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DOENÇAS ORIFICIAIS Conjunto de patologias benignas que acometem o canal anal, ânus, margem anal, períneo e a região sacrococcígea. Principais doenças orificiais: ● doença hemorroidária ● fissuras anais ● abscessos e fístulas perianais ANATOMIA O canal anal estende-se do anel anorretal no aspecto mais distal do reto até a pele da margem do ânus e tem cerca de 4 cm de comprimento. Os músculos esfincterianos interno e externo, bem como as estruturas do assoalho pélvico, contribuem de modo significativo para a regulação da defecação e continência. O ânus está limitado pelo cóccix posteriormente, pela fossa isquiorretal bilateralmente e pelo corpo perineal e a vagina ou uretra anteriormente. O aparelho esfincteriano do canal anal consiste nos esfíncteres interno e externo, os quais podem ser considerados como duas estruturas tubulares sobrepostas entre si. A camada muscular circular do reto continua na posição distal para formar o espessado e arredondado esfíncter interno, que termina aproximadamente 1,5 cm abaixo da linha pectínea, logo acima do esfíncter externo (sulco interesfincteriano). O esfíncter externo é elíptico e envolve o esfíncter interno superiormente e é contínuo com os músculos puborretal e elevador do ânus. O corpo perineal é formado pela constituição dos músculos esfíncter externo, bulbo esponjoso e transverso perineal. O par de músculos elevadores do ânus forma a maior parte do assoalho pélvico, e suas fibras decussam mediamente com o lado contralateral para se fundirem ao corpo perineal na zona da próstata ou da vagina. O esfíncter interno é tonicamente contraído independentemente do controle voluntário. Ele recebe inervação do sistema nervoso autônomo. O esfíncter externo, sob controle voluntário, é inervado pelo ramo retal inferior do nervo pudendo interno e ramo perineal do quarto nervo sacral. Assim, a perda bilateral das raízes de S3 (cirurgicamente ou por outro motivo) irá resultar em incontinência. Se todas as raízes dos nervos sacrais de cada um dos lados forem sacrificadas, a função normal é preservada. De forma semelhante, se o segmento S1 a S3 permanecer intacto de apenas um lado, o paciente mantém o controle anorretal. Distal à margem anal, a pele perianal torna-se anoderma, que é um revestimento escamoso modificado sem pelo. Na linha pectínea, o epitélio escamoso transita para epitélio colunar; esta região é chamada de zona de transição anal. Proximal a esta área, o revestimento torna-se exclusivamente epitélio colunar gastrointestinal. FISIOLOGIA O processo de defecação e manutenção da continência constitui a principal função do ânus. Vários fatores afetam a nossa capacidade de atingir efetivamente essas funções – as atividades coordenadas sensoriais e musculares do ânus e assoalho pélvico, a complacência do reto e a consistência, volume e tempo dos movimentos fecais são todos críticos para evitar a incontinência fecal ou disfunções defecatórias. Quando o esfíncter externo contrai, o canal anal alonga-se. Com o esforço, ele encurta. O esfíncter anal interno assegura a pressão de repouso (∼90 cm H2O). A pressão de contração gerada pelo esfíncter externo mais do que duplica a pressão de repouso. O diferencial de pressão entre o reto e o canal anal (de baixa para elevada) é o principal mecanismo que fornece continência. O ângulo anorretal é o ângulo entre o canal anal e o reto. Esse ângulo é de aproximadamente 75 a 90 graus em repouso e torna-se mais obtuso, ficando mais retificado com o esforço e a evacuação. A capacidade do puborretal em relaxar e permitir essa abertura do ângulo facilita a defecação. Gastroenterologia Mariana Melo AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICO DO ÂNUS ● História: É importante elucidar sintomas de dor, hemorragia, corrimento (purulento ou fecal) e qualquer alteração dos hábitos intestinais (frequência, consistência). Outra história passada médica, social (incluindo sexual) e familiar pode ser relevante para o diagnóstico da doença anorretal. A hemorragia está entre os sintomas de apresentação mais comuns das doenças do ânus e do cólon. Detalhes específicos sobre a natureza da hemorragia podem ajudar a localizar a origem no trato digestivo. Sangue que pinga, separado das fezes e é vermelho-vivo é geralmente observado com hemorragia da saída do reto, bem como em hemorróidas internas. O sangue no papel higiênico pode estar associado a doença hemorroidária leve, mas também com fissura anal, embora a fissura anal normalmente seja acompanhada de dor extrema com a defecação. A passagem de coágulos ou melena pode indicar uma origem mais proximal da hemorragia. Deve-se sempre considerar a avaliação do intestino mais proximal para excluir condições sérias, como o câncer. Isso deve ser de primordial importância quando o exame anorretal inicial não consegue confirmar a origem da hemorragia, quando o paciente tem um risco superior à média de câncer ou quando a hemorragia não se resolve imediatamente após o início do tratamento adequado. Dor anal ou retal ocorrendo durante ou imediatamente após a evacuação é outra queixa de apresentação comum. A dor extrema durante a defecação, muitas vezes descrita pelos pacientes como passagem de vidro, está geralmente associada com fissura anal. A dor, com ou sem defecação, de natureza latejante, é observada com mais frequência na presença de um abscesso ou fístula com drenagem pobre. Os pacientes podem também queixar-se de corrimento purulento, mucoide ou fecaloide. Uma dor retal profunda não relacionada com a defecação caracteriza frequentemente proctalgia fugaz ou síndrome do elevador do ânus. Esta caracteriza-se por episódios de dor de curta duração (<20 a 30 minutos), que muitas vezes são aliviados com uma caminhada, banhos quentes ou outras manobras. ● Exame Físico: A visualização adequada da anatomia anal externa e do canal anal por anuscopia necessita de um posicionamento adequado do paciente (decúbito lateral esquerdo ou, mais frequentemente, no decúbito ventral em canivete ’jackknife ventral) e boa iluminação. Pregas cutâneas, escoriações, cicatrizes e quaisquer alterações da cor ou aparência da pele perianal devem ser facilmente reconhecidas. Um ânus hipotônico pode indicar incontinência e possivelmente prolapso. A inspeção durante o esforço (mesmo com o paciente na mesa de exame) pode ajudar a diferenciar a presença de hemorroidas do prolapso retal. Um exame digital cuidadoso e sistematizado permite a identificação de quaisquer anomalias palpáveis do canal anal. Por fim, o tônus em repouso e a força da pressão de contração do esfíncter anal podem ser avaliados. A anuscopia e proctossigmoidoscopia (flexível ou rígida) após a preparação com enemas permite a visualização do ânus, reto e cólon esquerdo. A inflamação da mucosa é identificada pela perda do padrão vascular normal pela presença de eritema, granulação, friabilidade ou mesmo ulcerações. Lesões grosseiras (pólipos ou carcinoma) devem ser identificadas imediatamente. Biópsias para diagnóstico histológico devem ser obtidas de quaisquer achados suspeitos. Outras investigações, como a cultura de fezes, exames de imagem especializados (ultrassonografia, ressonância magnética [RM], defecografia) e testes fisiológicos especializados, podem ser adjuvantes úteis e devem ser realizadas conforme clinicamente adequado. HEMORRÓIDAS Hemorroidas são veias ao redor do ânus ou do reto que se inflamam ou dilatam. Durante o movimento intestinal, essas veias dilatam-se e retraem-se, geralmente voltando ao tamanho normal. No entanto, o esforço repetido para evacuar, seja por intestino preso (obstipação) ou fezes endurecidas, pode dificultar o processo de drenagem do sangue e provocar a formação de hemorroidas. Estão normalmente localizadas nos quadrantes lateral esquerdo, anterior direito e posterior direito do canal. Gastroenterologia Mariana Melo - Causas: Obstipação, vulgarmente conhecida como prisão de ventre; Gravidez: em virtude da pressão que o feto exerce sobre as veias da parte inferior do abdome; Obesidade: o excesso de peso também aumenta a pressãonas veias abdominais; Vida sedentária: diminui o estímulo para a digestão dos alimentos e a irrigação sanguínea do ânus; Componente genético: casos de hemorroidas na família podem indicar predisposição para desenvolver a doença, porém, é possível o seu desenvolvimento sem que haja precedentes familiares; Dieta pobre em fibras e pouca ingestão de líquidos; Sexo anal: pode produzir fissuras numa região que tem muitos vasos sanguíneos. - Classificação: De acordo com sua relação com a linha pectínea: - Hemorroidas internas são próximas ou acima da linha pectínea. Os tecidos acima da linha pectínea recebem inervação visceral, menos sensível a dor e irritação. Assim, as hemorroidas internas são passíveis de uma variedade de procedimentos no consultório que podem ser realizados com pouca ou nenhuma anestesia. Hemorroidas externas estão distais ou abaixo da linha pectínea, onde os tecidos são inervados por fibras somaticamente e, portanto, são mais sensíveis a dor e irritação. Como resultado, hemorroidas externas sintomáticas que são refratárias ao tratamento conservador geralmente são tratadas cirurgicamente sob anestesia, com exceção de pequenas hemorroidas externas trombosadas agudas, que às vezes podem ser tratadas no consultório. Hemorroidas internas e externas mistas cobrem a linha pectínea e geralmente são tratadas da mesma maneira que as hemorroidas externas. De acordo com o grau em que prolapso do canal anal: Hemorroidas de grau I são visualizadas na anuscopia e podem inchar no lúmen, mas não geram um prolapso abaixo da linha pectínea Hemorroidas grau II apresentam um prolapso para fora do canal anal com defecação ou esforço, mas reduzem espontaneamente Hemorroidas de grau III apresentam um prolapso para fora do canal anal com defecação ou esforço, e requerem redução manual Hemorroidas grau IV são irredutíveis e podem estrangular hemorroidas - Fisiopatologia: Hemorróidas surgem de um plexo de vasos arteriovenosos dilatados em conjunto com o tecido conjuntivo que o cerca. Hemorroidas internas surgem do plexo venoso superior. Suas três localizações primárias (lateral esquerda, anterior direita e posterior direita) correspondem aos ramos finais das veias hemorroidárias médias e superiores. O epitélio colunar sobrejacente é visceralmente inervado; portanto, essas hemorróidas não são sensíveis a dor, toque ou temperatura. Hemorroidas externas surgem do plexo venoso inferior. Eles são cobertos pelo epitélio escamoso modificado, que contém numerosos receptores somáticos de dor, tornando as hemorroidas externas extremamente dolorosas na trombose. Hemorroidas internas e externas se comunicam e drenam para as veias pudendas internas e, finalmente, para a veia cava inferior. O desenvolvimento de hemorroidas sintomáticas tem sido associado ao avanço da idade, diarreia, gravidez, tumores pélvicos, repouso prolongado, esforço, constipação crônica e pacientes em uso de anticoagulação e terapia antiplaquetária, embora não esteja claro se a associação é causal. - Manifestações clínicas: O paciente pode reportar hemorragia em gotejamento ou jato de sangue no vaso sanitário. Perda hemática oculta resultando em anemia é rara, e outras causas de anemia, tal como uma lesão colorretal mais proximal, devem ser investigadas. O prolapso de tecido hemorroidário pode ocorrer, estendendo-se abaixo da linha pectínea; muitos desses pacientes queixam-se de saída de muco, perda fecal e prurido O exame físico deve incluir inspeção do ânus, exame retal digital e anuscopia. O exame durante o esforço pode tornar o prolapso mais evidente Gastroenterologia Mariana Melo O exame digital deve-se concentrar no tônus do canal anal e exclusão de outras lesões palpáveis, em especial neoplasias do reto baixo ou canal anal. Dado que a maior parte dos pacientes confunde numerosos outros sintomas anorretais com doença hemorroidária, é imperativo que outras doenças anorretais sejam consideradas e excluídas. A anuscopia é geralmente suficiente para chegar ao diagnóstico correto, mas a avaliação endoscópica completa do intestino proximal deve sempre ser considerada para excluir doença mucosa proximal, particularmente neoplasia, se a extensão da doença hemorroidária for incongruente com os sintomas do paciente, se o paciente tiver de realizar vigilância com colonoscopia ou se o paciente tiver fatores de risco para câncer do cólon, como história familiar. Dependendo da extensão da doença hemorroidária e dos sintomas do paciente, o tratamento pode ser não cirúrgico ou envolver hemorroidectomia formal. - Diagnóstico da doença hemorroidária: Hemorroidas sintomáticas devem ser suspeitas em pacientes com sangue vermelho brilhante por reto, prurido anal e/ou início agudo de dor perianal. O diagnóstico é estabelecido pela exclusão de outras causas de sintomas semelhantes e pela visualização de hemorroidas. O diagnóstico do nosso paciente será baseado na anamnese e nos achados do exame físico. A seguir iremos abordar os principais pontos de cada um. Anamnese – O paciente poderá apresentar uma história de sangramento da hemorroida, sendo caracterizado pela passagem indolor de sangue vermelho brilhante pelo reto com um movimento intestinal. A defecação dolorosa não está associada a hemorroidas, sendo o sangramento quase sempre indolor e geralmente está associado a um movimento intestinal, embora possa ser espontâneo, como já vimos. Poderemos ter também como positivo na história do paciente: ● Incontinência fecal leve, secreção de muco, umidade ou sensação de plenitude na área perianal devido a uma hemorroida interna e prolapso. ● Irritação ou coceira na pele perianal. ● Pacientes com vazamento podem limpar agressivamente, irritando o períneo e também permitindo o contato de material fecal com a pele desnudada - Tratamento: ● Tratamento não operatório As modificações na dieta incluem a suplementação com fibras, e o aumento do aporte de fluidos pode melhorar os sintomas de prolapso e hemorragia. O aumento do volume das fezes permite que as mesmas fiquem formadas e macias, evitando o excesso de esforço e promovendo a melhora dos hábitos intestinais. Os sintomas de hemorragia em geral são reduzidos durante um período de semanas com o uso de suplementação com fibras isoladamente. Os pacientes com prolapso de hemorroidas internas e também externas irão geralmente beneficiar-se de intervenções adicionais. As hemorroidas internas de primeiro, segundo e algumas de terceiro grau podem usualmente ser tratadas com procedimentos no consultório médico. Os resultados são normalmente mais favoráveis para as hemorroidas de baixo grau. A ligadura elástica mantém-se como um dos procedimentos mais simples e mais amplamente usados no consultório para o tratamento das hemorroidas. Não é necessária sedação e a laqueação é realizada através de um anuscópio, usando um dispositivo aplicador (Fig. 52-7). Embora rara, sepse perineal grave foi reportada após laqueação elástica; assim, os pacientes devem ser instruídos a ter atenção em relação ao aumento da dor, incapacidade de evacuar ou febre. Os pacientes com hemorroidas de maiores dimensões são provavelmente mais beneficiados com a abordagem cirúrgica, que é mais duradoura e efetiva. Em pacientes submetidos a uma ou mais laqueações, o alívio dos sintomas foi notado em 80%, com falha prevista em pacientes que necessitaram de quatro ou mais laqueações. 25 Contraindicações relativas à ligadura incluem pacientes imunocomprometidos (quimioterapia, HIV/AIDS), presença de coagulopatia e pacientes sob anticoagulação ou medicações antiplaquetárias (excluindo produtos de ácido acetilsalicílico). A escleroterapia envolve a injeção de um volume baixo (3 a 5 mL) de esclerosante (p. ex., solução salina normal a 3%) na hemorroida interna. Essa técnica tem sucesso a curto prazo, mas a doença hemorroidária tende a recorrer durante o acompanhamento mais longo. O benefício dessa técnica é a aplicação em pacientes com tendência para hemorragia ou que estão tomando anticoagulantes que não podem ser suspensos. A coagulaçãocom infravermelhos ou laser envolve o uso de energia luminosa para causar coagulação e necrose, causando fibrose da submucosa na região hemorroidária. ● Tratamento cirúrgico Gastroenterologia Mariana Melo A hemorroidectomia é uma opção duradoura e tem os melhores resultados a longo prazo. Deve ser considerada sempre que os pacientes falharem em responder a tentativas mais conservadoras de tratar a doença. A hemorroidectomia deve ser considerada em pacientes que continuam apresentando prolapso grave e necessitam de redução manual (grau III) ou nas hemorroidas que não podem ser reduzidas (grau IV); essas hemorroidas complicadas por estrangulamento, ulceração, fissura ou fístula; e os pacientes que têm hemorroidas externas trombosadas podem idealmente ser submetidos a excisão no consultório, durante o período de dor máxima (em geral as primeiras 72 horas). Nesse caso, a hemorroida externa trombosada deve ser excisada, não aberta, uma vez que isso pode aumentar o risco de retrombose (Fig. 52-8). Para os pacientes que se apresentam após o período de dor máxima, medidas de suporte são mais benéficas. Em pacientes que se apresentam com hemorroidas internas ou externas complexas, a hemorroidectomia operatória pode ser realizada como procedimento ambulatorial. A hemorroidectomia fechada (Ferguson) consiste na excisão simultânea das hemorroidas internas e externas (Fig. 52-9). Com o uso de um afastador anuscópico grande, como o de Fansler, uma incisão elíptica é realizada englobando todo o mamilo hemorroidário. Deve-se ter o cuidado para não excisar quantidades excessivas de tecido e garantir que suficiente anoderme seja preservada para evitar a estenose anal. O local de excisão é então fechado com sutura absorvível contínua. A hemorroidectomia aberta (Milligan-Morgan) difere no ponto em que o local de excisão não é fechado, mas deixado aberto. As complicações pós-operatórias incluem retenção urinária (em até 30% dos pacientes), incontinência fecal (2%), infecção (1%), hemorragia tardia (1%) e estenose (1%). Os pacientes normalmente recuperam rápido e são capazes de voltar ao trabalho em uma a duas semanas. Outras técnicas envolvendo a aplicação de dispositivos de energia ultrassônica (Pinça Harmonic; Soma, Bloomfield, CT) ou elétrica (LigaSure, Covidien, Boulder, CO) foram aplicadas ao tratamento operatório das hemorroidas. Ambos os métodos removem o tecido hemorroidário em excesso, com mínima lesão térmica lateral, na esperança de diminuir a dor e edema pós-operatório. Vários estudos investigaram sua eficácia e demonstraram diminuição da dor pós-operatória e do uso de analgésicos nesses grupos em comparação com técnicas tradicionais, com taxas de sucesso a curto prazo semelhantes. A hemorroidopexia por grampeamento é uma técnica que resulta na excisão de uma porção circunferencial da mucosa e submucosa retal baixa e anal alta com um grampeador circular (Fig. 52-10). O procedimento é concluído primeiro com a redução do tecido hemorroidário para dentro do canal anal. Uma sutura em bolsa de tabaco é colocada 3 a 4 cm acima da linha pectínea, com a certeza de que todo o tecido redundante é incorporado circunferencialmente. A colocação de pontos muito agressiva pode incorporar inadvertidamente a parede vaginal anteriormente, resultando em uma fístula retovaginal. Além disso, se a sutura for colocada muito perto da linha pectínea, pode causar dor grave e intratável. FISSURAS ANAIS - Apresentação e Avaliação Uma fissura anal é uma úlcera linear normalmente encontrada na linha média, distal à linha pectínea. Outros achados associados incluem uma plicoma sentinela na porção distal da fissura e uma papila anal hipertrófica proximal à fissura. As fissuras que ocorrem nas posições laterais devem suscitar a possibilidade de outras patologias associadas, como a doença de Crohn, tuberculose, sífilis, HIV/AIDS ou carcinoma. A fissura anal manifesta-se mais frequentemente com dor anal intensa (em decorrência de sua localização, que se estende até a anoderme, muito sensível) associada a defecação e sangramento. Os pacientes normalmente descrevem um episódio precedente de obstipação. O exame sob anestesia, com ou sem biópsia da fissura, ou o exame endoscópico, deve ser realizado se a fissura for refratária ao tratamento médico. - Patogênese: Gastroenterologia Mariana Melo A causa da fissura anal pode ser multifatorial. A passagem de fezes grandes e duras, dieta pobre em fibra, cirurgia anal prévia, trauma e infecção podem ser fatores contributivos. O aumento das pressões do canal anal em repouso e a diminuição do fluxo de sangue anal na linha média posterior também foram postulados como causa. Essas possibilidades levaram à introdução de várias abordagens médicas. - ulcera anal, papila hipertrofica e plicoma sentinela - Tratamento: Dado que um esfíncter hipertônico e fezes volumosas e duras podem contribuir para as fissuras anais, a maior parte das terapias médicas objetiva o relaxamento do esfíncter anal sem causar incontinência fecal, passagem de fezes macias e formadas, e alívio da dor. Muitos agentes farmacológicos foram considerados, incluindo óxido nítrico tópico (p. ex., nitroglicerina), bloqueadores dos canais de cálcio (p. ex., diltiazem, nifedipina) e injeção de toxina botulínica. A terapia não cirúrgica é segura e frequentemente efetiva, com efeitos adversos limitados, e deve ser a terapia de primeira linha para a fissura anal. No entanto, um subgrupo de pacientes pode se beneficiar com a intervenção cirúrgica inicial, e o tratamento deve, em geral, ser individualizado ● Tratamento médico As terapias médicas para as fissuras anais agudas (que se apresentam nas seis semanas após o início dos sintomas) são efetivas. O tratamento médico inclui farmacoterapia tópica e oral, além de modificação da dieta e agentes formadores de volume das fezes. 29 A terapia tópica é popular porque tem menos efeitos adversos se comparada com as terapias orais. Os nitratos tópicos (0,2% a 0,4% de nitroglicerina) ou bloqueadores dos canais de cálcio (0,2% de nifedipina ou 2% de diltiazem) são prescritos com frequência. Uma metanálise comparou os tratamentos não cirúrgicos e concluiu que a nitroglicerina foi significativamente melhor que o placebo (49% versus 36%; P <0,0009) na cicatrização das fissuras anais, mas houve uma taxa de recidiva tardia de 50%. Os bloqueadores dos canais de cálcio são igualmente efetivos, mas exibiram menos efeitos adversos. A quimiodesnervação temporária do esfíncter anal interno pode ser conseguida através de injeção de toxina botulínica (Botox). Esta resulta no relaxamento do esfíncter anal interno e acredita-se que promova aumento do fluxo de sangue para a anoderme afetada, permitindo que a fissura cicatrize. O sucesso é variável, com casos reportados de 60% a 80%. Até 10% dos pacientes podem desenvolver incontinência temporária para gases, com incontinência fecal temporária rara. Atualmente, não existe acordo sobre a dose-padrão, local de injeção ou número ou momento das injeções na administração da toxina botulínica. Nossa prática é de injetar 20 unidades de toxina botulínica no esfíncter anal interno em cada lado da fissura. Nos pacientes não responsivos à modificação da dieta e farmacoterapia tópica, como a nitroglicerina tópica ou os bloqueadores dos canais de cálcio e que desejam evitar a cirurgia, a injeção de toxina botulínica pode ser um tratamento alternativo razoável. ● Tratamento cirúrgico Os pacientes com fissuras graves ou crônicas e os que não responderam à terapia médica podem se beneficiar com a cirurgia. A esfincterotomia lateral interna continua sendo a operação de escolha e mostrou ser superior a todas as terapias médicas, dilatação anal ou fissurectomia. 30 A esfincterotomia lateral interna pode ser realizada pela técnica fechada ou aberta (Fig. 52-14), dependendo da preferência do cirurgião. Não existe diferença significativa entre essas técnicas para a taxa de cicatrização ou de incontinência. No que se refere à extensão da esfincterotomia, estudosinvestigaram se a esfincterotomia ao nível da linha pectínea é superior à esfincterotomia no ápice da fissura. Aqueles com esfincterotomia ao nível da linha pectínea tiveram uma taxa de cicatrização da fissura mais elevada, sem diferença estatística na taxa de incontinência. 30 O risco de incontinência com esfincterotomia não é negligenciável. Uma metanálise demonstrou uma taxa global de incontinência de 14%. A incontinência para gases ocorreu em 9% dos pacientes. A incontinência para fezes líquidas ou sólidas ocorreu em 2% dos pacientes. 31 É importante avaliar qualquer incontinência preexistente antes de realizar a intervenção cirúrgica para não comprometer ainda mais a função do esfíncter. ABSCESSOS E FÍSTULAS PERIANAIS Abscesso anal é uma coleção de pus que se forma sob a pele da região perianal. Já a fístula anal é a situação onde há um pequeno orifício nesta região por onde sai uma secreção mal cheirosa que fica sujando as roupas íntimas. Gastroenterologia Mariana Melo A fístula anal é geralmente a conseqüência da drenagem do abscesso anal. Quando o abscesso é drenado espontaneamente ou cirurgicamente, há a melhora do quadro doloroso e infeccioso e há a formação de um trajeto (fístula) que internamente se abre no reto e externamente na pele da região perianal no local onde houve a drenagem do abscesso. ABSCESSO ANAL O abscesso anal é uma cavidade em que se forma secreção purulenta (pus) na região anal ou vizinhança. Em geral, é causado pela infecção de pequenas glândulas existentes no canal anal. Alguns abscessos podem também ser originados de uma fissura infectada, que consiste em uma ferida linear no canal anal, mas com alto potencial de desenvolver uma infecção local (leia mais no título Fissura). Existem causas menos comuns para o surgimento de um abscesso como, por exemplo, o ato de deglutir (engolir) alimentos sem mastigar que pode levar fragmentos de ossos ou espinhas de peixe até o canal anal. Neste caso, estes fragmentos não são digeridos e passam pelo canal anal podendo gerar uma escoriação, perfuração, que provoca um abscesso e, tardiamente, pode dar lugar à fístula. O abscesso produz um quadro de sintomas relacionados à infecção. É comum a apresentação de dor (contínua e/ou latejante), inchação na região que se apresenta quente e avermelhada. Também acompanham o quadro: febre, calafrios, cansaço, prostração e inapetência. - Tratamentos mais comuns para os abscessos anais Os abscessos podem comprometer o estado geral do indivíduo e seu tratamento mais indicado é a drenagem cirúrgica associado à antibioticoterapia. Em alguns casos o abscesso se rompe e drena espontaneamente. O tratamento cirúrgico é realizado através de uma incisão que elimina as secreções, o que alivia em muito a dor provocada pela pressão existente dentro do abscesso. Os pequenos abscessos podem ser drenados sob anestesia local e os abscessos maiores e mais profundos podem necessitar internação hospitalar e a ajuda de um médico anestesista. Nestes casos também está indicada a administração de antibióticos, desta vez por via intravenosa porque se manifestam com mais gravidade. Pacientes portadores de diabetes, leucemia e outras doenças que levam à deficiência imunológica necessitam de cuidados especiais pela gravidade e rapidez com que a infecção pode evoluir. FÍSTULA ANAL A fístula anal ocorre frequentemente como resultado de um abscesso que se formou nesta região. A secreção purulenta contida dentro do abscesso é eliminada, naturalmente ou com ajuda de tratamento médico, dando lugar à formação de uma fístula anal que é o resultado final da cura de um abscesso desta região. A fístula, portanto, comunica a região interna do canal anal ou reto até a pele da região externa do períneo ou nádegas. Não é uma complicação do tratamento e sim uma evolução natural da condição. É um problema que exige avaliação e tratamento especializado para sua cura. Não é sempre que um abscesso desta região produz uma fístula e, por isto, não se pode prever quando um abscesso irá formar uma fístula, podendo ocorrer em cerca de metade dos casos de abscesso anal. Outra causa comum de fístula anal é a doença inflamatória do intestino ou colite. Não raro, as fístulas já formadas podem novamente infectar formando um novo abscesso. O sintoma mais comum da fístula anal é a saída de secreção persistente na região externa, ao redor do ânus, através de um ou vários pequenos orifícios. Outras doenças podem se assemelhar às fístulas desta origem como a hidroadenite supurativa e o cisto pilonidal, entre outras. - Tratamentos mais comuns para a fístula anal Fístulas são tratadas, na maioria das vezes, através de cirurgia programada. Algumas fístulas podem necessitar de exames antes da cirurgia, como ultrassonografia ou ressonância magnética. Existem tipos diferentes de fístula. Então, de acordo com as características e profundidade de sua apresentação é escolhido o tipo de cirurgia ou técnica. A fístula anal pode ser mais superficial sendo o seu tratamento mais simples. Neste caso é realizada a abertura e curetagem destes trajetos fistulosos. Estas técnicas são conhecidas como fistulotomia e fistulectomia. Entretanto, nos casos de fístulas complexas, quando é comum o envolvimento dos músculos do esfíncter, o tratamento pode se tornar difícil. Por este motivo estas cirurgias devem ser realizadas por médicos cirurgiões especializados (coloproctologistas). A maioria dos casos têm sua fístula operada em dois tempos (duas cirurgias) com intervalo aproximado de 2 a 4 meses entre as duas. Neste caso, é aplicado um cordão de fio cirúrgico ou de algodão chamado sedenho, com vistas a facilitar a segunda cirurgia e poupar o músculo esfíncter. Outro tipo de cirurgia utilizado atualmente é o retalho indicado em determinados casos de maior complexidade ou que envolvem uma porção significativa do esfíncter. A recidina em todos os tipos de técnica é possível, mas Gastroenterologia Mariana Melo pode ser minimizada através da atenção necessária às recomendações de seu cirurgião. Gastroenterologia Mariana Melo
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