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Fadiga, perda de peso e anemia Prob 3 – “Quanto tempo?” EXPLANAR SOBRE A FISIOPATOLOGIA DA CAQUEXIA DO CANCER E O IMPACTO DAS TERAPIAS NESSE MECANISMO O câncer é definido como uma enfermidade multifatorial crônica, caracterizada pela proliferação descontrolada das células. A perda de peso e a desnutrição são distúrbios frequentemente observados em pacientes com câncer, sendo que até 30% dos pacientes adultos apresentam perda superior a 10% do peso. No entanto, o estabelecimento de desnutrição em quadros oncológicos está diretamente relacionado ao tipo e à localização da neoplasia. Uma das consequências mais dramáticas do câncer é o estado de consumição progressiva, fraqueza generalizada, anemia e emagrecimento acentuado que caracterizam o estado de caquexia. O termo “caquexia” significa má condição (do grego “Kakos hexis”), portanto um estado debilitado da saúde. A caquexia do câncer é definida clinicamente por anorexia, perda de peso involuntária, perda de massa muscular, alterações da sensibilidade do paladar, saciedade precoce, fraqueza e atrofia de órgãos viscerais. Acomete até 80% dos indivíduos com doença avançada e repercute em diminuição de capacidade funcional, redução da QV e da sobrevida, constituindo um dos principais fatores de pior prognóstico nesta fase da doença. Estima-se que 20 a 40% das causas de óbito decorrentes do câncer estejam relacionadas à CC. Existem duas formas de caquexia: a primária e a secundária. A caquexia primária é o tipo mais comum e resulta de interações metabólicas entre o tumor e o hospedeiro que levam ao consumo progressivo e frequentemente irreversível de proteína visceral, musculatura esquelética e tecido adiposo, e anorexia. Já a secundária resulta de ingestão e absorção diminuídas, e recorda o jejum não- complicado. Ambos os tipos de caquexia encontram-se presentes simultaneamente em um mesmo paciente. Contudo, este processo caquetizante envolve um severo comprometimento do estado geral e resulta primeiramente de alterações na ingestão e mal-absorção de nutrientes, e posteriormente de alterações metabólicas. Na caquexia as alterações metabólicas são diferentes das observadas no jejum prolongado, pois afetam todas as vias metabólicas simultaneamente. A fisiopatologia da CC decorre de uma interação complexa entre o organismo do hospedeiro e a presença do tumor, que repercute em alterações metabólicas, imunológicas e neuroendócrinas, e, que se caracteriza por um balanço calórico-proteico negativo impulsionado por uma combinação variável de ingestão alimentar reduzida e metabolismo anormal. A etiologia principal da CC assinala-se pela presença de um estado inflamatório sistêmico crônico com aumento da atividade das citocinas pró-inflamatórias, interleucina 1 (IL1), interleucina 6 (IL6), interferon γ (ITFγ) e do fator de necrose tumoral α (TNFα) que promovem aumento da produção hepática de proteínas de fase aguda positiva, salientando-se a PCR, fibrinogênio, a-antitripsina e ceruloplasmina, com consequente redução das proteínas de fase aguda negativa, como a albumina, pré-albumina e transferrina, produzindo reflexos no metabolismo intermediário que se assemelham à resposta metabólica, ao trauma e à infecção, no entanto, sem a resposta adaptativa ao jejum. Deste modo, o organismo necessita de glicose obtida principalmente pela degradação de proteínas, ao contrário de se adaptar usando energia proveniente do tecido adiposo e dos corpos cetônicos, como ocorre no jejum normal na tentativa de preservar a massa muscular esquelética. Metabolismo energético O aumento do gasto energético é um dos determinantes da perda de peso da caquexia do câncer. Pacientes portadores de câncer podem ser hipermetabólicos, normometabólicos ou hipometabólicos dependendo do tipo de tumor, estágio e formas de tratamento empregadas no câncer. Vários órgãos ou tecidos podem estar envolvidos no aumento do gasto energético basal encontrado em alguns pacientes com neoplasias. Segundo Moraes (1996), o fígado é um órgão normalmente consumidor de grande energia e centro de atividade enzimática elevada em cancerosos, sugerindo alta taxa metabólica. Os tumores gástricos e os sarcomas são em geral hipermetabólicos e causam perda de peso importante. Outros tumores, como os melanomas, apesar de hipometabólicos, também provocam perda de peso e caquexia. No indivíduo normal, mesmo que a ingestão calórica esteja diminuída, observa-se uma redução na produção de energia ou na taxa metabólica. Já no paciente oncológico não ocorre esta adaptação fisiológica, pois mesmo com a redução na ingestão calórica, mantém ou aumentam, contribuindo para diminuição da reserva energética, em função do metabolismo das células tumorais. O estado de hipermetabolismo ou catabolismo persistente é comum em estados avançados da doença, isto explica a rapidez das células neoplásicas malignas em captar glicose como fonte de energia. O aumento desta captação está relacionado com o grau de malignidade e poder de invasão celular. As células malignas têm como fonte preferencial a glicose, e por isso alterações secundárias no metabolismo deste carboidrato são observadas em pacientes oncológicos em função da intensa proliferação celular que causa uma maior demanda. As alterações metabólicas descritas em pacientes com caquexia por câncer comprometem tanto o metabolismo de carboidratos, de lipídeos e das proteínas. Estas alterações são importantes para entender o mecanismo da perda de peso e orientar a oferta dietética mais adequada de acordo com as necessidades nutricionais do paciente. Metabolismo dos carboidratos As principais modificações metabólicas do hospedeiro são caracterizadas por glicólise acentuada, justificada pela rapidez das células neoplásicas em captar glicose como fonte de energia. O aumento dessa captação está relacionado ao grau de malignidade e ao poder de invasão celular tumoral. O consumo excessivo de glicose, por sua vez, aumenta a produção de glicose hepática a partir do lactato no ciclo de Cori (glicólise anaeróbia) e por meio de aminoácidos musculares do hospedeiro pela neoglicogênese, resultando em intensa proteólise e depleção muscular esquelética. A célula tumoral tem como principal substrato energético a glicose, consumindo de 10 a 50 vezes mais em relação ás células normais. Dependendo do tamanho do tumor e do estágio da doença a produção da glicose é maior. O consumo excessivo de glicose pelo tumor aumenta a produção de glicose hepática a partir do lactato (Ciclo de Cori) e de aminoácidos musculares do hospedeiro (gliconeogênese). A conversão de lactato para a glicose envolve consumo de ATP e aparenta ser um processo bioquímico de gasto energético contribuindo para a perda de peso e massa corpórea. Segundo estimativas, o gasto energético no Ciclo de Cori é de aproximadamente 300 calorias por dia. Além disso, é comum observar resistência periférica à insulina em pacientes com caquexia, isto determina um estado metabólico semelhante ao diabetes, resultando em uma acentuada gliconeogênese no fígado. A intolerância à glicose e a resistência à ação da insulina são ocasionadas tanto pela diminuição da sensibilidade dos receptores das células beta pancreáticas como pela redução da sensibilidade dos tecidos periféricos. Desse modo, todos esses efeitos contribuem de modo significativo tanto para depleção das fontes de energia como também para destruição de tecidos. Metabolismo das proteínas O paciente caquético não apresenta capacidade para manter ou reduzir o catabolismo dos músculos em resposta à reduzida ingesta de nitrogênio, levando a depleção de proteína e consequentemente atrofia e miopatia muscular, atrofia visceral e hipoalbuminemia. A hipoalbuminemia ocorre devido à diminuição da síntese proteicano fígado e ao aumento da proliferação celular do tumor. Conforme Murad; Katz (1996), no jejum agudo ocorre degradação do músculo esquelético para fornecer ao organismo aminoácidos para a gliconeogênese. No jejum prolongado sem câncer, a degradação muscular diminui e conserva nitrogênio, mantendo-se a massa muscular funcional. Este é um mecanismo de adaptação “poupador de proteínas”. Porém, a capacidade de poupar proteína em resposta ao jejum está ausente no câncer, havendo persistência da proteólise. Metabolismo dos lipídeos No metabolismo dos lipídios, ocorre aumento da lipólise associada à diminuição da lipogênese, em consequência à inibição da enzima lipase lipoproteica promovendo elevação da concentração de ácidos graxos livres no sangue e, ainda, aumento da lipase hormônio sensível, ocasionado depleção acentuada das reservas de gordura corporal. O metabolismo lipídico encontra-se alterado, resultando na depleção da reserva de gordura e níveis elevados de lipídios circulantes. A perda de gordura é responsável pela maior parte da perda de peso. Além disso, essa perda está relacionada ao aumento da lipólise associada à diminuição da lipogênese, em consequência à queda da lípase lipoprotéica levando a hiperlipidemia. Segundo Guimarães et al. (2002), o tumor produz moléculas lipolíticas capazes de induzir lipólise e aumentar a oxidação de ácidos graxos. Há uma maior liberação de ácidos graxos e formação de corpos cetônicos, com isso há mobilização e também maior utilização dos ácidos graxos como fonte preferencial de energia, provavelmente secundárias a exacerbação da gliconeogênese e maior resistência à insulina. Em condições normais os teores de glucagon, corticosteróides ou adrenalina são pouco variáveis, já na caquexia do câncer estes hormônios estão todos alterados pela maior degradação lipídica, havendo falha da lipogênese. É interessante observar que a administração de glicose é incapaz de inibir a mobilização e a oxidação das gorduras, como ocorre habitualmente em indivíduos normais. Soma-se a essas alterações metabólicas a liberação de substâncias produzidas pelas células tumorais, entre elas o fator de mobilizador de lipídios, que promove maior degradação do tecido adiposo em ácidos graxos livres e o fator indutor de proteólise, glicoproteína capaz de induzir a degradação proteica no músculo esquelético. Além disso, o aumento do catabolismo proteico é refletido por elevação na atividade da via proteolítica ubiquitina-proteassoma, considerada um mecanismo central para explicar a proteólise muscular acentuada na CC. Mediadores – citocinas Por sua vez, a patogênese da anorexia é complexa e multifatorial, acredita-se que ocorram alterações neuro- hormonais promovendo desbalanço nos mediadores anorexígenos e orexígenos (triptofano, leptina, neuropeptídio Y, melacortina e grelina) que afetam o controle do apetite e estão associados ao aparecimento da anorexia, alterações do paladar, bem como influenciam no controle da saciedade. As citocinas são glicoproteínas solúveis que produzem uma grande variedade de reações fisiológicas. Já foram implicadas por vários estudos recentes como mediadoras da resposta do hospedeiro ao câncer. As citocinas regulam tanto a absorção de energia (isto é, apetite) quanto ao gasto de energia (taxa metabólica) e por isso têm um papel essencial na determinação do estado nutricional do portador de tumor. As citocinas que desempenham um papel importante incluem o Fator de Necrose Tumoral (TNF- α), Interleucina 1 (IL-1), Interleucina 6 (IL-6) e interferon- gama (IFN-γ). Estas citocinas têm atividades sobrepostas, as quais tornam provável que nenhuma substância individual seja a única causa da caquexia do câncer. Fator de necrose tumoral-alfa Também conhecido por caquexina, é uma das citocinas secretadas pelos macrófagos em resposta ao crescimento celular tumoral ou infecções por bactérias gram negativas. Segundo Porth (2002), o TNF-α causa anorexia, suprimindo centros de saciedade e a síntese de lipoproteína lípase, uma enzima que facilita a liberação de ácidos graxos pelas lipoproteínas, de modo a poderem ser utilizadas pelos tecidos. O TNF-α induz várias respostas inflamatórias, ativando o sistema de coagulação, atuando nos hepatócitos para aumentar a síntese de proteínas sérica em resposta aos estímulos inflamatórios, e promove o choque endotóxico secundário a trauma, queimaduras e sepse. Interleucina 1 (IL-1) A interleucina 1 (IL-1) é outra citocina inflamatória secretada pelos macrófagos, e juntamente com o TNF-α tem a capacidade de iniciar a caquexia. Vale ressaltar que a IL-1 produz os mesmos efeitos do TNF-α, mas não age sobre os músculos, e os efeitos produzidos na caquexia são menos potentes que os induzidos pelo TNF-α. Essa citocina age diretamente sobre centro de regulação do apetite do sistema nervoso central, induzindo saciedade, o que provoca uma menor ingestão de alimentos e de água. A IL- 1 pode causar febre e ainda alterar a síntese protéica no fígado. Interleucina 6 (IL-6) Uma citocina com várias atividades biológicas, algumas semelhantes ao TNF-α e IL-1. Produzida por macrófagos, monócitos e pelos fibroblastos. De acordo com Gibney et al. (2007), a IL-6 é a principal citocina envolvida na indução das proteínas de fase aguda e síntese de fibrinogênio, e foram relatados níveis elevados em 39% nos pacientes com câncer de pulmão ou câncer de cólon e resposta ativa das proteínas de fase aguda. Alguns estudos têm mostrado que a IL-6 tem pequeno efeito sobre a proteólise muscular, embora seja capaz de estimular a gliconeogênese no fígado. Juntamente com outras citocinas, sozinhas ou combinadas é capaz de reduzir a ingestão alimentar e também interferir no balanço de energia. Todos estes mecanismos vão desencadear a síndrome de anorexia e caquexia. Alterações hormonais O hipotálamo, eixo hipotálamo-hipofisário e o sistema autonômico (simpático e parassimpático) são responsáveis pelo controle da ingestão de alimentos. Este controle depende de diversos tipos de neuro-hormônios centrais e gastrintestinais: leptina, neuropeptídeo y, grelina, insulina e melanocortina. Leptina • É um hormônio produzido e secretado pelo tecido adiposo, sendo importante na regulação do peso corpóreo. A leptina regula as taxas de gordura corpórea. A perda de peso leva a diminuição de níveis de leptina e consequentemente à diminuição da gordura corporal. Conforme Waitzberg (2006), a leptina inibe a ingestão e aumento do gasto energético, por meio de uma alça de atuação (feedback), envolvendo o hipotálamo, ativando circuitos catabólicos e reprimindo circuitos anabólicos. Por essa razão, baixos níveis de leptina cerebral estimulam o apetite e diminuem o gasto energético, enquanto níveis elevados de leptina diminuem o apetite e elevam o gasto energético. Neuropeptídeo y (NPY) • É um peptídeo orexígeno (estimulante do apetite), envolvido no regulamento de funcionamento sexual, ansiedade, resistência vascular e periférico. Está abundantemente distribuído no cérebro e secretado no hipotálamo. Segundo Chemin; Mura; D’arc (2007), os neuropeptídeos parecem promover atividade lipogênica enzimática no tecido adiposo, reduzindo atividade do sistema nervoso simpático e inibindo a lipólise. O NPY age aumentando a ingestão de alimentos, diminuindo o gasto energético e aumentando a lipogênese, originando o balanço energético positivo e aumento de reserva de gordura. Quando ocorrem situações de estresse, como no câncer, citocinas envolvidas na regulação do apetite podem influenciar negativamente na regulação do apetite da ação orexígena do NPY, ou seja, em estado de jejum normal o nível ou a liberação de NPY no hipotálamo está aumentado e nos casos de câncer o NPY mantém-se reduzidos.Grelina • A grelina é um neuropeptídeo secretado em diversas células endócrinas, principalmente no estômago. É um importante regulador do apetite e do peso corporal. Durante o período de jejum os níveis de grelina aumentam na circulação sanguínea e diminui logo após a ingestão alimentar, ao contrário da leptina e insulina, outros importantes reguladores da massa corporal gordurosa. No entanto, em pacientes caquéticos a grelina pode estar diminuída devido a um bloqueio na resposta adaptada ao jejum, por diminuição da expressão do RNAm da grelina no estômago, diminuindo assim o apetite. Além das alterações anteriormente citadas, fatores secundários como obstruções, má absorção, intervenções cirúrgicas ou toxicidade das drogas; e presença de sintomas de impacto nutricional, como disfagia, odinofagia, mucosite, náuseas, vômitos, xerostomia, diarreia, alterações quimiossensoriais, entre outros, relacionados a doença per se ou as múltiplas opções de tratamento antineoplásico disponíveis, contribuem para o agravamento da CC. Desse modo, as alterações fisiopatológicas (Figura 1) envolvidas na CC influenciam de modo significativo diversos órgãos e tecidos, formando um ciclo, exacerbando e contribuindo para o agravamento da síndrome. Deve-se ressaltar, que embora vários fatores envolvidos no desenvolvimento CC sejam conhecidos, alguns mecanismos subjacentes não estão completamente elucidados, o que poderia explicar o fato de que alguns pacientes com mesmo tipo de tumor e estágio da doença, podem desenvolver CC e outros não. Além disso, mesmo com os potenciais mecanismos e biomarcadores descritos, não é possível prever com precisão quem irá desenvolver CC rapidamente versus aqueles que podem desenvolver a síndrome em um ritmo mais lento. Tal variação pode estar relacionada, pelo menos em parte, ao genótipo do hospedeiro. Em síntese, a combinação de diversos fatores é responsável pelo complexo processo no desenvolvimento da CC de maneira que sua trajetória não é linear ao curso da doença. DISCUTIR O QUADRO CLINICO, DIAGNOSTICO (EXAMES COMPLEMENTARES INICIAIS PARA INVESTIGAÇÃO E PROVÁVEIS ALTERAÇÕES) E TRATAMENTO DA CAQUEXIA DO CÂNCER A ESPEN classificou a caquexia oncológica como: “Do ponto de vista clínico, a caquexia oncológica é uma síndrome complexa caracterizada por uma crónica, progressiva, involuntária perda de peso que não responde, ou é apenas parcialmente sensível, ao suporte nutricional padrão, e é frequentemente associada à anorexia, saciedade precoce e astenia. É normalmente atribuível a dois componentes principais: uma diminuição da ingestão de nutrientes (o que pode ser devido a um envolvimento crítico do trato gastrointestinal pelo tumor, ou de citocinas e mediadores que induzem anorexia); e alterações metabólicas, devido à ativação de processos pró- inflamatórios sistémicos”. Classificação da caquexia oncológica A evolução da caquexia depende do tipo de cancer e da sua fase, presença ou não de inflamação, da falta de resposta à terapêutica e da baixa ingestão de alimentos. Assim, com o objetivo de optar por um tratamento atempado e adequado, a European Palliative Care Research Collaborative definiu algumas guidelines em relação à caquexia oncológica e dividiu-a em 3 fases, de modo a facilitar a identificação precoce de biomarcadores presentes na caquexia. Porém, convém ressalvar que nem todos os doentes passam por todas as fases. • Pré-caquexia • Caquexia • Caquexia refratária Os sinais de pré caquexia passam por anorexia, diminuição da tolerância à glicose e por perda de peso involuntária (≤5%). Alguns testes séricos como a diminuição da tolerância à glicose, anemia relacionada com a inflamação ou hipoalbuminémia, podem determinar se o doente se encontra nesta fase de caquexia. O conhecimento de pré- caquexia permite a realização de estudos epidemiológicos e de intervenção multicêntricos de modo a prevenir ou a retardar a caquexia. Na fase de caquexia os doentes têm uma perda maior que 5% do peso corporal, ou um IMC inferior a 20 kg / m² e uma perda de peso superior a 2%, ou sarcopénia e perda de peso maior de 2%. Na fase refrataria da caquexia, o cancer está muito avançado, o doente encontra-se em fase pré-terminal e, por isso, pode não responder à terapêutica. Nesta fase, a reversão da perda de peso já não é possível e a esperança média de vida é inferior a 3 meses. Assim, nesta fase o tratamento da caquexia passa apena, por cuidados paliativos, de modo a aliviar a dor e o sofrimento. QUADRO CLINICO Segundo Anker et al. até 90% dos pacientes com câncer irão desenvolver CC no decorrer da trajetória da doença. A taxa de mortalidade associada a CC pode chegar a 80% em um ano. A gravidade da síndrome está diretamente relacionada com à redução do tempo de sobrevida, implicando em pior prognóstico. A associação com menor sobrevida em pacientes CA com doença avançada foi verificada por diversos estudos. Em relação aos sintomas da caquexia, estes passam: anorexia, náuseas, disfagias, sensação de satisfação no início da refeição, odinofagia, mucosites, disgeusia, constipação e intestino obstruído, fadiga, dor e problemas psicológicos. A fadiga é um dos sintomas mais frequentes na caquexia, principalmente na caquexia oncológica. Estima-se que 80% dos doentes com câncer e que estejam a receber quimioterapia, e que 70% dos doentes que estejam em fases avançadas, sofram de fadiga. Este problema pode surgir independentemente do doente se encontrar em caquexia, no entanto, existe uma maior prevalência em doentes caquéticos. Em relação às complicações orais do doente, estas podem resultar de infeções virais ou bacterianas, de ulceras, radioterapia e do uso de alguns medicamentos. A radioterapia pode provocar xerostomia e alterações no sabor dos alimentos no doente. Os doentes com câncer e em fases terminais podem sofrer de náuseas frequentemente. Estas náuseas resultam tanto da medicação em opioides e de problemas gastrointestinais. Assim, sintomas como a anorexia, fadiga, náuseas e problemas na cavidade bocal do doente, podem originar problemas psicológicos no doente e uma qualidade de vida menor. A CC impacta negativamente a QV. Pacientes CA apresentam imagem corporal alterada, perda de apetite, aumento da fadiga e diminuição da funcionalidade reduzindo a autonomia e as atividades de vida diária. Neste contexto, um dos aspectos negligenciados da CC são suas repercussões psicossociais. Reid et al. (2009) realizaram um estudo qualitativo sobre a percepção da CC por pacientes com câncer avançado e seus familiares e descreveram que a mesma exprime uma série de implicações que ultrapassam o aspecto físico, representando uma questão complexa e multidimensional associada a um elevado sofrimento psicológico. As mudanças na aparência física e na autoimagem, experimentadas por pacientes CA, refletem uma autopercepção alterada que pode afetar o senso de identidade e de propósito repercutindo em angústia e isolamento social. A imagem corporal alterada também pode prejudicar a sexualidade, a autoconfiança e a autoestima com potencial de 34 ser estigmatizante. Além disso, a CC apresenta-se frequentemente associada a sentidos negativos como fracasso, perda de independência e conflitos familiares, pois muitas vezes reflete a confirmação visual da gravidade da doença e a possível proximidade da morte. Em contrapartida, alguns pacientes, particularmente os obesos, podem considerar a PP como benéfica e até mesmo experimentar melhorias em autoimagem, porém, paradoxalmente a valorização relacionada à PP pode resultar em complacência no manejo da alimentação, acelerando assim a progressão da CC. Alimentos realizam diversas funções não biológicas e carregam grande importância simbólica. Ademais, comeré um fenômeno biopsicossociocultural. Mudanças no padrão alimentar e a conexão associada entre a alimentação e a sobrevivência podem resultar em conflitos relacionais com os cuidadores e familiares. Por sua vez, os cuidadores e familiares também experimentam os efeitos psicológicos, pois as emoções negativas que o paciente vivencia associadas a baixa ingestão alimentar e ausência de recuperação do seu estado nutricional podem levá-los a assumir a responsabilidade por não conseguir desempenhar com êxito o papel de cuidar adequadamente do paciente. Alterações sensoriais A diminuição no consumo alimentar e o aumento da perda de peso que ocorrem na SAC são atribuídos a inúmeros fatores, sejam eles efeitos locais do tumor, como obstruções e sintomas GI, ou anorexia decorrente de causas não mecânicas, como desequilíbrios de neuropeptídios e citocinas. A baixa ingestão pode ocorrer, ainda, por reações adversas do tratamento radical do câncer, como náuseas e vômitos decorrentes da QT, que diminuem o apetite, as mucosites e enterites em função da RT e as mutilações das cirurgias. Muitos pacientes atribuem a diminuição do apetite e da ingestão alimentar a alterações desagradáveis e inaceitáveis do paladar e do olfato. Os fatores que afetam o paladar e o olfato são complexos, sejam eles anatômicos, fisiológicos ou de outra natureza. É importante salientar que a supressão do paladar é mais severa após tratamento radioterápico na região de orofaringe e pacientes em QT referem a sensação de gosto metálico na boca. Segundo Ferreira (2003)68, as alterações do paladar são associadas à diminuição dos níveis séricos de metais como zinco e níquel. Embora estes achados sobre o sabor sejam inconsistentes em relação a um padrão, respostas alteradas ao sabor dos alimentos causam rejeição de alimentos nutritivos, contribuindo para a anorexia e diminuição da ingestão. Essas anormalidades de sensações não se correlacionam consistentemente com a localização tumoral, extensão de envolvimento do tumor, resposta do tumor à terapia ou preferências e ingestões alimentares. Em relação às alterações gerais do paladar, é freqüente o desenvolvimento de aversões alimentares específicas, ou seja, o consumo de um alimento particular é associado a uma reação desagradável durante ou após sua ingestão. O resultado é a abstenção daquele alimento. Portanto, recomenda-se que os pacientes evitem seus alimentos preferidos durante o período da QT, caso contrário poderá ocorrer uma associação de desprazer entre os efeitos da QT e os alimentos oferecidos durante o tratamento do câncer, criando-se uma situação de aversão alimentar. Saciedade precoce também é comum no paciente oncológico, presente em aproximadamente 50% dos pacientes, por alterações na motilidade GI e redução da capacidade gástrica. O declínio da capacidade gástrica pode ser causado por uma neuropatia autonômica paraneoplásica, em virtude do tratamento quimioterápico que altera o feedback autonômico do sistema nervoso central. Neoplasias malignas no TGI também podem produzir saciedade precoce. DIAGNOSTICO Na caquexia associada ao câncer, a caquexia pode estar em desenvolvimento durante um longo período de tempo, antes de se manifestar, pois antes do crescimento do tumor, os mecanismos patogénicos da caquexia são ativados. Desta forma, mesmo na ausência de perda de peso ou perda de massa muscular, a caquexia é suspeita. Estas situações são evidentes principalmente em cancros que influenciam bastante o estado nutricional do doente, como por exemplo câncer do pâncreas, pulmão, esófago e estômago. Assim o diagnóstico da caquexia associada ao câncer passa pela avaliação de alguns pontos: valores antropométricos; valores biológicos (PCR e Albumina); índice de massa gorda livre; indicadores nutricionais. Valores antropométricos: • Perda de peso superior a 10% nos últimos 6 meses, ou perda de peso superior a 5% no ultimo mês, ou • IMC menor que 20 e perda de peso maior que 2%, ou • Índice de massa muscular com sarcopenia: Homens inferior a 7,26 kg/m2 ; Mulheres inferior a 5,45 kg/m2 ; e perda de peso superior a 2% Valores biológicos: • Quantos aos níveis de PCR e albumina, estes apresentam valores maiores que 5,0 mg/L e menores que 3,2 g/dl, respetivamente Índice de massa gorda livre: • Em relação ao índice de massa gorda corporal em doentes caquéticos oncológicos, este é aproximadamente de 18,9 kg/m2 nos homens, e de 15,4 kg/m2 nas mulheres Indicadores nutricionais: • O estado nutricional pode ser avaliado através de diversos testes laboratoriais como a dosagem plasmática de transferrina, da proteína transportadora de retinol, creatinina urinária, linfócitos e albumina sérica, sendo este ultimo o mais utilizado quando o doente não é insuficiente hepático ou renal. No entanto em doentes com câncer estes resultados são alterados devido às alterações metabólicas, retenção hídrica, aumento da massa tumoral e alterações hormonais, sofridas por estes doentes. Assim, não se consegue ter um padrão fixo no diagnóstico nutricional em doentes com câncer. Desta forma, no caso da caquexia oncológica existem algumas escalas e questionários que se podem realizar nestes doentes de maneira a estudar o seu nível nutricional, como o questionário Malnutrition Screening Tool e a escala PatientGenerated Subjective Global Assessment of nutritional status. Malnutrition Screening Tool: Os valores indicados dizem respeito a uma escala, estipulando-se que valores a partir de 2 apontam para doentes com risco de má nutrição. PatientGenerated Subjective Global Assessment of nutritional status: Nesta escala os doentes são colocados em três grupos. No primeiro grupo os doentes apresentam-se bem nutridos, no segundo grupo encontram-se os doentes com um nível de má nutrição moderado em que a perda de peso é superior a 10% do inicial nos últimos 6 meses, e no último grupo temos os doentes com um nível de má nutrição bastante elevado, em que a perda de peso, nos últimos 6 meses, é muito superior a 10% do peso inicial, e o doente apresenta sinais físicos de má nutrição. O EN dos pacientes é usualmente avaliado pela combinação de parâmetros clínicos, antropométricos e laboratoriais. A antropometria constitui-se em um conjunto de técnicas de mensuração do corpo humano ou de suas várias partes, avaliando o efeito do estresse da doença. Medidas antropométricas são freqüentemente utilizadas na determinação dos compartimentos corporais: tecido adiposo, muscular, ósseo, água extracelular. O peso corpóreo é o parâmetro nutricional mais utilizado na avaliação do paciente. Segundo Ferreira (2003) e Inui (2002), variação de 2% em um mês, 3,5% em três meses e 5% em um período de seis meses é aceitável em indivíduos adultos. Qualquer variação, além desses parâmetros, deve ser considerada anormal. A suspeita da caquexia ocorre diante de uma perda involuntária de 5% em relação ao peso habitual, em um período de 6 meses. Uma perda de 10% indica depleção severa, e é considerada o parâmetro utilizado para estabelecer o início da síndrome da anorexiacaquexia (SAC) no paciente obeso. É importante destacar, que a perda de peso diminui a resposta do paciente ao tratamento quimioterápico e aumenta a toxicidade da droga no organismo. Além do peso, a prega cutânea de tríceps (PCT), a circunferência muscular do braço (CMB), o perímetro de pulso e o índice de massa corpórea (IMC) são outras medidas antropométricas utilizadas. Os testes laboratoriais mais comuns na avaliação do EN são a dosagem plasmática de transferrina, proteína transportadora de retinol, e creatinina urinária, embora tenham valor limitado em pacientes com câncer, ante o aspecto crônico da desnutrição. A albumina sérica é, então, o parâmetromais utilizado, frente ao baixo custo e a alta acurácia (na ausência de disfunção hepática e/ ou renal), seguida da pré-albumina e dos linfócitos. Em pacientes com câncer, podem haver dificuldades na interpretação desses parâmetros em virtude de alterações fisiológicas, retenção hídrica, aumento da massa tumoral, alterações hormonais devido ao tratamento ou síndromes paraneoplásicas, efeitos do tratamento antineoplásico e da doença sobre o metabolismo e composição corporal. Assim, ainda não existe método de avaliação nutricional considerado "padrão ouro", em razão de suas limitações e influências de fatores independentes do EN. O diagnóstico nutricional de um paciente com câncer gastrointestinal deve envolver história clínica e dietética, exame clíniconutricional, antropometria, parâmetros bioquímicos, considerando-se as vantagens, desvantagens e indicações de cada método. EXAMES COMPLEMENTARES • Hemograma • Eletrólitos • Glicemia • Função renal e hepática • TSH • Sorologia para HIV • PCR • Parasitológico de fezes • Raio X de tórax • Urina • Albumina • Dosagem plasmática de transferrina • Proteína transportadora de retinol TRATAMENTO O tratamento é sempre individualizado e deve ter uma equipe de profissionais de saúde no acompanhamento (médicos: oncologista, cirurgião, radioterapêuta, enfermeiros, nutricionista, psicólogo, entre outros) do paciente e de seus familiares, devido às necessidades específicas e planejamento individualizado, para promover uma melhor qualidade de vida. O tratamento do câncer envolve várias fases e diferentes objetivos, podendo ser curativo, paliativo ou de suporte. No paciente oncológico, especialmente com doença avançada, é muito importante compreender, em conjunto com a equipe médica responsável, com o paciente e a família, os objetivos do tratamento e, discutir, quando possível, a sobrevida do paciente. A equipe de saúde responsável deverá preocupar-se com questões éticas, considerando o real benefício do tratamento e o custo. Para tal, deve-se considerar as limitações sócio-econômicas e a vontade do paciente e da sua família em enfrentar o tratamento. O tratamento da caquexia oncológica depende da fase em que esta se encontra. Assim, se o doente estiver em fase de pré-caquexia, o seu tratamento deve ter como base uma boa monitorização do estado do doente, optando-se apenas por uma intervenção preventiva. Quando o doente se encontra em fase de caquexia, deve haver uma gestão multimodal da terapêutica que irá ser abordada mais á frente. Na fase refrataria da caquexia, o tratamento passa por apoio psicossocial, tratamento dos sintomas através dos cuidados de paliação e avaliação e discussão do uso de suporte nutricional. É importante realçar que na fase refratária da caquexia, ou seja, no final de vida dos doentes com caquexia oncológica, o tratamento passa por melhorar a sua qualidade de vida. Surgem, assim, os cuidados paliativos com o objetivo de aliviar o sofrimento e a dor a estes doentes. Estes cuidados podem ser implementados por todos os profissionais de saúde desde fisioterapeutas, especialistas em nutrição e gestão da dor ou oncologistas. Os cuidados paliativos incluem (Radbruch, et al., 2010): • Avaliar corretamente os sintomas físicos do doente, como fadiga e falta de ar. Esta avaliação pode melhorar o apetite e o bem-estar do doente. • Diminuir o sofrimento emocional do doente tendo em conta as suas necessidades psicossociais. • Considerar se o doente necessita de ser acompanhado por especialistas em cuidados paliativos. • Fornecer apoio aos doentes que possam ter dificuldades financeiras ou sociais, como organizar o apoio de assessores apropriados. • Fornecer apoio psicológico aos familiares dos doentes, já que, cuidar destes numa fase crítica, é também, para eles, emocionalmente penoso. Nutricional A TN é freqüentemente indicada com o objetivo de melhorar a defesa imunológica do paciente com câncer, manter e restaurar suas reservas protéicas e sensibilizar o tumor ao tratamento oncológico. As múltiplas combinações possíveis de nutrientes levam a pensar que alcançar o objetivo desejado é possível. No entanto, as vantagens e restrições dos nutrientes imunomoduladores não são ainda suficientemente documentadas para permitir o controle de seus efeitos. A combinação entre a nutrição e farmacologia tem tido melhores resultados terapêuticos na SAC. Assim, a TN deverá ser introduzida se o paciente assim o desejar ou se sentir beneficiado por apreciar o sabor do alimento, sentindo-se mais disposto e/ou animado. Familiares/acompanhantes e profissionais da saúde envolvidos no tratamento desses pacientes não devem sentir-se impotentes em relação à alimentação e à hidratação. Os pacientes nessa fase necessitam de muito afeto, palavras e gestos de carinho, controle de dor, estímulo espiritual e bom-humor. Portanto, o nutricionista deve observar o paciente como um todo, não apenas com o objetivo de oferecer TN, mas também como em conjunto com os familiares / acompanhantes e toda a equipe multiprofissional, permitindo melhores desempenhos e resultados, em que o maior beneficiado será o paciente. A alimentação merece atenção especial em qualquer fase do ciclo vital, sendo fator essencial à sobrevivência do indivíduo. Nenhuma outra atividade será tão permanente na história humana como a alimentação. A alimentação é um ato social, carregado de representações sociais e emocionais que são construídas. A Terapia Nutricional (TN) em oncologia deve contemplar inúmeras variáveis, relacionadas com o próprio tumor, com o impacto desse no metabolismo do doente e com as características individuais de cada paciente. De forma a manter o doente com uma qualidade de vida adequada, é importante adotar procedimentos e cuidados nutricionais vários: • Frequência, consistência e textura da dieta; • Valor nutricional da dieta; • Presença de fibras; • Presença de gordura e açúcares simples na dieta; • Presença de lactose e glúten na dieta; • Presença de nutracêuticos na nutrição. Segundo esta listagem, os cuidados com doentes caquéticos que não conseguem ter uma boa mastigação, passa por evitar produtos com fibras que dificultam a mastigação e absorvem uma grande quantidade de nutrientes, o que reduz a disponibilidade destes nos doentes já desnutridos (Kapała e Lange, 2013). Por seu lado, a ingestão de açúcares e alimentos gordos, num doente caquético, pode originar dor abdominal, náuseas, gases e diarreia. Muitos dos doentes com câncer em estados avançados são intolerantes à glucose devido à quimioterapia, desta forma é necessário ter em conta a presença de glúten e lactose na sua dieta, de forma a compensar a falta de açúcar. Nas diversas situações oncológicas é, por isso, necessária a ajuda de um nutracêutico que possa avaliar e selecionar o tipo de nutrientes e dieta que um doente caquético oncológico possa ter de maneira a ter uma melhor qualidade de vida. • Refeições pequenas, mas frequentes • Suplementos orais • Apresentação agradável dos alimentos, • Ambiente agradável, • Limitar a ingestão de gordura, • Alimentos consistentes e energéticos, • Evitar extremos de cheiros e de gosto. A indicação da TN em pacientes com câncer avançado permanece controversa. A TN em pacientes fora de possibilidades terapêuticas é uma questão a ser discutida e decidida pelo paciente e familiares / acompanhantes, com a assistência de uma equipe multidisciplinar, na qual o nutricionista deve ter participação indispensável. Segundo Argilés et al (2003)87, estratégias nutricionais não são suficientes para reverter a caquexia; para Younes & Noguchi (2000)53, o suporte nutricional pode reverter a maioria, mas não todas as alterações. A TN deverá ser planejadaconforme o estado nutricional do paciente e a quantidade e a qualidade da aceitação alimentar. Se a aceitação da dieta via oral não for suficiente, ou seja, menor que 60% das necessidades calóricas, é conveniente introduzir TN via oral de início, com acréscimo de alimentos calóricos e nutritivos ou mesmo utilizando suplementos alimentares industrializados para aumentar o aporte protéico-calórico da dieta. A escolha do momento oportuno para apresentação do alimento merece consideração. Os pacientes com câncer reclamam da capacidade diminuída de se alimentarem conforme o dia progride. A esse sintoma, atribui-se a digestão e esvaziamento gástrico vagarosos, como resultado de produção diminuída de secreções digestivas, atrofia da mucosa GI e atrofia gástrica muscular. Alimentações pequenas e freqüentes, com ênfase nas alimentações da manhã são sugeridas. Quando a TN via oral é nutricionalmente insuficiente, a introdução de TN agressiva, como Nutrição Enteral ou Nutrição Parenteral, conforme o funcionamento do TGI, passa a ser indicada. Ao se introduzir a Terapia Enteral e a Terapia Parenteral, o paciente e os familiares / acompanhantes devem ser orientados sobre os procedimentos envolvidos, desde a passagem da sonda e/ou cateter até a forma como o paciente passará a receber esses suportes. E se a via oral, mesmo que quase nula, ainda não apresentar nenhum risco, deverá ser estimulada toda vez que o paciente solicitar. Em relação ao uso de suporte nutricional entérico ou parentérico, este ainda é discutível. Pensa-se que uma abordagem entérica na caquexia oncológica não seja a melhor, devido aos problemas gástricos e às complicações orais que os doentes apresentam. Por outro lado, existe também pouca evidência do benefício do uso de nutrição parentérica, não só pela grande probabilidade de causar infeções nos doentes, mas também por não aumentar significativamente o peso nos doentes. Assim, o uso de nutrição parentérica não deve ser usada em doentes que ainda estejam bem nutridos e com uma ingestão oral de alimentos adequada Suplementos alimentares Ácidos Graxos Poliinsaturados (PUFAs) - Ácido Eicosapentaenóico (EPA) e Ácido Docosahexaenóico (DHA) são PUFAs essenciais, ou seja, não produzidos no nosso organismo e que necessitam ser incorporados através da alimentação. Pertencem à família Ômega-3 (ω3) e têm sido associados à diminuição do volume tumoral, melhora do peso corporal e diminuição da anorexia, devido sua ação antiinflamatória. O ω3 é capaz de suprimir a produção de citocinas próinflamatórias, aumentar a ação da insulina, aumentar a síntese de óxido nítrico e a concentração de acetilcolina no cérebro e proteger os neurônios das ações tóxicas do TNFa. A interação das substâncias citadas com o ω3 sugere que o EPA e o DHA sejam substratos promissores no manejo da SAC induzida por citocina. O EPA inibe a ação do PIF (Fator Indutor de Proteólise), que tem ação aumentada no catabolismo protéico da caquexia. Eicosanóides derivados do EPA e DHA têm mostrado também uma ação inibitória direta sobre a lipólise induzida pelo tumor. O mecanismo de reversão da caquexia pelo EPA envolve a supressão das citocinas inflamatórias TNFα, IL-1 e IL-6.. Glutamina e Arginina - Os aminoácidos Glutamina (GLN) e Arginina (ARG) são classificados como aminoácidos condicionalmente essenciais, pois podem ser necessários em maiores quantidades em pacientes sofrendo de um insulto catabólico, como trauma, infecções graves e câncer. Fórmulas suplementadas com GLN têm resultado em uma maior preservação do músculo esquelético, devido aumento da síntese protéica e diminuição da proteólise muscular. Além disso, a GLN melhora o balanço nitrogenado em pacientes graves, aumenta a função das células imunes não aumentando a produção de citocinas préinflamatórias. É, ainda, precursor da glutationa, um importante antioxidante intracelular. Segundo Abcouwer & Souba (2003)107, a suplementação de GLN pode auxiliar a aliviar a depleção muscular, diminuindo o catabolismo protéico associado à caquexia cancerosa. O aumento da tolerância à RT e QT é verificado com a sua suplementação, devido à proteção contra lesão intestinal e toxicidade do tratamento, já que esse aminoácido é fonte energética para células do intestino delgado e linfócitos, sendo importante para a proliferação dessas células e manutenção desses tecidos, prevenindo a atrofia intestinal, mantendo os níveis de secreção pelo intestino da IgA secretória, mantendo a imunidade da mucosa intestinal e melhorando a imunidade celular (células T), causando, assim, um estímulo da função imunológica geral do organismo108,109. Portanto, evidências sugerem que a suplementação de dietas de pacientes cancerosos com GLN pode ser benéfica, sem a ocorrência de aumento da proliferação de tumores. A arginina (ARG), outro aminoácido condicionalmente essencial em estados catabólicos, está envolvida na síntese de proteína, biossíntese de aminoácidos e seus derivados e maior retenção de nitrogênio. Tem associação com o aumento da ativação de linfócitos T em pacientes com câncer, estimulando tanto a proliferação quanto a função dos linfócitos T. Por ser um aminoácido precursor do óxido nítrico, serve como molécula efetora na citotoxidade sobre células tumorais, promovendo um crescimento mais lento dos tumores64,109. Esse óxido atua na vasodilatação, na síntese protéica dos hepatócitos, no transporte de elétrons da mitocôndria dos hepatócitos e na resposta imunológica110. Segundo Méier et al (2004)106, ratos alimentados com ARG mostraram redução da tumorigênese e disseminação do câncer. Os altos níveis de óxido nítrico gerados pela ARG resultaram em apoptose e inibição do crescimento tumoral em tumores pancreáticos in vivo e in vitro. Em animais com um tumor sólido recebendo suplementação com 4 a 6% de ARG, a taxa de metástases foi mais baixa e a anemia menos grave do que àqueles sem ARG em sua alimentação. Méier et al (2004)106 destacaram, ainda, que a ARG sozinha não tem efeito benéfico, mas, quando fornecida junto com uma mistura balanceada de aminoácidos, o equilíbrio protéico líquido melhora. Esses resultados sugerem que a ARG deva ser componente de uma mistura de aminoácidos utilizada para estimular a síntese de proteína muscular. Isso foi verificado, em um teste clínico controlado, randomizado, com 32 pacientes com câncer sólido avançado que tinham perdido ao menos 5% do peso corporal, em que receberam uma mistura de aminoácidos essenciais (L-ARG, L-GLN e o metabólito beta-hidroxi- betametilbutirato - o HMB) e ganharam peso quando comparados com os pacientes-controle que perderam peso. Nucleotídeos - Representados pelas purinas e pirimidinas. São os precursores do Ácido Desoxirribonucléico (DNA) e Ácido Ribonucléico (RNA). Não há estudos clínicos disponíveis usando nucleotídeos como imunomoduladores isolados em pacientes com câncer. Portanto, a imunonutrição, em combinação com a ARG, ω3 e os nucleotídeos, tem sido testada. A evidência mais significante atribuída aos nucleotídeos é a redução de complicações pós- operatórias, de cirurgias eletivas, em pacientes desnutridos, portadores de câncer, face à suplementação pré-operatória. Farmacológico – estimulantes do apetite O melhor tratamento da caquexia seria o tratamento da sua doença subjacente, neste caso do câncer. Porém, a escolha de bons agentes antineoplásicos que não agravem ou desenvolvam caquexia é crucial. Em paralelo, o tratamento da caquexia oncológica deve incorporar o aumento da ingestão nutricional equilibrada, fármacos que aumentem a massa-muscular e outros que reduzam a resposta inflamatória no doente (Couch et al., 2007). Deste modo, para além de uma boa alimentação, existe uma variedade de tratamentos farmacológicos, como andrógenos, moduladoresdos recetores de andrógenos, fármacos inibidores de miostatina, hormonas de crescimento semelhantes à insulina, agentes orexígenos como antagonistas da melanocortina, grelina, anti- inflamatórios, fármacos anti-citocinas e anti-serotonina. O FDA (Food and Drug Administration), dos Estados Unidos da América, aprovou fármacos para o tratamento da caquexia associada ao câncer. Os estimulantes de apetite mais estudados atualmente são o Acetato de Megestrol e os Corticosteróides, além do Dronabinol e a Melatonina. Acetato de Megestrol (AM) - É um derivado sintético do hormônio progesterona. Sua administração oral é freqüentemente utilizada no tratamento de tumores avançados, tumores responsivos à hormonioterapia e no tratamento de pacientes portadores de SAC. Esquemas posológicos de 160mg/dia (40mg, 4 vezes/ dia) a 1600mg/dia têm sido relacionados ao aumento do apetite, maior captação de calorias, ganho de peso corporal e sensação de bem-estar. Tais respostas foram obtidas com doses de 800mg/dia, notando-se que não se obteve aumento da resposta acima desse limite posológico, embora a recomendação, muitas vezes, ultrapasse essa média . O AM pode induzir o apetite via estimulação do NPY, por meio de modulação do canal de cálcio presente em células do núcleo ventro-medial (VMH) do hipotálamo, um conhecido centro da saciedade. Outra forma de atuação é a inibição da atividade de citocinas pró-inflamatórias IL-1, IL-6 e TNFα. Níveis séricos diminuídos dessas citocinas foram verificados em pacientes com câncer após tratamento com AM. O ganho de peso corresponde em maior parte ao aumento do tecido adiposo. De modo geral, aproximadamente 5% dos pacientes que utilizam AM apresentam diarréia, flatulência, náuseas, vômitos, impotência, diminuição da libido, exantema e hipertensão arterial. Pode levar, ainda, ao desenvolvimento de reações comuns ao uso de prostágenos, que induzem constipação, dispepsia, xerostomia, aumento de salivação e candidíase oral, incontinência urinária, infecção do trato urinário, cardiomiopatia, palpitação, edema, edema periférico, insuficiência cardíaca congestiva, dispnéia, insônia, depressão, neuropatias, desordens pulmonares e leucopenia. Apesar dos efeitos adversos citados não serem freqüentes, AM e outras drogas prostágenas devem ser empregadas de forma cautelosa. Os progestogéneos têm sido utilizados no tratamento da caquexia oncológica e pensa-se que apesar do seu mecanismo de ação ainda não estar totalmente clarificado, este possa envolver a estimulação do NPY no hipotálamo do doente (Doyle et al., 2005). Um derivado da progesterona utilizado no tratamento da caquexia oncológica é o acetato de megestrol. Este, apresenta-se como o fármaco mais utilizado no tratamento da caquexia oncológica, pois melhora o apetite e aumenta o ganho de peso. No entanto, não tem demonstrado resultados em relação ao aumento da massa magra. O tratamento com este progestogéneo é aconselhado depois da utilização de nutrição parentérica. Porém, o megestrol tem alguns efeitos colaterais como perda de libido, dores de cabeça, trombocitopenia, e supressão adrenal (Couch et al., 2007). Assim, é extremamente importante o cuidado de Progestogéneos em doentes com cancro hormono-dependentes, pois pode levar a tromboses profundas, manchas vaginais e disfunção sexual. O ganho de peso induzido por Progestogéneos resulta da retenção de água, não tendo efeito sobre a massa muscular esquelética (Laviano et al., 2005). Pode ainda associar-se ibuprofeno, para reduzir a inflamação, juntamente com o megestrol, de modo a reduzir as alterações metabólicas existentes na caquexia. Esta associação tem demonstrado melhorias em doentes com cancro gastrointestinal comparativamente ao tratamento apenas com megestrol (Fearon, 2008). Outro derivado da progesterona é o Medroxiprogesterona, também usado com primeira linha no tratamento da caquexia oncológica, tendo os mesmos efeitos que o acetato de megestrol. Pensa-se que esta progesterona possa inibir algumas citocinas como a IL- 1, IL-6 E TNF-α. Corticosteróides (Glicocorticóides) - Têm sido utilizados como paliativo nos sintomas associados ao câncer. Melhoram, em curto prazo, o apetite, a ingestão alimentar, a performance e a qualidade de vida, mas não asseguram o ganho de peso. O tratamento prolongado pode levar à fraqueza, delírios, osteoporose e imunossupressão, comumente presente em pacientes com câncer avançado. Dexametasona. Dronabinol - É um derivado sintético da maconha na forma oral de tetrahidrocannabinol (THC). Tem sido utilizado como antiemético no tratamento quimioterápico. Muitos estudos associam a utilização de THC em pacientes com câncer com a melhora do humor e apetite, além de melhora do peso corpóreo. Os efeitos adversos mais comuns são euforia, confusão mental e sonolência. Seu mecanismo de ação ainda não está totalmente claro, postula-se que tem ação nos receptores de endorfina, inibindo a síntese de prostaglandinas ou a secreção de IL-1. Melatonina - Hormônio da glândula pineal capaz de reduzir os níveis circulantes de TNFα em pacientes com câncer avançado. Indicações Talidomida = Mieloma múltiplo, mielofibrose, síndrome mielodisplasia • Homens, mulheres pós menopausa, jovens que apresentam BhcG mensalmente e uso de 2 métodos contraceptivos Tratamento multimodal A caquexia abrange uma variedade de alterações metabólicas e hormonais, e o seu tratamento deve passar por uma abordagem a nível nutricional, farmacológico e tratamento dos sintomas que, eventualmente, estejam agravados pela perda de peso, tais como a dor crónica, a fadiga, a depressão e as alterações gastrointestinais. Neste sentido, deve ser implementada uma terapia multimodal, de forma gradual. A perda de peso passa por uma redução da ingestão de alimentos e alterações metabólicas, logo é importante testar uma combinação de associações farmacológicas e não farmacológicas no seu tratamento. Na figura 11, e no caso especifico do câncer pancreático, apresenta-se um exemplo de terapia multimodal adaptada ao doente caquético. Verifica-se então que, em primeiro lugar, se deve recorrer a um suporte nutricional oral e aconselhamento dietético. Posteriormente, pode-se recorrer a um suporte nutricional parentérico acompanhado com suplementos alimentares, e só, como último recurso, é que se deve recorrer ao suporte nutricional parentérico total e ao tratamento farmacológico, respetivamente. Em paralelo outras devem ser as terapias de suporte, nomeadamente a implementação de exercício físico, o aconselhamento dietético, o controlo da dor e o apoio psicológico. ELUCIDAR A IMPORTÂNCIA DOS CUIDADOS PALIATIVOS PARA OS PACIENTES COM NEOPLASIA De acordo com a WHO (2020) os cuidados paliativos se destacam como uma necessidade primordial a ser incorporada no atendimento abrangente do câncer e devem ser integrados aos cuidados de saúde em todos os níveis assistenciais. Cuidados paliativos enfatizam o cuidar global do paciente diante de uma doença que ameace a continuidade da vida, visando, principalmente, fornecer alívio dos sintomas e melhor qualidade de vida ao indivíduo e ao seu núcleo de cuidados (WHO, 2002). Estima-se que anualmente mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo requeiram este tipo de cuidados em seu último ano de vida, em sua maioria (69%) indivíduos maiores de 60 anos. O câncer representa a segunda maior causa dessa demanda totalizando aproximadamente 6,5 milhões pessoas.
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