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APG 3° período S3P2

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FAHESP/IESVAP
APG 3° período
SOI III
S3P2- CORAÇÃO GRANDE É BOM
Objetivos: 
-Compreender a fisiopatologia e histopatologia da cardiomiopatia chagásica 
A forma cardíaca é a mais importante da doença de chagas do ponto de vista clínico, pois o comprometimento do coração pode levar a alterações do ritmo, a fenômenos tromboembólicos, a insuficiência cardíaca congestiva ou a morte súbita.
O dano cardíaco resulta das alterações fundamentais (inflamação, necrose e fibrose) que o T. cruzi provoca, direta ou indiretamente, no tecido especializado de condução, no miocárdio contrátil e no sistema nervoso intramural.
O frequente comprometimento do nó sinusal, do nó atrioventricular e do feixe de His, por alterações inflamatórias, degenerativas e fibróticas, pode dar origem a disfunção sinusal e a bloqueios variados atrioventriculares e intraventriculares.
Por serem estruturas mais individualizadas, o ramo direito e o fascículo anterior-superior esquerdo são mais vulneráveis e mais frequentemente afetados. 
Focos inflamatórios e áreas de fibrose no miocárdio ventricular, especialmente em regiões posterior-lateral e inferior-basal, podem produzir alterações eletrofisiológicas e favorecer o aparecimento eletrofisiológico das taquiarritmias ventriculares malignas, que acarretam morte súbita.
Na forma cardíaca crônica sintomática, pode haver predomínio de arritmias ou de insuficiência cardíaca. Praticamente todos os pacientes com insuficiência cardíaca também apresentam alterações no eletrocardiograma de repouso. Inicialmente, há comprometimento regional, assemelhando-se ao que ocorre na cardiopatia por obstrução coronária.
As arritmias, principalmente extrassístoles ventriculares, aumentam com a redução da fração de ejeção, sendo esta considerada o principal marcador prognóstico de mortalidade. Congestão sistêmica é mais comum do que no território pulmonar, estando associada a edema periférico, ascite, hepatomegalia e estase jugular. 
Desde as fases mais precoces, discinesias ou aneurismas ventriculares predispõem a complicações tromboembólicas. Em estágios avançados, a dilatação global, a estase venosa e a fibrilação atrial são fatores adicionais que propiciam a formação de trombos e a consequente embolização pulmonar e sistêmica, como no sistema nervoso central. Radiologicamente, a área cardíaca encontra-se geralmente aumentada.
Histologicamente, foi observado abrupto espessamento fibroso do epicárdio, não havendo fibras elásticas, processo inflamatório ou vasos sanguíneos. Rosário chagásico, caracterizado por pequenos grânulos esbranquiçados, arredondados, sequencialmente dispostos ao longo dos vasos coronarianos, esteve presente em 23% dos corações. 
Apresentavam a mesma estrutura histológica que as manchas lácteas, porém ocorrem apenas imediatamente acima de ramos arteriais coronarianos. À microscopia, foram observados focos de infiltrado inflamatório e proliferação vascular, típicos de epicardite em organização. Além das lesões descritas, havia células inflamatórias mononucleares esparsas, com agrupamentos focais, no epicárdio.
Processo de miocardite crônica difusa, ativa e fibrosante. O infiltrado inflamatório mostra células mononucleares: macrófagos, linfócitos e plasmócitos, com adensamentos focais, correspondentes à desintegração dos miócitos. Os parasitos são raramente encontrados no citoplasma dos miócitos, porém à imuno-histoquímica, usando anticorpos anti- T. cruzi ou a PCR, pode revelar ninhos parasitários ou detritos dos parasitos em desintegração. Os três tipos genéticos de colágeno estão presentes no miocárdio e são reversíveis pelo tratamento quimioterápico. Foram revelados pela marcação com anticorpos monoclonais por imunofluorescência: colágenos tipos I, III, IV além de fibronectina e depósito de laminina na membrana basal dos miócitos. A presença de fibrose intersticial difusa e focal em graus variáveis, sendo por vezes muito intensa, e separando grupos de miócitos, é um importante fator agravante da cardiomiopatia crônica chagásica.
-Entender as complicações da cardiomiopatia chagásica e as manifestações clínicas (ICC)
Os sintomas são variados e decorrem de alteração do ritmo, da condução, da presença de insuficiência cardíaca (IC), ou de fenômenos tromboembólicos, podendo ocorrer isoladamente ou em associação. O quadro clínico varia de formas assintomáticas até manifestações como palpitações, edema, ortopneia, tonturas, síncopes e precordialgia. 
O mesmo pode se dizer do exame físico, que pode ser normal ou com alterações variáveis: arritmias, sopro sistólico mitral, hiperfonese P2 ou desdobramento P2, quando ocorre bloqueio de ramo D, sinais de congestão sistêmica (edema, hepatomegalia, estase jugular), ritmo de galope, congestão pulmonar e ascite (mais tardios) e hipotensão.
Pode ainda sobrevir tromboembolismo associado a áreas discinérgicas na parede ventricular, com trombos mais frequentes em parede apical, inferior e póstero-lateral do VE e no átrio direito, resultando em infarto de órgãos (infarto pulmonar, cerebral, mesentérico etc.).
Porém, a sintomatologia predominante é realmente de IC, com dispneia progressiva, fadiga, astenia. Sintomas de IC direita, como edema, aumento do volume abdominal e desconforto epigástrico, podem aparecer precocemente, mas são mais frequentes em etapas avançadas da doença, acompanhados de sintomas de baixo débito cardíaco, como intolerância ao esforço.
Manifestações clinicas: 
Referência- Cardiopatia chagásica: uma atualização
Na fase aguda da doença, caracterizada por parasitemia e subsequente resposta imunológica. O nível de parasitemia é alto durante esta fase e tripomastigotas são detectáveis ​​na microscopia do sangue. A reação em cadeia da polimerase também pode ser utilizado para diagnóstico de tecido durante a fase aguda, pois oferece uma abordagem qualitativa e quantitativa avaliação da carga do Trypanosoma cruzi.
 A fase aguda da doença de Chagas tem múltiplas manifestações clínicas, mais comuns das quais são sinais e sintomas semelhantes a vírus inespecíficos incluindo febre, mal-estar e linfadenopatia. Por este motivo, muitos indivíduos infectados são não identificados, pois muitas vezes não procuram atendimento médico. Os pacientes podem manifestar arritmias cardíacas e anormalidades transitórias do eletrocardiograma durante a fase aguda. Em menos de 5% dos casos doença mais grave, incluindo miocardite e meningoencefalite, pode ocorrer. 
Vinte a trinta por cento dos indivíduos infectados irão progredir do indeterminado para o fase determinada da doença durante a qual surgem os sinais e sintomas cardíacos. Diagnóstico em esta fase se concentra na detecção de anticorpos séricos contra o parasita. Resultado de complicações cardíacas da remodelação da matriz colágena cardíaca e subsequente fibrose, levando ao aumento rigidez miocárdica, disfunção sistólica e diastólica e, finalmente, uma severa e dilatada cardiomiopatia associada a arritmias ventriculares e o potencial de morte súbita, que é a principal causa de mortalidade em pacientes com cardiopatia chagásica.
Cardiomiopatia de Chagas também está associada a um risco elevado de acidente vascular cerebral. Esta complicação é causada por bolização de trombos intracardíacos relacionados à função ventricular esquerda deprimida ou aneurisma com embolização subsequente. Embora o cérebro seja mais comumente afetado, os trombos também pode chover para outros órgãos vitais.
-Compreender o diagnóstico da cardiomiopatia chagásica (achados específicos dos exames)
Os principais exames complementares diagnósticos utilizados na cardiopatia da doença de Chagas são descritos sucintamente abaixo, com ênfase naqueles focalizando a caracterização e gradação da disfunção ventricular.
Eletrocardiografia e Holter: as alterações eletrocardiográficas mais prevalentes nos pacientes com CCDC são os distúrbios de condução pelo ramo direito e o hemibloqueio anterior esquerdo, alcançando 50% nos pacientes deste grupo. Essas alterações nos sistemas de condução podem ser evolutivas, como os retardos de conduçãoatrioventricular. 
A disfunção do nó sinusal também pode ser causa de bradicardias. Já as arritmias atriais tendem a ocorrer na evolução da cardiopatia com disfunção ventricular avançada. 
É fundamental observar que, embora também em indivíduos normais possam aparecer batimentos ectópicos ventriculares durante o registro de um simples ECG, quando isto é verificado em paciente com CCDC, o significado desta alteração é radicalmente diverso e, usualmente, indica que a arritmia ventricular é parte integrante de sua síndrome e constitui elemento de forte conotação prognóstica.
Radiografia torácica: fases avançadas da doença são marcadas por cardiomegalia, muitas vezes massiva, que pode incluir os sinais de aumento não só de VE como também de VD e de ambos os átrios; porém, a congestão pulmonar difere de outras cardiopatias por ser muitas vezes discreta em contraste com o grau de aumento do índice cardiotorácico. 
Ecocardiografia: permite o diagnóstico geométrico e funcional biventricular, de importância fundamental na CCDC. Alterações de mobilidade segmentar em regiões inferiores e inferolaterais do VE são bastante comuns nos pacientes com a forma crônica cardíaca. A detecção do aneurisma apical de VE (alteração bastante prevalente nos pacientes com CCDC), embora possa estar sujeita a limitações operacionais, é uma das alterações típicas encontradas na doença, podendo estar preenchido por trombo. 
Embora a ecocardiografia seja capaz de identificar alterações precoces de mobilidade regional em VE, tanto por técnicas convencionais como por análises de deformação miocárdica em alguns pacientes classificados como tendo a forma indeterminada, ou mesmo com CCDC e função preservada por outros métodos, o valor prognóstico destas alterações ainda não está bem estabelecido. 
Apesar de a ecocardiografia tridimensional apresentar o benefício da quantificação volumétrica das cavidades e, por consequência, das frações de ejeção ventriculares, seu papel em pacientes com CCDC ainda não foi adequadamente estabelecido.
Medicina Nuclear: a ventriculografia radioisotópica (VRI), também conhecida como angiocardiografia radionuclear, é método alternativo à ecocardiografia, na quantificação da fração de ejeção (FE) do VE, tendo como vantagem a de ser um método quantitativo e livre de inferências geométricas, conferindo-lhe o papel de verdadeiro método padrão-ouro no contexto. 
O estudo cintilográfico de perfusão miocárdica pode ser necessário para investigação não invasiva de pacientes com CCDC exibindo precordialgia. O estudo negativo para isquemia miocárdica praticamente afasta a possibilidade de presença de doença arterial coronária significativa, retratando um alto valor preditivo negativo.
Contudo, defeitos perfusionais reversíveis têm sido registrados em 30 a 50% dos pacientes, na ausência de doença obstrutiva aterosclerótica da árvore arterial coronária epicárdica. Estas alterações perfusionais têm sido atribuídas à doença de microcirculação coronária da CCDC e tem-se postulado que tais alterações isquêmicas possam contribuir para o dano miocárdico regional na fase crônica da cardiomiopatia. Defeitos perfusionais fixos, por outro lado, são também comumente observados em pacientes portadores de CCDC e, de forma geral, devem significar áreas de fibrose consequentes à fisiopatologia típica da doença de Chagas.
Ressonância Magnética Cardíaca: É método com grande capacidade para análise quantitativa de volumes ventriculares e cálculo acurado da fração de ejeção ventricular esquerda. Também pode ser bastante útil para a análise específica da cavidade ventricular direita, conforme estudos recentes. 
Estudos mais recentes chamam atenção para o potencial da RMC em detectar as regiões de fibrose miocárdica em pacientes com CCDC e de ser ferramenta potencialmente muito valiosa na predição não-invasiva de risco destes pacientes em desenvolver morte súbita, mesmo naqueles com fração de ejeção de VE ainda preservada. O padrão de acometimento fibrótico é variado, com presença de fibrose difusamente distribuída, focal e mesmo com acometimento transmural, simulando área de fibrose usualmente vista no infarto do miocárdio por doença obstrutiva coronariana.
Estudo eletrofisiológico (EEF): O EEF é necessário para avaliação da função do nó sinusal e condução AV quando a os sintomas, permanece incerta após avaliação não invasiva. Na maioria dos pacientes com função VE preservada que têm taquicardia ventricular não sustentada ou sem arritmia espontânea, o EFF não fornece informação prognóstica adicional relevante.
Tem-se proposto o emprego do EEF em sobreviventes de morte súbita cardíaca e naqueles com TVS para avaliação prognóstica e indicação de terapia medicamentosa e de implante de dispositivos antiarrítmicos, mas os dados sobre a eficácia desta abordagem ainda são limitados.
-Discorrer sobre o tratamento da cardiomiopatia chagásica
O tratamento da doença de Chagas se concentra em agentes anti-infecciosos durante a fase aguda da doença, e manejo das complicações no estágio determinado. Dois medicamentos antiparasitários são disponíveis para tratamento da doença de Chagas: benznidazol e nifurtimox. Esses agentes são a maioria eficaz na fase aguda da doença, com taxas de cura parasitológica de 60-80%.
Uma advertência a respeito dessa abordagem é a pressão arterial frequentemente mais baixa e a maior incidência de bradiarritmias nesses pacientes; portanto, eles podem não tolerar o alvo doses de inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona e bloqueadores beta-adrenérgicos.
Conforme observado anteriormente, a morte cardíaca súbita é a principal causa de mortalidade nesses pacientes. O cardioversor-desfibrilador implantável tem sido usado para prevenir morte cardíaca súbita em pacientes com cardiomiopatia chagásica. Alguns dados também sugerem que a amiodarona pode melhorar a sobrevida em pacientes com alto risco de morte arrítmica; assim, a amiodarona tem sido recomendada como o tratamento de escolha para todos os pacientes com taquicardia ventricular sustentada, e também para aqueles com taquicardia ventricular não sustentada e disfunção miocárdica. 
Tratamento etiológico: 
O papel dos agentes antiparasitários para tratamento da infecção pelo T.cruzi é considerado limitado na fase crônica da cardiopatia da doença de Chagas, uma vez que não se deve esperar muita reversão do dano tissular já estabelecido nestas fases avançadas da cardiomiopatia.
Assim, o tratamento poderia ser oferecido, em base individual, para pacientes com esse perfil, visando a eventual decisão, seguindo o modelo de compartilhamento com o médico responsável. 
Tratamento da Insuficiência cardíaca
Terapia medicamentosa:
Há nítida carência de evidências comprovando o benefício clínico da clássica terapia medicamentosa da IC sistólica, baseada no bloqueio neuro-hormonal, nos pacientes com cardiomiopatia da doença de chagas. Contudo, considerando-se que o fenótipo geral da IC causada pela CCDC é de uma miocardiopatia dilatada, a terapia empregada na IC de outras etiologias é empiricamente extrapolada para o tratamento dos pacientes com CCDC. 
Contudo, algumas particularidades no manejo dos pacientes com IC secundária à CCDC devem ser salientadas. Vários estudos sugerem que esses pacientes exibam maior risco de bradicardia sintomática e bloqueio AV com uso de betabloqueadores, devendo-se monitorar cuidadosamente o ritmo cardíaco desses pacientes.
Essa precaução é especialmente aplicável quando, por indicação antiarrítmica, a amiodarona foi já iniciada para o paciente. Apesar deste aspecto, os resultados de coorte prospectiva observacional recente sugerem que o betabloqueador possa ter impacto positivo na sobrevida dos pacientes com IC crônica por CCDC.
Terapias alternativas:
Vários estudos clínicos tem mostrado que a eficácia da terapia de ressincronização cardíaca, mediante implante de marca passo multisítio, depende da presença do bloqueio de ramo esquerdo no ECG, padrão presente na vasta maioria dos pacientes incluídos nos grandes estudos multicêntricos que testaramesta terapia. 
Essa série de casos também mostra que a reativação da infecção pelo T cruzi é problema clínico frequente, consequente à imunossupressão pós-transplante, e às vezes de difícil diferenciação com a rejeição do órgão; contudo, com bons resultados mediante emprego de terapia tripanosomicida.
Tratamento das arritmias cardíacas
Bradiarritmias e bloqueio AV:
Pacientes com BAV de segundo ou terceiro grau ou disfunção do nó sinusal sintomática requerem implante de marca passo definitivo. Neste sentido, a CCDC não parece diferir de outras etiologias, e orientações habituais de indicação desses dispositivos devem ser seguidas. 
Arritmias ventriculares e morte súbita arrítmica: 
A primeira medida terapêutica nos pacientes com CCDC, sob risco de arritmia ventricular maligna é a otimização da terapia medicamentosa para aqueles que também apresentam insuficiência cardíaca, preferencialmente incluindo betabloqueadores e ajuste de conciliação com uso concomitante de amiodarona. 
O implante do desfibrilador deve ser indicado para a prevenção secundária de morte súbita cardíaca, nos pacientes sobreviventes de morte súbita arrítmica ou exibindo taquicardia ventricular sustentada, especialmente quando se acompanha de instabilidade hemodinâmica. Para aqueles não candidatos ao implante deste dispositivo, o uso de amiodarona é recomendado.
De fato, para este antiarrítmico, existem as mais aceitáveis evidências de benefício potencial para pacientes com arritmias ventriculares de etiologia da doença de Chagas.
O emprego de amiodarona associada ao betabloqueador também é recomendado rotineiramente para reduzir o número de terapias, mesmo apropriadas, pelo CDI implantado em pacientes com CCDC.

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