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Rafael Soares Silva Mariana Helena Chaves (Organizadores) Editora Metrics Santo Ângelo – Brasil 2021 TENDÊNCIAS & PESQUISAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS CATALOGAÇÃO NA FONTE Responsável pela catalogação: Fernanda Ribeiro Paz - CRB 10/ 1720 2021 Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora Metrics Todos os direitos desta edição reservados pela Editora Metrics Rua Antunes Ribas, 2045, Centro, Santo Ângelo, CEP 98801-630 E-mail: editora.metrics@gmail.com https://editorametrics.com.br Copyright © Editora Metrics Imagens da capa: Freepik Revisão: Os autores T291 Tendências & pesquisas no ensino de ciências [recurso eletrônico] / organizadores: Rafael Soares Silva, Mariana Helena Chaves. - Santo Ângelo : Metrics, 2021. 193 p. ; il. ISBN 978-65-89700-48-7 DOI 10.46550/978-65-89700-48-7 1. Ensino de ciências. I. Silva, Rafael Soares (org.). II. Chaves, Mariana Helena (org.). CDU: 37.02:50 Conselho Editorial Drª. Berenice Beatriz Rossner Wbatuba URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Drª. Célia Zeri de Oliveira UFPA, Belém, PA, Brasil Dr. Charley Teixeira Chaves PUC Minas, Belo Horizonte, MG, Brasil Dr. Douglas Verbicaro Soares UFRR, Boa Vista, RR, Brasil Dr. Eder John Scheid UZH, Zurique, Suíça Dr. Fernando de Oliveira Leão IFBA, Santo Antônio de Jesus, BA, Brasil Dr. Glaucio Bezerra Brandão UFRN, Natal, RN, Brasil Dr. Gonzalo Salerno UNCA, Catamarca, Argentina Drª. Helena Maria Ferreira UFLA, Lavras, MG, Brasil Dr. Henrique A. Rodrigues de Paula Lana UNA, Belo Horizonte, MG, Brasil Dr. Jenerton Arlan Schütz UNIJUÍ, Ijuí, RS, Brasil Dr. Jorge Luis Ordelin Font CIESS, Cidade do México, México Dr. Luiz Augusto Passos UFMT, Cuiabá, MT, Brasil Dr. Manuel Becerra Ramirez UNAM, Cidade do México, México Dr. Marcio Doro USJT, São Paulo, SP, Brasil Dr. Marcio Flávio Ruaro IFPR, Palmas, PR, Brasil Dr. Marco Antônio Franco do Amaral IFTM, Ituiutaba, MG, Brasil Drª. Marta Carolina Gimenez Pereira UFBA, Salvador, BA, Brasil Drª. Mércia Cardoso de Souza ESEMEC, Fortaleza, CE, Brasil Dr. Milton César Gerhardt URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Dr. Muriel Figueredo Franco UZH, Zurique, Suíça Dr. Ramon de Freitas Santos IFTO, Araguaína, TO, Brasil Dr. Rafael J. Pérez Miranda UAM, Cidade do México, México Dr. Regilson Maciel Borges UFLA, Lavras, MG, Brasil Dr. Ricardo Luis dos Santos IFRS, Vacaria, RS, Brasil Dr. Rivetla Edipo Araujo Cruz UFPA, Belém, PA, Brasil Drª. Rosângela Angelin URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Drª. Salete Oro Boff IMED, Passo Fundo, RS, Brasil Drª. Vanessa Rocha Ferreira CESUPA, Belém, PA, Brasil Dr. Vantoir Roberto Brancher IFFAR, Santa Maria, RS, Brasil Drª. Waldimeiry Corrêa da Silva ULOYOLA, Sevilha, Espanha Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc. SUMÁRIO PREFÁCIO ...............................................................................13 Rafael Soares Silva Capítulo 1 O CONTEXTO DE ENSINO DE QUÍMICA DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19: UM ESTUDO DE CASO COM DUAS PROFESSORAS DO CENTRO-OESTE, FORMADAS NA UFMT .........................................................15 Kaique de Oliveira Graziele Borges de Oliveira Pena Capítulo 2 ABORDAGEM RELACIONAL NA HISTÓRIA DO ENSINO DE QUÍMICA NO BRASIL: CONTADA A PARTIR DOS ESTUDIOSOS CONDE DA BARCA E JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA .........................................................27 Francisca das Chagas Alves da Silva Joyce Melo Mesquita Nyuara Araújo da Silva Mesquita Capítulo 3 A QUÍMICA DOS JOGOS NA SALA DE AULA ..................45 Rafael Soares Silva Capítulo 4 ARGUMENTAÇÃO CIENTÍFICA E EDUCAÇÃO PELA PESQUISA EM UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA: TENDÊNCIA E INTERFACES ..............................................59 Agnaldo Ronie Pezarini Samuel Mendonça Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) Capítulo 5 A ECOPEDAGOGIA COMO ALTERNATIVA PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO DE QUÍMICA .........................................................91 Lays Rafalscky Bárbara Darós de Lelis Ferreira Fabiana da Silva Kauark Capítulo 6 A IMPORTÂNCIA DOS BIOCOMBUSTÍVEIS FRENTE Á PROBLEMÁTICA AMBIENTAL: UMA INTERLOCUÇÃO PARA O ENSINO DE QUÍMICA ........................................103 Manoel Aguiar Neto Filho Viviane Zanuzzo Taiane Bacega Aline Locatelli Capítulo 7 ANÁLISE DE MEDICAMENTOS DE REFERÊNCIA E GENÉRICOS UTILIZANDO A ESPECTROSCOPIA NO INFRAVERMELHO: UMA ABORDAGEM PARA O ENSINO MÉDIO ..................................................................125 Evellyn Elias Soares Lucas Alves Barbosa e Silva Carla de Moura Martins Capítulo 8 A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA: UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA SOBRE POTABILIDADE DA ÁGUA ....................................................................................137 Rafael Soares Silva Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências Capítulo 8 A INTERLOCUÇÃO ENTRE OS HÁBITOS ALIMENTARES E O ENSINO DE QUÍMICA ................................................151 Viviane Zanuzzo Aline LocatelliI Luiz Marcelo Darroz Manoel Aguiar Neto Filho Capítulo 10 UM JOGO PARA O ENSINO DE EQUILÍBRIO QUÍMICO .............................................................................167 Rafael Soares Silva Capítulo 11 SENSIBILIDADES E INTERPRETAÇÕES DA EDUCAÇÃO: UM ENSAIO DE EXPERIÊNCIAS PEDAGÓGICAS VIVENCIADAS NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DURANTE O ENSINO REMOTO ..........179 Fernando Ripe SOBRE OS ORGANIZADORES ..........................................193 PREFÁCIO O ano de 2021 será marcado na história pela pandemia da Covid-19 (SARS-CoV-2) instaurada no mundo provocando o fechamento de escolas como medida emergencial para evitar mais ainda a proliferação do vírus. Com o fechamento das escolas, mais de 1,4 bilhão de alunos e quase 60 milhões de professores foram afetados diretamente com os novos desafios de ensinar e aprender. Desde março de 2020, mais de 48 milhões de estudantes pararam de frequentar as atividades presenciais nas mais de 180 mil escolas de ensino básico espalhadas por todos os estados. E apesar da campanha de Vacinação apresentar um avanço, ainda há imprevisibilidade de normalização do ensino presencial. Diante dessa excepcionalidade global, nós professores estamos atuando com a intenção de reduzir o prejuízo educacional. Desta forma estamos (re)aprendendo formas de ensinar e de conviver em sociedade. É nesse contexto que esta obra se localiza. Tendências e Pesquisas no Ensino de Ciências foi escrita por e para profissionais de educação e, portanto, em linguagem acessível, comportando vários estudos e pesquisas que questionam um Ensino de Ciências em geral, tradicional, centralizado na simples memorização e repetição de nomes, fórmulas e cálculos, totalmente desvinculados do dia-a- dia e da realidade em que os alunos se encontram. O Ensino de Ciências, enquanto campo de pesquisa, vem recebendo um maior destaque nos últimos anos. Muitos fatores contribuíram para a ampliação e consolidação da área, dentre elas, as origens e características dessas pesquisas que têm sido estudadas com base em diferentes referenciais teóricos e metodológicos. Destacamos que a partir de 2010 a área de Ensino foi ampliada no país, com a incorporação da área de Ensino de Ciências e Matemática, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Nesse sentido, é importante compreender que pesquisas em Ensino de Ciências perpassam períodos históricos, 14 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) envolvendo diferentes interesses na sua produção. A constituição da área abrange aspectos voltados, principalmente, a preocupação com as questões de ensino e aprendizagem, bem como, a inquietação com o contexto de desenvolvimento de pesquisas sobre o tema. Durante a leitura dessa obra você vai encontrar perspectivas que favorecem e enaltecem nossa educação, e que permitem um olhar sobreas Tendências e Pesquisas no Ensino de Ciências, contando sempre com uma visão atenta e dinamizada. Anseio que este trabalho possa ser de grande valia ao público ao qual se destina e que se reverta em benefícios ao Ensino de Ciências que tem se apresentado desafiador. Quero agradecer aos colaboradores que prontamente atenderam ao convite a participar do preparo desta obra e creditar a eles a qualidade do trabalho no intuito de contribuir no estudo de pesquisas futuras ainda mais estimuladoras e importantes no que se refere ao Ensino de Ciências. Sigamos em Frente!!! Uma excelente leitura e reflexão. Prof. Dr. Rafael Soares Silva Capítulo 1 O CONTEXTO DE ENSINO DE QUÍMICA DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19: UM ESTUDO DE CASO COM DUAS PROFESSORAS DO CENTRO-OESTE, FORMADAS NA UFMT Kaique de Oliveira1 Graziele Borges de Oliveira Pena2 1 Introdução O objetivo deste trabalho foi analisar aspectos contextuais do processo de ensino e aprendizagem de Química, durante a pandemia da COVID-19, por meio de estudo de caso, envolvendo duas professoras da educação básica do Ensino Médio da rede pública do Centro-Oeste, formadas em Licenciatura em Química pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) - Campus Universitário do Araguaia (CUA). A partir do estudo de caso, observou-se que as professoras tiveram que aprender a utilizar novas metodologias, exigindo muito delas, sem que recebessem formação e suporte necessário para tal. Neste ano de 2021, elas se encontram desempregadas, devido à diminuição de alunos matriculados. A incorporação das simulações e mídias audiovisuais, na prática de professores, pode ser um dos pontos positivos decorrentes das aulas remotas desenvolvidas durante a pandemia. Ficou evidente que o ensino remoto contribuirá para a prática docente, mas as aulas remotas 1 Acadêmico do Curso de Licenciatura em Química. Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) - Campus Universitário do Araguaia (CUA). E-mail: kkaiquebg@ gmail.com 2 Doutora em Química. Professora Adjunta IV da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) - Campus Universitário do Araguaia (CUA). E-mail: grazieleborges@ hotmail.com 16 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) são compreendidas pelas professoras como limitadas para a aprendizagem dos alunos e devem ser utilizadas somente durante o período da pandemia. 1.1 A pandemia da COVID-19 A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou uma nota, em 11 de março de 2019, sobre a pandemia da Covid-19, uma doença causada pelo coronavírus (Sars-Covs-2)3, mostrando ser um vírus altamente contagioso, podendo atacar o sistema imunológico das pessoas, que podem não resistir e vir a óbito. Nesse período, com pouco conhecimento em relação a possíveis tratamentos, os números de casos de pessoas contaminadas e de mortes não paravam de crescer, no mundo. Diante disso, algumas formas eficientes de conter a disseminação do coronavírus eram o uso de máscaras, o álcool em gel e, especialmente, o isolamento social. Em 2020, no mês de dezembro, o continente europeu emocionou o mundo com a primeira pessoa a ser vacinada4, e, desde então, em várias redes de comunicação, mostrava-se o acompanhando da produção de vacinas e, principalmente, da vacinação no mundo. No trimestre encerrado em maio de 2021, os dados da PNAD/IBGE indicaram que 14,7% da população brasileira estava desempregada, representando um contingente de 14,8 milhões de pessoas, que buscam por uma oportunidade no mercado de trabalho no país5. Dessa forma, até hoje essa crise pandêmica está agravando a situação econômica do país e do mundo, aumentando o desemprego, a fome, o índice de pobreza e deixando cada vez mais a população em completa falta de melhorias das condições de vida. Portanto, a pandemia da COVID-19, no Brasil, exerceu e exerce, até hoje, um impacto sobre a vida da população, especialmente, pelo desmonte do governo atual, que nega a gravidade da doença e 3 https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/11/oms-declara- pandemia-de-coronavirus.ghtml 4 https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/12/08/britanica-de-90-anos-e- primeira-a-receber-a-vacina-da-pfizer-fora-dos-testes 5 https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php 17 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências descumpre as medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Atualmente, está em curso uma CPI da COVID-19, analisando os atos do atual governo e verificando as causas dos altos índices de mortes, que destoa mundialmente e destaca o Brasil na terceira posição no cenário mundial com maior número de contaminados e mortes. Até a data atual6 572.733 mil brasileiros perderam suas vidas em decorrência da COVID-19. 1.2 As concepções de ciência e suas influências no contexto de pandemia A escrita deste trabalho ocorre num contexto de pandemia da COVID-19 que alterou a rotina de toda a população mundial. As concepções científicas em relação à pandemia aprofundaram por falta de conhecimento e/ou entendimento da comunidade brasileira sobre a sua propagação, auxiliada pela crença milagrosa de que a ciência, por meio da vacina, seria a salvação para a população. Junte- se a isso, a desinformação, a crença em conspirações, a incorporação nos movimentos antivacina, o descrédito na eficiência da vacina, por conta do tempo de produção, entre outros. Lake Arrowhead (2009) ministrou uma palestra no Center of the University of California, Los Angeles, no mês de julho de 1966, sobre a necessidade de promoção da divulgação científica para a comunidade, afirmando: [...] a ciência (isto é, o cientista) é responsável pelo uso que a sociedade faz da ciência; o cientista é responsável pelas consequências sociais da ciência. Argumentarei que esta proposição não depende para sua validade de quaisquer normas morais fora e além da ciência, ou de qualquer ponto de vista religioso ou humanitário. Em vez disso, sugiro que a proposição é ditada pela estrutura interna e o telos da ciência, e pelo lugar e função da ciência na realidade (MARCUSE, 2009, p. 159). A difusão do conhecimento científico não se dá só por meio da publicação de artigos, o cientista também pode colaborar com a 6 https://covid.saude.gov.br/ 18 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) responsabilidade de propiciar à população as informações necessárias ao seu entendimento. Tanto o cientista como o conhecimento que ele produz não são desprovidos de intencionalidade e neutralidade. Sobre a eficácia das vacinas para COVID-19, surgem sentimentos de dúvida por parte da população, em decorrência do curto prazo de produção em que foram desenvolvidas, evidenciando alguns aspectos sobre como a ciência é compreendida. O primeiro aspecto é sobre a concepção empirista da ciência, não superada pela população, consistindo na compreensão dela como “verdades absolutas” e cujo conhecimento é um retrato fiel da realidade. Pelas concepções de ciência contemporâneas, ela é vista como construtivista, pois compreendem a produção da ciência como um processo em constante movimento de idas e voltas e, principalmente, de reelaboração no qual o conhecimento científico não é entendido como alguma coisa que não pode ser questionável (DELIZOICOV; AULER, 2011). Contudo, o caráter dinâmico e provisório da ciência não produz no indivíduo a mesma segurança que as crenças lhe podem conceder, tais como a pseudociência e a fé (PILATI, 2020). No decorrer dos anos, as vacinas da COVID-19 tenderão à diminuição dos efeitos colaterais e melhoramento; por conta do desenvolvimento da pesquisa, teremos conhecimento aprofundado, mas não tendo certezas. Assim sendo, a ciência não produz certezas em relação ao conhecimento que ela propicia, é desprovido de qualidade e segurança. Dessa maneira, a validação do conhecimento científico, por exemplo, para produção de vacinas e medicamentos, como para os protocolos de testes e exigência de resultados esperados,tanto de eficiência quanto em relação à segurança; tanto pelos pares, quanto pelos órgãos de saúde. O segundo aspecto é sobre a questão do curto prazo de produção das vacinas da COVID-19, que pode ser evidenciado pela falta de compreensão da população de que a ciência e a tecnologia, no decorrer dos anos, pelos conhecimentos produzidos e pelas novas tecnologias que vêm surgindo, facilitarão na produção de novos conhecimentos. Portanto, segundo Lurie, et al. (2020) apud (LIMA; ALMEIDA; KFOURI, 2021, p. 22), a preparação 19 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências das vacinas ocorreu em um impacto humanitário e econômico mundial, no período da pandemia da COVID-19. Assim sendo, os autores continuam: “[...] impulsionou a utilização de novas plataformas de tecnologias de vacina para acelerar as pesquisas [...] numa rapidez sem precedentes”. O terceiro e último aspecto é relacionado à preocupação em relação ao entendimento da sociedade sobre a ciência, a partir da crença milagrosa de que a vacina será a salvação da sociedade. Dessa forma, este tipo de crença se aproxima do mito que Auler e Delizoicov (2001) denominam de mito da Perspectiva Salvacionista, no qual o desenvolvimento científico-tecnológico é considerado como um processo neutro e as relações sociais são secundarizadas, ou seja, esperar soluções, acreditando apenas que a ciência e a tecnologia são as responsáveis por tal solução, é uma ilusão, uma vez que medidas sociais, culturais, econômicas, políticas são extremamente necessárias. Assim sendo, os autores afirmam que acabar com a fome no mundo é algo que não depende somente da ciência e da tecnologia, mas elas dispõem de conhecimento necessário para produção de alimentos nas quantidades suficientes. Desse modo, a união entre a ciência e a tecnologia foram capazes de, em menos de um ano, produzir vacinas para a COVID-19, mas, no período equivalente, as pessoas do planeta ainda não foram vacinadas. 1.3 Contexto das aulas remotas Em março de 2020, as aulas presenciais foram suspensas, em todo o Brasil, e, ao longo dos meses que se seguiram, foram retomadas, de forma virtual, pelo uso de plataformas digitais, o que acarretou mudanças significantes de como a Química é ensinada no Ensino Médio. Com a necessidade de isolamento social, para o enfrentamento e combate à pandemia da Covid-19, a educação básica passou a acontecer no regime não presencial, sob orientações do Conselho Nacional de Educação (CNE), como também de Conselhos Estaduais e Municipais de Educação em todo o território brasileiro. O Parecer nº 11/2020 do Conselho Nacional da Educação 20 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) - CNE trata das “Orientações Educacionais para a Realização de Aulas e Atividades Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais no contexto da Pandemia”. Observamos neste parecer a presença direta de grupos ligados aos setores privados, principalmente no que diz respeito às pesquisas realizadas por eles, como podemos ver no seguinte trecho do documento: Outro estudo, realizado pela Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (IEDE) em parceria com o Instituto Rui Barbosa (IRB), mostra grande variedade e diversificação das redes de ensino para sua organização interna e disponibilização de conteúdos e atividades pedagógicas não presenciais durante o período de pandemia. Revela que 82% (oitenta e dois por cento) das redes municipais ofereceram aulas ou conteúdos pedagógicos aos estudantes utilizando diferentes estratégias. Em relação às redes estaduais pesquisadas, todas disseram ofertar algum tipo de conteúdo pedagógico no período de isolamento (BRASIL, 2020, p. 5). A pandemia trouxe inúmeros desafios e dificuldades para a educação, sobretudo, a pública, devido à falta de políticas públicas, agravada pelo aprofundamento da crise econômica que assola o Brasil, desde 2016 (SILVA; WEINMAN, 2020). Desse modo, este trabalho analisou aspectos do contexto do processo de ensino e aprendizagem de Química, durante o período da pandemia da COVID-19, por meio de estudo de caso, envolvendo duas professoras da educação básica do Ensino Médio da rede pública do Centro-Oeste (Barra do Garças/MT e Brasília/ DF) formadas em Licenciatura em Química pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) - Campus Universitário do Araguaia (CUA). 2 Desenvolvimento A pesquisa é de natureza qualitativa, do tipo estudo de caso. Um tipo de pesquisa que investiga casos com foco em situações especiais, ou de interesse, e busca compreender aspectos particulares (ANDRÉ, 2005; YIN, 2001). De um modo geral, o estudo de caso desta pesquisa irá 21 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências requerer os procedimentos formais, explicando pontos fortes e limitações do contexto de ensino de Química, durante a pandemia da COVID-19, sendo que as circunstâncias atuais que estamos vivenciando serão demostradas através de um método de investigação. Desse modo, tendo em vista a finalidade e a modalidade da pesquisa será importante compreender o que ocorreu nas aulas remotas virtuais, durante a pandemia da COVID-19, utilizando uma lógica protocolar de planejamento, coleta e análise de dados. A coleta de dados se deu por meio de entrevista semiestruturada realizada de forma virtual pelo Google Meet, com duas professoras, no primeiro semestre de 2021. A entrevista foi gravada, utilizando o programa OBS Studio. Em seguida realizou- se a transcrição das entrevistas. As professoras participantes da pesquisa concordaram com o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE)7, após os pesquisadores o lerem, no início da entrevista. Para fins de preservação da identidade, as professoras serão representadas por: Professora 01, sendo uma docente de contrato, que há três anos leciona a disciplina de Química, em Brasília/DF. Neste ano de 2021, não foi contratada em nenhuma escola, até o momento, mas está aguardando a Secretária de Educação chamar. No ano passado, lecionou o ano todo a disciplina de Química, nas turmas do 1º ao 2º ano do Ensino Médio. Já a Professora 02, também é uma docente de contrato, que há oito anos leciona a disciplina de Química, em Barra do Garças/MT, isto é, desde que se formou, em 2013. No entanto, não conseguiu aulas no ano de 2021, pois a quantidade de alunos na pandemia diminuiu, provocando, assim, a diminuição de aulas e, consequentemente, diminuição de professores contratados. Recentemente defendeu o mestrado em um Instituto Federal do estado de Goiás. As professoras se mostraram bem interessadas em relatar suas experiências, evidenciando, nas falas, como foi ensinar, por meio do ensino remoto, a relação com os alunos, as dificuldades, 7 Número do parecer de autorização do comitê de ética: 3.665.333 22 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) sentimentos de frustação, sobrecarga de trabalho e pontos positivos dessas vivências. Destacamos as falas das professoras entrevistadas, ao responderem pergunta relacionada a sua opinião sobre a situação de ensinar no contexto de pandemia. Professora 01: Como em Brasília é uma cidade grande, houve diminuição de alunos. No início das aulas, principalmente no 1º semestre até que tinha alguns alunos fazendo as atividades e participando das aulas no Google Meet. Daí depois percebeu, que eles quase não frequentavam o Google Meet, alguns faziam as atividades. Quando os alunos não participavam das aulas no Google Meet, muitos diziam que estavam com falta de internet só possuía dados móveis e gastavam muito internet e preferiam utilizar para fazer as atividades da plataforma. Eu criei um grupo no WhatsApp para falar com eles, sempre mandavam uma dúvida, mas eram poucos e isso foi se diminuindo. Mesmo assim teve muito alunos desistindo, os pais compareciam na escola para avisar que o seu filho não queria mais estudar, principalmente é o que eu percebi muito nos conselhos, dito pela coordenação dos alunos que tinhamdeficiência, no caso, surdo, eles tinham dificuldades e muitos deles já estavam querendo desistir, até com acompanhamento do intérprete estava muito difícil nessa pandemia. [grifo nosso] Professora 02: A diminuição de alunos ocorreu a partir de 2020 pra cá em relação da pandemia. A gente teve um problema do ensino remoto (ensino emergencial) se adaptando. Os alunos sentiam a falta da interação social. O aprendizado ele é mais difícil para o aluno assimilar, mesmo que o professor está explicando usando recursos de quadro ou vídeo para explicar. Os pais mandavam mensagens aflitos, dizendo que os filhos não estavam aprendendo. Nós ficávamos desesperados, porque nós estamos fazendo de tudo, mesmo trabalhando, preparando aula e usando vários recursos tecnológicos para tentar aprimorar o aprendizado dos alunos e aí você fala “Meu Deus”, o que faço? Daí você ver aqueles áudios dos pais e fica muito desesperado. No decorrer do ano, não tive muito contato com os pais dos apostilados, mas as atividades das apostilas, geralmente elas viam todos em branco. Essa diminuição das turmas, eu acredito que seja um desses fatores 23 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências ou pode ser outros como financeiro e outras coisas que vem surgindo pelo caminho. Nessa pandemia a gente ver que a desigualdade aumentou muito. Esse ensino emergencial ele escancarou a desigualdade social existente ali e também acho que afeta muito nas questões das matrículas nas escolas. [grifo nosso] As duas professoras mencionaram que houve diminuição de alunos, ao longo do ano de 2020, e ambas não conseguiram aulas para dar, no ano de 2021, devido à continuidade dessa diminuição dos alunos. Os motivos para essa situação, de acordo com a experimentação das professoras se explicam em virtude da falta de internet dos alunos, da dificuldade de aprendizagem, da deficiência de alguns, da comunidade indígena e devido às dificuldades econômicas vividas pelas famílias, obrigando alguns estudantes a buscarem trabalho para ajudar nas despesas familiares. As professoras evidenciaram que, durante a pandemia, foi mais difícil o acesso às aulas remotas por esses alunos, ficando claro que a pandemia e a falta de iniciativa do governo aumentaram as desigualdades sociais e de inclusão. Foi marcante, nas falas das professoras, o empenho delas e a dedicação de tempo para a preparação das aulas virtuais e apostilas para alunos que não tinham como acompanhar as aulas on-line e, também, foi possível perceber o sentimento de frustação, ao ver os alunos desistindo e/ou entregando as apostilas, sem terem realizado as atividades. As tecnologias foram utilizadas como principal estratégia para a realização das aulas remotas virtuais, nesse período de pandemia. Segundo Moreira (2018, p. 6), desde que “[...] o analógico e o digital, o real e o virtual, o humano e a máquina, o off-line e o on-line passaram a coabitar”, ocorreram mudanças de ordem social, cultural, econômica, política e ética. A professora 01 relata que teve que investir recursos próprios para a aquisição de materiais, como uma lousa digital. Tanto a professora 01 quanto a professora 02, relatam que perceberam, nos alunos, sentimentos de angústia, desânimo e depressão. A professora 02 relatou o caso de um aluno que se suicidou, o que a deixou chocada e em alerta com os outros alunos, 24 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) especialmente com a demanda de atividades que aplicava nas aulas. Professora 02: [...] assim que as minhas aulas começaram, a gente teve um choque, que todo mundo não esperava de um aluno se suicidar. Então, a partir disso, eu comecei a ficar mais atenta com os meus alunos, [...] a partir do que aconteceu, eu comecei a diminuir mais, porque eu estava cobrando muito. [...] Era uma cobrança do estado e aí você “jogava” em cima do aluno e esquecia da parte humana. Então, a partir disso, que parei e falei não, pera aí! Qual é a função da Química, aqui? Os meninos, estão iguais a mim, desorientados, perdidos e a gente vai ficar cobrando? [grifo nosso] Em relação ao ensino dos conceitos químicos, a professora 02 relata que teve dificuldades em ensinar os conceitos de estequiometria pelo ensino remoto e que utilizou plataformas virtuais e recursos audiovisuais. Em relação às aulas experimentais as professoras não realizaram atividades dessa maneira. Professora 01: Dos conteúdos que utilizei bastante, foram na parte da Densidade, Simulador e Geometria das Moléculas, chegando a utilizar a simulação do PhET8, [...] nesses conteúdos, tive êxito a partir da participação dos alunos, e vendo que eles conseguiram compreender um pouco mais, [...], falando das aulas experimentais, a respeito da gente saber se o aluno está vendo ou não. Essa mesma aula de Geometria das Moléculas, apresentando os modelos e colocando pra eles fazerem me sentia muito impaciente, porque gosto de estar fazendo e os alunos vendo. Tinha vez, que eu fazia e eles reclamavam, que não estava vendo direito os modelos. Portanto, na plataforma que utilizei foi o melhor. Pretendo utilizar futuramente o uso das simulações, após esse período da pandemia. [grifo nosso] A partir do relato da professora 01 foi possível perceber a dificuldade que ela encontrou em ensinar virtualmente alguns conceitos, como o de geometria molecular e com a utilização de simulações, mas conseguiu obter êxito, a partir da participação dos alunos. No período pós-pandemia, a professora afirma que pretende utilizar as simulações nas aulas práticas. 8 https://phet.colorado.edu/pt_BR/ 25 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências 3 Considerações finais A partir do estudo de caso, observamos que as professoras tiveram que se reinventar, em um espaço de tempo muito curto, aprender a utilizar novas metodologias, fazer uso de tecnologias e mídias que não eram conhecidas, ou que não eram utilizadas com frequência, exigindo muito delas, sem que recebessem formação e suporte necessário para tal; além disso, as professoras são também indivíduos da sociedade e vivenciam as dificuldades da pandemia. A incorporação das simulações e mídias audiovisuais na prática de professores pode ser um dos pontos positivos decorrentes das aulas remotas desenvolvidas durante a pandemia. Ficou evidente que o ensino remoto poderá contribuir para a prática dos professores, mas as aulas remotas são compreendidas como limitadas para a aprendizagem dos alunos e que devem ser utilizadas somente durante esse período pandêmico. Referências ANDRÉ, M. E. D. A. Estudo de caso em Pesquisa e Avaliação Educacional. Brasília: Líber Livro Editora, 2005. 68p. (Série Pesquisa, v. 13). AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização Científico- Tecnológica para quê? Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências, v. 3, n. 1. p.1-13. jun. 2001. Disponível em: http://www. educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/ quimica/act_para_que_auler_delizoicov.pdf. Acesso em: 25 mai. 2021. BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP. nº. 11, de 07 de julho de 2020. Disponível em: https://www.semesp.org. br/wp-content/uploads/2020/07/Parecer-CNE-CP-11_2020- Orientac%CC%A7o%CC%83es-Educacionais-para-Aulas-e- Atividades-Pedago%CC%81gicas-Pandemia-COVID19.pdf. Acesso em: 23 jun. 2021. 26 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) DELIZOICOV, D.; AULER, D. Ciência, Tecnologia e Formação Social do Espaço: questões sobre a não-neutralidade. Alexandria Revista de Educação em Ciência e Tecnologia, v.4, n.2, p.247- 273, novembro. 2011. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/ index.php/alexandria/article/view/37690/28861. Acesso em: 22 mai. 2021. LIMA, E. J. F.; ALMEIDA, A. M.; KFOURI, R. A. Vacinas para COVID-19 - o estado da arte. Revista Brasileira Saúde Materno Infantil, Recife, 21 (Supl. 1): S21-S27, fev., 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1519- 38292021000100013&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso em: 21 mai. 2021.MARCUSE, H. A responsabilidade da ciência. Scientiae Studia , São Paulo, v. 7, n. 1, p. 159-64, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ss/a/ D9dDCGXsSK45s6KtWrWVDwH/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 24 mai. 2021. MOREIRA, J. A. 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Capítulo 2 ABORDAGEM RELACIONAL NA HISTÓRIA DO ENSINO DE QUÍMICA NO BRASIL: CONTADA A PARTIR DOS ESTUDIOSOS CONDE DA BARCA E JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA Francisca das Chagas Alves da Silva1 Joyce Melo Mesquita2 Nyuara Araújo da Silva Mesquita3 1 Introdução Considerando-se que, nas últimas décadas, vários pesquisadores do campo do ensino de ciências, e dentre eles do ensino de química, tem-se apropriado dos estudos sociológicos de Pierre Bourdieu, trazemos uma abordagem histórica e relacional sobre os primeiros passos da inserção do ensino de química no Brasil a partir de dois personagens que contribuíram na construção desse cenário. As interseções entre os estudos sociológicos e as pesquisas no ensino de química denotam um olhar para além dos currículos, mas que consideram também as relações históricas e sociais que influenciam e balizam as perspectivas de ensino que são evidenciadas, considerando interesses que permeiam 1 Professora de Química do Instituto Federal do Piauí, Campus Campo Maior. Licenciada em química pelo Instituto Federal do Piauí, Mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Federal do Ceará e Doutoranda em Química pelo PPGQ-IQ, Universidade Federal de Goiás. franciscasilva@ifpi.edu.br 2 Professora de Química do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão. Licenciada em Química pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Federal do Ceará e Doutoranda em Educação em Ciências e Matemática pela Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática - REAMEC/UFPA. joyce.mesquita@ifma.edu.br 3 Professora associada da área de Ensino de Química na Universidade Federal de Goiás. Licenciada, mestre e doutora em Química pela Universidade Federal de Goiás. nyuara@ufg.br 28 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) os caminhos trilhados em diversas épocas. Este capítulo tem o intuito de discutir a historiografia do ensino de química com enfoque em dois estudiosos pioneiros no ensino de química que atuaram no Brasil colônia: o Conde da Barca4 e José de Bonifácio de Andrada e Silva, considerando o princípio da ação histórica. Para Bourdieu “o corpo está dentro do mundo social, e o mundo social está dentro do corpo” (OLIVEIRA; PESSOA, 2013, p.40-41). Este princípio é descrito por meio da relação da história objetivada nas coisas e a história encarnada nos corpos. O processo de construir um objeto de estudo significa romper com o senso comum iniciando com a ressignificação histórica do objeto buscando destrinchar as teias as relações de poder, de reprodução e dominação das práticas sociais. Para trabalhar na perspectiva Bourdieusiana é necessário, além de conhecer a trajetória do autor e a constituição do seu método, ter o conhecimento praxiológico ou a teoria da prática, tentar reproduzir seu modus operandi, analisando suas disposições como pesquisador, sua forma de pensar e de ver o mundo social. É nessa perspectiva que o capítulo contempla Bourdieu (1998, 2004) seu método de análise, a teoria da prática, sua correlação e identificação com a educação e com a análise educacional. Bourdieu (1998) contribui com a educação ao discutir seu modus operandi, o modo de fazer e entender a coisa acontecendo que caracteriza o pensamento sociológico corporificado nas suas pesquisas. Ao fazer o tipo de pergunta relacionado ao opus operatum, obra pronta, o autor traça críticas à pesquisa já acabada e prioriza a coisa acontecendo (SILVA, 1996). Em um sistema de representações como o que vivemos, o pesquisador precisa estar permanentemente vigilante para evitar um discurso científico voltado, por exemplo, à sua posição social. Bourdieu (1989) defende que todo trabalho de sociologia implica uma reflexão epistemológica e a elaboração da problemática implica 4 Antônio de Araújo e Azevedo, heteronômio Conde da Barca (1754 -1817), um português que foi possivelmente um dos pioneiros na Educação Química no Brasil; ministro dos estrangeiros e da guerra em 1804, e partidário da mudança da Corte para o Rio de Janeiro no Brasil (CHASSOT, 1996). 29 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências a sua inscrição num campo teórico. Essa preocupação metodológica e epistemológica está presente em todas as suas análises teóricas que, como a sua concepção da sociedade ou do indivíduo, se inscrevem- se em uma perspectiva crítica. Os estudos de Bourdieu mostram uma grande preocupação em produzir evidências empíricas sistemáticas desde a escolha do objeto de estudo, a problemática e o pensar relacional até a metodologia com a utilização de diversos instrumentos e modo de análise de dados na busca por uma melhor sistematização do objeto pesquisado. De acordo com Alfonso-Goldfarb (1994) e Bourdieu (2004) a história da ciência se constitui em um complexo entrelace entre a ciência objetivista e a história que pode aparecer ou até ser ocultada nos seus registros com uma tradição da história da ciência muito próxima da história da filosofia. Bourdieu (2004, p.20) descreve “o processo de perpetuação da ciência como uma espécie de partenogênese, a ciência engendrando-se a si própria, fora de qualquer intervenção do mundo social”. Para Oliveira (2018), os estudos de revisão bibliográfica em fontes primárias e secundárias buscam resgatar acontecimentos, fatos, debates, conflitos e circunstâncias da produção científica em determinada época do passado próximo ou remoto, e as articulações entre eles possibilitando a sistematização do objeto pesquisado. Para resgatar fatos que fortaleçam o ensino de Ciências e, especificamente o ensino de Química, é de suma importância a ressignificação de teorias e conceitos por meio de uma análise historiográfica. Os estudiosos pesquisados foram selecionados por sua relação com o ensino de química e ações para sua implementação deste no Brasil Colônia, uma história contada a partir dos conquistadores. O resgate do contexto histórico contribui para um melhor entendimento do ensino de química frente ao campo da química. Os dois estudiosos são descritos na literatura como pioneiros no ensino da química devido a suas ações com o intuito de implementação de um sistema de ensino voltado para a ciência (CHASSOT, 1996; 2018; FRANCO-PATROCÍNIO, 2015; FRANCO-PATROCÍNIO; FREITAS-REIS, 2015). José Bonifácio de Andrada e Silva, patriarca da Química 30 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) (1763-1838) ligado à Química e Mineralogia, tem trabalhos que demonstram seus esforços por trazer a ciência vigente na Europa do século XVIII e XIX para a realidade brasileira ao mesmo tempo que exerceu forte influência política sobre a coroa portuguesa. Por sua forte influência política, ainda teve a oportunidade de se tornartutor de Dom Pedro II, podendo assim, influenciar o seu gosto pelas ciências, em especial pela Química (FRANCO-PATROCÍNIO, 2015). Considerando seus estudos sobre os minerais petalita e espodumênio, foi possível, mais tarde, isolar o elemento químico Lítio, de ampla aplicabilidade nos dias atuais. Em relação ao ensino, José Bonifácio de Andrada e Silva ambicionou grandes mudanças para o curso de Filosofia Natural da Universidade de Coimbra, o que infelizmente não foi colocado em prática. Mesmo com essa desilusão, ao retornar ao Brasil, propôs vários trabalhos que tinham como foco principal desenvolver a ciência na sua terra natal, na tentativa de equipará-la às demais nações por ele visitadas (FRANCO-PATROCÍNIO; FREITAS-REIS, 2015). José Bonifácio de Andrada e Silva e o Conde da Barca têm em comum o interesse pela ciência e as ações para ensinar química. Evidenciamos uma abordagem histórica relacional para esta área do conhecimento no sentido de destacar esses estudiosos e a influência externa na constituição e produção do seu conhecimento científico. Entendemos que a ciência está em constante transformação e que a atividade científica e os produtos dela advindos são resultados de um processo de debate, proposições de críticas e sucessivas (re) elaborações teóricas. (MOURA, 2014; SILVA e MOURA, 2008). Considerando a relação entre o princípio da ação histórica e a história do ensino de química discutido, muitas vezes, apenas pela perspectiva dos conquistadores, como mencionado em Chassot (1996) este capítulo tem o intuito de problematizar, resgatar e tecer relações entre a história do Conde da Barca e o José Bonifácio de Andrade e Silva, dois professores que buscaram contribuir com o panorama histórico da química e do seu ensino no Brasil. 31 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências 2 Metodologia Para o percurso metodológico foi realizada uma revisão bibliográfica dos artigos que relatam episódios significativos da história do ensino de química no Brasil contada a partir dos estudiosos: Conde da Barca em “Uma história da Educação Química Brasileira: sobre seu início discutível apenas a partir dos conquistadores” (CHASSOT, 1996) e José Bonifácio de Andrada e Silva no artigo intitulado “José Bonifácio de Andrada e Silva Revisitado: O Professor da Universidade de Coimbra” (FRANCO- PATROCÍNIO; FREITAS-REIS, 2015). A pesquisa bibliográfica pode delinear caminhos para a resolução de problemas conhecidos, como também explorar novas áreas, pois permite ao cientista o reforço paralelo na análise ou manipulação de sua informação. Dessa forma, a pesquisa bibliográfica “não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras” (LAKATOS; MARCONI, 2017, p. 182). Buscando identificar os indicadores relacionais da ação histórica, estabelecemos duas categorias prévias: dinâmica social da vida dos estudiosos e contribuições para a repensar o ensino de química. 3 Resultados e discussão Muitas referências destacam a ausência de registros da história do ensino no Brasil pré-colonial e o início do Brasil colônia conforme Chassot (1996, p.134) “a quase inexistência de uma história deste período ocorre porque praticamente o ensino que houve até então era muito informal e aquele oficial excessivamente disciplinado pela Coroa Portuguesa”. Destacar alguns desses pontos fortalece a historiografia e possibilita uma contribuição para o ensino de química por meio do princípio da ação histórica destes dois estudiosos tão diferentes e suas correlações. Chassot (1996) destaca três momentos que são significativos para o entendimento da dinâmica da educação química no Brasil: (i) 32 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) as normas do Curso filosófico contidas no Estatuto da Universidade de Coimbra (1772); (ii) a maneira de ensinar Química, escrito por Lavoisier entre 1790 e 1793 e (iii) as Diretrizes para a cadeira de Química da Bahia do Conde da Barca (1817). Os três marcos aparecem nos entrelaces históricos do Conde da Barca e de José Bonifácio de Andrada e Silva, estudiosos sobre a química no Brasil. As normas do curso de filosofia de Coimbra fizeram parte da formação de José Bonifácio de Andrada e Silva; os escritos de Lavoisier influenciaram diretamente a química de todo o período e a cadeira de química da Bahia mostrou um caminho do ensino desta área no país apesar de não ter sido concretizado. 4 Dinâmica social da vida dos estudiosos Apresentaremos a dinâmica social da vida dos estudiosos Conde da Barca e José Bonifácio de Andrada e Silva, pois entendemos que estes não estão alheios às influências da formação intelectual e social oriundas de seu seio familiar e os espaços que foram responsáveis por sua formação científica. Bourdieu ressalta que esse conhecimento vem do habitus, sistema de disposições que geram percepções, apreciações e práticas, habitus primário quando vinculado a família e secundário que ocorre em espaços escolares. Antônio de Araújo e Azevedo (1754 -1817), o Conde da barca, nasceu em Ponte de Lima, Portugal e estudou Filosofia em Coimbra, Matemática e História no Porto. Sua trajetória na diplomacia teve início em 1789, na Corte de Haia, onde foi embaixador extraordinário e ministro plenipotenciário e assinou o Tratado de Paz com a França, em 1797, que, não tendo sido ratificado, levou Antônio de Araújo e Azevedo ao cárcere, por ordem do diretório, sendo libertado quatro meses depois. Na Alemanha, onde esteve como diplomata, dedicou-se ao estudo da Ciência e das Letras (CHASSOT, 1996). Em 1801, foi transferido para a embaixada de São Petersburgo, onde ficou três anos. Foi Ministro dos Estrangeiros e da Guerra em 1804 e, dois anos mais tarde, assumiu também o Ministério do Reino. Foi um dos maiores incentivadores partidários 33 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências da mudança da Corte para o Rio de Janeiro. Embarcou com a Família Real para o Brasil, a bordo do Medusa, quando trouxe sua coleção de livros (depois incorporada à Biblioteca Nacional), uma tipografia completa (a primeira regular a existir no Brasil), uma coleção mineralógica e um conjunto de instrumentos de análise química para uso em seu laboratório particular. Pertenceu à Academia Real das Ciências de Lisboa e obteve os títulos da grã- cruz das ordens de Cristo, da Torre e Espada, de Isabel a Católica, de Espanha e da Legião de Honra de França (CHASSOT, 1996, p.139). No início do século XIX, a vinda de Dom João VI e da corte portuguesa para o Rio de Janeiro trouxe mudanças para o contexto do ensino e pesquisa dos conhecimentos científicos. Com a finalidade de conseguir benefícios para o reino, era necessário um estudo sobre as riquezas que o país possuía, logo são criadas então, em regime de urgência, instituições para o ensino profissional superior e técnico. O primeiro decreto referente ao ensino de Química é o de 6 de julho de 1810, que cria uma cadeira de Química na Real Academia Militar. Há uma Carta de lei de 4 de dezembro de 1810 que disciplina o ensino (CHASSOT, 1996). Neste período, aulas de química começaram a ser ministradas na Academia Real Militar em 23 de abril de 1811 com caráter utilitário servindo para o conhecimento das minas com base nas obras de Lavoisier. Na verdade, uma extensão da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, criada em 1792, por ordem da Dona Maria I, rainha de Portugal, no espaço hoje ocupado pelo Museu Histórico Nacional, e nas Escolas de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, criadas com a chegada da família real (ALMEIDA; PINTO, 2011). A formação e vivência do Conde da Barca o direcionou para a ciência constituindo assim seu habitus, uma estrutura estruturada que funciona como uma estrutura estruturante vinculado ao campo em um espaço social multidimensional. O habitus estruturado pelo passado e circunstâncias atuais,como o seio familiar e as experiências educacionais. E estruturante no sentido de que nosso habitus ajuda a moldar nossas práticas atuais e futuras. A jornada 34 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) continua e, quando o Conde da Barca chegou ao Brasil dedicou-se a trabalhos científicos. Cultivou mais de 1500 espécies botânicas, catalogando-as com o nome de Hortus Araujensis. Instalou em sua casa um alambique de tipo escocês e encorajou o fabrico da cerâmica. Incentivou o cultivo do chá, tendo mandado vir chineses para cuidar deste cultivar. Em 1814 voltou ao Ministério, ocupando a pasta da Marinha, chegando a ocupar todas as pastas ministeriais, um pouco antes de morrer. Fundou a imprensa Régia e a Academia de Belas- Artes, em 1815, para a qual contratou professores de grande destaque. Em 27 de dezembro de 1815, recebeu o título de primeiro Conde da Barca. A correspondência do Conde da Barca é considerada de grande interesse histórico, científico e político (CHASSOT, 1996, p.139). O Conde da Barca atuou em diferentes espaços do conhecimento com prestígio e legitimidade e acumulou saberes presentes na sua correspondência de interesse público. Um destaque nesse período para o campo da química foi a criação do laboratório Químico-Prático do Rio de Janeiro (1812-1819) cujo objetivo era o desenvolvimento de pesquisas químicas com finalidade comercial. O laboratório se constituiu como primeira tentativa de incrementar “pesquisas químicas com objetivo prático de aplicação, não tendo a finalidade de desenvolver a química como ciência” (SANTOS, 2004, p. 342). Este laboratório era denominado de laboratório dos condes, pois foi dirigido por eles durante sete anos, inclusive o Conde da Barca. Outro laboratório de química, criado em 1824 também com objetivos práticos, foi o Laboratório Químico do Museu Imperial e Nacional, idealizado por João da Silveira Caldeira, seu primeiro diretor e médico que fez um estágio com renomados químicos da época (ALMEIDA; PINTO, 2011). Silva (1986 apud SANTOS, 2004) explica os interesses em torno de duas características da cultura científica deste período. A primeira é o pragmatismo, isto é, que a ciência só se justificava socialmente se, em vez de ser puramente especulativa e teórica, tivesse imediatas aplicações práticas, seja para o aumento da riqueza do Estado, seja para a melhoria das condições de vida. A segunda 35 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências é a estatização, já que o Estado tomava a iniciativa das pesquisas a serem efetuadas nos vários ramos da ciência. José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) nasceu em Santos, São Paulo - Brasil. Sua família fazia parte da aristocracia e, por isso, José Bonifácio de Andrada e Silva pôde desenvolver suas aptidões. Durante os primeiros anos, ele recebeu educação informal dada por seus pais e por alguns tios que eram sacerdotes da Igreja Católica (FRANCO-PATROCÍNIO; FREITAS-REIS, 2015). Percebe-se a influência da religião na formação do habitus primário de José Bonifácio de Andrada e Silva. Em relação ao papel da Igreja Católica na educação nesse período, Chassot (1996) destaca que, em 1786, era lamentável o estado das poucas escolas de primeiras letras que existiam no Brasil considerando-se que, em todas as capitanias, as atividades de ensino das chamadas primeiras letras eram exercidas por religiosos. Ainda muito jovem, José Bonifácio de Andrada e Silva mudou-se para a capital do estado para dar continuidade a seus estudos. Em 1783 foi para Portugal estudar Direito e, um ano depois, fez Filosofia Natural, na Universidade de Coimbra. Nesta faculdade teve a oportunidade de cursar Física, Mineralogia, Zoologia, Botânica e Química, com professores renomados que vinham de vários países europeus (FRANCO-PATROCÍNIO; FREITAS-REIS, 2015). Em 1787 recebeu o diploma de Filosofia Natural e no ano seguinte o de Leis. Com interesse na atuação na carreira das ciências e sob influência do iluminismo, acompanhou o surgimento das disciplinas de química, geologia e física. (FRANCO-PATROCÍNIO; FREITAS-REIS, 2015). Assim como o Conde da Barca, José Bonifácio de Andrada e Silva também foi admitido na Academia Real de Ciências de Lisboa iniciando sua carreira como pesquisador. Andrada e Silva buscou fazer uma ciência que atendesse às demandas da Coroa Portuguesa e aos anseios da população. Isto se torna mais evidente no período que o estudioso passou na Academia Real das Ciências de Lisboa. A população sofria com doenças que maltratavam o povo português e de vários outros países da Europa. A malária, por exemplo, vitimou 36 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) centenas de pessoas. A ampliação do uso da quina foi muito importante naquele momento, pois a conclusão de que a quina do Rio de Janeiro apresentava as mesmas características febrífugas - embora com menor teor em quinino - fez com que a metrópole não necessitasse importar a quina do Peru e, consequentemente, ocorreu a ampliação da utilização desse composto também nos hospitais brasileiros. (FRANCO- PATROCÍNIO, 2015, p.91) Em 1790 recebeu do governo Português uma espécie de bolsa de estudos para aperfeiçoamento nos maiores centros científicos europeus. Neste período aprimorou seus conhecimentos de química e mineralogia. Na França estudou na Escola Real das Minas com Antoine-François Fourcroy (1755-1809) e escreveu “Memórias sobre os diamantes do Brasil” apresentado à Sociedade de História Natural de Paris da qual era membro e, posteriormente, foi publicado no A Journal of Natural Philosophy, Chemistry, and the Arts. Na Alemanha, desenvolveu pesquisas com um dos mais respeitados mineralogistas da época, Abraham Gorrlob Werner (1749-1817) (FRANCO-PATROCÍNIO; FREITAS-REIS, 2015). Na Suécia, Noruega e Dinamarca inspecionou diversas usinas e minas. Com seus conhecimentos de química e mineralogia buscou pesquisar e divulgar pela Europa as riquezas diamantíferas da colônia. Participou ainda da Academia de Ciências de Estocolmo, a Sociedade Filomática de Paris e a Sociedade de História Natural de Paris. Após sua estadia para pesquisas na Noruega, concluiu que havia descoberto doze novas espécies mineralógicas, feito publicado em “Curta Notícia das Propriedades e Caracteres de alguns novos fósseis da Suécia e da Noruega”. Em 1800 foi publicado também em outros meios científicos de prestígio na época. Das espécies descobertas apenas quatro eram realmente desconhecidas, as demais eram na verdade variedades de minerais anteriormente descobertos. Os novos minerais foram denominados espodumênico, petalita, criolita e a escapolita (FRANCO-PATROCÍNIO, 2015; FRANCO-PATROCÍNIO; FREITAS-REIS, 2015). Estas descobertas projetaram José Bonifácio de Andrada e Silva frente aos renomados mineralogistas da época e pesquisas posteriores culminaram, em 1818, com o isolamento do elemento 37 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências lítio por Johan August Arfwedson. Retornou a Portugal em 1800 e foi designado para vários cargos inclusive o de Docente da Universidade de Coimbra (1801) (FRANCO-PATROCÍNIO; FREITAS-REIS, 2015). Moura (2014) destaca que os aspectos externos à ciência influenciam a construção e consolidação do conhecimento científico à medida que a “atividade científica” se encontra imersa nesse contexto e sofre influência das questões sociais. 5 Contribuições para repensar o ensino de Química Os estudiosos José Bonifácio de Andrada e Silva, mineralogista de prestígio, e Conde da Barca, um diplomata, cientista, político e escritor português, tiveram forte influência na política e na ciência, porque viajaram pelo mundo e colecionaram diversas experiências científicas desde a pesquisa até a participação em sociedades científicas o que auxiliou na construção do seu legado. Assim, vamos enfocar a versão docente de Antônio Araújo Azevedo e José Bonifácio de Andrada e Silva e suas ações que sinalizam o pioneirismo nahistória da Educação Química no Brasil. Em 1784, Andrada e Silva formou-se em Filosofia Natural, cursando o projeto educativo idealizado por José Monteiro Rocha do Estatuto da Universidade de Coimbra (1772) que usava uma metodologia experimental, considerada inovadora no ensino das ciências físico-matemáticas (FRANCO-PATROCÍNIO; FREITAS-REIS, 2015). Ele cursou química no seu quarto ano em Filosofia Natural. Após dez anos de viagens para estudos realizados pela Europa, retornou a Portugal e assumiu a cadeira de metalurgia e agricultura criada por carta régia pelo príncipe regente D. João VI em 1801 e mais dois cargos de demonstrador para o mesmo curso. Recebeu também o título de Doutor em Filosofia Natural para exercer suas atividades na Universidade. Após o conflito e a expulsão das tropas francesas do território português (1807-1811), outra reforma no plano de estudos ocorreu em 1811 na Universidade de Coimbra. Cada professor deveria propor mudanças para sua área, por isso, redigiu “Memória do 38 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) desembargador José Bonifácio de Andrada e Silva sobre os meios de prepararem no Reino os estudos de mineralogia dando nova forma e método para seu estudo” (1811). Por meio da sua experiência enquanto pesquisador e estudioso de mineralogia, pôde externar suas opiniões, crenças e até insatisfações. Propôs um curso de Filosofia estruturado do específico para o geral, no qual as cadeiras5 fundamentais botânica, zoologia e química ficariam no primeiro ano; física e mineralogia no segundo e as cadeiras aplicadas e de excursão como, por exemplo, agricultura, tecnologia e metalurgia no final do curso. Essa distribuição das cadeiras é inovadora e fruto da sua experiência nas universidades que frequentou, incluindo aulas de campo e um curso com duração de cinco anos. Nas suas memórias, José Bonifácio de Andrada e Silva menciona a formação dos professores com destaque para a metodologia de ensino que prioriza as aulas experimentais e de campo sendo a maior carga horária do curso e as viagens para o enriquecimento do conhecimento do professor. Entretanto, José Bonifácio de Andrada e Silva enfrentou obstáculos na concretização do seu plano curricular. Dificuldades impostas pela própria universidade e a falta de recursos financeiros para a realização de experimentos; falta de museus; gabinetes de física e laboratório; falta de professores habilitados; as ciências naturais não entrarem no plano de educação dos jovens, entre outros. Ele planejou trazer para o Brasil características da ciência vigente na Europa Projetou uma universidade no Brasil detalhando as principais características que deveria possuir para se tornar próspera e futuramente ser ampliada. No entanto, nos documentos analisados, percebemos que a universidade proposta não fora criada, e mais uma vez, ele não teve suas sugestões consideradas (FRANCO-PATROCÍNIO, 2015, p.92) Seus interesses com a divulgação e o ensino de ciências não chegaram a ser concretizados, porém o estudioso, com sua formação em ciências naturais, influenciou a aptidão científica de Dom Pedro II. Devido ao interesse de Dom João VI pela ciência e a 5 O termo Cadeira é referente a disciplina cursada hoje nas Universidades. 39 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências investigação da riqueza mineralógica da colônia, por meio do Decreto real de 25 de janeiro de 1812, foi criado o laboratório químico-prático. Posteriormente, foi também criada a cadeira de Química na Bahia, em janeiro de 1817, por meio de uma carta real para o ensino dos princípios práticos da química e seus diferentes ramos. Constituindo-se como um importante marco para o ensino de química, a carta continha instruções de Antônio de Araújo e Azevedo, o Conde da Barca, um colaborador do rei e estudioso da química que fez menção as recomendações para o seu ensino. No princípio da ação histórica que busca um olhar relacional, os dois estudiosos apresentam ações pioneiras para a metodologia e formas de ensinar a química teórica e prática no Brasil apesar da resistência e ausência da concretização. Para Chassot (1996, p.139) o Conde da Barca faz “inferências sobre a situação das publicações químicas em língua portuguesa” e propõe fazer um ensino de química ligado à realidade. Nas instruções para a cadeira da Bahia faz recomendações e indica o livro “Filosofia Química” de Antoine François Fourcroy (1755-1809), um dos tutores de José Bonifácio de Andrada e Silva na França. A carta menciona ainda os recursos para manutenção dos laboratórios e gabinetes; as expedições dos professores para formação; o estudo da química para as pessoas interessadas. As contribuições dos dois estudiosos possivelmente influenciaram o Rei pois tinham preocupações amplas para definir e estruturar o ensino de química no Brasil. As contribuições do Conde da Barca, ligado a uma química vinculada à realidade, foram esquecidas no ano da sua morte, conforme Chassot (1996, p.141) na “migração para um ensino de Química livresco e fundamentalmente reorientado para um humanismo retórico” voltado para uma educação elitista. Assim também as contribuições de José Bonifácio de Andrada e Silva em Portugal e no Brasil foram de certa forma esquecidas ao longo do tempo. Diante dos elementos apresentados, destacamos que o debate entre distintas visões de mundo foi intenso, representando um período de disputa pública e persistente guiada por divergências e arcabouços teóricos que trouxeram contribuições para a ciência, 40 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) mas também divergências nas opiniões propostas para a melhoria do ensino de química, ao passo que muitas foram esquecidas com as já mencionadas no capítulo. Conforme Oliveira (2018), entendemos que a compreensão da atividade científica pode ser potencializada pela apresentação dos elementos internos à ciência e que dizem respeito aos argumentos teóricos e às evidências experimentais disponíveis na época; assim como pelos elementos externos à ciência e que se referem às questões sociais, culturais e religiosas que permeiam os cientistas e os influenciam. As argumentações apresentadas buscaram trazer elementos da história para repensar as ações de agentes que lutaram por uma proposta de ensino de química com uma melhor qualidade contribuindo com ações inovadoras para a época. Por isso, a importância de olhar para o objeto dentro do princípio da ação histórica para compreender que para além das ações dominantes, existem possibilidades de ações que propuseram um caminho diferente para o ensino. 6 Considerações finais Foram evidenciados elementos do pensar relacional a partir do olhar para a construção social do objeto sob o princípio da ação histórica conforme estudos de Bourdieu. Apontamos algumas influências externas e internas na produção do conhecimento científico por meio do entrelace da contextualização histórica dos estudiosos, Conde da Barca e José Bonifácio de Andrada e Silva e dos aspectos da vida social de ambos na formação científica, bem como na importância das suas ações para o ensino de química no Brasil. O contexto histórico e as questões de ordem econômica, política e social mostraram a forte relação entre a química e a mineralogia pesquisada pelos estudiosos sinalizando o desenvolvimento da química inorgânica no país. José Bonifácio de Andrada e Silva com os seus estudos mineralógicos chegou a descoberta de novos minerais, petalita e espodumênio que culminou no descobrimento do lítio. As ações do Conde da Barca e de José 41 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências Bonifácio de Andrada e Silva, cada um no seu espaço de atuação, levaram ao prestígio científico que influenciou a vinda de D. João para o Brasil e a instalação da corte (1808). Esse período foi o início da estruturação das atividades relacionadas com a ciência no país. Nesse cenário José Bonifácio de Andrada e Silvatentou, a partir da sua experiência como pesquisador e docente no curso de Filosofia Natural da Universidade de Coimbra, implantar sua proposta de ensino no Brasil pautada na experimentação, estudos teóricos e aulas de campo. Isso tudo fruto da sua formação no curso de filosofia Natural, os dez anos nos grandes centros de estudos europeus que o capacitaram a lecionar metalurgia na Universidade de Coimbra e a propor suas concepções curriculares. Os seus trabalhos tinham como foco principal desenvolver a ciência na sua terra natal, na tentativa de equipará-la às demais nações por ele visitadas. O Conde da Barca contribuiu com as instruções a cadeira de Química da Bahia com enfoque na inserção de coisas do cotidiano, a adoção do livro de “Filosofia Química” de Antoine François Fourcroy e sugestões acerca da metodologia do ensino de química para os professores. Assim, o princípio da ação histórica e o pensar relacional voltado para o ensino de Química no Brasil com um recorte nesses dois estudiosos demonstrou que existiram boas instruções de ensino e formação, mas que serviram como ações inertes, pois foram ignoradas. A educação científica implantada no Brasil neste período, apesar das contribuições destes estudiosos, seguiu uma base elitista e livresca revelando e reproduzindo o interesse da classe hegemônica da época. Assim, compreender o porquê desses entrelaces históricos do ensino de química contribui para um melhor entendimento desse conhecimento e seus sistemas específicos, possibilitando transformações por meio do conhecimento para facilitar a leitura do mundo hoje. 42 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) Referências ALFONSO-GOLDFARB, A. M. O que é história da ciência? São Paulo: Brasiliense, 1994. ALMEIDA, M. R.; PINTO, A. C. Uma breve história da química Brasileira. Cienc. 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O tema foi escolhido por acreditar-se que os jogos e brincadeiras auxiliam os alunos no processo de pensar, imaginar, criar e se relacionar com os demais. “A brincadeira é atividade física ou mental que se faz de maneira espontânea e que proporciona prazer a quem a executa”. (QUEIROZ, 2003, p. 158). No momento em que ela brinca a aprendizagem acontece, porque a “aprendizagem é construção do conhecimento”. (QUEIROZ, 2003, p. 22). De acordo com Santos (2014): O uso de jogos e brincadeiras na escola pode facilitar o trabalho do profissional de educação, despertando o interesse da criança ou adolescente pelas atividades propostas. Podemos orientar um trabalho de maneia tal que os alunos possam utilizar esse espaço para algo que vai além dos momentos sem nada a fazer. Independente da faixa etária, sexo ou raça, os alunos adoram jogar, brincar e o fazem de maneira espontânea. Por que não canalizar toda essa vontade para algo maior? [...] temos nas atividades lúdicas com jogos mais possibilidades para organizar os conteúdos e contemplar objetivos que extrapolam o que está posto (SANTOS, 2014, p. 21). 1 Pós-doutorando em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (UFRRJ); Pós-Doutorando em Química pelo IQSC-USP; Doutor em Ensino de Ciências e Matemática (UNICSUL) com ênfase em Educação Especial e Inclusiva, Mestre em Engenharia e Ciências dos Materiais (MACKENZIE); Licenciado em Pedagogia, Química e Biologia. Pesquisador do Observatório de Educação Especial e Inclusão Educacional (ObEE) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) - E-mail: doc.rafaelsoares@gmail.com 46 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) Na brincadeira o aluno se solta, deixa sua liberdade e sua criatividade fluírem podendo assim descobrir-se como pessoa. Isso, porém, ocorre de forma sistematizada, quando há a participação do professor como mediador do processo, dialogando com o aluno e criando situações de jogos e brincadeiras que mobilizam saberes e promovem a construção de novas aprendizagens. Brincar é uma “proposta criativa e recreativa de caráter físico ou mental, desenvolvida espontaneamente” (QUEIROZ, 2003, p. 38). Para Santos e Cruz (2011), o uso do lúdico facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora para boa saúde mental, prepara para um estado interior fértil, facilita a socialização, comunicação, expressão e construção do conhecimento. A importância do lúdico está na interação dos alunos, que proporciona relações de empatia e comprometimento, além de provocar alegria, deixar fluir a espontaneidade e as manifestações culturais (MARCASSA, 2014) A finalidade primária dos jogos pedagógicos é estimular o desenvolvimento do seu raciocínio lógico, da cooperação, criatividade, coordenação, imaginação e socialização. Através do jogo pode-se oportunizar aos alunos aprenderem a respeitar regras, discutir, inventar, criar e transformar o mundo onde estão inseridos. Isso porque o jogo constitui-se em “uma atividade organizada por um sistema de regras, na qual se pode ganhar ou perder”. (QUEIROZ, 2003, p. 158). Desse modo, ao investigar os jogos e brincadeiras no ensino de ciências, buscou-se saber qual seria o melhor meio de introduzir o lúdico no contexto da aula. Para isso, foi necessário conhecer a realidade dos educandos e propor atividades que despertassem seu interesse e suas aprendizagens. Vygotsky (1984,1994,1998) e Kishimoto(1993), constituíram-se nas referências básicas que fundamentaram este estudo por trazerem contribuições acerca do jogo e do brincar na educação, além de tratarem da questão da socialização e constituição do ser pela interação social. 47 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências A escrita deste capítulo foi organizada inicialmente pela apresentação dos encaminhamentos metodológicos que conduziram a investigação, seguidos pela fundamentação teórica na qual foram embasadas algumas ideias e constatações. Posteriormente foram trazidas as análises das observações realizadas durante as aulas e também das contribuições alunos. 2 A função educativa do jogo O jogo educativo surge no século XVI com o objetivo de facilitar tarefas de ensino, visando à aquisição de conhecimentos e acaba conquistando um espaço permanente na Educação. Hoje, segundo Kishimoto (1998), o significado de jogo na educação está relacionado à presença concomitante de duas funções: a lúdica e a educativa. A função lúdica garante que o jogo propicie a diversão, o prazer (e até o desprazer) quando escolhido voluntariamente e a função educativa garante a aprendizagem de qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão do mundo. Ambas as funções devem estar sempre em equilíbrio para que não haja apenas jogo, ou apenas ensino. Jogo e educação são dois elementos distintos e vistos, portanto, até mesmo como contraditórios. O jogo, por ser de natureza livre, parece não ser compatível com a busca de resultados, que é característica típica da educação. Embora muitos autores veem a liberdade como o aspecto principal do jogo, na educação, é necessário conciliar a liberdade, típica dos jogos, com a orientação, própria dos processos educativos. Kishimoto (1998) cita ainda Chateau (1987) que apesar de também estabelecer um estreito vínculo entre o jogo e o trabalho escolar, acredita que a educação deve se separar do aspecto lúdico. Para ele, uma educação baseada exclusivamente no jogo isolaria o homem da vida, fazendo-o viver num mundo ilusório. Baseado em Vial (1981), Kishimoto fala de uma variante no emprego dos jogos na educação: o jogo didático. Essa modalidade, 48 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) todavia, é destinada exclusivamente à aquisição de conteúdos e por isso diferencia-se do jogo educativo. Para ele, o jogo educativo é mais dinâmico, uma vez que envolve ações ativas das crianças; já o jogo didático está atrelado ao ensino de conteúdos e torna-se, no seu entender, inadequado para o desenvolvimento infantil, por limitar o prazer e a livre iniciativa da criança e tornar-se, muitas vezes, monótono e cansativo. Entretanto, ambos são jogos educativos: no primeiro caso, em sentido amplo, e no segundo – no caso do jogo didático – em sentido restrito. Brougère (1998), ao falar de jogos educativos, cita Girard (1911), que vê neles a ideia de agir, aprender, educar-se sem o saber, através de exercícios que recreiam, preparando o esforço do trabalho propriamente dito. Para Girard é fundamental conciliar a necessidade de jogar, que é irresistível na criança, com a educação que se deve dar-lhe. Para isso deve-se fazer do jogo o meio de educar a criança, ou seja, embora o jogo seja um fim em si mesmo para a criança, para os educadores deve ser um meio. Isso quer dizer que, a presença do jogo na educação, não pode ser motivo de se negligenciar o objetivo educativo. 3 Jogos pedagógicos no Ensino de Ciências – Química Vários estudos e pesquisas mostram que o Ensino de Química é, em geral, tradicional, centralizando-se na simples memorização e repetição de nomes, fórmulas e cálculos, totalmente desvinculados do dia-a-dia e da realidade em que os alunos se encontram. A Química, nessa situação, torna-se uma matéria maçante e monótona, fazendo com que os próprios estudantes questionem o motivo pelo qual ela lhes é ensinada, pois a química escolar que estudam é apresentada de forma totalmente descontextualizada. Por outro lado, quando o estudo da Química faculta aos alunos o desenvolvimento paulatino de uma visão crítica do mundo que os cerca, seu interesse pelo assunto aumenta, pois lhes são dadas condições de perceber e discutir situações relacionadas a problemas sociais e ambientais do meio em que estão inseridos, contribuindo para a possível intervenção e resolução dos mesmos. 49 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências (SANTANA, 2006). De um modo geral os alunos do Ensino Médio, apresentam dificuldades para compreender os conteúdos de Química. Para Nunes e Adorni (2010), muitas vezes, essas dificuldades estão relacionadas à desmotivação que pode ter sido despertada por vários fatores como aulas exclusivamente expositivas, conteúdos descontextualizados da sua realidade, dificuldade dos docentes para quebrar paradigmas, utilização excessiva de conteúdo, fórmulas, nomenclaturas e cálculos, sem contextualização e sem apontar sua funcionalidade. Uma forma de contornar essas dificuldades é o professor utilizar estratégias de ensino dinâmicas que contextualizem os conteúdos. Segundo esses autores: [...] a palavra ‘estratégia’ possui estreita ligação com o ensino. Ensinar requer arte por parte do docente, que precisa envolver o aluno e fazer com ele se encante com o saber. O professor precisa promover a curiosidade, a segurança e a criatividade para que o principal objetivo educacional, a aprendizagem do aluno, seja alcançado (NUNES; ADORNI, 2010, p. 263). Essas estratégias estão associadas, também, às relações docente/ensino, aluno/conhecimento/aprendizado e constituem referenciais que devem estar homogeneizados com focos direcionados e definidos, para que haja uma parceria do saber em que professor e aluno possam aprender de forma fácil e prazerosa (ANASTASIOU; ALVES, 2004). Sousa (2017), realizou uma pesquisa onde objeto de estudo constitui importantes ferramentas de apoio às aulas, facilitando o desenvolvimento de habilidades, e podendo contribuir significativamente para o aprendizado. Algumas questões, que nortearam o desenvolvimento desta dissertação e justificaram sua produção, emergiram deste contexto. São elas: que conteúdos curriculares de química são mais contemplados nesses jogos? Que tipos de jogos são utilizados para o desenvolvimento desses conteúdos? Como atividade lúdica, os jogos contribuem para o aprendizado? Para responder a essas questões procedeu-se à seleção e ao mapeamento de artigos científicos apresentados em três eventos da área que abordavam jogos pedagógicos e o ensino de Química. 50 Rafael Soares Silva | Mariana Helena Chaves (Orgs.) 4 Desenvolvimento e criação dos jogos de memória e dominós Mariscal (2009) afirma que a memorização dos nomes e símbolos dos elementos químicos sempre foi uma tarefa aborrecida para o estudante por tratar-se de um grande número de termos sem uma aplicação prática na sua vida cotidiana. No entanto, a aprendizagem dos elementos químicos e da tabela periódica constitui uma parte muito importante dos programas de Química no Ensino Médio. O conhecimento do sistema periódico é fundamental na escola, por isso, deve-se começar a trabalhar desde essa etapa educativa tanto os nomes como os símbolos químicos dos elementos mais importantes. Os jogos foram confeccionados pelos alunos durante as aulas de Química no Ensino Médio do colégio Santa Teresinha, a figura 1 demonstra alguns jogos de memória realizados na 1ª Série do EM abordando tópicos sobre tabela periódica. Figura 1: Jogos de Memória (b), (c), (d) e dominós (a) confeccionas pelos alunos da 1ª Série do Ensino Médio. Fonte: Autor 51 Tendências & Pesquisas no Ensino de Ciências 5 Jogos de dardos e autorama A ideia da proposição do jogo de Dardos Químicos originou- se durante o desenvolvimento de atividades da matéria sobre Tabela Periódica. Os Dardos Químicos foram utilizados para o ensino de nomenclatura dos compostos
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