações para traçar elementos que demostrem a relação mútua entre linguagem e sociedade. A seguir, estudaremos a influência da Linguística no ensino de línguas. 2.2 A Linguística no ensino de línguas A Linguística, cujo objeto de estudo é a língua, tem aplicações em diferentes áreas e práticas profissionais, sendo uma delas o ensino de línguas. Nesse contexto, ocupa-se, por exemplo, da busca por soluções de problemas da sala de aula, da análise da língua em uso e da aplicação dessas respostas ao desempenho do aluno, à prática docente e à maneira como o ensino da língua se dá por meio de livros didáticos e outros materiais. O que estudaremos aqui é, essencialmente, uma forma aplicada da Linguística, em que até há a consideração e análise de aspectos como Fonologia, Sintaxe e Semântica, mas no qual o objetivo principal é atender a demandas autênticas, que possam contribuir para uma melhoria do processo de ensino e aprendizado de línguas. Para tanto, cumpre o estudo dos conceitos de aquisição e aprendizagem e como eles se relacionam ao ensino de línguas. Vamos a eles? 2.2.1 Definições: aquisição e aprendizagem Nós adquirimos ou aprendemos nossa língua materna? E uma língua estrangeira? Se tivéssemos de explicar a diferença entre essas duas palavras, ao que recorreríamos? E se considerássemos contextos educacionais, será que nossas explicações seriam modificadas? Essas perguntas são um convite à reflexão mais especializada. No senso comum, a palavra “aquisição” nos - -8 Essas perguntas são um convite à reflexão mais especializada. No senso comum, a palavra “aquisição” nos remete a algo de que tomamos posse, que passou a pertencer a nós. Temos um sentido que não nos basta no contexto de estudos da Linguística Aplicada, devido à sua simplicidade ou generalização. Preferimos a especificação: “aquisição” se refere ao desenvolvimento e à aprendizagem de uma língua por um sujeito. Destacamos, ainda, um aspecto importante levantado por Cumpri e Ayres (2015, p. 2): que “a aquisição de cada língua requer a identificação de um sistema fonológico e morfológico, além de um léxico, e, por conseguinte, a compreensão de como se estabelecem as relações sintáticas e semânticas”. Nesse sentido, uma teoria de aquisição de linguagem é vista como um modelo que ajuda a dinamizar “o processo pelo qual se realiza a aquisição espontânea de qualquer língua” (CUMPRI; AYRES, 2015, p. 2). Eckert e Frosi (2015, p. 200) defendem que “explicar a aquisição de línguas é uma questão difícil, já que se trata de um dos fenômenos mais complexos de todas as habilidades que são próprias do ser humano”. Tentaremos, portanto, organizar essa explicação de forma didática a seguir. Clique nas abas. L1 Quando consideramos a primeira língua ou a língua nativa desse sujeito, chamamos de aquisição de primeira (L1).língua L2 Quando consideramos uma segunda língua ou uma língua estrangeira, chamamos de aquisição de segunda (L2).língua Ainda que aprendamos outras línguas estrangeiras, elas são sempre referenciadas como L2 em contextos de pesquisa linguística. Isso quer dizer que um sujeito brasileiro pode ter Português como L1 e Inglês e Espanhol como L2. Ou ainda, Tupi como L1 e Português como L2, Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como L1 e Português como L2. Ainda nessa perspectiva, Richards, Platt e Platt (1993) ponderam que o termo “aquisição” é preferível à aprendizagem, porque o termo “aprendizagem” poderia remeter a pressupostosbehavioristas para alguns pesquisadores. Essencialmente, o estudo da aquisição (RICHARDS; PLATT; PLATT, 1993) possui três focos. Clique nos itens para conhecê-los. • Compreender os processos usados por um ou mais sujeitos no aprendizado de uma língua. • Identificar os estágios de cada sujeito no aprendizado de uma língua. • Aprofundar a compreensão a respeito da natureza da língua. Para que esse estudo ocorra, pesquisadores aplicam tanto estudos longitudinais, como o acompanhamento do processo de aquisição de um indivíduo por anos, quanto abordagens experimentais com o objetivo de observar e analisar o desenvolvimento do uso da língua, de aspectos fonológicos, gramaticais, lexicais e da competência VOCÊ O CONHECE? Rod Ellis, doutor em Educação pela Universidade de Londres, é um renomado estudioso da área de Aquisição de Segunda Língua. Uma de suas obras, The Study of Second Language , publicada em 1994, recebeu o prêmio como melhor livro emAcquisition Duke of Edinburgh Linguística Aplicada e ainda é considerada referência em estudos e pesquisas que envolvem aquisição de segunda língua. • • • - -9 analisar o desenvolvimento do uso da língua, de aspectos fonológicos, gramaticais, lexicais e da competência comunicativa. Ao estudarmos aquisição e considerarmos uma visão inatista, partimos do princípio de que todos os sujeitos têm a capacidade de adquirir uma primeira língua, uma vez que possuem um aparato de aquisição chamado de ou LAD, que justificaria nosso conhecimento geral sobre a estrutura e a natureza daLanguage Acquisition Device linguagem humana. Há diferentes possibilidades de desenvolver pesquisas nessa área, ora com o viés do estudo de crianças aprendendo a primeira língua, em que há a defesa de que a língua é aprendida pela exposição (usos e exemplos de usos), e que as regras linguísticas são desenvolvidas de maneira inconsciente; ora com viés interacionista e cognitivista. Este último inclui, por exemplo, a relação entre linguagem e o desenvolvimento cognitivo e os efeitos da interação no desenvolvimento da linguagem e da língua. Já a aquisição de uma segunda língua (L2) considera o desenvolvimento de outra língua além da nativa/materna e a proficiência atingida pelos sujeitos. No geral, o foco de pesquisas sobre aquisição de L2 é a coleta e análise sistemática de dados e informações que possam colaborar no ensino de línguas (ELLIS, 1997). A aquisição de L2 pode ocorrer dentro ou fora de sala de aula; logo, há fatores internos e externos que contribuem com o desenvolvimento da outra língua. Como fatores internos, temos a aplicação de mecanismos e habilidades cognitivos/as que ajudam no aprendizado, na comparação entre línguas, na resolução de problemas e tomada de decisão ao experimentar com a língua sendo aprendida. Há também a recorrência a conhecimentos prévios da língua como sistema ao ancorarem-se na L1, e a aptidão, isto é, a habilidade natural que cada sujeito tem para aprender uma língua, independentemente de sua motivação, interesse ou inteligência (RICHARDS; PLATT; PLATT, 1993). CASO Rod Ellis, em seu livro (1997), apresenta a pesquisa desenvolvidaSecond Language Acquistion por Richard Schmidt, da Universidade do Havaí, sobre um falante nativo de Japonês de 33 anos de idade, chamado Wes. Segundo o relato, Wes, que havia abandonado os estudos aos 15 anos de idade, tinha pouco contato com falantes de Inglês, até que passou a viajar para o Havaí a trabalho. Schmidt acompanhou e analisou o desenvolvimento da língua inglesa por Wes durante três anos, tendo como foco principal o aprimoramento da gramática. Para tanto, concentrou-se em registrar o uso do verbo auxiliar , do morfema –s em substantivos plurais,be do –s e do –ed como indicativo de conjunção verbal. O pesquisador comparou como Wes usava esses itens quando começou a ir ao Havaí e comparou com sua produção após três anos. Ellis (1997) pontua que seria possível defender que uma evidência que Wes adquiriu a gramática da língua inglesa seria o uso da gramática de maneira precisa tal como faria um falante nativo dessa língua. No entanto, Ellis (1997) destaca que ainda que ao longo de três anos Wes tenha continuado a usar a língua de maneira imprecisa em termos gramaticais, ele demonstrou desenvolvimento de outras maneiras, como com o uso adequado de estruturas fixas e padrões comuns na língua. Isso ajudou Wes a desenvolver sua fluência e a ser considerado como alguém de sucesso na comunicação, mesmo que ainda tivesse erros gramaticais. - -10 Figura 4 - A aptidão para aprender uma língua é um conjunto de habilidades. Uma pessoa com alta aptidão para aprender línguas pode aprender mais rápido e mais facilmente do que outras. Fonte: Andrea Danti, Shutterstock, 2019. Elencamos, a seguir, dois fatores externos que contribuem com a aquisição de L2. Clique e confira! Condições sociais do sujeito ter contato efetivo com a língua e as atitudes que ele pode desenvolver com relação a ela. Ellis (1997) exemplifica esse fator considerando o aprendizado e uso de uma língua por um sujeito em um contexto em que ele é respeitado pelos falantes daquela língua ao mesmo tempo em que os respeita. A relação, nesse caso, é diferente daquela que ocorreria caso houvesse uma situação de hostilidade entre esses pares. Insumo ( ) recebido pelos aprendizes da L2. Ellis (1997) declara que para que o desenvolvimento de umainput língua pelo aprendiz ocorra, é necessário que haja exposição à língua em uso e a reflexão sobre quais tipos de insumo e estratégias podem facilitar o aprendizado. Observamos, portanto, que os termos “aquisição” e “aprendizagem”, quando usados em um contexto especializado de Linguística Aplicada, remetem-se a um mesmo processo. No entanto, quando tratamos de segunda língua (L2) em sala de aula, é comum referirmo-nos à palavra “aprendizagem”, uma vez que há a aplicação de métodos, estratégias e procedimentos específicos para o desenvolvimento de competências e habilidades linguísticas, tais como vocabulário, gramática, produção oral e escrita e compreensão oral e escrita. Em um contexto fora de sala de aula, como a imigração para um país, o sujeito passará por um processo diferente, certamente com insumos menos controlados do que aqueles que teria em sala de aula e com necessidades mais urgentes de comunicação, dada a situação autêntica de uso da língua. Qualquer que seja o caso de aquisição de língua, é importante ter em mente que ela é representativa de uma cultura, de uma sociedade e da identidade do sujeito que a usa, como estudaremos a seguir. 2.3 A identidade como produto da língua Língua, cultura e identidade são conceitos que caminham lado a lado quando os observamos sob a ótica da Linguística. Se a língua é um sistema usado por nós para a comunicação e a cultura é um conjunto de atitudes, crenças, comportamentos, costumes e hábitos sociais comuns aos sujeitos de uma determinada sociedade, a identidade deve ser vista como algo que permeia esses dois conceitos e que se forma a partir deles ou por causa deles. A identidade pode ser linguística e pode ser cultural. Dois brasileiros distintos podem perceber-se com identidade linguística parecida ainda que representem identidades culturais completamente diferentes. Ambas são construídas por meio da interação e da significação e ressignificação daquilo que vivemos. Desenvolvemos e transformamos, nesse processo, nossa subjetividade, ao - -11 e ressignificação daquilo que vivemos. Desenvolvemos e transformamos, nesse processo, nossa subjetividade, ao mesmo tempo em que abrimos a possibilidade para deslocamentos identitários que nos transformam também como indivíduos. A seguir, discorreremos sobre esses dois pontos: subjetividade e deslocamento identitário. Preparado? Vamos juntos mais uma vez. 2.3.1 Subjetividade O que entendemos por subjetividade? Como ela se relaciona com quem somos como usuários de uma língua, seja de nossa língua materna ou outras línguas que conhecemos? Como a subjetividade faz parte do ensino de línguas? A respostapara essas questões talvez se inicie na ideia, proposta por Freire (1983, p. 42), de que “toda prática educativa implica numa concepção dos seres humanos e do mundo”. Se temos claro quais são essas concepções, assim como as que envolvem língua, linguagem, o processo de aprendizagem e o sujeito, elencamos aspectos que se refletem nas práticas pedagógicas educativas e nas nossas escolhas. A ancoragem da premissa de subjetividade também toma como base a subjetividade tal como pensada por Benveniste (1989); a língua e a linguagem são percebidas como fundamentos da subjetividade, e esta, por sua vez, possui valor em uma relação dialógica de construção dos sentidos no discurso pelos sujeitos e de maneira interativa. O ato de ensinar e de aprender é construído por todos os participantes (alunos e professores) e se caracteriza como algo interativo, intersubjetivo e social, que é construído socialmente. A subjetividade, organizada por Benveniste (1991, p. 288) como “a capacidade do locutor para se propor como sujeito”, concretiza-se na linguagem e pela linguagem, pois é dessa maneira que o ser humano se constitui como sujeito, já que a linguagem está fundamentada na realidade do ser. VOCÊ SABIA? A noção de subjetividade começou a ser discutida por Émile Benveniste, em 1958, em seu texto “Da subjetividade na linguagem”. Nesta produção, Benveniste critica a linguagem como instrumento de comunicação e propõe que a “linguagem é o que dá ao indivíduo o destatus sujeito” (WERNER, 2006, p. 397). Saiba mais sobre o Émile Benveniste e sua teoria: < >.https://www.revistas.ufg.br/sig/article/download/2794/2785 https://www.revistas.ufg.br/sig/article/download/2794/2785 - -12 Figura 5 - A subjetividade é determinada pelo sujeito e pelo seu status linguístico, sendo constituída pela linguagem, que o diferencia. Fonte: Sergey Nivens, Shutterstock, 2019. Para Benveniste, a subjetividade pode ser observada em marcas linguísticas do usuário, tais como pronomes e verbos. Nessa perspectiva, a subjetividade é uma propriedade da língua, concretizada pela categoria de pessoa, e o que a caracteriza é a relação discursiva entre pares, sejam eles reais ou não, individuais ou coletivos. Trata-se de uma relação intersubjetiva (BENVENISTE, 1991). Falasca (2012, p. 37) reforça que [...] embora social, o sujeito não se encontra, de forma alguma, em uma posição passiva ou assujeitada frente à realidade. Ele é um sujeito ativo e histórico, que, para poder participar da compreensão de determinado discurso, deve também produzir uma atividade sobre ele, investi-lo de significados. A subjetividade, portanto, considera-nos como sujeitos históricos (POSSENTI, 2004), que participam da construção de significados e que compreendem seu lugar no espaço de produção deles. A seguir, estudaremos sobre a relação entre subjetividade, identidade e deslocamentos identitários, tendo como ponto de partida o aprendiz de línguas. 2.3.2 Deslocamento identitário A socialização e a interação do sujeito com outros por meio da língua e das linguagens fazem parte de uma subjetividade que “encontra-se em constante vir-a-ser, em constante transformação ao longo da vida e abre a possibilidade para diferentes colocações do sujeito em relação aos textos com os quais lida, propiciando, assim, uma diferenciação dos outros por aquilo que o sujeito cria para si” (FALASCA, 2012, p. 41). O que nos diferencia do outro, a subjetividade, é retomada ao tratarmos de deslocamentos identitários, uma vez que é devido à - -13 do outro, a subjetividade, é retomada ao tratarmos de deslocamentos identitários, uma vez que é devido à abertura a novas significações e compreensões que conseguimos desenvolver diferentes identidades para as diferentes relações que estabelecemos com os outros sujeitos. Falasca (2012, p. 42) defende que “a identidade, intrinsicamente ligada à subjetividade, por dela provir, é o que identifica o sujeito com o outro, é o que os aproxima numa relação de busca do sujeito por algo que o cative e o que o aproxime, de alguma forma, no/do outro”. É, portanto, a subjetividade que o sujeito desenvolve em sua língua materna que possibilita a ele buscar ligação com outros discursos e a formar vínculos; é o que ajuda a formar a sua identidade. Quando o sujeito também é aprendiz de uma segunda língua, há o desenvolvimento de uma nova identidade e, com ela, a integração à sua subjetividade. VOCÊ QUER LER? O conceito de deslocamento identitário é discutido por diversas áreas e muitas vezes tem como fator de análise do discurso dos sujeitos envolvidos. O artigo “O deslocamento identitário dos morados de periferias no Brasil: um jogo de imagens como efeito de assujeitamento”, desenvolvido por Helio Arthur Irigaray (2013), traz para discussão as possibilidades de construção de lugares identitários dos moradores das periferias urbanas do Brasil, relacionando-as ao mundo do trabalho. Leia o artigo: <https://bell.unochapeco.edu.br/revistas >./index.php/rgo/article/view/1825/1001 https://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rgo/article/view/1825/1001 https://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rgo/article/view/1825/1001 - -14 Figura 6 - A formação da identidade perpassa diversos fatores que sofrem influências entre eles e que representam diferentes culturas e modos de pensar. Fonte: Rawpixel.com, Shutterstock, 2019. Falasca (2012, p. 42) considera tal movimento um processo que “ocorre por meio de uma série de deslocamentos ”, que geram novos pontos de vista, novos olhares sobre o mundo e, como consequência, a formação de uma nova identidade que se insere à subjetividade. A construção dessa nova identidade é o foco da nossa próxima seção, última deste capítulo. Continue acompanhando com atenção. 2.4 Ensino de línguas como nova identidade Ao compreendermos as relações entre língua, linguagem, subjetividade e identidade, passamos a ter o desafio de buscar a aplicação desses conhecimentos no ensino de línguas e no desenvolvimento de uma nova identidade. Essa identidade surge não apenas da experiência com um novo idioma, mas também com a resiliência formada a partir do enfrentamento de novos desafios, da exposição ao desconhecido, da necessidade de resolver problemas, comparar conhecimentos linguísticos e tomar decisões. Com um novo idioma, também entramos em contato com sujeitos culturalmente e socialmente diferentes daqueles que fazem parte do nosso cotidiano. Lidamos com o novo e, por essa razão, temos de nos preparar para repensar nossas visões, usos e expectativas. Com uma nova língua vem uma nova cultura e, com ela, a construção de uma nova identidade, como estudaremos a seguir! - -15 2.4.1 A construção da identidade no ensino de línguas “Identidade é a resposta que se dá para a pergunta “Quem sou eu?”, afirma Leffa (2012, p. 51). Quem somos nós quando temos conhecimento apenas da nossa língua materna? Quem nos tornamos quando adquirimos ou aprendemos uma nova língua? Se considerarmos que temos diferentes identidades quando comparamos nossas diferentes funções sociais e culturais, o que faz parte da formação da nossa nova identidade ao aprendermos ou adquirirmos uma segunda língua? Leffa (2012) compara nossas identidades com máscaras e sugere que, ao longo de nossas vidas, assumimos várias delas, adequando-as para as situações em que parecem ser necessárias. Discute, ainda, que [...] as identidades variam em dois eixos fundamentais: um, horizontal, envolvendo basicamente um processo de expansão, que vai do indivíduo para a coletividade, chegando eventualmente à globalidade planetária; outro, vertical, este basicamente um processo de evolução histórica, começando com a identidade sólida, passando para a identidade líquida e daí evoluindo para o que definimos como identidade vaporosa. Essas mudanças de estado, do sólido ao vaporoso, são motivadas pela energia liberada na interação social (LEFFA, 2012, p. 52). A nossa nova identidade, aquela que construímos como sujeitos que adquirem ou aprendem uma nova língua, caminha por esses doiseixos. Horizontalmente, de um lado, considera nossas experiências como usuários da nossa língua materna e como elas podem ser expandidas para a nova língua; de outro, considera como usamos a nova língua para interagir com os usuários com quem passamos a ter contato diante dessa oportunidade. Verticalmente, dependemos das interações e das possibilidades que temos para usar a nova língua, considerando não apenas chances de comunicação autêntica e significativa em que haja um comunicativo que favoreça agap troca entre interlocutores, mas também a qualidade dessa troca, assim como a qualidade da exposição e do insumo ( ) que temos nessa nova língua.input Leffa (2012, p. 58) pontua que “a soma das identidades que constitui o sujeito é, portanto, extremamente variada e extensa em seu desdobramento real, por meio do contato com as pessoas, objetos e acontecimentos”. O vídeo deste capítulo nos convida para uma reflexão acerca da relação entre língua, linguagem e identidade, e considera como desdobramento real a sociedade multilíngue e global que vivemos. Confira! https://cdnapisec.kaltura.com/p/1972831/sp/197283100/embedIframeJs/uiconf_id/30443981/partner_id /1972831?iframeembed=true&playerId=kaltura_player_1549890725&entry_id=1_wr5obuu5 A construção da identidade, segundo Leffa (2012), pode incluir três dimensões: geográfica, histórica e dialética. Clique nos a seguir para conhecê-las.cards Geográfica Considera a “expansão e contração espacial das identidades, na medida em que inclui numa direção e exclui na outra” (LEFFA, 2012, p. 59). Histórica A qual considera a diluição do conceito de identidade com o passar do tempo. Dialética Em que há um “jogo de confrontos que se constrói para legitimar quem pode e quem não pode ser incluído num determinado grupo” (LEFFA, 2012, p. 58). É difícil afirmar quais dessas dimensões fazem parte da construção da identidade que cada um de nós passa ou passará ao adquirir ou aprender uma nova língua. Isso porque à medida que vivemos e convivemos com outros sujeitos, nossas identidades se associam a outras. Em uma fase líquida, a evolução da identidade se dá “pela necessidade do sujeito em se adaptar ao outro, em ajustar-se ao contexto em que está situado” (LEFFA, 2012, p. 67). https://cdnapisec.kaltura.com/p/1972831/sp/197283100/embedIframeJs/uiconf_id/30443981/partner_id/1972831?iframeembed=true&playerId=kaltura_player_1549890725&entry_id=1_wr5obuu5 https://cdnapisec.kaltura.com/p/1972831/sp/197283100/embedIframeJs/uiconf_id/30443981/partner_id/1972831?iframeembed=true&playerId=kaltura_player_1549890725&entry_id=1_wr5obuu5 - -16 Figura 7 - A identidade do sujeito é construída pela soma de interações que envolvem pessoas, objetos e acontecimentos. Inclui realidades vividas e realidades imaginadas. Fonte: pogonici, Shutterstock, 2019. Talvez por essa razão, haja a expectativa de uma construção identitária que se assemelhe à do outro; no entanto, devemos considerar que a identidade de um sujeito nunca será idêntica ao de outro, que ela é volátil e efêmera. Como tal, está em constante transformação. 2.4.2 Principais conceitos O repensar da identidade no contexto de ensino de língua estrangeira sugere a retomada de conceitos-chave sobre aquisição, aprendizagem e construção de nova identidade nesse contexto de ensino. Conforme já estudamos neste capítulo, e são termos comuns quando tratamos deaquisição aprendizagem ensino de língua. Preferencialmente, usamos a palavra “aquisição” quando nos referimos à aquisição de primeira língua (isso é, quando descrevemos o processo que vivenciamos com nossa língua materna), e quando nos referimos à aquisição de segunda língua (uma língua outra, adicional à nossa língua materna, que pode ser uma língua considerada estrangeira ou não). Esse termo é usado para todas as línguas adicionais que adquirirmos além da nossa língua materna; logo, é incorreto chamar de terceira ou quarta língua as demais línguas que forem aprendidas. O termo “aprendizagem”, em alguns contextos de estudo, pode servir de referência a uma visão comportamentalista de aprendizagem em que há mecanização, repetição e reforço positivo ou negativo. Ao mesmo tempo, pode ser usado de maneira não discriminatória e como sinônimo de aquisição quando se trata de ensino de segunda língua ou língua estrangeira. Isso se dá principalmente pelo fato de esse ensino poder ocorrer em um contexto formal de sala de aula, o que requer a organização de conteúdos programáticos, aplicação de métodos, procedimentos e estratégias que possam validar e favorecer o aprendizado/aquisição da língua-alvo em um período determinado e de modo possivelmente mais controlado. Ao mesmo tempo, quando uma segunda língua é adquirida em um contexto fora de sala de aula, em ambiente natural e autêntico, sem a determinação de - -17 língua é adquirida em um contexto fora de sala de aula, em ambiente natural e autêntico, sem a determinação de conteúdos programáticos e/ou objetivos de aprendizagem é costumeiro o uso do termo “aquisição” em detrimento de “aprendizagem”. Independentemente de qual seja o contexto — de aquisição ou de aprendizagem —, temos a formação de uma nova identidade do sujeito que faz parte desse processo. Isso não quer dizer que há o desprezo da sua identidade inicial, de falante de uma determinada língua materna, mas sim que há a transformação dessa identidade em decorrência das novas experiências vividas e do exercício de suas competências cognitivas e sociais na aquisição ou no aprendizado de uma nova língua. A interação com uma nova língua, seja por meio de outros falantes ou até mesmo por meio de textos, imagens etc. (outras linguagens), promove transformações no nosso eu, na nossa subjetividade e na maneira como usamos e pensamos a língua. 2.4.3 Aplicações Partimos agora para a reflexão e análise de alguns exemplos de aprendizes de línguas estrangeiras e da relação dessas experiências com o que estudamos neste capítulo. Clique nas abas. • Situação 1: aquisição de segunda língua por duas crianças Ellis (1997) observou a aquisição de segunda língua por duas crianças que aprendiam Inglês em um contexto de sala de aula. Ambas eram iniciantes na língua estrangeira e aprendiam inglês em Londres, em um centro especializado para crianças recém-chegadas ao Reino Unido, e que precisavam aprender o idioma para poder ir à escola. Os alunos eram J., um menino português de 10 anos de idade, comunicativo e aventureiro, com habilidade de ler e escrever em sua língua nativa; e R., um menino paquistanês de 11 anos de idade, pouco confiante no uso de outra língua que não sua língua materna ao chegar no país e que sabia apenas falar nessa língua, sem ler ou escrever nela. No início do processo, ambos os alunos tinham pouco contato com Inglês fora de sala de aula. Ellis (1997) fez uso de instruções formais da língua, tal como ensinar regras gramaticais, e de instruções informais, tal como sugerir momentos livres de comunicação entre eles. Fez registros das produções dos alunos referentes às diferentes maneiras como eles faziam pedidos na sala. Por exemplo: ao pedirem uma caneta emprestada a um colega, inicialmente usavam gestos; ao longo do tempo, começaram a usar palavras isoladas e, posteriormente, blocos de palavras. A produção “ ”, ao solicitar um papel, transformou-se em “ ” e depois em “Give me Give me a paper Can I have one ”.yellow book, please? O pesquisador observou que ambos os alunos se mostraram capazes de fazer solicitações aos colegas desde o início, mesmo conhecendo pouco da língua, recorrendo a estratégias diversificadas e, com o passar do tempo, a estruturas e frases fixas na comunicação e interação com outros alunos. A evolução observada por Ellis (1997) foi muito parecida nos dois alunos no tocante ao seu foco de observação (solicitações), ainda que tivessem contextos sociais e primeiras línguas diferentes. • Situação 2: profissional imigrante A segunda situação é o relato de G., húngaro de 40 anos, graduado em Engenharia Têxtil em seu país de origem, que imigroupara Londres há dez anos em busca de trabalho e oportunidades. G. é motorista de uma empresa de carros que faz transporte de turistas entre seus hotéis e o aeroporto. Desde que chegou em Londres, sempre trabalhou como motorista e nunca teve dinheiro ou tempo para estudar a língua inglesa formalmente em uma escola de idiomas ou algo • • - -18 dinheiro ou tempo para estudar a língua inglesa formalmente em uma escola de idiomas ou algo parecido. Em casa, fala húngaro com a esposa e a filha. Fora de casa, fala inglês com outros imigrantes que, como ele, trabalham na cidade e com os turistas que transporta. Sua capacidade comunicativa é inegável visto que está exposto ao idioma e tem que usa-lo diariamente fora do contexto domiciliar. Suas expectativas de produção são altas visto que se trata de uma pessoa com competência linguística alta na sua língua nativa. No entanto, a falta de estudo formal, segundo G., leva-o a cometer erros de gramática e imprecisões lexicais, o que acaba por fazê-lo relatar sua competência linguística no segundo idioma como algo frágil. Relata que tem a sensação que as interferências de sua cultura e língua nativas contribuem também para que se sinta diferente dos nativos britânicos com quem convive. Suas marcas identitárias e sua visão de mundo contribuem tanto positivamente como negativamente na sua percepção pessoal de falante da língua estrangeira. Uma observação mais especializada, pelo olhar do linguista, talvez sugira que isso se deva à busca pela reprodução de um padrão demonstrado pelo falante nativo da língua inglesa em detrimento da aceitação e valorização de sua produção e competência como falante de língua inglesa como segunda língua. Vimos aqui que o uso da linguagem como ferramenta, a compreensão dos fatores que fazem parte da aquisição e do aprendizado de uma língua, assim como as questões relacionadas à subjetividade, identidade e deslocamento identitário contribuem para a formação de um profissional de Letras crítico e reflexivo a respeito desses pontos, capaz de leva-los à sua prática e ao próprio processo de aprendizagem. Síntese Neste capítulo, aprendemos sobre a visão de linguagem como ferramenta de comunicação, interação, ação e transformação do mundo. Compreendemos as questões linguísticas relacionadas ao desenvolvimento da história humana e estudamos as diferenças entre aquisição e aprendizado, e como esses termos devem ser compreendidos no contexto da Linguística aplicada ao ensino da língua inglesa. Por fim, trouxemos para discussão e reflexão a questão da identidade e da subjetividade na construção do sujeito que adquire ou aprende uma nova língua. Neste capítulo, você teve a oportunidade de: • compreender teorias e fatos sobre a linguagem como forma de compreender o mundo; • refletir sobre questões linguísticas que interferiram ou contribuíram na/com a história humana e a sociedade; • analisar exemplos de relação mútua entre a evolução da linguagem e da sociedade; • conhecer os conceitos de aquisição e aprendizagem; • refletir sobre usos no contexto da Linguística Aplicada ao Ensino da Língua Inglesa; • conhecer o conceito de subjetividade e relacioná-lo à linguagem; • relacionar e aplicar conceitos sobre língua, linguagem, aquisição, aprendizagem e subjetividade; • conhecer o conceito de identidade de um indivíduo e seu deslocamento identitário em um país estrangeiro pela ótica da linguagem e da língua; • relacionar e aplicar conhecimentos sobre língua, linguagem, subjetividade e identidade; • conhecer e refletir sobre princípios teóricos e conceitos-chave sobre aquisição, aprendizagem e a construção da nova identidade no contexto de línguas estrangeiras; • conhecer e refletir sobre exemplos de aprendizes de língua inglesa como língua estrangeira. • • • • • • • • • • • - -19 Bibliografia AROLES, S. 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