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INTRODUÇÃO O estudo do comportamento do consumidor é tão fundamental para os profissionais de marketing que de forma geral essa disciplina está logo no início dos cursos de MBA. De fato, o estudo do comportamento do consumidor tem implicações vitais para o marketing, além de nos ajudar a nos conhecer – por que, onde e quando compramos certas coisas, por que as usamos de determinadas maneiras e como as descartamos. Em quase todos os momentos das nossas vidas nos engajamos em algum comportamento de consumo. O estudo desse comportamento – tanto B2C como B2B – com todas as suas nuances, é fascinante. Nos últimos 20 anos, houve uma explosão de pesquisas sobre diversos aspectos relacionados ao comportamento de compra, e o nosso desafio, ao escrever este texto, foi trazer um resumo útil desse material para estudantes de marketing, com um tratamento moderno e atualizado, por meio de tópicos apresentados de forma acessível e de fácil compreensão, sobretudo, mostrando como essas descobertas se relacionam com a prática de negócios. Os objetivos gerais desta disciplina são: � Permitir um entendimento crítico dos conceitos utilizados no âmbito da análise das necessidades, das demandas e dos desejos do consumidor. � Avaliar o conjunto de variáveis psicológicas, sociológicas e culturais que condicionam o comportamento de consumo, em ambientes on-line e off-line. � Estabelecer a aplicabilidade prática desses fatores no contexto de planejamento e execução de estratégias de marketing variadas também em ambientes on-line e off-line. Os objetivos específicos são: � Identificar as principais correntes que estudam o comportamento do consumidor. � Reconhecer as diferenças entre as teorias tradicionais e as teorias atuais que analisam o comportamento do consumidor. � Identificar os fatores de influência que incidem sobre o processo de decisão de compra, analisando os seus impactos nas decisões de comercialização. � Identificar os diferentes tipos de compra e analisar a sua influência na condução do processo de decisão de compra. � Identificar as principais características do comportamento do consumidor organizacional. � Diferenciar o processo de decisão de compra individual e organizacional. � Identificar as principais características do consumidor brasileiro. � Utilizar os principais conceitos de comportamento do consumidor em projetos de marketing nos ambientes on-line e off-line. Esta apostila está organizada da seguinte forma: � Módulo 1 – Fundamentos das principais teorias sobre o comportamento do consumidor. Teorias da racionalidade econômica, comportamental, psicanalítica, social, antropológica e cognitivista. Evolução do estudo do comportamento do consumidor. � Módulo 2 – Fatores de influência no comportamento de compra: psicológicos, socioculturais, situacionais e demográficos. � Módulo 3 – Tipos de compra e processo decisório de consumo. Fundamentos de compra complexa, compra com dissonância reduzida, compra habitual e compra que busca variedade. Etapas do processo de decisão de compra e os seus respectivos papéis. Princípios que norteiam o comportamento do consumidor organizacional e as suas características. Tipos e estágios das compras organizacionais e os seus determinantes. � Módulo 4 – Perfil do comportamento do consumidor brasileiro: como padrões culturais afetam o processo de consumo. Hábitos, atitudes e critérios de decisão. Fatores favoráveis ou desfavoráveis no momento de decisão. Papéis sociais, personalidades e estilos de vida dos consumidores na internet. Perfil do consumidor virtual e últimas mudanças nesse comportamento. Importância da percepção, sistemas sensoriais e ambiente virtual e off- line. Exposição, atenção e interpretação. Percepção subliminar: realidade e mitos. SUMÁRIO MÓDULO I – TEORIAS SOBRE O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR ......................................... 7 INTERDISCIPLINARIDADE NO ESTUDO DO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR ..................... 7 NECESSIDADE VERSUS DESEJO .......................................................................................................... 8 TEORIAS QUE ANALISAM O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR: FUNDAMENTOS ............ 9 Teoria da Hierarquia de Maslow ............................................................................................ 10 Teoria da Racionalidade Econômica ..................................................................................... 11 Teoria Comportamental .......................................................................................................... 12 Teoria Psicanalítica .................................................................................................................. 14 Teorias Sociais e Antropológicas ........................................................................................... 16 Teoria Cognitiva ....................................................................................................................... 17 EVOLUÇÃO DO ESTUDO DO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR: O FUTURO EM CONSUMO......................................................................................................................................... 18 MÓDULO II – FATORES DE INFLUÊNCIA NO COMPORTAMENTO DE COMPRA ............................. 21 FATORES PSICOLÓGICOS ................................................................................................................ 22 Percepção ................................................................................................................................. 22 Motivação .................................................................................................................................. 25 Aprendizagem e memória ...................................................................................................... 25 Atitudes ..................................................................................................................................... 27 Personalidade e estilo de vida ............................................................................................... 28 FATORES SOCIOCULTURAIS ............................................................................................................ 30 Influência de grupo .................................................................................................................. 30 Influência da família ................................................................................................................ 32 Influência da cultura ................................................................................................................ 34 Influência da classe social ....................................................................................................... 36 Critério Brasil ............................................................................................................................ 37 Tendência unclassed behavior................................................................................................. 40 FATORES SITUACIONAIS .................................................................................................................. 40 FATORES DEMOGRÁFICOS .............................................................................................................. 43 MÓDULO III – TIPOS DE COMPRA E PROCESSO DECISÓRIO DE CONSUMO .................................. 47 TIPOS DE COMPRA: COMPRA COMPLEXA, COMPRA COM DISSONÂNCIA REDUZIDA, COMPRA HABITUAL E COMPRA QUE BUSCA VARIEDADE ......................................................... 48 Compra complexa .................................................................................................................... 48 Compra com dissonância reduzida .......................................................................................49 Compra habitual ou de rotina ................................................................................................ 49 Compra que busca variedade ................................................................................................ 49 ETAPAS DO PROCESSO DE DECISÃO DE COMPRA....................................................................... 50 Estágio 1: reconhecimento do problema ............................................................................. 50 Estágio 2: busca de informações ........................................................................................... 51 Estágio 3: avaliação de alternativas ....................................................................................... 51 Estágio 4: decisão de compra ................................................................................................. 52 Estágio 5: comportamento pós-compra ............................................................................... 52 O modelo ZMOT ....................................................................................................................... 53 PAPÉIS DE COMPRA ......................................................................................................................... 54 MÓDULO IV – COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR ORGANIZACIONAL .................................... 55 CARACTERÍSTICAS DA COMPRA ORGANIZACIONAL .................................................................... 56 TIPOS E ESTÁGIOS DA COMPRA ORGANIZACIONAL ................................................................... 58 Tipos de compra organizacional ............................................................................................ 58 Recompra simples ou direta ............................................................................................. 58 Recompra modificada ........................................................................................................ 59 Compra nova ou nova tarefa ............................................................................................ 59 Estágios da compra organizacional ....................................................................................... 59 Identificação e reconhecimento do problema ............................................................... 59 Descrição da necessidade ................................................................................................. 60 Especificação do produto .................................................................................................. 60 Busca de fornecedores ...................................................................................................... 60 Solicitação de propostas .................................................................................................... 60 Seleção dos fornecedores ................................................................................................. 60 Especificação da rotina de pedido ................................................................................... 61 Análise de desempenho .................................................................................................... 61 DETERMINANTES DO PROCESSO DE COMPRA ORGANIZACIONAL ........................................... 61 MÓDULO V – PERFIL DO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR BRASILEIRO ........................................ 63 PADRÕES CULTURAIS BRASILEIROS E PROCESSO DE CONSUMO ............................................. 67 HÁBITOS DE COMPRA E ATITUDES ................................................................................................ 68 CRITÉRIOS DE DECISÃO ................................................................................................................... 70 FATORES FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS NO MOMENTO DE DECISÃO DE COMPRA .............. 72 MÓDULO VI – PAPÉIS SOCIAIS, PERSONALIDADES E ESTILOS DE VIDA DE CONSUMIDORES NA INTERNET .............................................................................................................................................. 75 PERFIL DO CONSUMIDOR VIRTUAL ............................................................................................... 75 MUDANÇAS COMPORTAMENTAIS NO AMBIENTE VIRTUAL ....................................................... 80 PERCEPÇÃO, SISTEMAS SENSORIAIS E AMBIENTE VIRTUAL E OFF-LINE .................................... 84 ESTÍMULOS SENSORIAIS NA INTERNET ......................................................................................... 86 EXPOSIÇÃO, ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO ................................................................................... 87 PERCEPÇÃO SUBLIMINAR ............................................................................................................... 89 MUNDO DIGITAL: O QUE VEM POR AÍ ........................................................................................... 90 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 93 PROFESSORAS-AUTORAS .................................................................................................................. 100 Neste módulo, apresentaremos as principais teorias sobre o processo de decisão de consumo e de compra, bem como algumas tendências nesse campo de estudo. Interdisciplinaridade no estudo do comportamento do consumidor O entendimento das motivações pelas quais alguém compra um produto é de grande importância para os profissionais de marketing. Entretanto, o estudo do comportamento do consumidor envolve muito mais do que a forma como o consumidor compra algo tangível ou mesmo um serviço. Inclui também, de forma mais ampla, escolhas como ir ao médico, frequentar uma academia, ir a um festival de música ou mesmo reciclar. Assim, Solomon (2011, p. 33) define o estudo do comportamento do consumidor como sendo “o estudo dos processos envolvidos quando o indivíduo ou grupos selecionam, compram, usam ou descartam produtos, serviços, ideias ou experiências para satisfazer necessidades e desejos”. Os consumidores se deparam com processos de decisão inúmeras vezes ao longo do dia, a fim de efetivar as suas decisões de compra, de consumo e mesmo de descarte, destacam Engel, Blackwell e Miniard (2000). Não se pode deixar de considerar que, além da decisão pelo bem ou serviço, o consumidor ainda precisa decidir-se entre comprar ou poupar, qual marca escolher, o local – ou site – onde a compra será feita e, ainda, a forma de pagamento. Peter e Olson (2009) lembram que os consumidores não são estáticos, e advogam que o comportamento do consumidor é dinâmico uma vez que há uma mudança constante das opiniões, dos sentimentos e das ações individuais, assim como dos grupos de consumidores e da sociedade MÓDULO I – TEORIAS SOBRE O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR 8 em geral. Isso confirma a nossa crença de que a pesquisa e o estudo contínuo do comportamento dos consumidores são de vital importância para nós, profissionais de marketing, compreendermos e acompanharmos as tendências e os rumos do mercado. Além disso, o estudo do comportamento do consumidor é uma área complexa e interdisciplinar, que abrange diversas áreas do conhecimento, como Psicologia, Sociologia, Economia, Demografia, Semiótica, Antropologia e História. É preciso entender as estruturas cognitivas e motivacionais na mente dos consumidores antes e depois da decisão de compra. Necessidade versus Desejo Ora, por que compramos produtos ou serviços? Compramos para satisfazer uma necessidade concreta e distinta. Certo, mas do que realmente precisamos? Como definir uma necessidade que não pode ser justificada racional e conscientemente, mas que na verdade é efêmera e baseada em emoções e sentimentos? Em uma sociedade orientada para o consumocomo a que vivemos, não é difícil perceber que cada necessidade individual vai muito além do que o simples atendimento prático de uma necessidade física de subsistência. A decisão de compra tem muito mais a ver com uma gratificação indulgente dos nossos desejos – conscientes ou não. O ato de consumir, muito mais do que o produto consumido em si, é que satisfaz a necessidade. Podemos dizer então que, na maior parte das vezes, não compramos coisas porque precisamos delas; compramos coisas porque as queremos. A forma exata de como uma necessidade é satisfeita é bastante influenciada pela história e pela formação de um indivíduo, pelas suas experiências de aprendizado, pelos seus valores e pelo seu ambiente cultural. Todos nós nascemos com necessidades de certos elementos considerados vitais para a manutenção da vida: ar, para respirar; comida, para matar a fome; água, para saciar a sede; e abrigo, para dar segurança. Solomon (2011, p. 158) considera essas necessidades biogênicas, pois nascemos com elas. Segundo o mesmo autor, existem outras necessidades que adquirimos com o tempo, fruto da nossa inserção na sociedade em que crescemos e vivemos: status, poder, sentimento de pertencimento, validação e aceitação. Estas são chamadas de necessidades psicogênicas. O autor ainda menciona dois outros grupos de necessidades: as utilitárias e as hedônicas. A satisfação de uma necessidade utilitária se dá quando o consumidor da ênfase a atributos “objetivos e tangíveis dos produtos”, como o consumo de combustível de um carro, a durabilidade de uma pilha ou mesmo o número de lavagens que um sabão em pó consegue realizar. Já as necessidades hedônicas são “subjetivas e próprias da experiência”: os consumidores podem estar convencidos de que um produto ou serviço vai satisfazer sua necessidade de alegria, recompensa e autoestima, por exemplo. De forma geral, os consumidores podem ser motivados a adquirir um produto porque este satisfaz um ou mais tipos de necessidades. 9 Mas espere: profissionais de marketing criam nos seus consumidores necessidades artificiais? Novamente, Solomon (2011, p. 51) considera que uma necessidade é um motivo biológico básico; um desejo representa um modo que a sociedade nos ensinou para satisfazer a necessidade. Por exemplo, a sede tem raiz biológica; somos ensinados a desejar uma Coca- Cola para satisfazer essa sede, em vez de, digamos, leite de cabra. Assim, a necessidade já está lá; os profissionais de marketing simplesmente recomendam modos de satisfazê-la. Um objetivo básico do marketing é criar consciência de que as necessidades existem, e não criar tais necessidades. Perceber as motivações de compra é a melhor forma de predizer o comportamento de um consumidor, em um mundo em constante mudança como o nosso. Assim, segundo Danziger (2004, p. 1), o objeto da compra de um consumidor pode mudar com o tempo, mas as suas motivações básicas tendem a ser estáveis. Compreender essas motivações é o que permite que o profissional de marketing desenhe de forma bastante precisa o processo de percepção de valor para o consumidor. Teorias que analisam o comportamento do consumidor: fundamentos Como pessoas, cada um de nós possui as suas próprias necessidades individuais. Segundo Kotler e Keller (2012), podemos classificar essas necessidades como biológicas – uma vez que surgem de processos fisiológicos, como desconforto, frio, sede ou fome – ou psicológicas, como necessidade de pertencimento, acolhimento ou mesmo segurança. Assim, segundo os mesmos autores, “uma necessidade passa a ser um motivo quando alcança um nível de intensidade suficiente para levar uma pessoa a agir” (KOTLER; KELLER, 2012, p. 173). Faremos a seguir uma discussão dos fundamentos das principais teorias que contribuíram para o entendimento do comportamento do consumidor. Embora tenham surgido ao longo de décadas, não se sobrepõem nem se anulam; ao contrário, elas se completam e ajudam a compor um mosaico sobre as sutilezas do estudo do comportamento do consumidor. A seguir, veremos os fundamentos de cada uma delas: 10 Teoria da Hierarquia de Maslow Uma das primeiras tentativas de explicar as motivações humanas foi formulada pelo psicólogo americano Abraham Maslow em meados da década de 1950. A ideia era explicar por que somos motivados por certas necessidades em momentos específicos das nossas vidas. Maslow formulou então a sua teoria, nas quais as necessidades humanas ficariam estruturadas segundo uma hierarquia de cinco estágios, da que consideramos “mais urgente” para a “menos urgente”: necessidades fisiológicas; de segurança; sociais; de estima; e, por fim, de realização, conforme a figura 1 abaixo: Figura 1 – Hierarquia das necessidades de Maslow Fonte: SHUTTERSTOCK. Figura 603660668. Disponível em: <https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/maslows- hierarchy-needs-scalable-vector-illustration-603660668?src=Plkqb0LmQVI9kXg22kh36A-1-0>. Acesso em: 14 jul. 2018. Segundo essa hierarquia, uma pessoa tentaria satisfazer a necessidade mais importante em primeiro lugar, ou seja, de baixo para cima na pirâmide de necessidades. Assim, a lição básica da Teoria de Maslow é que alguém passando fome (estágio 1 da pirâmide) não está preocupado com exposições, filmes e galerias de arte (estágio 5), não está interessado em como as outras pessoas o veem (estágio 3 ou 4) nem está angustiado com relação à qualidade do ar que está respirando (estágio 2). Porém, segundo a própria teoria, uma vez que essa pessoa sacie a sua fome, a necessidade mais importante no próximo estágio da pirâmide se torna relevante. Ou seja, precisamos saciar as necessidades básicas antes de nos deslocarmos para os estágios mais altos da pirâmide. 11 Algumas críticas feitas em relação ao uso dessa teoria pelos profissionais de marketing fazem menção a uma aplicação de certa forma simplista. Como exemplo, Solomon (2011, p. 162) menciona uma pesquisa feita sobre a atividade de jardinagem, que “pode satisfazer necessidades de todos os níveis de hierarquia: � fisiológicas – ‘Gosto de trabalhar com a terra’; � segurança – ‘Sinto-me seguro no jardim’; � sociais – ‘Posso compartilhar meu resultado com outras pessoas’; � estima – ‘Posso criar algo belo’; � autorrealização – ‘Meu jardim me dá uma sensação de paz’”. Outra crítica recorrente é o fato de as necessidades, na forma em que estão estruturadas nos estágios da Pirâmide de Maslow, refletirem essencialmente valores ocidentais. Culturas distintas, com valores culturais diferentes, podem questionar a hierarquia em si. O exemplo mais citado nesse caso faz referência às culturas orientais, onde a satisfação das necessidades de um grupo pode estar acima das necessidades do indivíduo. Entretanto, não se questiona a importância histórica da teoria, que foi inovadora e pioneira na estruturação das necessidades humanas. Teoria da Racionalidade Econômica Nesta teoria, o ponto central é a racionalidade econômica, ou seja, as escolhas dos consumidores são ditadas pela busca do máximo benefício – gratificação, prazer ou satisfação – ao menor custo possível – desconforto, gasto ou esforço. Essas escolhas se manifestariam no indivíduo de forma racional e egoísta – aqui entendido como aquele indivíduo que prioriza unicamente o seu bem-estar. Dessa forma, o comportamento de consumo teria por base a maximização da utilidade, isto é, a obtenção do máximo de satisfação psicológica e prazeres obtidos com o uso dos bens ou serviços obtidos. O desdobramento desta teoria, segundo Pinheiro et al. (2011, p. 20), estabelece que, uma vez que haja um uso contínuo de um certo bem, há como consequência “um decréscimo da percepção de utilidade por parte do consumidor, ou seja, o grau de satisfação psicológica decresce à medida que quantidades adicionais desse bem vão sendo consumidas”. Esse assimchamado “decréscimo de prazer”, consequência do uso contínuo do bem, é chamado de taxa de utilidade marginal. Para entendermos melhor o que isso quer dizer, os mesmos autores usam o caso hipotético de alguém vagando, perdido há dias em um deserto, morrendo de desidratação. Caso alguém lhe ofereça um copo de água por R$ 100,00, essa pessoa morrendo de sede certamente aceitará pagar, sem pestanejar. Eventualmente, um segundo copo de água pelo mesmo valor também será consumido, mas os autores supracitados questionam, e um quinto copo ou mesmo um décimo? Assim, fica claro que a disponibilidade para pagar por um bem já abundantemente consumido vai diminuindo com o tempo, a menos que estejamos falando de situações excepcionais, envolvendo dependência química, como no caso de uso de drogas. 12 Ainda segundo Pinheiro et al. (2011), a Teoria da Racionalidade econômica nos traz uma série de aspectos importantes para o entendimento do processo de compra, embora alguns críticos apontem certas limitações. A principal delas seria que é uma teoria demasiadamente focada nos efeitos que o consumo de certo bem provoca no consumidor, mas não autoriza nenhuma especulação mais profunda acerca das estruturas psicológicas envolvidas no comportamento de compra em si. Assim, em meados da década de 1930, a Psicologia aparece como uma opção de entendimento para os fatores cognitivos, emocionais e motivacionais envolvidos em todo processo de compra, trazendo três novas perspectivas históricas, que veremos a seguir: a Teoria Comportamental, a Teoria Psicanalítica e a Teoria Cognitivista. Teoria Comportamental A Teoria Comportamental – também conhecida como behaviorista1 – teve a contribuição de diversos pesquisadores, como o russo Ivan Pavlov (1849-1936), que ficou famoso pelos seus experimentos com cães. De forma geral, esta teoria sublinha o comportamento do indivíduo e as suas interações com o meio ambiente onde está. Para efeito de concisão, vamos dar ênfase aos pesquisadores behavioristas que tiveram mais impacto no marketing: Frederick Skinner e John B. Watson. Watson defendia a relevância do meio no desenvolvimento de uma pessoa. Ele acreditava que todo comportamento humano era uma decorrência das influências desse meio. Assim, conforme Pinheiro et al. (2011, p. 22), no contexto do marketing, podemos entender o consumo – um tipo de comportamento – como sendo “um conjunto de reações fisiológicas e comportamento observáveis, geradas por estímulos localizados no meio ambiente”, mas qual é o impacto disso para os profissionais de marketing? Pinheiro et al. (2011, p. 23) explicam que “para influenciar o comportamento de compra deve-se partir do estudo sistemático dos estímulos presentes no ambiente de consumo que levam o consumidor a produzir reações positivas (aproximação, simpatia) ou negativas (afastamento, antipatia) em relação aos produtos disponíveis”. Assim, podemos dizer que a Teoria Comportamental sublinha o papel da aprendizagem e o impacto do ambiente em todo o processo de compra, usando para isso certos estímulos de marketing que acabam por maximizar a intenção de compra. 1 A expressão vem da palavra behavior, que em inglês significa comportamento ou conduta. 13 Já Skinner – conhecido como “behaviorista radical” – teve grande impacto nos estudos do comportamento do consumidor quando criou a sua Teoria do Condicionamento. Segundo Giglio (2010, p. 67), a Teoria do Condicionamento de Skinner sustenta que “um comportamento poderá ser incrementado (isto é, sua frequência aumentada) se for sucedido por uma recompensa importante para o sujeito”. Dessa forma, existiriam dois tipos de estímulos ao consumidor: � aqueles apresentados antes da compra, chamados de estímulos eliciadores do comportamento, ou seja, que levam alguém a comprar, mesmo que seja uma única vez; e � aqueles apresentados depois da compra, conhecidos como estímulos condicionantes do comportamento, que intencionam que as pessoas continuem a comprar após a primeira vez, ou seja, que se estabeleça uma frequência de compra. Assim, resume Giglio (2010, p. 68): as propagandas funcionam como estímulos eliciadores, buscando um lugar na consciência das pessoas, naquele fluxo constante de estímulos, enquanto os presentes posteriores (brindes, por exemplo) seriam os verdadeiros responsáveis pelo condicionamento. Eles buscam estabelecer uma ligação com os produtos comprados, passando a fazer parte integrante das expectativas. O autor comenta, de forma bem-humorada, o exemplo clássico das ações promocionais com brindes do McDonald’s, onde os brindes acabam por se tornar o principal argumento de compra dos seus lanches. Embora a Teoria Comportamental seja vista até hoje como uma ferramenta fundamental de pesquisa de comportamento do consumidor, a sua ênfase no papel dos fatores ambientais deixa de trazer respostas sobre o que efetivamente se passa na cabeça do consumidor durante o processo de decisão de compra. De outra forma, esta teoria deixa de apresentar explicações sobre o que acontece entre a apresentação do estímulo de marketing e o conseguinte – ou não – comportamento de compra. De fato, sumariza Moreira (2007, p. 218): O behaviorismo radical foi fortemente influenciado por uma visão pragmática da ciência; portanto, em vez de buscar verdades acerca do comportamento, o analista do comportamento visaria a prever e a controlar o comportamento. Para tanto, em vez de especular causas hipotéticas, como desejos, impulsos, drivers, vontades e traços de personalidade, simplesmente procuraria descrever em quais condições o comportamento ocorre. 14 Teoria Psicanalítica As bases da Teoria Psicanalítica foram lançadas pelo austríaco Sigmund Freud (1856-1939) na virada do século XIX para o XX. Ela se tornou uma das ferramentas mais importantes para se entender a dinâmica psicológica do processo decisório de consumo. Para Freud, a mente humana está estruturada em uma esfera consciente e outra inconsciente, sendo que esta última exerceria grande influência sobre a primeira. A esfera consciente seria a pequena parte visível de um iceberg, que proporcionaria uma visão de certa forma superficial da personalidade humana. Já a imensa esfera inconsciente – comparável à parte que está submersa do iceberg – é a que contém os nossos instintos, ou seja, aquilo que impele todo o comportamento humano. Assim, existe o entendimento de que as razões de um determinado comportamento não devem ser pesquisadas na esfera consciente, mas, sim, nas motivações ocultas que estão na esfera inconsciente. Segundo Freud, dentro da sua estrutura da Teoria Psicanalítica, a personalidade humana é composta de três elementos: o id, o ego e o superego. McLeod (2016) detalha que esses três elementos são, respectivamente, as representações da impulsividade, da racionalidade e da moralidade, e trabalham em conjunto para criar comportamentos humanos complexos. Este mesmo autor descreve os três elementos da seguinte maneira: � O id pode ser definido como o componente essencialmente herdado – ou biológico – dos indivíduos, ou seja, nós nascemos com ele. Ele seria a parte mais primal e menos acessível da nossa personalidade. Consistiria nos nossos desejos, vontades e impulsos mais primitivos, cultivados principalmente pelos nossos instintos e desejos orgânicos na busca pelo prazer. Desconhece o julgamento de valor, o bem, o mal e a própria noção de moralidade. Ao contrário, o id opera segundo o princípio do prazer, segundo o qual cada desejo ou impulso deve ser satisfeito imediata e completamente, independentemente das consequências. Se estivéssemos sendo totalmente comandados pelo princípio do prazer, estaríamos tirando coisas de outras pessoas, a qualquer custo e preço, apenas para satisfazer os nossos própriosdesejos. Esse tipo de comportamento seria insustentável e socialmente inaceitável. A partir do id, são derivadas as outras esferas que constituem a nossa personalidade: o ego e o superego. � O ego surge nas influências mútuas dos seres humanos com a sua realidade, equilibrando os seus instintos primitivos – o id – com o ambiente e a realidade em que vive. É guiado pelo princípio da realidade, ao contrário da paixão vibrante do id. Assim, pode-se dizer que o ego é responsável pelo equilíbrio da nossa psique, que regula os impulsos do id, simultaneamente tentando satisfazê-los de modo menos imediatista e mais realista e factível. Segundo McLeod (2016, p. 2), Freud utilizava a seguinte analogia entre o ego e 15 o id: “o ego é o cavaleiro montando um cavalo (o id) que fornece energia para mover o cavaleiro pela trilha, mas a força do animal deve ser conduzida ou refreada com as rédeas, senão acaba derrotando o ego racional”. O ego começa a se desenvolver a partir dos cinco anos de idade. � O superego se desenvolve a partir do ego e consiste na representação dos ideais e valores morais e culturais do indivíduo, representando a moralidade. O superego atua como um “conselheiro” ou “censor” para o ego, alertando-o sobre o que é ou não é social ou moralmente permitido, de acordo com os valores que foram inculcados pela pessoa ao longo da sua vida, como o uso de violência. Ainda segundo McLeod (2016), se o ego cede às demandas do id, o superego faz a pessoa se sentir mal por meio da culpa. Figura 2 – Metáfora do iceberg: concepção freudiana da psique humana Fonte: SHUTTERSTOCK. Figura 370078097. Disponível em: <https://www.shutterstock.com/es/image-vector/iceberg- metaphor-structural-model-psyche-diagram-370078097?src=YKXa-Wc0dysxD7j9bISu0g-1-4>. Acesso em: 15 jul. 2018. 16 Porém, como essa estrutura se aplica ao estudo do comportamento do consumidor? Pinheiro et al. (2011, p. 24) explicam que a técnica de atrelar conceitos e imagens aos produtos com o intuito de acentuar a intenção de compra deve muito à compreensão da mente humana permitida pela Psicanálise. A busca da felicidade, da beleza, do corpo ideal, do status e da aceitação social por parte de outros, que está presente em muitas estratégias de marketing da atualidade, deve muito à Psicanálise, fazendo com que esta seja utilizada quando se pretende mergulhar na mente dos consumidores. Assim, dentro do contexto de marketing, essa teoria estabelece que o consumo é na verdade uma expressão de desejos inconscientes, uma vez que as pessoas projetam desejos, angústias, conflitos e expectativas nos bens e serviços que consomem. De outra forma, poderíamos dizer então que as nossas decisões de consumo seriam uma tentativa de darmos vazão a esses desejos. Como consequência, caberia então aos profissionais de marketing a criação de estratégias que ressaltem aspectos dos produtos a fim de despertar desejos inconscientes dos consumidores. Teorias Sociais e Antropológicas As Teorias Sociais e Antropológicas surgem da integração de três áreas distintas do conhecimento, mas que têm muito em comum: a Psicologia, a Sociologia e a Antropologia. Segundo o Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa, a palavra “antropologia é derivada de dois vocábulos gregos: anthropos e logos, que significam, respectivamente homem e razão, pensamento ou estudo nobre”. A Antropologia, segundo Mathias (2017), é dividida em quatro campos de estudo: a Antropologia Física (ou biológica), a Antropologia Linguística, a Antropologia Cultural e a Arqueologia. Para fins de estudo do comportamento do consumidor, é a Antropologia Cultural que traz contribuições práticas mais relevantes, porque o seu foco são os estudos sobre a diversidade cultural humana, tanto de grupos contemporâneos, como extintos. Dessa forma, as teorias antropológicas da cultura nos permitem a compreensão das mais distintas manifestações culturais do ser humano. Já a Sociologia tem, segundo Oliveira (2012, p. 296), o seu papel definido pelo seu elemento fundamental, que chama de fato social: “fato social é toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior”. O mesmo autor explica que “o fato social tem, portanto, duas características fundamentais: primeiro, ele tem um poder coercitivo e segundo, é superior ao nível individual, existindo para além das consciências individuais”. Podemos dizer, em outras palavras, que toda sociedade é um conjunto organizado cujos componentes 17 interagem segundo um sistema pré-estabelecido de hierarquias, posições e papéis. Esse sistema pré- estabelecido deriva as classes sociais, que têm impacto bastante relevante em modelos de consumo. Daí a sua importância para os profissionais de marketing. Assim, por meio das contribuições dessas três áreas de conhecimento, as Teorias Sociais e Antropológicas, segundo Pinheiro et al. (2011, p. 34), “proporcionam ao profissional de marketing uma compreensão mais aprofundada da dinâmica social e cultural que rege os processos de consumo”. Adicionalmente, Featherstone (1995, p. 35), afirma ser possível verificar a existência de “uma ‘lógica de consumo’, que aponta para os modos socialmente estruturados de usar bens para demarcar relações sociais”. Dessa forma, segundo estas teorias, há que se admitir que o processo de consumo não é somente uma escolha individual, mas é também um processo que estabelece o posicionamento do indivíduo dentro de um contexto cultural e social. Teoria Cognitiva Uma consulta ao Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa nos mostra que cognitiva é aquilo que “se refere ao processo mental de percepção, juízo, memória e raciocínio”. Com origem em estudos americanos feitos nas décadas de 1950 e 1960, a Teoria Cognitiva é hoje em dia uma das ferramentas mais utilizadas por estudiosos e pesquisadores – além de profissionais de marketing – do comportamento do consumidor. Nesse sentido, para Engel, Blackwell e Miniard (2000), o seu grande apelo para esses profissionais está no fato de permitir imaginar o comportamento de consumo como uma tomada de decisão que engloba o produto, o próprio consumidor e o ambiente onde este está inserido, mas que variáveis influenciam esse processo de tomada de decisão? Pinheiro et al. (2011, p. 35) explicitam que essas variáveis podem ser agrupadas em três conjuntos: � Variáveis Cognitivas – percepção, motivação, aprendizagem, memória, atitudes, crenças, valores e a personalidade do consumidor; � Variáveis Socioculturais – o impacto da influência sobre o indivíduo dos grupos sociais, da família, da cultura e de classes sociais; � Variáveis Situacionais – são fundamentalmente aquelas influências existentes no meio ambiente onde o indivíduo está tomando as suas decisões de compra. A abordagem da Teoria Cognitiva se propõe a explicar como as variáveis acima afetam a resposta do consumidor a determinado estímulo ou, em outras palavras, como afeta a decisão de compra do indivíduo. Nesse sentido, ela é um contraponto direto à Teoria Comportamental. Os modelos cognitivos de comportamento de consumidor podem ser divididos em dois tipos, segundo Bray (2008): os analíticos e os prescritivos. Segundo este autor, os modelos prescritivos são usados para estruturar a análise do comportamento observado e para determinar como as decisões do consumidor podem ser previstas pela determinação de variáveis como as suas atitudes e crenças. Já os modelos analíticos são usados para explicar o comportamento do consumidor e para mostrar 18 a relação entre as variáveis influenciadoras – listadas acima – e a tomada de decisão do consumidor. No dia a dia, os profissionais de marketing utilizam os dois tipos de modelos para fazer data mining – mineração de dados –, modelagem estatística e imensas bases de dados com o objetivo de decifrartendências futuras de comportamento de consumidor. Esse modelo de trabalho é conhecido como Big Data Analytics. Poucas empresas têm conseguido construir processos de trabalho cuja implementação de pelo menos um dos modelos seja utilizada de forma eficaz no processo de tomada de decisão. Estudo do Gartner Group (2012) com empresas americanas estima que apenas 13% usam modelos analíticos e somente 3% usam modelos prescritivos, por puro desconhecimento dessas técnicas. Para os profissionais de marketing interessados no aprimoramento das suas habilidades analíticas, esses números apontam uma enorme oportunidade. Evolução do estudo do comportamento do consumidor: o futuro em consumo A seguir, vamos ver algumas tendências em técnicas de pesquisas de comportamento de consumidor: � Uso de Biometria – Hoje, já se podem utilizar, de forma relativamente acessível, ferramentas que monitoram o tráfego na web, assim como a navegação de um visitante em certos sites. Esses dados são informações preciosas para as empresas que as adquirem, uma vez que permite entender de forma mais detalhada qual o comportamento de um prospect – potencial comprador – e quais seriam os condicionantes que o fariam fechar a compra. Porém, existem alguns novos recursos que vão alavancar a eficiência dessas análises: o uso de câmeras de precisão – hoje, disponíveis em quase todos os celulares – e até mesmo Imagens por Ressonância Magnética (IRM). A diferença em relação às tecnologias atuais é que essas câmeras e imagens vão permitir um estudo de comportamento de consumo a partir das suas reações subjetivas, agora medidas em tempo real. Já existem diversos grupos de pesquisadores, especialmente neurocientistas cognitivos, ao redor do globo estudando essas reações subjetivas – tanto nas nossas expressões faciais quanto dentro do nosso cérebro – de pessoas que se deparam com certas ofertas ou situações de consumo: o que as provoca, a intensidade gerada da reposta e os modelos preditivos de comportamento. É fato que as amplas aplicações práticas do uso dessas tecnologias são ainda economicamente inviáveis, mas isso deve mudar à medida que elas se forem popularizando. � Uso de GPS em padrões georreferenciados – Desde 2015, já se sabe por meio de dados divulgados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que o Brasil tem 1,3 linhas de telefonia móvel por habitante. É fato, estamos cada vez mais apegados e dependentes dos nossos celulares: ele nos acompanha quase o tempo todo, sete dias por 19 semana. A integração do GPS do celular com aplicativos de deslocamento pode recolher informações bastante úteis para qualquer negócio: qual o ponto de venda mais próximo, qual o momento mais adequado para o recebimento de uma oferta, por que certo deslocamento é aceitável para uma compra e não outra, etc. Isso permitiria às empresas desenvolver plataformas de Inteligência de Mercado, que gerariam diferentes cenários de compra por meio de mapas. Entretanto, como consequência do uso desta e de outras novas tecnologias, diversas questões acerca da ética de uso destes dados, assim como do direito à privacidade do usuário devem intensificar-se nos próximos anos. � Big Data – como já mencionado anteriormente, o uso do Big Data em larga escala ainda é algo pouco explorado e pede uma atenção dos profissionais de marketing, pois pode ser uma ferramenta extremamente impactante no entendimento do consumidor. Por exemplo, imagine se os bancos usassem todas as informações que têm dos seus clientes para um atendimento verdadeiramente personalizado. Será que um cliente com altos valores investidos no banco deveria receber uma oferta de empréstimo pessoal genérica, que provavelmente é oferecida a todos os clientes? Ou se o banco já sabe quanto um cliente gasta por mês em restaurantes no cartão de crédito, será que não poderia entregar ofertas com parcerias nos restaurantes frequentados por esse cliente e, dessa forma, fidelizá-lo ainda mais? Coisas aparentemente simples, mas que na prática ainda acontecem muito raramente. � Capacidades Hápticas – a CES 2019, a maior feira de tecnologia do mundo, que acontece em Las Vegas, anualmente no mês de janeiro, mostra as grandes tendências que devem impactar hábitos e atitudes dos consumidores nos anos seguintes. Nesse último evento, destacou-se a introdução de capacidades hápticas (ou seja, capacidade de sentir tato) nas simulações em realidade virtual, que deve tornar a experiência do usuário muito mais imersiva. Neste módulo, discorremos sobre o que pode influenciar o consumidor a comprar – ou não – um determinado produto ou serviço, tais como os fatores psicológicos, socioculturais, situacionais e demográficos. Como vimos no módulo anterior, o estudo e o entendimento do comportamento do consumidor são de suma relevância para os profissionais de marketing, uma vez que o desenho de estratégias eficazes de marketing precisa levar em conta características individuais, sociais e culturais desse consumidor, além das influências situacionais que afetam o momento da sua compra no ponto de venda. Não podemos nos esquecer de que o nosso objetivo, como profissionais de marketing, vai muito além da venda de um bem ou serviço. A nossa verdadeira missão é a satisfação dos desejos e das necessidades desses consumidores. Por isso, é necessário que possamos estabelecer uma empatia com esse consumidor, ou seja, precisamos desenvolver uma habilidade de sentir o que sentiria a outra pessoa caso estivéssemos na mesma situação experimentada por ela. Sobretudo, trata-se de fazer um esforço genuíno para perceber sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e integral o que sente outro indivíduo, colocando-nos no lugar dele. Dessa forma, é fundamental sabermos quem é o nosso consumidor, o que e como ele pensa, em que acredita, do que tem medo, como julga a si mesmo e os outros, onde está na escala social, a sua renda média, ocupação, idade, estilo de vida e, sobretudo, como reage aos estímulos que lhe são apresentados no momento de decisão de compra. Os fatores que têm impacto no comportamento de compra podem ser separados em quatro grupos: psicológicos, socioculturais, situacionais e demográficos. MÓDULO II – FATORES DE INFLUÊNCIA NO COMPORTAMENTO DE COMPRA 22 Fatores psicológicos O cérebro humano é uma estrutura fascinante e que nos define de forma única. Segundo Fonseca (2014, p. 237), “o órgão mais organizado do organismo e do universo possui cerca de 1.200 a 1.300 centímetros cúbicos de volume, pesa cerca de 1.450 gramas, ou seja, cerca de 2% do peso do corpo, mas consome mais de 20% de sua energia disponível”. Contém quase 100 bilhões de neurônios, e cada uma dessas células nervosas é capaz de sustentar de 1.000 a 10.000 conexões com outros neurônios. Sem essa incrível capacidade de comunicação, a evolução da nossa espécie não teria sido possível. Segundo o mesmo autor, entre as faculdades mais complexas e superiores do cérebro humano, podemos destacar três conjuntos de funções: � Funções cognitivas – Ligadas à linguagem corporal, artística, falada, escrita e quantitativa, memória e atenção; � Funções conativas – Ligadas à motivação, às emoções e à personalidade de uma pessoa. Impelem a uma prontidão para a sobrevivência (combate ameaças, perigo, ansiedade, insegurança e desconforto); � Funções executivas – Têm a missão de controlar e otimizar as funções cognitivas e conativas. Dessa forma, coordenam e integram a capacidade de aprendizado. Esses três conjuntos de funções dizem respeito a todos os momentos que compõem o processo de compra, como percepção, motivação, aprendizagem, memória, atitudes, personalidade e estilo de vida. Vamos ver com mais detalhes cada um desses itens, a seguir. Percepção Para Hoyer e MacInnis (2011, p. 70), “a percepção ocorre quando estímulossão registrados por um de nossos cinco sentidos: visão, audição, paladar, olfato e tato”. O nosso cérebro recolhe os estímulos produzidos por esses estímulos, depois os interpreta, cataloga e organiza, atribuindo a eles um significado. D’Andrea et al. (2011) reforçam que estimular esses cinco sentidos nos shoppers – compradores no ponto de venda – é condição sine qua non para se criar uma boa experiência de compra. Embora a visão seja o sentido mais representativo, é importante estimular outros sentidos simultaneamente, por exemplo, promovendo degustações dentro de lojas, bem como incentivando o uso de trilhas sonoras, fragrâncias e aromas nelas. O uso e os efeitos dessas sensações nas nossas experiências com determinado produto ou serviço são chamados de Marketing Sensorial. Para os profissionais de marketing, a percepção é mais relevante do que a própria realidade, porque ela vai impactar o comportamento real do consumidor. Assim, podemos dizer que a percepção do consumidor é a realidade dele. 23 A percepção e o seu impacto na forma como construímos e acumulamos conhecimento é o objeto central da epistemologia. Mais especificamente, no caso da percepção visual, a escola Gestalt, surgida no fim do século XIX, tem especial destaque para os profissionais de marketing. O termo Gestalt, pode ser traduzido como estrutura, forma ou figura. Segundo Gomes Filho (2004, p. 18), essa teoria, “extraída de uma rigorosa experimentação, surge como uma resposta ao porquê de umas formas agradarem mais e outras não. Esta maneira de abordar o assunto opõe-se ao subjetivismo, pois a psicologia da forma se apoia na fisiologia do sistema nervoso”. Outra fonte de conhecimento importante para os profissionais de marketing é a semiótica, que pode ser entendida como o estudo do significado dos símbolos. Solomon (2011, p. 109), ressalta que “a semiótica é importante para compreendermos o comportamento dos consumidores porque estes usam produtos para expressar suas identidades sociais. Os produtos têm significados aprendidos, e confiamos nos profissionais de marketing para nos ajudar a entender quais são esses significados”. Assim, podemos dizer que a capacidade de identificar os estímulos sensoriais provocados nos consumidores é vital para os profissionais de marketing, uma vez que estes alavancam a motivação de compra. Ora, mas o que queremos, quando ativamos os estímulos sensoriais dos nossos consumidores? Queremos chamar a atenção para os nossos produtos e serviços. Hoyer e MacInnis (2011) explicam que esses estímulos – os quais devem ser intensos o suficiente para que sejam percebidos – podem ser medidos. Por exemplo, estímulos auditivos podem ser medidos em decibéis e frequências. Já estímulos visuais, feitos por meio de cores, por exemplo, podem ser medidos por meio de propriedades como brilho e saturação. Da mesma forma, quando estimulamos o olfato por meio de uma fragrância, é possível medir esse estímulo – ou a sua concentração – em partes por metros cúbicos. Já o estímulo provocado pelo tato é auferido em quilos de pressão sobre certa superfície. O nível mínimo de intensidade de estímulo necessário para que sejamos capazes de percebê- lo é chamado de limiar absoluto desse estímulo. Já limiares diferenciais é o nome dado à diferença de intensidade requerida entre dois estímulos para que os consumidores percebam que esses estímulos são diferentes. Hoyer e MacInnis (2011) dão dois exemplos bem interessantes: � Situação em que os profissionais de marketing não querem que os consumidores notem uma diferença entre dois estímulos. Por exemplo, quando querem que os consumidores não percebam diferenças entre sabores de bebidas com e sem álcool; o mesmo vale para alimentos com açúcar e adoçante. � Situação em que os profissionais de marketing querem que os seus consumidores percebam uma diferença entre dois estímulos. Por exemplo, quando se aumenta o tamanho de um hambúrguer sem aumentar o seu preço, para provocar satisfação nos seus compradores. Nesse caso, há como dizer qual seria o número mínimo de gramas adicionais em relação ao peso original do hambúrguer para que os consumidores percebessem o aumento: em um hambúrguer de 150 gramas, há a necessidade de aumentar o seu peso em pelo menos 10%. 24 Diariamente, somos submetidos a um sem números de estímulos sensoriais por meio de diversos canais. Há então uma necessidade premente de filtramos e selecionarmos esses estímulos, senão ficaríamos entorpecidos com tanta informação. O nosso cérebro dispõe de dispositivos que permitem um processo de filtragem, baseado naquilo que é importante para nós ou nos interessa de alguma forma. Esses dispositivos são chamados de filtros perceptivos. Esses filtros – absolutamente pessoais – permitem que pessoas diferentes reajam de formas distintas aos mesmos estímulos. Kotler e Keller (2012, p. 174) descrevem três desses filtros mais relevantes: � Atenção seletiva – Podemos entender atenção como uma capacidade básica que todos nós possuímos de processar informações. Assim, atenção seletiva é fundamentalmente a nossa capacidade de fazer uma triagem entre todas as informações às quais somos submetidos. Quando queremos que um dos nossos produtos chame a atenção de um consumidor, precisamos contrastar as diferenças desse produto versus a concorrência, utilizando os cinco sentidos desse consumidor: fontes, cores, tamanhos e texturas nas embalagens, por exemplo. � Distorção seletiva – Baseia-se na forma como nós interpretamos e damos significado pessoal a certa informação, com base na formação, nos valores e nas crenças que temos. Ou seja, temos tendência a traduzir ou transformar as informações que recebemos de forma que elas se encaixem na nossa forma de pensar e entender o mundo. Dessa forma, quando queremos chamar a atenção de um grupo de consumidores, é muito importante que os estímulos que estamos provocando estejam alinhados com essa formação, com aquilo em que esse consumidor espera e acredita. � Retenção seletiva – Está ligada à capacidade que temos de absorver e armazenar estímulos sensoriais que valorizem as nossas crenças, como vimos acima. Quando isso não acontece, temos a tendência de esquecer o estímulo. Essa retenção seletiva tende a beneficiar marcas fortes, uma vez que preferimos lembrar pontos positivos dos nossos produtos favoritos e esquecemos os mesmos pontos nos concorrentes. Para reforçar essa retenção, precisamos usar de frequência na nossa comunicação, para assegurarmos certa repetição da mensagem que estamos enviando aos nossos consumidores. É importante frisar que qualquer percepção vai depender tanto dos estímulos aos nossos cinco sentidos – visão, tato, olfato, audição e paladar – como da forma como esses estímulos se relacionam com o ambiente e os nossos valores pessoais, além da cultura em que estamos inseridos e onde fomos formados. Vamos ver como isso acontece mais adiante. 25 Motivação Podemos entender motivação como um estado de certa agitação interna – ou mesmo uma energia – que direciona uma pessoa para a conquista de um determinado objetivo. Ele ocorre, quase sempre, quando sentimos despertar dentro de nós uma necessidade ou um desejo, fruto de um estímulo externo ou não. Para os profissionais de marketing, fica evidente que compreender o que motiva os seus consumidores é vital para despertar neles o impulso de buscar informações sobre os seus produtos ou serviços, mas o que afeta a nossa motivação? Existem, de forma ampla, quatro fatores que podem afetar ou influenciar a nossa motivação: � Relevância pessoal – Tudo o que é importante e tem valor para nós desperta a nossa motivação: formação educacional, carreira, família, casa, aparência pessoal, roupas, bens, etc. Assim, estamos mais motivados a ceder informações sobre os nossos gostos e preferências pessoais em troca de um produtopersonalizado, que tem alto valor percebido. � Autoconceito – É a nossa visão sobre quem somos, ou seja, como nos percebemos. Essa visão não é homogênea, e partes dela podem ser relevantes em momentos distintos de consumo. Por exemplo, quando compramos roupas, acessórios ou maquiagem, de forma geral, afirmamos algum aspecto da nossa personalidade. � Valores – Temos mais motivação para dar mais peso a determinadas informações quando as julgamos mais alinhadas aos nossos valores pessoais, aqui definidos como aquilo que consideramos bom, importante, certo ou justo. Se percebemos a nossa formação profissional como importante, é provável que façamos investimentos para valorizar o nosso currículo. � Necessidades – Consideramos relevante tudo o que está diretamente ligado a uma necessidade, mas como definir, formalmente, uma necessidade? Hoyer e MacInnis (2011, p. 44) entendem que “uma necessidade é um estado interno de tensão causado pelo desequilíbrio de um estado físico ou psicológico ideal/desejado”. Assim, quando sentimos a boca seca, sabemos que é hora de beber algo. Podemos ter o nosso comportamento direcionado para certos resultados, como abrir uma Coca-Cola gelada. Beber satisfaz a necessidade e remove a tensão – nesse caso, a sede. O curioso é que uma necessidade pode nos afastar de um produto ou serviço, como ressaltam os mesmos autores. Por exemplo, escapar de uma visita mandatória ao dentista pode ser uma necessidade de evitar dor. Aprendizagem e memória Aprendizagem é entendida por Kotler e Keller (2012, p. 175) como um processo contínuo e de caráter permanente, de “mudanças no comportamento de uma pessoa decorrentes da experiência [...] que nasce da interação entre impulsos, estímulos, sinais, respostas e reforços”. 26 Os estudiosos dos processos de aprendizagem apresentam diversas teorias que se propõem a explicar o funcionamento destes. Para Myers (2002), vão desde a Teoria Comportamental – ou behaviorista – às Teorias Cognitivas2. Da Teoria Comportamental e dos experimentos de Pavlov os profissionais de marketing utilizam, de forma frequente, um recurso chamado condicionamento clássico, mas como isso funciona? O condicionamento clássico ocorre quando conseguimos estabelecer uma forte ligação entre certo estímulo e uma resposta desejada, por meio de repetição. Outro recurso retirado da Teoria Comportamental é o condicionamento ou aprendizado operante. Ele é usado quando queremos consolidar um comportamento já aprendido por meio do que chamamos de reforçadores. Esses reforçadores – que podem ser positivos ou negativos – são estímulos aos nossos cinco sentidos, desenhados pelos profissionais de marketing, que têm a capacidade de alterar a frequência de um comportamento. Quando o reforçador é positivo, alteramos a frequência do comportamento no sentido de aumentá-la, ou seja, queremos que o consumidor, na presença desse reforçador, aumente a frequência de compra ou de uso de um produto. Já quando o reforçador é negativo, queremos o contrário: que o consumidor gradualmente deixe de se comportar de uma maneira já habitual quando retiramos um estímulo. Por exemplo, quando um ingrediente de um produto está em falta, retiramos a comunicação desse produto para que o consumidor pare de procurá-lo nos pontos de venda. Importante ressaltar que reforço negativo não é punição. Esta acontece quando é produzido um estímulo após a manifestação de um comportamento do consumidor, e que provoca neste uma sensação de aversão ou repulsa. Imagine a repercussão desse uso de reforçadores, por exemplo, para a construção de planos de mídia, cuja determinação da frequência e da intensidade da mensagem seja elemento fundamental. Encontrar o equilíbrio da frequência e da intensidade dentro de um orçamento limitado é hoje um dos maiores desafios de um profissional de marketing. Já a memória, para Myers (2002), pode ser entendida como o processo de armazenamento e recuperação de informações que acontece no nosso cérebro. De forma geral, os pesquisadores da área destacam três tipos de sistemas de memória: � Memória sensorial – É a memória breve, gerada a partir dos estímulos aos nossos cinco sentidos. Se o consumidor entende que a experiência gerada a partir dos estímulos é impactante ou relevante, ela passa a ser uma memória de curto prazo, que veremos a seguir. � Memória de curto prazo – Acontece quando processamos fragmentos de informação e decidimos armazená-los por um tempo limitado. Por exemplo, enquanto está lendo este texto, você está acionando a sua memória de curto prazo. A memória de curto prazo é fundamental para nós e para os nossos consumidores porque processa a maior parte de 2 Vimos os princípios de ambas no módulo 1. 27 todas as informações que chegam até nós. O desafio dos profissionais de marketing é que essa memória é fugaz, ou seja, ela se desfaz rapidamente, a não ser que façamos conscientemente um esforço para reter determinada informação, fazendo com que ela passe a ser uma memória de longo prazo. � Memória de longo prazo – É o objetivo final dos profissionais de marketing, uma vez que é considerada um local permanente de armazenamento de informações. De maneira geral, essa memória se forma quando consideramos o estímulo recebido por meio dos nossos sentidos muito relevantes, e esses estímulos são associados a algo que já está presente na nossa memória. Esse é um processo fundamental na construção de fidelidade às marcas: é preciso engajar as nossas memórias já existentes – ou seja, experiências passadas, sensações e sentimentos – associando-as a novas informações para levarmos a mensagem das nossas marcas para a memória de longo prazo do consumidor. Para que esse objetivo seja atingido, também aqui o uso de repetição da mensagem da marca é fundamental, porque oferece ao consumidor múltiplas oportunidades para fazer essa associação (mensagem da marca + memórias já existentes) e fixe a mensagem na memória de longo prazo. É dessa forma que se constrói uma base de consumidores fiéis. Fica clara agora a importância de observar a dinâmica entre aprendizado e memória, porque leva à consolidação de hábitos de consumo e cria uma ferramenta poderosa para estabelecer fidelidade a uma marca. Atitudes As atitudes são predisposições, sentimentos e tendências relativamente consistentes de um indivíduo em relação a uma determinada situação ou a um objeto. Por ser uma predisposição para a ação, a atitude serve como referência para um consumidor avaliar um produto de maneira positiva ou negativa, proporcionando a proximidade ou o afastamento do consumidor em relação ao produto (PINHEIRO, 2011, p. 45). As nossas atitudes são elementos fundamentais na construção da nossa identidade, e têm a capacidade de apontar e direcionar o nosso comportamento. Já a persuasão é o que fazemos quando queremos mudar uma atitude, mas é possível moldar uma atitude? Solomon (2011) descreve alguns princípios que têm influência sobre as atitudes dos nossos consumidores: � Autoridade – Está ligada ao fato de atribuirmos mais peso quando identificamos que uma fonte tem mais propriedade para transmitir uma mensagem do que outra. Por exemplo, recomendações de produtos alimentícios ou ingredientes por parte de um renomado chefe de cozinha têm mais chance de convencerem um consumidor. 28 � Apreço – Temos uma propensão natural para concordar com quem temos simpatia, gostamos ou admiramos. O uso de celebridades que geram sentimentos de proximidade e admiração na sua audiência é um recurso clássico de marketing. � Consenso – Conscientemente ou não, levamos em conta o que as pessoas que estão perto de nós estão fazendo antes de tomar a nossa decisão. Pense na situação em que você, antes de decidir se vai a uma festa, quer saber quem também foi convidado.� Reciprocidade – Temos mais inclinação a dar quando esperamos recebimento em troca. Esse é um princípio muito usado quando somos solicitados a responder questionários em sites de e-commerce em troca de descontos em compras futuras. � Coerência – Como pessoas e consumidores, sempre tentamos manter uma consistência nos nossos comportamentos, no sentido de evitarmos contradições. Um exemplo desse princípio mostra que pedidos de doação são mais eficazes quando são direcionados a pessoas que já manifestaram, de alguma forma, que apoiam aquela causa. � Escassez – Para nós, produtos ou serviços tendem a tornar-se mais desejados quando estão menos disponíveis. Isso explica um aumento de procura por itens de edições limitadas e explicam o uso de uma técnica de gestão de portfólio chamada de “nata”. Nesses casos, a empresa restringe, temporariamente, a quantidade de produtos disponíveis para gerar um buzz entre os seus possíveis consumidores. A indústria automobilística faz isso quando, ao lançar um novo modelo, coloca como condição de compra do modelo novo a posse de um modelo antigo, ou seja, há uma premiação dos compradores que já são consumidores da marca. Personalidade e estilo de vida Toda compra que fazemos é influenciada, de alguma forma, por traços da nossa personalidade, que pode ser definida segundo Kotler e Keller (2012, p. 169) como “um conjunto de traços psicológicos distintos, que levam a reações relativamente coerentes e contínuas a um estímulo do ambiente (inclusive comportamento de compra)”. O conceito de personalidade nos permite compreender porque os nossos consumidores reagem de formas diferentes em situações diversas. Uma aplicação interessante para os profissionais de marketing desse conceito é descrita em pesquisa realizada pela empresa americana Mindset Media, citada em Solomon (2011, p. 247), a qual descobriu que “os traços de personalidade são melhores para prever o tipo de mídia que os consumidores escolhem do que as variáveis demográficas, tais como idade, gênero e renda”. É possível catalogar e estruturar algumas características da personalidade dos nossos consumidores por meio da medição quantitativa dos traços da sua personalidade, ou seja, das características que definem esse consumidor. Isso é feito por meio da Teoria dos Traços, muito utilizada por profissionais de marketing e baseada na premissa de que existem. 29 Segundo Solomon (2011), alguns traços específicos relevantes para o comportamento do consumidor são: � inventividade – o grau em que uma pessoa gosta de experimentar coisas novas; � materialismo – a importância que uma pessoa dá para a aquisição e posse de produtos; � autoconsciência – grau que uma pessoa deliberadamente monitora e controla a imagem que ela projeta nas outras e � necessidade de reconhecimento – o grau que em que uma pessoa gosta de pensar sobre as coisas e, por extensão, despende o esforço necessário para processar informações sobre a marca. Já a expressão “estilo de vida”, esclarece Featherstone (1995), no contexto da cultura de consumo atual, está intimamente ligada à individualidade: o corpo, as roupas, o discurso e vocabulário, as escolhas de entretenimento, as comidas e bebidas preferidas, a casa, o carro e o destino de férias de uma pessoa são vistos como indicadores das escolhas pessoais em termos de gosto e do senso de estilo do consumidor/proprietário. Entretanto, Campbell (2001) alerta que essa forma de estabelecer e afirmar a própria identidade é relativamente nova. É pouco provável que os nossos avós e mesmo os nossos pais entendessem esse conceito dessa forma. Para eles, acima de qualquer coisa, a identidade estava mais ligada ao status e à posição que ocupavam em instituições, associações e outros grupos relevantes, como família, instituição de formação educacional, local de trabalho, religião professada, raça, etnia ou nacionalidade. Isso tudo era mais importante do que algo tão pouco relevante quanto o próprio gosto pessoal. Ou seja: mais provavelmente, os nossos pais e avós se viam e se definiam como professores, médicos ou fazendeiros, batista, católico, inglês, em vez do seu gosto por vinho, música, literatura, cinema, esporte ou outras atividades de lazer. Estilos de vida são a manifestações ou os padrões de comportamento reais, ligados à forma como os consumidores decidem gastar tempo e dinheiro, assim como gostos e preferências. Dessa forma, uma das aplicações mais recorrentes do uso do estilo de vida no dia a dia dos profissionais de marketing é o desenvolvimento de estratégias de segmentação, para que produtos e serviços e comunicação possam ser customizados para grupos com estilos de vida idênticos, mas como fazer essa segmentação? Existem algumas ferramentas psicográficas desenvolvidas nos Estados Unidos que combinam características de estilos de vida, personalidade e valores para classificar os consumidores, todas desenvolvidas nos Estados Unidos e sem validação no Brasil. Uma das mais usadas se chama Pesquisa de Valores e Estilo de Vida (Vals), desenvolvida pela SRI Consulting Business Inteligence3. 3 Disponível em: <www.sri-consulting.org>. 30 Os oito segmentos criados pela pesquisa são baseados recursos – ou seja, renda per capita, saúde, nível de educação, nível de energia e inteligência, por exemplo – e em motivação primária – ou seja, se o consumidor se motiva pela opinião dos outros, se é guiado por ideologia, etc. Embora a Vals seja a mais popular, existem outras ferramentas disponíveis no mercado americano que também são bastante usadas: a LifeMatrix, que segmenta baseada em valores pessoais, etapas e estilos de vida; e o Yankelovich MindBase, que utiliza adicionalmente opiniões, idade, gênero e outros dados. Fatores socioculturais São assim chamados os fatores que descrevem as influências de certos grupos no indivíduo, notadamente da família, da sua classe social, assim como do ambiente cultural em que este se encontra. Assim, a partir deste ponto, deixamos de enxergar o consumidor como um indivíduo separado para vê-lo como alguém que é impactado, reage e se transforma em função do contexto em que está imerso. Douglas (2007, p. 26) nos indica que as pessoas não compram bens somente para preencher as suas necessidades biológicas, mas, como esses bens têm a função de se comunicar, podem ser utilizados como uma maneira de determinar relações sociais, e que o “consumo é o processo de transformar mercadorias em bem-estar”. Canclini (2009, p. 114) complementa essa interpretação ao evidenciar que precisamos considerar as mediações da família, dos amigos, das redondezas onde se vive ou trabalha, e de outros grupos ao interpretar uma mensagem, já que o consumo de certos bens pode gerar distinção. Influência de grupo Os grupos de referência são aqueles que exercem alguma influência direta (face a face) ou indireta sobre as atitudes ou o comportamento de uma pessoa. Os grupos que exercem influência direta são chamados grupos de afinidade. Alguns deles são grupos primários, como família, amigos, vizinhos e colegas de trabalho, com os quais se interage de modo contínuo e informal. As pessoas também pertencem a grupos secundários, como grupos religiosos e profissionais ou associações de classe, que costumam ser mais formais e exigir menos interação contínua (KOTLER, 2012, p.165). Nós somos, essencialmente, seres sociais, e seres sociais fazem parte de grupos. Podemos dizer então que o comportamento de compra também é um processo social e, por isso, os consumidores sofrem a influência dos grupos aos quais pertencem, que são vários: a família, a escola, o clube, os vizinhos, o trabalho, organizações, etc. 31 Além do mais, ao longo da vida, os consumidores almejam participar de outros grupos. É natural então que sejam influenciadospor estes mesmos grupos. Nesse contexto, é fundamental que nós, profissionais de marketing, entendamos que os consumidores se comportam, de forma geral, com regras e demandas compartilhadas entre grupos, com o objetivo de buscar sua inserção e aceitação social. Podemos derivar, então, que: “A atividade fundamental do consumo, portanto, não é a verdadeira seleção, a compra ou uso dos produtos, mas a procura do prazer imaginativo a que a imagem do produto se empresta” (CAMPBELL, 2001, p. 130). As avaliações e comportamentos de um grupo de referência podem ter significativa relevância para a conduta de um indivíduo. Solomon (2011, p. 408) dividiu em três as influências que um consumidor pode sofrer de um grupo de referência: � Influência informativa – Quando um indivíduo busca por informações sobre marcas e produtos junto a pessoas que trabalham com o produto, junto a associações, junto a amigos, colegas de trabalho e conhecidos, ou então quando um selo de aprovação de alguma instituição é colocado no produto. � Influência utilitária – A decisão de um consumidor por uma marca é influenciada por pessoas com quem ele interage socialmente ou por sua família, ou então é influenciada pelo desejo de satisfazer as expectativas dos outros. � Influência expressiva de valor – Quando o consumidor crê que o uso ou compra de um produto impulsionará a imagem que os outros farão dele ou quando ele crê que quem utiliza uma determinada marca tem características que ele mesmo gostaria de ter ou que são pessoas admiradas e respeitadas. Porém, os grupos de referência não influenciam da mesma maneira todos os tipos de produto ou atos de consumo. Por exemplo, decisões menos arriscadas, como comprar uma goma de mascar, tendem a não sofrer o mesmo tipo de influência do que um produto cuja decisão tem maior impacto na vida do consumidor, como comprar um carro ou uma casa, por exemplo. Solomon (2011, p. 409) completa explicando que os grupos de referência podem persuadir porque eles exercem um “poder” sobre os consumidores, um poder social, com capacidade de modificar as ações de outros, e separa os grupos de referência em três: � Comunidades de marca e tribos de consumidores – As comunidades de marca são grupos de consumidores que se relacionam com base na utilização ou no interesse de uma determinada marca ou produto. Já as tribos de consumidores são os grupos que compartilham do mesmo estilo de vida e se identificam umas com as outras por causa da sua fidelidade a um produto ou serviço ou atividade. � Grupos de referência por associação versus por aspiração – Os grupos de referência por associação são formados de pessoas conhecidas, enquanto os grupos de referência por aspiração não são necessariamente pessoas conhecidas, mas são admiradas. 32 � Grupos de referência positiva versus grupos de referência negativa – Na maior parte dos casos, os consumidores tendem a ser influenciados pelas atitudes positivas das suas referências, mas, às vezes, como os adolescentes em relação aos pais, as pessoas evitam ou se distanciam do comportamento de certo grupo. As pessoas gostam de fazer atividades em conjunto, porque, em conjunto, um membro tem menor probabilidade de chamar atenção, e isso pode explicar porque, em grupo, as pessoas têm menos restrições ao seu comportamento. Influência da família “A família é a mais importante organização de compra de produtos de consumo na sociedade, e seus membros constituem o grupo de referência primário mais influente” (KOTLER; KELLER, 2012, p. 165). Kotler e Keller (2012, p. 166) separaram as famílias de um consumidor em dois tipos: a “família de orientação”, que conta com os pais e irmãos; e a “família de procriação”, formada pelo cônjuge e pelos filhos. Da primeira, costumam vir a orientação religiosa, a política, sobre economia, sobre amor e autoestima. Na segunda, estão a mulher, considerada o principal agente de compras da família, e as crianças, cujos pedidos – às vezes, exigências – e preferências influenciam direta ou indiretamente o consumo das famílias. Os cônjuges também participam das decisões, negociando os seus diversos interesses, mas veremos mais à frente que as mulheres ainda são as grandes decisoras dos lares. O modelo de família tradicional – casal e filhos – ainda prevalece, mas outros tipos de família vêm crescendo, tais como as famílias formadas por casais homoafetivos, com ou sem filhos; as famílias sem filhos – double income, no kids (Dinks), ou renda dupla, sem filhos; as unidades familiares com apenas uma pessoa, que vive sozinha e que nos Estados Unidos já representam 5% do total de famílias; as “famílias estendidas”, como chamou Solomon (2011, p. 452), que consistem em três gerações vivendo juntas e que frequentemente incluem avós, tios e primos; as famílias das uniões não formais; além das famílias com “filhos de quatro patas”, cujos animais de estimação são tratados como membros da família, cujos gastos podem assemelhar-se aos gastos com um membro humano. A influência da família se faz sentir, em maior ou menor grau, no mundo todo, mas em alguns países ela é determinística, como ressaltam Hoyer e MacInnis (2011, p. 291): “no mundo árabe o status é determinado primordialmente pelos contatos sociais e pela posição da família, ambos considerados muito mais importantes que o dinheiro”. Contudo, não importa o tipo da família, é certo que as decisões de consumo não são atividades individuais. Sendo a família esse importante influenciador no processo de tomada de decisão, o seu papel – o que incluem as suas mudanças ao longo do tempo – precisa ser constantemente avaliado pelo profissional de marketing, especialmente no Brasil, onde a família é um elemento essencial da realidade social. 33 Solomon (2011, p. 458) compara o processo de decisão em uma unidade familiar a uma reunião de negócios, em que as necessidades são levadas para discussão com todos ou com alguns membros do grupo, cada participante coloca os seus planos e as suas prioridades e “briga” para que o dinheiro disponível seja gasto com elas, assim como nas empresas, em que cada membro de cada equipe “luta” pelos recursos disponíveis. O autor separa as decisões das famílias em dois tipos: a decisão de compra consensual e a decisão de compra por acomodação. No primeiro tipo, o grupo concorda com a compra, mas pode divergir nos termos em como ela será realizada. Por exemplo, imagine que a família concorde em comprar um carro para uso comum, mas precisa decidir quem ficará com o veículo em cada dia da semana. No segundo tipo de decisão, cada membro da família tem diferentes prioridades e não chega a uma decisão que satisfaça às expectativas de todos. Nesse momento de impasse, os membros da família precisam buscar o acordo por meio de barganhas, coerções, comprometimento. Como uma criança que quer um novo console de videogame e poderá tentar influenciar os seus pais com ataques nervosos, ou recusando-se a comer, por exemplo. As crianças, aliás, têm ganhado importância nas famílias, especialmente nas urbanas e mais favorecidas economicamente. Paula (2013), uma das autoras, verificou na sua dissertação que: o mercado oferece cada vez mais produtos e que há cada vez mais maneiras e oportunidades de se fazer compras, seja indo a uma loja, pelo telefone ou por meio do computador. Mas a “descoberta” das crianças e adolescentes como consumidores é um pouco mais recente. No Brasil, o IBGE já aponta famílias menores (muitas com um único filho, ou até sem filhos), o aumento de separações, a maior longevidade da população (com avós, e até bisavós mais presentes), e isso aliado ao crescimento da renda, formou crianças com maior poder de decisão nas compras da casa – e se elas não têm a posse do dinheiro, têm o poder de influenciar seus pais, avós, tios. As entrevistas com crianças feitas pela autora no seu
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