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As interações sociais e a Era da Internet Por Vilma Solange As interações sociais são a base sob a qual se forma qualquer sociedade. Segundo Berger e Luckmann (2011), a realidade dessa sociedade é sempre partilhada com os outros. A mais importante vivência entre esses indivíduos é a interação que ocorre nas situações frente a frente - todos os outros casos de interação que podem existir entre esses indivíduos derivam dessa forma desta. Durante a situação frente a frente, há uma troca contínua de expressividade – quando uma das partes sorri, a outra parte é capaz de perceber. As expressões de uma das partes servem como orientação para a outra, pois estão acessíveis a ambos ao mesmo tempo e posso traduzir o que o outro diz subjetivamente enquanto estivermos cara a cara. Embora na situação frente a frente essa subjetividade seja mais exata, a leitura desses sintomas não extingue a possibilidade de ser feita uma leitura equivocada. As relações que se dão através de interações frente a frente são muito flexíveis. É difícil de estabelecer padrões rígidos e, mesmo que esses padrões sejam fixados, eles não serão completamente mantidos – serão modificados de maneira contínua de acordo com a variação das subjetividades da interação. Assim, embora tenhamos regras ou padrões para determinadas situações e lugares, quando esses sujeitos se veem juntos e interagindo, esses padrões podem se modificar de acordo com variação dos significados emitidos por eles. Embora tenhamos um conhecimento muito específico da vida do outro, nunca o conheceremos do mesmo modo que me conheço. A título de ilustração, o meu passado eu sei por que o vivi. O passado do outro com a qual interajo eu somente terei acesso através dos fatos que ele me relata. Entretanto, o que esse sujeito me afirma não permite que eu tenha meios de saber se é, de todo, o que realmente aconteceu. O que ele me fala já é tensionado, o que abre espaços para o que os autores chamam de “hipocrisia”. Ainda, os autores afirmam que o todo da realidade das interações na vida cotidiana contém esquemas tipificadores, através das quais apreendemos os outros e lidamos com eles em um encontro frente a frente. Podemos pensar, por exemplo, que ao ver uma pessoa a caracterizamos dentro de estereótipos específicos, a chamada “primeira impressão”. O modo como lidamos com ele se baseia nos conhecimentos prévios de como trataremos todo e qualquer sujeito que se enquadra no mesmo estereótipo. Todas essas tipificações afetam de maneira contínua todas as minhas interações com o outro – por conseguinte, como todas as interações cara a cara estão modeladas por essas tipificações. Essas tipificações podem se modificar ao decorrer da interação frente a frente, pois ao entrar em contato com o sujeito, é possível perceber que ele não precisa ser necessariamente aquilo que imaginei que ele fosse. Os esquemas de tipificação são recíprocos, ao mesmo tempo em que eu o compreendo de uma maneira, o outro compreende sobre mim. As tipificações que eu apreendo do outro e que o outro apreende de mim entram em um constante modo de negociação, o que acarretará nessas mudanças. Toda tipificação torna o sujeito um anônimo. Se eu souber, por exemplo, que João nasceu no Ceará, apreenderei os aspectos de João em termos anônimos - que se aplicariam da mesma forma a todos os que nasceram no Ceará. Entretanto, ao entrar em contato com João, essas tipificações podem deixar de ser anônimas e passar a perceber características únicas de João. De maneira semelhante, se sei que preciso frequentar um local com pessoas rudes, irei me preparar para isso. Mas, se, ao chegar ao local, o ambiente for outro, irei modificar as minhas tipificações para me adequar ao ambiente. Outro aspecto importante que os autores ponderam é a importância do caráter direto ou indireto das interações. Podemos distinguir como “companheiros” aqueles com a qual possuímos mais intimidade. De maneira indireta, o outro é caracterizado pelos autores como um ser “contemporâneo”, que são aqueles que não mantemos um contato constante, ou então são de pouca importância afetiva para nós. Tendo em vista essas considerações, apresento aqui um estudo de caso de cenas do filme “Homens, Mulheres e Filhos” (2014). No filme, a interação frente a frente é colocada em xeque, com o surgimento das novas tecnologias de comunicação. Os autores afirmam que nas situações frente a frente, o outro é visto por mim em um presente que compartilhamos entre nós dois. O meu “aqui e agora” serão o “aqui e agora” do outro sujeito, enquanto a interação durar. Em várias cenas do filme, percebemos as personagens em situações frente a frente, mas sem nenhuma espécie de interação entre elas. O chamado “aqui e agora” embora geograficamente seja o mesmo, as pessoas estão distantes umas das outras, “anônimas”. As interações sociais das famílias que são representadas se modificaram muito com a entrada dos dispositivos de comunicação em suas vidas. As relações familiares de cumplicidade e confiança não são vistas no longa-metragem. As personagens mantêm uma vida online distante do conhecimento dos familiares e, em alguns casos, em frente a eles usam de “máscaras” sociais para esconder o que realmente pensam. Isto fica mais claro com uma personagem chamada Alison. Ela demonstra aos seus familiares uma vida saudável, mas, na verdade, ela sofre de “anorexia” (uma doença em que os indivíduos não conseguem ou não querem se alimentar). Ela se utiliza da Internet para conseguir dicas e conselhos. As falsas interpretações das subjetividades que Berger e Luckmann tratam como mais difíceis de ocorrer nas situações frente a frente também são retratadas no filme, através da hipocrisia das personagens. Elas criam máscaras que nós nunca saberemos que são falsas – só temos acesso a elas através do que o indivíduo nos fala. Em um diálogo entre três meninas líderes de torcida, o assunto de relações sexuais surge. Duas delas começam a se corresponder não só frente a frente, mas também via mensagens no celular. Na interação cara a cara, elas dizem uma coisa, e, nas mensagens, se expressam de maneira contrária. As reações e feições que elas demonstram são lidas de maneira equivocada pela terceira menina, que não percebe o que está acontecendo - ou, mais uma vez, não demonstra. É importante ressaltar que as interações sociais que já vinham se modificando há alguns anos com o surgimento de tecnologias como rádio e televisão se acentuam. A disseminação da internet e, principalmente, dos dispositivos móveis de acesso à rede intensificam e modificam de maneira muito profunda as interações. No modelo atual de sociedade, estamos nos cercando de pessoas “anônimas” e, ao mesmo tempo, passamos a um desconhecimento de nós mesmos. Referências: BERGER, Peter L., LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade.33. ed. Petrópolis: Vozes, 2011 Longa-Metragem: MEN, Women and Children. Direção de Jason Reitman. S.i: Paramount Pictures, 2014. (120 min.), Color.
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