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OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // P R O L A P S O R E T A L INTRODUÇÃO > Prolapso retal completo, ou procidência retal, é a protrusão circunferencial do reto, com todas as suas camadas, através do ânus. - Quando o prolapso não se estende além do ânus, é denominado prolapso oculto, interno ou intussuscepção retal. - Tanto a procidência quanto o prolapso interno devem ser distinguidos do prolapso mucoso, que consiste na protrusão somente da mucosa retal. Moschcowitz EPIDEMIOLOGIA A procidência retal pode ocorrer em qualquer fase da vida, com picos nos extremos das idades. Em crianças, é mais comumente diagnosticada antes dos 3 anos, com maior frequência em meninos Os homens que apresentam esse distúrbio tendem a desenvolvê-lo antes dos 40 anos. Uma característica dos pacientes adultos mais jovens com prolapso retal é a tendência aumentada de apresentarem autismo, síndromes relacionadas com atraso do desenvolvimento e comorbidades psiquiátricas. ETIOPATOGENIA O desenvolvimento do prolapso retal é atribuído à perda da curvatura natural do sacro associada a condições que determinem aumento da pressão abdominal, como diarreia, vômitos, tosse ou constipação. - Nesses pacientes, o tratamento é direcionado às causas das manifestações clínicas Crianças Adultos há associação com alguns fatores, como constipação crônica, esforço evacuatório, gravidez, cirurgia pélvica prévia e doença neurológica ou psiquiátrica Apesar de a multiparidade estar comumente implicada na etiologia, cerca de 35% das pacientes são nulíparas. Broden e Snellman considera que o prolapso retal corresponde a uma hérnia de deslizamento decorrente de algum defeito na fáscia pélvica indica que o prolapso tem origem a partir de uma intussuscepção interna que evolui para a procidência Algumas características anatômicas e funcionais, como lassidão dos ligamentos retais, hipotonia esfincteriana anal, diastase dos músculos levantadores do ânus, fundo de saco de Douglas profundo, mesorreto longo e cólon sigmoide redundante, são comuns aos pacientes com procidência retal. Com frequência, o prolapso de reto está associado a outros distúrbios do assoalho pélvico, como descenso perineal, prolapso de útero e vagina, cistocele e incontinência urinária prolapso retal prolapso de útero e bexiga QUADRO CLÍNICO A principal queixa dos pacientes com procidência retal é a sensação de protuberância através do ânus, inicialmente às evacuações, passando a ocorrer durante as atividades cotidianas, até a protrusão espontânea. - Com a evolução da doença, o reto pode não retrair mais sem auxílio, necessitando de redução manual, até tornar- se irredutível. Outros sintomas comuns são incontinência fecal, presente em 50 a 75% dos casos, e constipação, que pode acometer até 50% dos pacientes. Também podem se manifestar tenesmo, eliminação de muco e sangue pelo reto e dor, que tem incidência e características variáveis. Pacientes com prolapso mucoso apresentam sintomas OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // Não existe tratamento medicamentoso específico, e as medidas conservadoras podem proporcionar algum alívio paliativo, como na vigência de um prolapso encarcerado, em que sedação, bloqueio com anestesia local e aplicação de compressas com solução hipertônica podem auxiliar na regressão do edema e na redução da protrusão. Ainda assim, nesta circunstância, a ressecção cirúrgica de urgência está indicada nos casos em que a viabilidade vascular do órgão estiver comprometida semelhantes, porém, mais brandos. Já os portadores de intussuscepção frequentemente referem bloqueio evacuatório, tenesmo e sensação de evacuação incompleta. DIAGNÓSTICO > O paciente pode desencadear o prolapso por meio da manobra de Valsalva em posição habitual de exame proctológico ou na postura de agachamento. > Na procidência, as dobras da mucosa do tecido prolapsado apresentam a configuração característica de círculos concêntricos, semelhante a anéis de cebola devendo ser diferenciada do prolapso mucoso ou da doença hemorroidária interna, cuja mucosa apresenta a impressão das pregas no sentido radial. > No exame físico, são comuns os achados de hipotonia esfincteriana e distopias urogenitais associadas > Se o prolapso não puder ser reproduzido durante o exame físico, a defecografia ou a cinedefecorressonância podem revelar o problema. - Esses exames também podem demonstrar outros defeitos, como cistocele, prolapso de cúpula vaginal e enterocele, que podem, dependendo das manifestações clínicas, requerer tratamento multidisciplinar conjunto. > A retossigmoidoscopia deve ser realizada para pesquisa de outras afecções retais, como as úlceras solitárias, que estão presentes em até 25% dos pacientes. > A colonoscopia ou o enema opaco estão indicados para exclusão de neoplasias sincrônicas, que podem atuar como desencadeadores do prolapso em alguns caso > A manometria anorretal, indicada para avaliação da função esfincteriana anorretal, costuma demonstrar diminuição das pressões de repouso e de contração, principalmente nos pacientes com incontinência fecal. prolapso com procidência de reto prolapso com procidência de mucosa TRATAMENTO é cirúrgico, e visa à resolução da procidência e à correção ou melhora dos distúrbios funcionais associados não existe um procedimento considerado padrão, uma vez que a opção tende a ser individualizada de acordo com fatores relacionados às características do prolapso, à idade, às condições clínicas, ao estado fisiológico intestinal do paciente e à preferência e experiência do cirurgião abdominal perineal fixação anatômica retal mais apropriada, menor índice de recidiva e melhor resultado funcional associadas à menor morbidade, mas com taxas maiores de recidiva As principais técnicas de abordagem abdominal podem ser realizadas por laparotomia, videolaparoscopia ou cirurgia robótica. As operações minimamente invasivas estão associadas a menos dor, menor tempo de internação e recuperação mais rápida, quando comparadas aos procedimentos realizados por laparotomia. Os resultados funcionais e os índices de recidiva, no entanto, são comparáveis. O reparo abdominal apropriado requer mobilização adequada do reto, ressecção do sigmoide (quando indicada) e fixação do reto ao promontório. A dissecção do reto é a primeira etapa de qualquer procedimento abdominal. Embora a técnica de mobilização possa diferir entre os autores em anterior, posterior ou a combinação de ambas, em geral há concordância sobre a preservação dos ligamentos laterais do reto, pois a sua divisão pode piorar ou determinar o surgimento de constipação pós-operatória. Por outro lado, a preservação dessas estruturas está associada à menor recorrência. A mobilização posterior do reto deve se estender ao assoalho pélvico, até o cóccix, preservando a integridade dos nervos hipogástricos no nível do promontório. A retopexia consiste na afixação dos tecidos pararretais à fáscia pré-sacral ou ao periósteo do promontório sacral por meio de duas ou três suturas com fios não absorvíveis ou com tela de Marlex®, Teflon®, poliéster ou Prolene OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // sigmoide redundante com anastomose colorretal primária após liberação do reto, sem fixação do reto ao promontório sacral. Retoprexia abdominal (promntofixação) MÉTODOS DE CORREÇÃO ABDOMINAL Consiste na mobilização e na fixação do reto ao promontório sacral. Os índices de recidiva variam de 0 a 9%, e a mobilização mais extensa está associada a menores índices de recorrência, mas podeprecipitar ou exacerbar a constipação Retoprexia com tela (cirurgia de Ripstein, Wells ou D'Hoore) No procedimento preconizado por Wells, o reto é liberado até o assoalho pélvico e fixado a uma tela, que, por sua vez, é suturada no promontório sacral. A órtese recobre o reto parcialmente, mantendo livre sua face anterior. A tela provoca uma reação inflamatória que fixa o reto na posição. Na cirurgia de Ripstein, a tela é suturada na face anterior do retomobilizado, fixando-o ao promontório, como uma cinta. A obstrução retal por estenose ou angulação pode ocorrer após esse procedimento, o que levou a modificações técnicas, como a manutenção de um espaço livre, sem órtese, na parede anterior do reto. A retopexia ventral de D’Hoore consiste na mobilização do espaço retovaginal (ou retovesical, no homem) com os posteriores implante e fixação da tela ao sacro. Esse procedimento pode corrigir outros defeitos do assoalho pélvico, como retocele e outros prolapsos genitais. Ressecção e retopexia abdominal (cirurgia de Frykman) Consiste na combinação da sigmoidectomia com retopexia. Pode ser utilizada nas situações de redundância colônica e em pacientes com constipação. Ressecção anterior Consiste somente na ressecção do cólon As complicações maiores incluem sepse pélvica, hematomas, fístulas, estenose e deiscência de anastomose, quando há sigmoidectomia. Uma potencial complicação é o sangramento pelas veias sacrais, geralmente de difícil contenção, pois são originárias do plexo vertebrobasilar, localizado na intimidade da estrutura óssea. Uma vez identificado, o sangramento deve ser contido por compressão. Pode-se utilizar hemostasia com gás argônio, aplicação de cera de osso ou tachas de titânio sobre o sacro, ou eletrocauterização em segmento muscular interposto sobre o orifício sacral correspondente à hemorragia. Persistindo o sangramento, a alternativa é o tamponamento por empacotamento pélvico com compressas e revisão em 24 a 48 horas. PERINEAL Cirurgia de Thiersch Consiste na implantação de material não absorvível, como fio cirúrgico ou tela, ao redor do ânus, no espaço subcutâneo perianal. O seu objetivo é a contenção do prolapso mediante estreitamento por cerclagem do ânus por meio da tração do fio. É uma técnica de fácil execução, com mínima morbidade, mas apresenta elevada taxa de recidiva (33-44%).2 Em geral, é indicada para pacientes com alto risco anestésico e cirúrgico. As suas principais complicações são a impactação fecal e a erosão da pele pelo material. Cirurgia de Delorme Caracterizada pela ressecção da mucosa do segmento de reto prolapsado e posterior plicatura da camada muscular desnuda, promovendo “sanfonamento” do reto. Apresenta baixa morbidade, mas o índice de recidiva é elevado, entre 16 e 30%. Alguns autores sugerem que a associação de esfincteroplastia pode ocasionar menor OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // recidiva e incremento nos resultados funcionais. Retossigmoidectomia perineal (cirurgia de Altemeier) consiste na ressecção do segmento prolapsado e anastomose primária do cólon remanescente com o ânus por via perineal A plicatura posterior dos músculos levantadores do ânus associada à ressecção, refazendo a angulação anorretal, parece determinar diminuição nas taxas de recidiva e melhores resultados funcionais. Entre as cirurgias perineais mais comumente realizadas, o procedimento de Delorme, por razões técnicas, é preferencialmente indicado em pacientes com prolapso de até 4 cm, enquanto a cirurgia de Altemeier é escolhida para procidências maiores. Há escassa informação sobre qual é a melhor opção cirúrgica nos casos de recidiva, mas a repetição da técnica utilizada na cirurgia primária parece ser a melhor escolha. Neste contexto, é necessária atenção quanto à vascularização do cólon nos casos em que o tratamento anterior tiver envolvido ressecção intestinal. OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // terminais das arteríolas do canal anal com consequente hipoperfusão tecidual O traumatismo local causado pela evacuação de fezes endurecidas é considerado o evento determinante do surgimento da fissura, na maioria das vezes. Em alguns casos, no entanto, é atribuído à evacuação de fezes diarreicas ou ao trauma causado pela prática de coito anal É definida como uma ulceração longitudinal do epitélio escamoso do canal anal (anoderma). Em geral, estende-se da linha pectínea até a borda anal. Apesar do seu caráter benigno, impõe sofrimento considerável e prejudica significativamente a qualidade de vida :: pacientes com fissura anal evoluem com cicatrização espontânea, são equivocadamente diagnosticados com outras doenças (p. ex., hemorroidas) ou não procuram atendimento médico especializado Apesar disso, a fissura anal é considerada uma das afecções anorretais mais comuns, sendo responsável por cerca de 15 a 40% das consultas em coloproctologia. F I S S U R A A N A L O QUE É de a co rd o co m o te m po d e ev ol uç ão e , p rin ci pa lm en te , co m a s ca ra ct er ís tic as a o ex am e fís ic o A fissura anal acomete igualmente ambos os sexos e afeta mais frequentemente indivíduos adultos, com pico de incidência na quarta e na quinta década de vida. Aguda é uma falha de continuidade superficial que tende a cicatrizar espontaneamente ou com tratamento conservador em até 8 semanas Crônica estabelecido na presença de qualquer um dos seguintes fatores: - sintomas persistentes por mais de 8 semanas, - bordas enduradas/fibróticas, - exposição das fibras circulares do esfíncter anal interno, - presença de plicomasentinela na extremidade externa e/ou de papila anal hipertrófica na extremidade proximal da lesão. FISIOPATOGENIA > Primárias Atribuídas à hipertonia persistente do esfíncter anal interno, que determina compressão dos ramos considera-se que a hipoperfusão da linha média posterior do canal anal seja responsável não apenas pela maior incidência de fissuras nessa localização, mas também pela dificuldade de cicatrização e pela consequente perpetuação do quadro clínico > Secundárias Ocorrem em consequência de alguma outra doença, como doença de Crohn, tuberculose anal, sífilis, neoplasias hematológicas ou síndrome da imunodeficiência adquirida EXAME CLÍNICO ANAMNESE é uma das principais hipóteses a ser considerada no diagnóstico diferencial de dor anal, o sintoma mais frequentemente relatado por pacientes com essa afecção. A dor anal caracteristicamente é evacuatória – inicia durante ou imediatamente após a evacuação –, do tipo cortante, rasgante ou em queimação, de intensidade moderada a severa Pelo menos 80% dos pacientes referem também sangramento anal, evacuatório, de coloração vermelho-vivo, em pequena quantidade, visível no papel higiênico, na superfície das fezes ou no vaso sanitário. Cerca de um quarto dos pacientes relata história de constipação ou episódio de evacuação forçada de fezes endurecidas. Outros possíveis sintomas incluem prurido anal (40- 70%) e sensação de umidade perianal (33%). OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // Banhos de AssentoEXAME FÍSICO geralmente é doloroso, devendo, muitas vezes, ser limitado à inspeção externa mediante afastamento cuidadoso das nádegas com os polegares para exposição da borda anal Quando é possível realizar, o toque retal demonstra espasmo ou hipertonia de repouso do esfíncter anal. Localização lateral, multiplicidade de fissuras, fissura profunda e/ou extensa, ausência de dor e hipotonia esfincteriana são condições atípicas, que devem suscitar a hipótese de fissura anal secundária EXAME COMPLEMENTARES Manometria anorretal: Pacientes com fissura anal apresentam aumento da pressão de repouso do esfíncter anal interno – especialmente aqueles com fissura anal aguda – e contração paradoxal do esfíncter anal externo durante a evacuação. Outros exames: Fissuras refratárias ao tratamento requerem investigação mais aprofundada com exame endoscópico, biópsia da lesão e sorologias para descartar causas secundárias de doença. Pacientes com fissura anal primária típica, que apresentam indicação formal de colonoscopia para rastreamento de câncer colorretal (p. ex., idade acima de 50 anos), podem aguardar a resolução dos sintomas para o agendamento do exame TRATAMENTO > Objetivos: reduzir a hipertonia de repouso do esfíncter anal e aumentar a perfusão sanguínea do anoderma, a fim de promover a cicatrização da fissura anal e o alíviodos sintomas dela decorrentes. tratamento clínico convencional uso de analgésico por via oral (VO), anestésico tópico, banhos de assento, agente formador do bolo fecal, e, a critério clínico, um relaxante tópico do esfíncter anal. tratamento clínico específico com algum relaxante do esfíncter anal fissura anal crônica Recomenda-se a realização de banhos de assento em água morna por 10 a 15 minutos, 2 a 3 ×/dia formadores de bolo fecal A suplementação de fibras na dieta (p. ex., 15 g/dia de farelo de trigo) ou o uso de agentes formadores do bolo fecal são eficazes no tratamento e na prevenção da recorrência de fissuras anais Anestésicos e corticoides tópicos Anestésicos (lidocaína e cinchocaína) e corticoides tópicos são considerados igualmente eficazes quando comparados ao placebo e são inferiores aos agentes formadores de bolo fecal e ao banho de assento em casos de fissura anal aguda Relaxantes do esfíncter anal Os medicamentos atualmente utilizados incluem doadores de óxido nitroso tópicos, bloqueadores dos canais de cálcio tópicos (diltiazém e nifedipino) e toxina botulínica injetável. Apresentam eficácia superior ao placebo e inferior à esfincterotomia cirúrgica As apresentações tópicas dos bloqueadores dos canais de cálcio e dos doadores de óxido nitroso para uso proctológico no Brasil estão disponíveis sob a forma de medicamento manipulado. Podem ser aplicadas apenas na borda anal ou também no interior do canal anal Apesar de serem custo-efetivas e oferecerem baixo risco de incontinência fecal, caracterizam-se pela dificuldade de adesão à posologia recomendada e pela elevada taxa de recorrência após a descontinuação do uso cirurgia As duas principais indicações de tratamento cirúrgico da fissura anal são a falha do tratamento clínico e a presença de afecção anal cirúrgica associada As alternativas de tratamento cirúrgico incluem dilatação anal forçada, fissurectomia, esfincterotomia lateral interna (ELI) e avanço de retalho anocutâneo - A dilatação anal forçada associa-se ao alto risco de incontinência fecal (51%), à taxa de cura (70%) e ao elevado índice de recorrência da fissura (56%), estando atualmente proscrita - A fissurectomia é uma técnica interessante OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // para pacientes com risco aumentado de incontinência fecal pós-operatória. A fissurectomia com avanço de retalho anocutâneo (p. ex., retalho em “casa” ou “V -Y”) é uma opção válida em casos de fissura anal com baixa pressão esfincteriana de repouso ou recorrente ESFINCTEROTOMIA LATERAL INTERNA é a cirurgia de escolha para fissuras anais crônicas refratárias Pode compreender ou não a excisão de papila anal hipertrófica e/ou do plicoma-sentinela e a realização de fissurectomia A ELI normaliza tanto a hipertonia do esfíncter anal quanto a perfusão sanguínea do anoderma A ELI “tradicional” (secção do esfíncter anal interno até o nível da linha pectínea) apresenta taxas significativamente maiores de cicatrização e de incontinência fecal em relação à ELI “regrada” (secção do esfíncter anal interno até o ápice da fissura). Casos de falha da ELI devem ser investigados com exames complementares (p. ex., manometria e/ou ultrassonografia anorretal, colonoscopia) a fim de avaliar a adequação da esfincterotomia e descartar causas secundárias de fissura anal FISSURA ANAL ANAMNESE + EXAME PROCTOLÓGICO CLASSIFICAÇÃO ETIOLÓGICA FISSURA PRIMÁRIA FISSURA SECUNDÁRIA CLASSIFICAÇÃO EVOLUTIVA FISSURA CRÔNICA FISSURA AGUDA RESOLUÇÃO RESOLUÇÃO? RESOLUÇÃO? RESOLUÇÃO? ALTA ALTA TTO CLINICO ESPECÍFICO TTO CLINICO ESPECÍFICO TTO CLINICO CONVENCIONAL TTO CIRÚRGICO TTO COM OUTRO ESQUEMAsim não sim não não sim sim não sim OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // Conforme o grau de prolapso, as hemorroidas internas são classificadas do 1º ao 4º grau. Os mamilos de 1º grau, identificados somente à anuscopia, permanecem somente no canal anal, sem prolapso. Os mamilos de 2º e 3º grau, manifestados por prolapso e sangramento durante a defecação, diferenciam-se somente pela redução espontânea, no primeiro, e pela necessidade de redução manual, no segundo. Os mamilos hemorroidários de 4º grau apresentam- se permanentemente exteriorizados O plexo hemorroidário é parte da anatomia anorretal e localiza-se na submucosa do canal anal. É formado pelos ramos terminais dos vasos hemorroidários superior, médio e inferior, pelo tecido conectivo, pelas fibras elásticas e pelo músculo liso – o músculo de Treitz, originado, em parte, do músculo longitudinal e do esfíncter anal interno. Em geral, encontra-se sob a forma de três coxins que obedecem a distribuição anatômica das terminações dos vasos retais superiores: lateral esquerda e anterolateral e posterolateral direita. Coxins secundários menores podem ser encontrados entre os principais. Embora a função do plexo não seja completamente conhecida, este atua em conjunto com o esfíncter anal interno na continência fecal e contribui com 15 a 20% da pressão de repouso do canal anal. Um papel secundário é o de proteção esfincteriana do canal anal durante a passagem das fezes. D O E N Ç A H E M O R R O I D Á R I A INTRODUÇÃO a doença hemorroidária é o resultado das alterações patológicas dos plexos arteriovenosos, caracterizada por congestão, dilatação e estiramento muscular (músculo de Treitz), o que determina as manifestações de inchaço, sangramento e prolapso constipação, exercícios e esforços excessivos, baixa ingesta de fibras, gravidez, aumento da pressão abdominal, progressão da idade, ausência de válvulas nas pequenas veias hemorroidárias, entre outros aumento da pressão no plexo, contribuindo para a sua dilatação e a perda do suporte muscular/conectivo, o que acarreta a protrusão através do canal anal > Internas Localizados acima da linha pectínea, estão associados aos ramos terminais dos vasos hemorroidários (ou retais) superiores, com alguma contribuição dos médios. Encontram-se recobertos por epitélio colunar e, próximo à linha pectínea, por epitélio transicional, recebem inervação autônoma (simpática e parassimpática). Mamilos hemorroidários de 4º grau > Externos Abaixo da linha pectínea; encontram-se revestidos por anoderma – um epitélio sem folículos pilosos e glândulas sudoríparas – e, próximo à região perianal, por pele. A vascularização desses mamilos é realizada através dos vasos hemorroidários inferiores, e a inervação somática, proveniente dos nervos retais inferiores (ramos dos nervos pudendos), tornaos sensíveis aos estímulos dolorosos, táteis e térmicos. Com exceção da eventual sensação de inchaço perianal, as hemorroidas externas manifestam-se somente quando complicadas pela trombose hemorroidária, com dor e nódulo na região anal. Essa subdivisão em componente externo e interno seja importante na indicação do tratamento do paciente e em estudos, a maior parte da apresentação da doença hemorroidária é mista. Há preponderância de um componente sobre o outro, uma vez que ambos os sistemas de drenagem venosa – o hemorroidário superior, tributário da veia porta, e o inferior, tributário da veia cava inferior – comunicam- se entre si através de pequenas terminações no canal anal OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // CLÍNICO!! A sintomatologia específica (sangramento e prolapso) e o exame físico, incluindo inspeção perianal, toque retal e anuscopia, são suficientes para estabelecer o diagnóstico e o grau da doença Patologias anorretais que fazem parte do diagnóstico diferencial incluem fissura anal, plicomas, fístulas e abscessos, tumores e pólipos colorretais, papilas hipertróficas, lesões por papilomavírus humano, prolapso e procidência de reto e doenças inflamatórias > Os principais sintomas da doença hemorroidária interna são o sangramento e o prolapso. > Sintomas secundários, como inchaço, perda de muco, prurido, dificuldades na higiene e desconforto, podem estar presentes, principalmente em casos mais avançados. > É importante ressaltar que a doença hemorroidária é indolor,exceto na presença de complicações, como o prolapso/estrangulamento hemorroidário e a trombose. > Em geral, o sangramento é vivo e associado às evacuações – análises do pH demonstram que é de origem arterial. Na maioria dos casos, é observado durante a higiene, com presença de sangue no papel. > Com a progressão da doença, ocorre gotejamento ou jato de sangue, sem misturar com as fezes, e, em casos avançados, até mesmo sangramento espontâneo, não associado às evacuações. > A história de sangramento é de longa duração, de pequenos volumes, intercalada com períodos de cessação espontânea e recorrência em intervalos variados. > Sangramentos em maior volume podem levar à anemia e, raramente, a complicações hemodinâmicas. > O prolapso hemorroidário ocorre geralmente às evacuações; na doença hemorroidária mais avançada, ocorre até mesmo aos pequenos esforços. A redução pode ser espontânea ou necessitar de manobras digitais. > Deve ser diferenciado de outras patologias, como pólipos do terço inferior do reto, papilas hipertróficas e do prolapso/procidência retal. >> Em geral, as hemorroidas externas são assintomáticas, manifestando-se somente na vigência de complicações, como a trombose hemorroidária, por meio de dor anal – que pode ser de grande intensidade – e intumescência. Pode ocorrer pequeno sangramento se houver erosão cutânea pelo trombo. QUADRO CLÍNICO Modificações no padrão do sangramento, como a presença de sangue escuro misturado às fezes, e outras manifestações importantes, como a alteração no hábito intestinal, devem orientar investigação específica para o diagnóstico diferencial com patologias colorretais, como neoplasias e doenças inflamatórias. DIAGNÓSTICO Pacientes > 50 anos ou com alterações no padrão de sangramento típico de doença anorretal, associadas à mudança no hábito intestinal – entre outras manifestações – devem ser submetidos à colonoscopia. TRATAMENTO medidas clínicas sempre indicadas na primeira fase do tratamento, uma vez que a doença hemorroidária pode responder completamente a esta; mesmo graus mais avançados da doença, com indicação de procedimentos complementares, necessitam de correção do hábito intestinal para o alívio sintomático. O tratamento da constipação é a primeira etapa do tratamento, independentemente do grau da doença hemorroidária. Estimula-se maior ingesta de fibras na dieta e de líquidos, com atenção ao reflexo evacuatório, visando à eliminação de fezes de melhor consistência a intervalos mais regulares. Podem ser associados, conforme a necessidade, laxantes formadores de bolo fecal, lubrificantes (óleo mineral), salinos (citrato de magnésio) e, em algumas situações e por tempo limitado, os estimulantes, como os antracênicos. Por outro lado, distúrbios diarreicos necessitam de investigação e tratamento adequados, conforme a história clínica do OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // sangramento tardio (cerca de 1 semana após o procedimento). Nesses pacientes, e naqueles com mamilos muito volumosos, o procedimento cirúrgico pode ser mais seguro. A ligadura elástica é um procedimento geralmente bem tolerado pelo paciente, sem afastamento das atividades diárias, orientando-se, apenas, repouso relativo de poucas horas e uso de analgésicos simples e anti-inflamatórios, conforme a necessidade. Outras modalidades de tratamento induzem à fibrose e à fixação do tecido hemorroidário por meio da escleroterapia (injeção de agente esclerosante na submucosa), da fotocoagulação infravermelha e da diatermia bipolar. Podem ser consideradas em pacientes anticoagulados paciente. Medidas gerais, como a higiene com água após evacuações, e comportamentais, como evitar o esforço evacuatório excessivo e o tempo prolongado no banheiro, também são indicadas. A aplicação de barreiras protetoras, após higiene adequada, pode auxiliar no controle da irritação cutânea, evitando o contato com o muco e com as fezes. Procedimentos em consultório Estão indicados para o tratamento dos mamilos hemorroidários internos que não responderam às medidas clínicas. Uma vez que esses mamilos localizam-se acima da linha pectínea e não apresentam inervação somática – portanto, são insensíveis à dor –, prestam-se diferentes procedimentos em consultório, como ligadura elástica, escleroterapia e fotocoagulação infravermelha. É importante ressaltar que esses procedimentos estão indicados somente em hemorroidas internas do 1º ao 3º graus. Hemorroidas de 4º grau são tratadas por meio de procedimentos cirúrgicos Atualmente, a ligadura elástica é o procedimento mais utilizado e, também, o mais efetivo. Através de um dispositivo mecânico é aplicado um pequeno anel de borracha no pedículo hemorroidário, o que ocasiona isquemia e necrose gradual do mamilo, com eliminação de ambos dentro de alguns dias. Os mamilos maiores e sintomáticos são tratados primeiramente, podendo ser necessárias diversas sessões para o tratamento completo. A ligadura de múltiplos mamilos em uma única sessão pode ocasionar dor significativa, sendo desaconselhada. Está indicada no tratamento de mamilos hemorroidários de 2º e 3º grau e, em alguns casos, conforme o tamanho, nos de 1º grau. Há contraindicação relativa ao procedimento em pacientes anticoagulados e nos que utilizam antiadesivos plaquetários, pelo risco de Procedimentos CIRÚRGICOS Atualmente, o procedimento cirúrgico é realizado em um pequeno número de pacientes, sendo indicado quando não há resposta satisfatória às medidas de tratamento anteriormente citadas, naqueles com doença avançada à apresentação inicial ou com significativa doença hemorroidária externa. Há duas modalidades de tratamento cirúrgico: a excisional (hemorroidectomia) e as não excisionais (hemorroidopexia grampeada e desvascularização transanal guiada por Doppler). hemorroidectomia considerada o padrão-ouro entre as modalidades cirúrgicas, pois trata completamente a doença interna e externa, apresenta baixos índices de recorrência e possibilita o tratamento de doenças anorretais associadas O inconveniente da técnica é a dor pós-operatória e o tempo de afastamento das atividades diárias, que variam de acordo com o paciente. OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // A remoção dos mamilos, com cuidadosa dissecção dos esfíncteres anais, deve preservar áreas intercaladas de anoderma – as denominadas pontes cutaneomucosas –, o que impede complicações estenóticas cicatriciais. Após, é realizada a ligadura do pedículo vascular no ápice do mamilo com fio absorvível ou com eletrocautério. O número de mamilos removidos – entre 1 e 3 – depende da apresentação da doença. hemorroidopexia grampeada é realizada por meio da introdução de um grampeador circular modificado, por via transanal, e de uma sutura em bolsa no interior do canal anal A secção circunferencial divide o suprimento arterial no espaço submucoso e desvasculariza a hemorroida; o grampeamento da mucosa e da submucosa, próximo à linha pectínea, fixa os pedículos hemorroidários na sua posição anatômica. Está indicada nas hemorroidas de 2º e 3º grau, mas não nas de 4º grau ou nos pacientes com hemorroidas externas volumosas e sintomáticas, que necessitam de excisão do tecido hemorroidário Há detalhes técnicos que devem ser considerados, e um deles, a sutura em bolsa, é uma etapa crítica do procedimento. Esta, se muito alta, não permitirá a adequada retração do tecido hemorroidário e, portanto, resultará em prolapso recorrente; se muito baixa, junto à linha pectínea, ocasionará dor intensa e potencial dano esfincteriano; e, se incluir muito tecido, poderá determinar a seção com “anastomose” de todas as camadas da parede do reto distal, com complicações potencialmente graves, como fístula retovaginal, abscesso pélvico/retroperitoneal, perfuração retal, sepse, colostomia, etc a hemorroidopexia apresenta maiores índices de recorrência quando comparada à hemorroidectomia ambas as técnicas não são inteiramente comparáveis, uma vez que a cirurgia convencional está indicada em grausmais avançados da doença e, principalmente, naqueles com doença externa avançada ou com exuberante prolapso de 4º grau, ao contrário da hemorroidopexia. desarterialização hemorroidária transanal nova técnica não excisional que se baseia na ligadura precisa dos ramos terminais das artérias hemorroidárias superiores direcionados aos mamilos, por meio de uma sutura orientada por Doppler A técnica tem sido recentemente modificada com a inclusão da mucopexia ou hemorroidopexia para tratar o prolapso associado Há duas técnicas possíveis de serem utilizadas: a desarterialização hemorroidária transanal e a ligadura da artéria hemorroidária e reparo retoanal As indicações dessa técnica são semelhantes à anterior (em hemorroidas de 2º e 3º grau), com limitados estudos demonstrando melhor tolerabilidade pelo paciente e menor necessidade de analgésicos. As principais complicações da técnica são sangramento, retenção urinária, dor e processos infecciosos resultantes da isquemia mucosa em áreas extensamente suturadas. Trombose hemorroidária externa Situações especiais Caracteriza-se pela dor anal súbita acompanhada de nódulo anal de variadas dimensões. A dor é mais intensa nas primeiras 48 horas, com regressão gradual após esse período. Alguns poucos pacientes referem somente a presença do nódulo anal, sem dor significativa. Fatores precipitantes, embora não necessariamente presentes em todos os pacientes, incluem episódios de constipação ou diarreia, tosse intensa e atividades com esforço excessivo. O manejo é clínico na maior parte dos casos, dirigido ao controle da dor, com analgésicos, anti- inflamatórios, correção da constipação/diarreia, calor local e repouso, uma vez que o trombo é reabsorvido espontaneamente – em um intervalo de tempo de dias ou de muitas semanas. Pacientes atendidos imediatamente após o surgimento do trombo e que apresentem dor muito intensa podem beneficiar-se da exérese do trombo, facilitada por adelgaçamento e tensão da pele que o recobre. OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // O inconveniente é o sangramento local, em pequeno volume, até a cicatrização da pequena incisão. Outra possível indicação desse procedimento é a presença de necrose ou ulceração da pele com extrusão parcial do trombo. A trombose hemorroidária acomete homens e mulheres jovens e de meia-idade, sendo frequente a ocorrência de episódios recorrentes, resultando na formação de um plicoma (excrescência cutânea). Em geral, não há indicação de hemorroidectomia após os episódios. Estrangulamento hemorroidário Hemorroidas prolapsadas podem encarcerar devido ao tônus esfincteriano interno, ocasionando obstrução do retorno venoso, edema e congestão importantes, o que impossibilita a redução. Dependendo do tempo de evolução e do volume do tecido exteriorizado, podem ocorrer ulceração e necrose. Nessas situações, o tratamento é cirúrgico com debridamento do tecido desvitalizado. Em apresentações menos graves, opta-se pelas medidas clínicas como calor local, repouso e uso de analgésicos e anti-inflamatórios, uma vez que a ressecção de emergência, com tecidos edemaciados e friáveis, apresenta maior risco de dano esfincteriano e estenose anal cicatricial devido à ressecção mais extensa Gravidez Manifestações da doença hemorroidária, com ingurgitamento, edema, prolapso e sangramento, ocorrem em cerca de 40% das gestantes, geralmente no 3º trimestre, ou no puerpério imediato. Associam-se, com maior frequência, à constipação, ao aumento do peso, à maior pressão abdominal, à dificuldade do retorno venoso e ao esforço do período expulsivo. Muitas pacientes não apresentam qualquer sintomatologia previamente à gravidez. O tratamento é clínico, com medidas locais e com analgésicos Doença inflamatória intestinal O controle da diarreia, associado a medidas conservadoras locais, é o tratamento indicado na maioria dos pacientes. Embora não haja contraindicação absoluta à cirurgia, esta é realizada somente em situações excepcionais, em pacientes muito sintomáticos e cuja gravidade do processo inflamatório anorretal tenha sido controlada adequadamente com os novos agentes biológicos. Ainda assim, são frequentes o retardo cicatricial e a presença de ulcerações residuais Distúrbios de coagulação e pacientes imunocomprometidos Em vista do retardo cicatricial e das potenciais complicações infecciosas, pacientes imunocomprometidos devem ser submetidos a tratamento clínico. Se houver indicação cirúrgica, as condições gerais e infectológicas adequadas são essenciais. Pacientes com distúrbios de coagulação, sem resposta ao tratamento clínico, são tratados preferencialmente com cirurgia, em vez de ligadura elástica, devido ao risco de sangramento tardio. Hipertensão portal As varizes retais, e não as hemorroidas, são comuns nos pacientes com hipertensão portal. Raramente sangram, e não precisam de tratamento específico, que é dirigido ao manejo da pressão portal. Na maioria das vezes, a aparente exacerbação da doença hemorroidária preexistente ocorre pelo ingurgitamento venoso. OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // Os fatores predisponentes para o desenvolvimento do abscesso criptoglandular, correspondente a cerca de 90% dos abscessos anorretais, incluem fezes líquidas, trauma, tabagismo e dilatação dos ductos glandulares. Os outros 10% são secundários a doenças ou mecanismos específicos, como radioterapia, doença inflamatória intestinal, neoplasias, doenças infecciosas, trauma por corpo estranho ou procedimentos cirúrgicos A B S C E S S O A N O R R E T A L Abscesso anorretal é o processo infeccioso presente em pelo menos um dos espaços naturais da região perianal e perineal. Ambas as afecções, abscesso e fístula anorretal, podem ser consideradas a mesma doença, porém, em diferentes fases evolutivas. O abscesso é uma manifestação aguda e a fístula é o processo crônico, uma vez que 50 a 60% dos pacientes que desenvolvem abscesso evoluem para a formação da fístula O QUE É ETIOPATOGENIA A fisiopatologia do abscesso de origem criptoglandular, indica que sua origem é determinada a partir da obstrução do óstio de drenagem de uma glândula anal, na cripta anal situada na linha pectínea. Nessa circunstância, ocorre a estase da secreção, a infecção glandular e a supuração decorrente, que drena e forma as coleções nos espaços anatômicos naturais, ou seja, perianal, isquiorretal, submucoso, interesfincteriano, supraelevador, pós-anal superficial e pós-anal profundo QUADRO CLÍNICO > As manifestações clínicas mais frequentes são dor, febre e aumento de volume e de hiperemia na região perianal. > A dor tem característica contínua e de forte intensidade, sem mecanismo de alívio associado e que pode exacerbar-se com a evacuação ou a posição sentada. > Outras manifestações menos frequentes são sangramento, disúria e drenagem de secreção purulenta pelo ânus. diagnóstico é feito com base na anamnese e no exame físico, que costumam revelar os sinais clássicos de hiperemia, aumento de volume doloroso e, algumas vezes, flutuação e drenagem purulenta espontânea Em algumas situações, há necessidade de exame proctológico sob anestesia, principalmente nos casos de abscessos mais profundos, como interesfincteriano, supraelevador ou pós-anal profundo. A realização de exames complementares costuma ser dispensável, mas, em pacientes imunossuprimidos, é prudente uma avaliação laboratorial. Em casos selecionados, principalmente na suspeita de abscessos profundos, exames de imagem, como tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM) ou ultrassonografia, podem auxiliar na identificação da localização e da extensão das coleções Fístula anorretal, doença hemorroidária, bartolinite, cisto pilonidal e hidradenite supurativa são diagnósticos diferenciais do abscesso anorretal. OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // local. Pacientes com doenças mais extensas ou profundas são mais bem tratados em centro cirúrgico, sob anestesia regional ou geral. O procedimento ambulatorial habitual de incisãoe drenagem inclui posicionamento apropriado do paciente, em litotomia ou decúbito lateral, antissepsia da região perianal com soluções não alcoólicas e bloqueio anestésico da área ao redor do abscesso, utilizando anestésico local com ou sem vasoconstritor. A incisão pode ser elíptica ou cruciforme, ampla o suficiente para evitar a recidiva, e o mais próximo possível da margem anal para delimitar a extensão de uma potencial fístula. Uma vez realizada a incisão, devem-se romper as eventuais loculações internas. A utilização de drenos ou sondas não é obrigatória, estando relacionada a particularidades do caso, como abscessos extensos e bilaterais, e à preferência do cirurgião. Em alguns pacientes com coleções mais profundas, como submucosas ou interesfincterianas, a drenagem do abscesso deve ser realizada para o interior do canal anal ou do reto. No tratamento de pacientes com coleções supraelevadoras, cujo foco originário seja abdominal ou pélvico, a drenagem pode ser realizada via percutânea, guiada por exame de imagem, ou para o interior do reto. Nos casos de abscesso supraelevador com origem criptoglandular, o local correto de drenagem é determinado a partir da identificação da origem e da área comprometida pela extensão da infecção. Coleções supraelevadoras com disseminação pelo espaço interesfincteriano devem ser drenadas para o interior do reto, e aquelas cuja extensão ocorreu pela região isquiorretal devem ser tratadas através do períneo. é principalmente cirúrgico, por meio de incisão e drenagem. O tratamento clínico do abscesso anal com a utilização invariável de antibióticos é pouco efetivo A prevenção do desenvolvimento de fístula anorretal não está relacionada ao uso de antibióticos, mas, sim, à sua localização, com risco oito vezes maior, associado ao abscesso isquiorretal e três vezes maior, relacionado ao abscesso interesfincteriano, quando comparados às coleções perianais. Na correlação com formação de fístula, a utilização de antimicrobianos pode ser benéfica em casos isolados de manejo da doença de Crohn perianal. A coleta de material para cultura é recomendada para pacientes considerados de alto risco, como imunossuprimidos e portadores de doenças sistêmicas, ou indivíduos com doença recidivante. O procedimento cirúrgico de incisão e drenagem deve ser prontamente indicado, uma vez confirmado o diagnóstico do abscesso anal, pois este é considerado uma urgência médica. A ausência de flutuação não deve justificar atraso na terapêutica. Casos de abscesso mais superficiais, como coleções perianais e isquiorretais menos extensas, podem ser drenados em ambiente ambulatorial, sob anestesia TRATAMENTO A antibioticoterapia é considerada adjuvante à drenagem cirúrgica e é recomendada em casos específicos, como presença de celulite extensa, sinais sistêmicos de infecção e em pacientes imunossuprimidos ou com doenças sistêmicas, como diabetes e obesidade. Antibioticoprofilaxia está indicada, antes da drenagem cirúrgica, em pacientes portadores de próteses valvares, história prévia de endocardite bacteriana, cardiopatia congênita e transplantados cardíacos com doença valvar Em geral, a flora bacteriana de um abscesso anal é composta por espécies gram-negativas e anaeróbias, como Escherichia coli, espécies de Enterococcus e Bacteroides fragilis, e os antibióticos, quando indicados, devem cobrir esses organismos em indivíduos imunocompetentes. Nos pacientes com algum tipo de imunossupressão, a cobertura antimicrobiana deve incluir também Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis. GANGRENA DE FOURNIER > Um dos fatores prognósticos mais importantes no tratamento do abscesso anal é o intervalo de tempo entre o início da doença e a realização da drenagem. > O atraso no diagnóstico e o manejo inadequado ou tardio estão associados ao risco de recidiva, à extensão da infecção ou à evolução para fascite necrosante anorretal ou à gangrena de Fournier. OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // A incidência de abscesso anorretal em pacientes imunossuprimidos pode chegar a 10%. Em virtude da neutropenia, a infecção manifesta- se com dor e nodulação sem flutuação e discreta hiperemia, que pode determinar retardo no diagnóstico. Neste grupo, a mortalidade por sepse pode chegar a 60%. Exames de imagem, como TC e RM, podem auxiliar na avaliação da extensão da infecção. O tratamento está relacionado com o estado imunológico individual. Pacientes com menos de 1.000 neutrófilos/mm3 apresentam elevada morbidade e mortalidade cirúrgica, sendo recomendado, por essa razão, manejo conservador com antibioticoterapia de amplo espectro. A taxa de cura, nesses casos, varia entre 30 e 90%. Em caso de falha da terapia clínica ou evolução para fascite necrosante, a intervenção cirúrgica deve ser indicada. Pacientes com contagens maiores de neutrófilos devem associar a drenagem cirúrgica à antibioticoterapia A gangrena de Fournier é uma infecção grave que atinge tecidos moles, principalmente do períneo, determinando necrose tecidual e toxemia sistêmica com rápida evolução Em geral, o diagnóstico é clínico. O paciente costuma apresentar dor intensa, febre, calafrios, taquicardia e, no local da infecção, sinais de eritema, necrose, endurecimento, crepitação e pele com aparência de “casca de laranja”. Em alguns pacientes, hipotensão ou choque podem estar presentes no momento do diagnóstico. Dosagens séricas de lactato, creatinocinase e leucograma auxiliam na estimativa da gravidade da infecção. Exames de imagem, como TC ou RM, podem auxiliar na determinação da extensão da fascite. O tratamento inclui reposição volêmica agressiva com cristaloides, antibioticoterapia de amplo espectro e desbridamento cirúrgico extenso Em alguns casos, é necessária a confecção de colostomia derivativa em virtude da extensão dos ferimentos. Os pacientes devem ser acompanhados em unidade de terapia intensiva e é comum a reavaliação cirúrgica em 24 horas para novo desbridamento. O papel da oxigenoterapia hiperbárica ainda não está completamente esclarecido. A mortalidade pela gangrena de Fournier, determinada por sepse, coagulopatia e falência de múltiplos órgãos, pode variar entre 4 e 80% dos casos, sendo que idosos, diabéticos, pacientes com diagnóstico tardio e infecção de origem anorretal constituem grupo com maior risco de óbito INFECÇÕES ANORRETAIS EM IMUNOSSUPRIMIDOS OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // Os sintomas mais comuns são dor e drenagem intermitente de secreção através de uma lesão perianal. Os achados de exame físico são presença de tecido de granulação na região perianal com secreção purulenta ou mucosa, correspondente ao orifício externo, área de adensamento filamentar linear ou curvo entre o orifício externo e o ânus, correspondente ao trajeto fistuloso, e orifício interno endurado sensível ao toque retal. Nem todos esses componentes são percebidos no exame físico, invariavelmente >> é a comunicação anômala entre duas superfícies epiteliais. > As fístulas de origem criptoglandular – ou seja, aquelas que seguem a evolução do abscesso anal – correspondem a 90% dos casos e serão o escopo deste capítulo. > As fístulas secundárias à doença inflamatória intestinal, a neoplasias malignas, a doenças infecciosas, ao trauma e à radioterapia, são tratadas a partir da doença originária F Í S T U L A A N O R R E T A L O QUE É CLASSIFICAÇÃO QUADRO CLÍNICO diagnóstico são mais frequentemente classificadas em subcutânea ou submucosa, interesfincteriana, transesfincteriana, supraesfincteriana e extraesfincteriana As fístulas anais também podem ser classificadas em simples ou complexas, de acordo com números de óstios, profundidade e sentido dos trajetos, comprometimento esfincteriano, associação com outras doenças e envolvimento de outros órgãos - O diagnóstico costuma ser conclusivo por meio da anamnese e do exame físico. - A avaliação complementar deve incluir investigação do reto e/ou do cólon por retossigmoidoscopia, colonoscopia,enema contrastado ou outro método para excluir doenças associadas, como doença inflamatória intestinal ou neoplasias. - A manometria anal pode ser realizada a fim de documentar as pressões anais, em especial nos pacientes com alguma manifestação de incontinência. Exames de imagem, como fistulografia, ultrassonografia endoanal e RM, podem ser utilizados para localização de trajetos primários e secundários, bem como do orifício interno nos casos em que o exame proctológico não seja conclusivo, em pacientes com múltiplos orifícios externos ou em casos de recidiva pós-operatória TRATAMENTO O tratamento da fístula anorretal é cirúrgico e tem como objetivos a erradicação de qualquer foco séptico, a cicatrização do trajeto fistuloso e a preservação da continência com o menor índice de recidiva possível. A opção entre os diversos métodos e técnicas descritas é orientada por fatores relacionados ao paciente, como gênero, idade, condições gerais, doenças associadas à fístula, continência e cirurgias prévias; por fatores relacionados à doença, como classificação da fístula; e por fatores relacionados ao cirurgião, como preferência e experiência. Um dos aspectos importantes na cirurgia da fístula anorretal é a correta identificação do orifício interno, que pode ser definida no exame físico em cerca de 90% dos casos. A lei de GoodsallSalmon orienta que fístulas com orifício externo a até 3 cm de distância da margem anal, localizado posteriormente a uma linha imaginária que divide a região perianal em metade ventral e dorsal, apresentam trajetos convergentes à cripta mediana posterior. Fístulas com óstio externo anterior apresentam trajeto com sentido radial em direção à cripta correspondente mais próxima. Outro método de identificação do orifício interno é a injeção, pelo óstio externo, de corante ou peróxido de hidrogênio a fistulotomia anal é considerada o tratamento- padrão para fístulas submucosas, interesfincterianas e transesfincterianas baixas em pacientes sem distúrbios da continência. Consiste na abertura do trajeto fistuloso, em toda a sua extensão, após identificação e cateterismo com estiletes cirúrgicos. OUTUBRO 2019CLÍNICA CIRÚRGICA // O avanço de retalho mucoso consiste no desbridamento ou na excisão do trajeto fistuloso, na ressecção da zona do orifício interno e na mobilização com avanço de retalho composto por mucosa ou anoderma com muscular interna (ou esfíncter interno) para cobertura da área correspondente ao óstio interno O preenchimento do trajeto fistuloso com selante de fibrina é de fácil execução, é pouco invasivo, não causa prejuízo à continência, não inviabiliza outros procedimentos e permite aplicações repetidas. Em geral, os preparados são compostos por trombina e concentrado de fibrinogênio. As taxas de cicatrização são extremamente variáveis, conforme a etiologia e a complexidade da fístula, o tipo de selante e o tempo de seguimento A ligadura do trajeto fistuloso interesfincteriano (LIFT) é um procedimento cirúrgico que consiste em incisão sobre o sulco interesfincteriano, dissecção do trajeto fistuloso no espaço interesfincteriano e posterior secção com ligadura deste. O segmento externo deve ser curetado e drenado. A cicatrização ocorre dentro de 5 a 6 semanas, em média, e as taxas de cura variam de 47 a 100%, sendo inversamente proporcionais ao número de procedimentos prévios para correção da fístula, ao tabagismo, à obesidade e ao comprimento do trajeto fistuloso O tratamento videoassistido da fístula é realizado com equipamento composto por fistuloscópio, obturador, unidade diatérmica elétrica, escova e cola sintética de cianoacrilato. Por meio do fistuloscópio, os trajetos – primário e secundário – são explorados, cauterizados e colabados. É recomendada a obliteração do orifício interno com sutura, e os resultados iniciais são semelhantes aos obtidos com o tratamento por laser. A cicatrização costuma ocorrer em 4 a 6 semanas. A fistulectomia corresponde à ressecção do trajeto fistuloso, desde o orifício externo até o orifício interno. As principais complicações, tanto da fistulotomia quanto da fistulectomia, são recidiva e incontinência fecal pós-operatória, que é variável e pode chegar a até 40%, principalmente nos casos de fístulas transesfincterianas. Os fatores que podem determinar recidiva são o tipo e a extensão da fístula, a não identificação do orifício interno, a cirurgia prévia para correção da fístula e a experiência do cirurgião. A incontinência pós-operatória está associada com gênero feminino, fístula transesfincteriana e correção cirúrgica prévia. O uso do sedenho para tratamento da fístula anorretal é descrito desde Hipócrates, que utilizava crina de equinos no procedimento. Pode ter função cortante ou não cortante e tem como objetivos a redução das taxas de incontinência pós-operatória e a manutenção da drenagem de focos sépticos potenciais. Consiste no enlaçamento dos esfíncteres com algum dispositivo filamentar, como fio cirúrgico e cateter de látex ou silicone, após dissecção do trajeto fistuloso a partir do orifício externo e remoção da pele e da mucosa até o orifício interno. O sedenho cortante ajustado promove a secção lenta e progressiva do esfíncter por meio de reação a corpo estranho, com a subsequente cicatrização, impedindo a separação dos cabos esfincterianos, como ocorre na fistulotomia primária. O sedenho requer ajustes nas revisões ambulatoriais pós-operatórias à medida que ocorre a secção das fibras esfincterianas. O tempo de cicatrização é variável, dependendo da quantidade de tecido incluído. O sedenho não cortante é posicionado frouxo, sem ajustamento. Pode ser utilizado temporariamente, com o objetivo de permitir a definição e a fibrose do trajeto fistuloso e a regressão do processo inflamatório local para procedimento definitivo posterior, ou para manter o trajeto pérvio e evitar o desenvolvimento de foco séptico em pacientes imunossuprimidos ou cuja terapêutica seja imunossupressora, como na doença de Crohn.
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