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ELITES E PODER AULA 2 Prof. Luiz Domingos Costa 2 CONVERSA INICIAL Nesta segunda aula, conheceremos as contribuições dos outros dois autores que, juntamente com Gaetano Mosca – abordado na primeira aula –, compõem a trinca dos fundadores da teoria das elites: Vilfredo Pareto e Robert Michels. Vilfredo Pareto nasceu em Paris, na França, em 1848, e faleceu em 1923, em Céligny, na Suíça. Formado em Engenharia, interessou-se por economia, sua área de maior atuação, envolvendo-se, paralelamente, com questões políticas. Suas principais obras na área de sociologia foram Les systèmes socialistes (Os sistemas socialistas), escrita entre 1902 e 1903, e Trattato di sociologia generale (Tratado de sociologia geral), de 1916. Também tentou, sem sucesso, carreira política. Robert Michels nasceu em Colônia, na Alemanha, em 1876, e faleceu em Roma, na Itália, em 1936. Estudou na Inglaterra, na França – na célebre Universidade de Sorbonne –, nas universidades alemãs de Munique, Leipzig e Halle e em Turim, onde posteriormente também lecionou economia, ciência política e sociologia. Max Weber foi seu professor e lhe sugeriu importantes temas de pesquisa. Integrou o movimento socialista e a ala radical do Partido Social- Democrata Alemão (SPD), mas abandonou a causa devido à oligarquização e à falta de democracia interna do partido. Mais tarde, adotou uma visão elitista, simpática ao fascismo. TEMA 1 – PARETO E O MÉTODO CIENTÍFICO ADEQUADO AO ESTUDO DOS FENÔMENOS POLÍTICOS Em relação ao método, Vilfredo pouco difere de Mosca, considerando que o sociólogo deve se afastar de seus preconceitos e paixões, abandonando, portanto, o método dedutivo, que pressupõe verdades inquestionáveis. Assim, segundo o autor, o mais viável é o método lógico-experimental, que se fundamenta em observações do mundo real e, por isso, toma como verdade apenas algo correspondente à experiência. O autor chama de uniformidades experimentais ou leis as regularidades encontradas nas ações humanas, passíveis de observação e experimentação, com base nas quais a ciência estabelece relações. Ainda de acordo com Vilfredo, 3 “a ciência pode dizer quais são os meios eficazes para atingir determinados objetivos, mas ela não pode dizer quais objetivos devem ser perseguidos pela ação humana”. Eis, aliás, a origem da distinção de Pareto entre “verdade” e “utilidade”: a primeira, revelada pela ciência, pode ou não ser socialmente útil, contribuindo para o equilíbrio social; as crenças e os valores dos homens, por sua vez, podem ser, ao mesmo tempo, cientificamente falsos, mas socialmente úteis, garantindo a coesão da sociedade. TEMA 2 – EQUILÍBRIO SOCIAL E CIRCULAÇÃO DE ELITES NA SOCIOLOGIA PARETIANA O grande objetivo da obra de Pareto é saber como o equilíbrio de uma sociedade conserva-se ao longo do tempo, garantindo, assim, sua reprodução. O tema das elites políticas ocupa uma pequena parte de uma ampla e volumosa obra sociológica, que explora diferentes questões relacionadas ao equilíbrio social. O autor se preocupa com as ações humanas e a interação social mais ampla, não se restringindo ao comportamento dos governantes. Eis o que postula a sociologia paretiana: “Todo fenômeno social pode ser considerado sob dois aspectos, isto é, como é na realidade e como se apresenta ao espírito de certos homens. O primeiro aspecto – diz ele – será chamado objetivo, e o segundo, subjetivo” (Pareto, 1935, I, § 149, p. 76). Nesse específico, ele diferencia ações lógicas e ações não lógicas. Como afirma Perissinotto no livro didático: Unindo a primeira distinção – entre a dimensão objetiva e subjetiva das ações sociais – com a segunda – ações que estabelecem ou não a adequação entre meios e fins – é que Pareto irá formular a sua famosa diferenciação entre ações lógicas e ações não lógicas. Segundo ele, do ponto de vista subjetivo, quase todas as ações humanas estabelecem uma relação lógica entre meios e fins. No entanto, com muito menos frequência essa relação se verifica na realidade objetiva. O exemplo clássico apresentado por Pareto descreve os sacrifícios que os marinheiros gregos faziam em louvor a Posseidon, deus do mar. Para esses marinheiros eram os sacrifícios feitos em nome daquele deus que lhes garantia uma navegação tranquila. Portanto, para eles, havia uma relação lógica entre o meio - sacrifício para um deus – e o fim desejado – navegar com segurança. Contudo, é sabido (por meio do conhecimento científico) que essa relação não existe na realidade objetiva. Assim, nas suas consciências, os marinheiros estabeleciam uma relação lógica entre meios e fins (o meio “sacrifício” produz o fim “navegação segura”), mas essa relação não se verificava na realidade objetiva. Sendo assim, para Pareto uma ação só é lógica quando essa 4 relação entre meios e fim se verifica tanto no nível subjetivo (i.e., na cabeça do agente) quanto no nível objetivo (i.e., no desenvolvimento da ação no mundo real) (1935, MS, I, § 150, p. 77). Quando a adequação lógica entre meios e fins só ocorre na cabeça do agente, nós teríamos uma ação não lógica (o que não quer dizer “ilógica”). O mais importante objeto de estudo da Sociologia seria, para este autor, as ações não lógicas, já que elas predominariam na vida social e política (Perissinotto, 2012, p. 55-56). Na segunda parte de sua principal obra sociológica, Pareto discute o conceito de heterogeneidade social, entendendo que a desigualdade “é inata, natural e insuperável” na sociedade. Os estratos superiores da sociedade, formados por indivíduos que obtêm os melhores desempenhos em suas atividades, são chamados de elite ou classe eleita – em suma, “os melhores”. Nessa divisão, há uma subclassificação, que distingue elite governante e elite não governante. A primeira participa direta ou indiretamente – por meio dos recursos sociais de que dispõe – do governo, ao passo que a segunda não exerce comando político. Já a não elite é a massa inferior dos comandados. O equilíbrio social depende da comunicabilidade entre os dois estratos, requerendo a circulação entre ambos, de acordo com o autor. A circulação das elites, renovando os elementos do topo da sociedade e introduzindo indivíduos dos grupos inferiores, evita a convulsão e a degeneração social. Nesse ponto, voltamos à questão da desigualdade levantada por Pareto, para quem, em qualquer atividade humana, os resíduos são desigualmente distribuídos entre as classes superiores e inferiores, o que é determinado por fatores econômicos, sociais e políticos, mas, sobretudo, pela distribuição desigual dos resíduos – fatores psicológicos – necessários para o exercício do comando. Eis os principais resíduos citados por Pareto: 1) instinto das combinações; 2) persistência dos agregados. O autor entende que tais fatores determinam uma forte propensão para, no ato de governar, usar a persuasão e/ou a força. O equilíbrio entre ambos forma a classe governante ideal. Além dessa vocação inata, Pareto aponta que as posições de mando podem ser alcançadas pela “hereditariedade”, sob influência política de famílias que detêm cargos políticos e, ao mesmo tempo, controlam as riquezas e conexões sociais. A degeneração de uma elite política ocorre, então, quando pessoas que não detêm o equilíbrio de resíduos chegam ao poder por meio da hereditariedade 5 – ocasião em que os estratos inferiores contestam o novo poder, que age geralmente com mais persuasão e menos força. Tal degeneração propicia a circulação de elites, com a inserção dos (melhores)indivíduos de camadas inferiores – com resíduos predominantemente de segunda classe, de força – nos estratos políticos para restabelecer a ordem. Nasce uma nova aristocracia. Para Pareto, portanto, as aristocracias não são eternas: diminuem em número e, sobretudo, qualidade. A depender da organização política da sociedade, a consequente ascensão de membros das classes inferiores pode ocorrer de forma institucionalizada (paulatina) ou revolucionária (abrupta). Diferentemente da cooptação política, que inclui indivíduos estranhos na classe governante, mas exclui suas características, a circulação de elites os atrai com suas próprias qualidades. A crítica à sociologia paretiana está no fato de ela produzir um conhecimento “abstrato” ao se ater essencialmente às condições de equilíbrio social, sem, todavia, distinguir uma sociedade de outra. TEMA 3 – ROBERT MICHELS, ORGANIZAÇÃO, OLIGARQUIA E DEMOCRACIA Ao analisar o processo de organização interna dos partidos, Michels revelou como se dá a formação inflexível das minorias dominantes, mesmo nas legendas ditas mais “democráticas”. Sua obra seminal é Sociologia dos partidos políticos, publicada em 1911, na qual esmiúça o processo de organização dos mais importantes partidos socialistas. 3.1 Sociologia das organizações e psicologia das massas Em sua obra, Michels aborda, sobretudo, a sociologia das organizações e a psicologia das multidões. No primeiro caso, ele explica como se dá a implacável divisão entre a minoria dos governantes – oligarquia, conforme ele próprio define – e a maioria dos governados. As organizações formadas e consolidadas, para ele, geram interesses próprios, superando, muitas vezes, os interesses de quem deveria ser representado. A psicologia das multidões de Michels, por sua vez, explica a necessidade (desejo) de as massas serem comandadas. 6 Somadas as duas variáveis, o autor identifica as principais razões que balizam a formação e o domínio da minoria sobre a maioria: 1) técnica e intelectual; 2) psicológica. As razões de ordem técnica e intelectual serão examinadas no quinto tema, ao passo que as de ordem psicológica, que repercutiram menos entre os cientistas políticos, constam no livro didático e não serão abordadas aqui. TEMA 4 – DETERMINAÇÕES TÉCNICAS E INTELECTUAIS DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS OLIGARQUIAS PARA MICHELS Na primeira parte de seu livro, Michels defende duas teses para explicar o surgimento das oligarquias, observando os partidos operários: 1) não há democracia sem organização – qualquer grupo deve se organizar para reivindicar algum direito; 2) a organização permite um melhor enfrentamento pelo grupo, mas se contrapõe ao princípio democrático. O conceito de democracia utilizado pelo autor é o dos marxistas do século XX – portanto, o de autogoverno das massas que, em assembleia, deveriam decidir o futuro da comunidade. Assim, para o autor, a democracia é inviável por alguns motivos de ordem técnica – entre os quais, a falta de tempo/espaço para participação direta das massas nas decisões políticas. Portanto, por necessidade, surgem os delegados, que representam as massas. Mesmo com a criação de regras internas para que a representação pelos delegados satisfaça as massas, a consequente complicação e especialização das tarefas organizacionais torna o distanciamento inevitável. As massas não podem ser consultadas a toda hora, nem conseguem fiscalizar de maneira competente as atividades dos delegados, pois não detêm conhecimento para tanto. Então, os delegados dão lugar aos técnicos e profissionais. Nos partidos operários, entram especialistas em economia, direito, leis trabalhistas, comerciais, enfim – uma elite que passa, portanto, a tomar as decisões. Esses fatores dão origem a uma lei sociológica – a conhecida lei de bronze da oligarquia: inevitavelmente, a organização leva à especialização, que, por sua vez, monopoliza na minoria as decisões das massas. Em suma, a organização tende à oligarquia. Isso ocorre em um Estado, nos partidos e em uma liga de resistência proletária. “O governo direto da massa perde terreno para 7 ser suplantado pelo poder crescente dos comitês”, resume o autor, em uma afirmação amplamente testada e reafirmada pelos pesquisadores posteriores. Em contraponto ao pensamento de Vilfredo, que acredita em uma superioridade abstrata e inata, para Michels, a diferenciação entre maioria e minoria se dá por fatores organizacionais bem concretos. O autor entende que os homens não nascem superiores, mas se tornam. Essa transformação também acarreta a profissionalização das organizações, distanciando ainda mais os chefes em relação às massas, devido aos diferentes graus de instrução. Os primeiros possuem, pela função e pelo constante treinamento profissional, superioridade intelectual, base para algo que Michels chama de “indispensabilidade dos chefes”. Eles não podem deixar as organizações (partidos, no caso), pois dominam certo grau de conhecimento. Distinguindo-se de Mosca, para quem a condição de minoria facilita a organização e o consequente domínio sobre a maioria desorganizada, Michels considera que a organização de um grupo propicia a inevitável formação de uma oligarquia interna, que detém o poder. À parte os fatores organizacionais e intelectuais, há elementos de ordem tática que determinam a centralização dos partidos, evocando a necessidade de mobilização e rapidez nas resoluções. Não há tempo para reunir as massas a fim de fazê-las discutir e decidir, sendo preciso responder rapidamente às situações, por meio de direções. Tal representação, entretanto, é uma vontade individual falsamente revestida de vontade das massas. TEMA 5 – MICHELS, OLIGARQUIA E A DEMOCRACIA POSSÍVEL Além da inevitável divisão interna dos partidos operários, a inserção dessas legendas na luta político-eleitoral as fez caminhar rumo ao conservadorismo e à moderação política, como aponta Michels, mesmo com a manutenção de certa retórica revolucionária. A continuidade da organização partidária dependia, então, da moderação, que substituiu a política radical e o ímpeto revolucionário, fazendo com que os interesses das legendas se tornassem os interesses da organização e de suas oligarquias, não mais de seu grupo original. O combate revolucionário depende da organização, que, por sua vez, sucumbe-o. Os chefes detêm a renda, o poder e o prestígio, privilégios que 8 pretendem conservar. Como escreve Michels, “a organização deixa, assim, de ser um meio para tornar-se um fim”. Derrubar a ordem social torna-se um objetivo secundário, depois de manter a organização. O processo de formação inevitável das oligarquias é chamado por Michels de lei de bronze da oligarquia. Para ele, assim como para Mosca e Pareto, elas também decaem e são substituídas por novas minorias dominantes, caracterizando uma eterna circulação das elites. Contrapondo-se à teoria marxista, segundo a qual a abolição das classes levaria a uma sociedade sem dominação política e social, Michels afirma que a presença das oligarquias seria igualmente inevitável no socialismo. Portanto, ao passo que Marx entende a administração da riqueza social como uma mera função técnica, Michels a considera, igualmente, forma de poder. Ao contrário do que se pode imaginar, Michels não defende o domínio oligárquico, mas o que ele chama de “democracia possível”. Os princípios democráticos deveriam ser usados como forma de defesa contra o predomínio das minorias e com vistas ao controle das oligarquias, servindo, igualmente, à renovação lenta e segura da classe política. Precisamentepor isso, o autor sustenta que a democracia não pode conter elementos radicais ou de autogoverno das massas. Para funcionar adequadamente, o sistema deve ser visto de forma limitada, apenas para garantir a proteção dos governados e a vigilância das oligarquias. NA PRÁTICA Reflita sobre as contribuições dos dois autores abordados nesta aula, Pareto e Michels, e procure pontuar as principais diferenças entre seus conceitos de elite, elencando os elementos psicológicos inerentes à definição paretiana de classe eleita e os aspectos organizacionais (técnicos e intelectuais) caros à concepção micheliana de oligarquia. FINALIZANDO Nesta aula, aprofundamos a abordagem a respeito das contribuições de Pareto e Michels para a teoria das elites, que, juntamente com Mosca, tema da aula anterior, completam a trindade fundadora dessa importante escola do pensamento político. Conforme assinalado, os três autores sustentam, em 9 uníssono, que qualquer comunidade é governada por uma minoria, sob cujo jugo se encontra a maioria, em contrapartida. Entretanto, os autores também apresentam suas especificidades. Cada qual tem uma concepção a respeito de como se forma a elite política (a minoria) e quais são seus respectivos elementos fundamentais. Nesse sentido, é possível dizer que cada autor tem uma concepção particular sobre os governantes e o poder político. O quadro abaixo sintetiza as principais informações de suas obras e definições de elite. Quadro 1 – Síntese dos pais fundadores da teoria das elites Autor Gaetano Mosca Vilfredo Pareto Robert Michels Principal obra Elementi di scienza politica (1896) Trattato di sociologia generale (1916) Sociologia dos partidos políticos (1911) Terminologia de elite política Classe política Classe eleita ou classe governante Oligarquia, chefes ou dirigentes do partido Aspecto central da conceituação Condição numérica minoritária (poucos) e posse dos recursos socialmente valorizados Posse de qualidades superiores inatas, como inteligência e astúcia. Conceituação psicologizante Aqueles que, alçados à condição de mando devido às necessidades da organização, desfrutaram de treinamento e especialização intelectuais Por fim, vale sempre enfatizar os conceitos-chave de cada autor e suas especificidades, como fórmula política para Mosca, circulação das elites para Pareto e oligarquia para Michels, contribuições retomadas pelos cientistas políticos contemporâneos e reavaliadas por pesquisas empíricas ao longo do século XX, lançando novas questões e discutindo a viabilidade da democracia como forma de governo. 10 REFERÊNCIAS ALBERTONI, E. A. Doutrina da classe política e teoria das elites. Rio de Janeiro: Imago, 1990. MOSCA, G. La clase política. Versão resumida por Norberto Bobbio. México: Fondo de Cultura Económica, 1992. PARETO, Vi. Manual de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1996. _____. São Paulo: Ática, 1984. (Grandes Cientistas Sociais, n. 43). _____. The mind and society. New York: Harcourt, Brace and Company, 1935. v. 4. PERISSINOTTO, R. As elites políticas: questões de teoria e método. Curitiba: InterSaberes, 2012. RODRIGUES, J. A. A sociologia de Pareto. In: RODRIGUES, J. A. (Org.). Pareto. São Paulo: Ática, 1984. (Grandes Cientistas Sociais, n. 43).
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