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1 Bases Moleculares que Norteiam a Formação do Tumor Universidade Federal de Campina Grande Unidade Acadêmica de Medicina (UAMED) Docente: Tiago de Oliveira Assis Discente: Helano Brilhante – 118220046 Componente Curricular – Patologia Geral 2 O câncer, o qual tem na figura da entidade tumoral um de suas manifestações típicas, configura atualmente uma das maiores causas de morbimortalidade, especialmente em países desenvolvidos, nos quais se observam maiores taxas de expectativa de vida. Todavia, embora se trate de uma condição patológica deveras importante e apesar de múltiplos esforços das comunidades cientifica global, o câncer, ao menos na maioria de suas apresentações, ainda é uma doença incurável. Desse modo, torna- se especialmente importante o entendimento das bases fisiológicas e moleculares que regem a formação e o curso do processo tumoral, notadamente para os estudantes e para os profissionais da área da saúde. Em princípio, deve-se entender que o câncer corresponde a uma alteração genética oriunda de mutações do DNA, as quais podem ocorrer de modo espontâneo, podem ser induzidas, por exemplo, pelo contato com materiais radioativos ou, ainda, podem ser oriundas de fenômenos epigenéticos, que, entre outros aspectos, alteram as funções de determinados genes fundamentais para o correto processo de regulação dos processos celulares básicos. A maioria dessas alterações apresenta caráter hereditário, de modo que, a partir do processo de divisão e replicação celular (mitose), tem-se a passagem das mesmas características mutantes às células filhas, o que resulta na proliferação e no crescimento do processo tumoral. Após essa sucinta introdução, vamos, nos próximos parágrafos, tentar compreender de modo um pouco mais aprofundados quais são e como se desenvolvem as bases moleculares inerentes à gênese do processo neoplásico e tumoral. Na base da origem genética do câncer, tem-se a hipótese de que tal condição, notadamente a entidade tumoral, surja a partir da proliferação clonal de uma célula progenitora solitária, a qual passou por processo de dano genético não fatal. Nesse sentido, faz-se importante dissertar acerca das possíveis alterações genéticas oriundas do dano supracitado. Quatro são os tipos de genes que mais tendem a ser danificados em detrimento do processo neoplásico, são elas os genes envolvidos no reparo do DNA, os genes supressores de tumores inibidores do crescimento, os proto- oncogenes promotores de crescimento e os genes que regulam a apoptose. Percebamos que todas as quatro classes apresentam direta relação tanto com processos de gênese quanto de crescimento e de maturação celular, o 3 que, entre outros aspectos, auxilia na explicação e no entendimento do por que alterações em tais grupos celulares tende a acarretar processos de proliferação celular desordenada. Agora, vejamos alguns tópicos mais específicos acerca de cada um desses grupos apresentados. Os genes supressores de tumor, uma vez mutados, tendem a permitir a proliferação de clones com características genéticas aberrantes. Por exemplo, a mutação do gene TP53 permite e acelera mutações em oncogenes e em outros genes supressores, o que pode conduzir ao desenvolvimento neoplásico. Já os oncogenes, por sua vez, correspondem a genes, que quando expressos, são capazes de acarretar a expressão de um fenótipo diferente em determinada célula. Nesse sentido, é interessante relatar que esses oncogenes são, na verdade, versão mutantes dos proto-oncogenes. Ademais, tem-se os genes responsáveis pela regulação do reparo do DNA e pela apoptose de células disfuncionais, os quais podem atuar como oncogenes ou como genes supressores. Além da descrição gênica, é fundamental compreender quais são e como de desenvolvem as principais alterações genéticas responsáveis pelas mutações associadas ao câncer. Inicialmente, tem-se as translocações equilibradas, uma anormalidade estrutural especificamente relacionada à neoplasias hematopoiéticas e mesenquimais. Tal mutação é capaz de ativar processos de super expressão dos proto-oncogenes por meio da retirada desses oncogenes de seus sítios naturais, onde há mecanismos regulatórios, e da subsequente alocação deles em sítios onde não há controle regulatório, permitindo com que tais genes passem a se manifestar de modo desordenado. Outras translocações, por sua vez, conseguem gerar novos genes a partir da fusão de fragmento de outros genes, originando, por exemplo, proteínas aberrantes com funcionalidade irregular. Outra alteração gênica de fundamental relevância é a deleção cromossômica, sendo a segunda anormalidade cariotípica mais frequente na gênese e na evolução de células tumorais. Por exemplo, deleções presentes em sítios cromossômicos específicos podem resultar ne perda de genes supressores do crescimento tumoral. A título de ilustração, tem-se que as deleções de maior porte são mais prevalentes em tumores sólidos não hematopoiéticos. 4 Além das deleções e das translocações, tem-se também o processo de amplificação gênica. Nesse caso, os proto-oncogenes podem ser convertidos em oncogênicos por meio da amplificação e da super expressão de múltiplas proteínas, as quais deveriam se encontrar silenciadas. Tal processo é capaz de sintetizar diversas copias do proto-oncogene na célula tumoral. Ademais, destaque-se o processe de aneuploidia, o qual se caracteriza pela vigência de um numero de cromossomos não múltiplo do numero que normalmente se encontra no estado haploide das células. Por exemplo, no caso dos seres humanos, em um processo de aneuploidia, tem- se um numero de genes que não é múltiplo de 23. Esse é um processo especialmente vigente em determinados tipos de câncer, como os carcinomas. Outrossim, além dos processos cariotípicos supracitados, é importante ressaltar a vigência de outros mecanismos inerentes à gênese das neoplasias. Por exemplo, os miRNA são estruturas que atuam como reguladores gênicos negativos, inibindo a expressão genéticas por mecanismos variados, como clivagem de mRNA ou repressão da tradução gênica. Além disso, é sabido que os miRNA podem atuar nos processos neoplásicos, também, por intermédio do aumento da expressão de oncogenes, bem como pela minoração da expressão de genes supressores de tumor. Ademais, cite-se, ainda, a epigenética, uma área que corresponde a alterações reversíveis e hereditária, que se desenvolvem na ausência de processo mutacional. Essas modificações envolvem cenários de alteração das proteínas histonas e também da metilação do DNA, o que, por conseguinte, afeta a expressão gênica. Nesse quadro, é imperativo destacar que as células tumorais passam por processo de hipometilação do DNA e por processo de hipermetilação seletiva do gene promotor. Assim, em vários casos, tem-se evidenciado que genes supressores de tumor sofrem silenciamento por hipermetilação das sequencias promotoras e não necessariamente por uma mutação. Ou seja, tem-se um contraponto entre genética e epigenética, no qual há evidencia de que não somente alterações genéticas estruturais, por exemplo, apresentam capacidade de promoção da gênese tumoral, mas também múltiplos fatores externos, os quais, nesse caso, são representados pela epigenética. 5 Dando prosseguimento à discussão acerca das bases moleculares que sustentam a gênese tumoral, apresenta-se agora um panorama acerca das principais características tumorais e de como tais características atuam no desenvolvimento neoplásico. Em princípio, deve-se compreender que a carcinogênese se notabiliza por ser um processo de variados estágios com integração de alterações genéticas capazes de produzir e de sustentar um ou mais fenótipos celulares mutantes. Por exemplo, algumas células tumorais são capazes de performarmecanismos patológicos que comprometem rotas fisiológicas de limitação do crescimento celular. Ou seja, as células neoplásicas manipulam o organismo a fim de conseguir promover e sustentar a própria perpetuação. A título de curiosidade, já é sabido da capacidade de diversas células tumorais de produzirem os fatores de crescimento capazes de promover a proliferação delas próprias. Note que esse é um mecanismo evidente de feedback positivo, no qual quanto mais a célula é estimulada, mais ela tende a produzir o fator de crescimento. Outra importante característica pertinente ao desenvolvimento das células neoplásicas é a insensibilidade aos sinais responsáveis pela cessação do crescimento. De modo sumário, o que se verifica em tal situação é que as células tumorais passam a apresentar não responsividade aos fatores que deveriam regular o crescimento e a proliferação celular, ou seja, tem- se a gênese de células refratárias à inibição do crescimento. A fim de ilustrar tal cenário, cite-se o gene TP53, que sintetiza a proteína p53, responsável pela supressão de processos neoplásicos. Entre as ações da p53, destaque- se a apoptose, a indução do ciclo celular permanente e a interrupção da atividade do ciclo celular, os quais atuam como mecanismo de inibição do inicio e/ou da continuidade do ciclo neoplásicos de diversas células tumorais. Nesse sentido, tem-se que, por exemplo, mutações deletérias no gene TP53 poderiam ser capazes de comprometer a atividade regulatória da proteína p53, acarretando território fértil para a proliferação molecular tumoral. Ainda no território dos fatores que corroboram a vigência neoplásica, destaque-se a capacidade de evasão do processo apoptótico. Atualmente, encontram-se evidencias que corroboram a hipótese de que o processo neoplásico é capaz de promover alterações nos genes reguladores da apoptose, de modo que tais genes passam a não desempenhar suas funções 6 de modo efetivo, permitindo que células tumorais permaneçam a se proliferar sem resposta à sinalização pró apoptótica. Por exemplo, nos casos de linfomas de linfócitos B, o gene BCL2, que atua como agente apoptótico, passa a ser ativado, por meio da translocação 14;18, com o fito de proteger as células tumorais contra a apoptose. Ou seja, novamente, tem-se em evidencia a capacidade do processo neoplásico de manipular a fisiologia com o objetivo de promover a perpetuação cancerígena. Sequencialmente, no tocante às bases moleculares tumorais, destaque-se a presença de um potencial replicativo ilimitado como característica marcante de múltiplos tumores. Em vias moleculares, o que se verifica é que as células tumorais são capazes de promover a reativação da enzima telomerase, desabilitando os pontos de controle do ciclo celular, por exemplo, o que, por múltiplas razoes biomoleculares, torna a célula capaz de evitar a morte celular, ou seja, permite replicação praticamente ilimitada. Além disso, as células tumorais se encontram aptas a reativarem telômeros, o que protela o processo de ‘catástrofe mitótica’ e concede a tais células a imortalidade. Outro ponto fundamental para que haja sustentação desse prolongamento proliferativo de caráter ilimitado é a existência de um sistema de nutrição eficiente, ou seja, deve-se encontrar presente um processo de angiogênese sustentada em curso. Ponto interessante a ser destacada é que o diâmetro tumoral não tende a ultrapassar o limite de 1 a 2mm, pois esse é o máximo distanciamento para que haja efetiva difusão de oxigênio e de nutrientes para as células tumorais, além da eliminação de resíduos metabólicos. Ou seja, assim como um celular normal, a célula neoplásica também apresenta um ciclo de funções orgânicas basilares á sua existência. Além disso, é sabido que a angiogênese é impreterível não somente para a nutrição celular, mas também para promoção de vias de acesso à vasculatura, promovendo terreno fértil para ocorrência de metástases. Agora, retoma-se um dos processos supracitados, a metástase, com o fito de dissertar acerca de outra característica fundamental à sobrevivência das células neoplásicas, que é a capacidade de invadir outros tecidos, especialmente por meio da via hematogênica. De modo geral, é um processo que envolve invasão celular local, invasão dos linfáticos e da vasculatura, chegada a outros sítios anatômicos, síntese de 7 micrometástases e crescimento de tumores macroscópicos. Em geral, acerca do processo de prosseguimento e de invasão tecidual por células tumorais, faz-se importante destacar o afrouxamento dos contatos intercelulares, a subsequente degeneração da matriz extracelular, a fixação das células neoplásicas aos componentes da MEC e, também, a migração das células tumorais. Essa é a sequência basilar de invasão, de fixação e de posterior proliferação tumoral. Relembrando a peculiar capacidade das células cancerígenas em modularem a fisiologia celular, cite-se o processo de reprogramação do metabolismo energético como um dos principais mecanismo de perpetuação da atividade neoplásica tumoral. Nesse cenário, sabe-se, por exemplo, que, mesmo na presença de oxigênio, as células cancerígenas optam pela modulação metabólica para uso da glicólise, ao invés do metabolismo mitocondrial. Tal processo é denominado ‘glicólise aeróbica’. Cite-se, ainda, que, embora seja uma estratégia energética menos eficiente do que, por exemplo, a fosforilação oxidativa mitocondrial, tal mecanismo (a glicólise aeróbica) permite aos tumores apresentarem uma elevada velocidade de crescimento, o que, associado às outras características supracitadas, promove ambiente fisiológico e bioquímico amplamente favorável à disseminação, à proliferação e à perpetuação das neoplasias. Todavia, não basta somente ser capaz de modular a fisiologia do hospedeiro, também se faz impreterível que as células cancerígenas sejam capazes de se desvencilhar do sistema imunológico do hospedeiro. Note- se, por exemplo, que os tumores não se desenvolvem somente em indivíduos imunocomprometidos, o que levanta a hipótese de que, por exemplo, as neoplasias são capazes de ‘burlar’ o sistema imune, de modo a não serem reconhecidas como antígenos invasores, podendo continuar com seu livre e célere processo de replicação. Ademais, é, ainda, relevante abordar a instabilidade genômica atuando como facilitadora para o desenvolvimento da malignidade tumoral. Afinal, repare que, embora tenhamos apresentado ao longo do texto diversas características funcionais que conferem ao tumor suas capacidades de disseminação e de perpetuação, também se faz fundamental que questionemos, por exemplo, como surgem as mutações que possibilitam o desenvolvimento neoplásico? Sem dúvida, é uma pergunta que, embora aparentemente simples, suscita respostas bastante 8 complexas. Todavia, algumas delas podem ser simplificadas, como a presença de mutações nos genes responsáveis pela produção de proteínas que reparam DNA danificados. Um indivíduo, por exemplo, que nasce com uma dessas mutações apresenta chances muito elevadas de, em algum momento de sua existência, vir a desenvolver um processo neoplásico. Além de fatores genéticos, cite-se, por exemplo, a inflamação como processo promotor de malignidade tumoral. Por exemplo, atualmente já se encontram evidencia de que processos inflamatórios crônicos corroboram fortemente para o desenvolvimento cancerígeno, uma vez que há recorrente processo de agressão e de reparo tecidual, bem como divisão celular e atuação de múltiplos mediadores inflamatórios, como as citocinas. Destarte, a partir do que foi exposto nesse breve texto, faz-se possível a percepção de que o processo de gênese neoplásica, bem como as searas moleculares que regem o curso dos canceres configuram áreas de estudo extremamente complexas, diversificadas e, sobretudo, ainda poucoexploradas (ao menos em relação ao seu potencial) pela comunidade medica e cientifica. Porém, também se faz claro e inquestionável a relevância do entendimento, ainda que basilar, dos principais tópicos dessa temática, tanto pelo médico clinico, quanto pelos pesquisadores da área da saúde, com o intento não somente de melhor compreender a história natural da doença, mas também de conseguir elucidar mecanismos moleculares essenciais à vigência neoplásica em vista ao desenvolvimento de possíveis terapêuticas, talvez hoje, paliativa, mas futuramente, curativas. 9 Referencias ▪ KUMAR, V.; ABBAS, A.K.; ASTER, J.C. Patologia Básica. 9ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. ▪ KUMAR, V.; ABBAS, A.K.; FAUSTO, N; ASTER, J.C. Robbins e Cotran, Bases Patológicas das Doenças. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. ▪ BRASILEIRO FILHO, G. et al. BOGLIOLO - Patologia Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.
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