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UFV – Universidade Federal de Viçosa Matéria: MED 191 – Prática Profissional e Trabalho em Saúde I Ciências sociais - Conjunto de disciplinas acadêmicas que estudam, utilizando métodos científicos, as representações e práticas sobre a vida humana em grupos e sociedades, abordando questões como: → Como nos relacionamos em grupos, coletivos e sociedades? → Se e como as representações que temos de nós mesmos e do “nosso” mundo, bem como nossos comportamentos são influenciados pela vida em grupos e sociedades? → É possível identificar padrões ou modelos dessas representações e comportamentos? → É possível e devemos intervir sobre esses padrões? → Do normativo (religiões e filosofia clássica) ao científico → Entre o científico e o crítico/reflexivo Por que um médico deve aprender sobre ciências sociais e saúde? - O que é medicina? O que é ser médico? - O que é saúde? - O que é doença? - Como devemos intervir sobre a saúde e o adoecimento das pessoas? - Como encontrar as respostas “verdadeiras” ou “certas” para essas perguntas? - Como encontrar as respostas científicas para essas perguntas? - O que é ciência? O que define que um fenômeno, uma experiência, sejam ou não uma doença? - Sedentarismo é uma doença? “A pandemia da década” → Segundo a OMS, até cinco milhões de mortes poderiam ser evitadas todos os anos, ao redor do mundo, se a população fosse mais ativa. A atividade física regular pode prevenir doenças cardíacas, diabetes e câncer, reduzir os sintomas de depressão, ansiedade e estresse. - Identidade de gênero não cis heteronormativa → Transtornos de identidade sexual, transexualismo – F 64.0 (um transtorno mental segundo CID 10) → Incongruência de gênero – não é uma doença, mas uma condição relacionada à saúde sexual e se refere a todas as pessoas que não se identificam total ou parcialmente com o gênero designado a elas a partir do genital reconhecido ao nascimento. (CID 11) Ciências sociais e medicina - Saúde, doença, medicina (“ser médico” como fenômenos sociais - O que descobrimos quando estudamos saúde, doença e medicina como fenômenos sociais? - Como isso pode transformar a nossa forma de fazer medicina? Medicina Social - O estudo da saúde, do adoecimento e dos saberes e práticas de cuidado como fenômenos sociais dá origem a um campo de estudos contemporâneo: a medicina social. UFV – Universidade Federal de Viçosa Matéria: MED 191 – Prática Profissional e Trabalho em Saúde I - Medicina social, segundo Adams e colaboradores (2019), é o campo acadêmico voltado para as bases sociais da saúde e do adoecimento. - Estes autores identificam a situação marginal em que se encontram as contribuições das ciências sociais para a análise de políticas de amplitude local e internacional de ampliação dos cuidados de saúde para todas as populações do planeta, que constituem o campo da saúde global. - Os conceitos, categorias e métodos das ciências sociais são utilizados como portando uma natureza auto evidente e estática, esquecendo-se do seu caráter mutável, variável e sinergístico. - Para Westerhaus (2015), estas dificuldades têm raízes na própria formação médica, que, frequentemente, exclui espaços de aprendizagem e inserções curriculares mais consistentes da medicina social, e das ciências sociais em saúde de forma geral, favorecendo o modelo biomédico e constituindo o que designam “uma educação médica notadamente associal em um mundo indelevelmente social” Ciências sociais na formação médica no Brasil - As diretrizes curriculares nacionais dos cursos de medicina no Brasil de 2014 orientam a oferta de oportunidades de aprendizagem em Ciências Humanas e Sociais em Saúde dede o início e ao longo de todo curso de medicina, devendo estas oportunidades constituírem um dos eixos transversais desses cursos. - Esta recomendação aponta para a inclusão de disciplinas específicas – e/ou inserções dentro de outras disciplinas – voltadas para a aprendizagem de competências e conteúdo das ciências sociais em saúde nas matrizes curriculares dos cursos de medicina brasileiros. O que são fenômenos sociais? Como distinguir o social do biológico e do psicológico? - Fato Social: é fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou, ainda, que é geral ao conjunto de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter. - Exemplos de fatos sociais analisados por Durkheim: suicídio, divisão do trabalho, formas de vida religiosa. Determinantes Sociais da Saúde (DSS) - As diversas definições de DSS expressam, com maior ou menor nível de detalhe, o conceito atualmente bastante generalizado de que as condições de vida e trabalho dos indivíduos e de grupos da população estão relacionadas com sua situação de saúde. - Para a Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), os DSS são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população. A comissão homônima da OMS adota uma definição mais curta, segundo a qual os DSS são as condições sociais em que as pessoas vivem e trabalham. - Críticas à estaticidade e naturalização dos DSS – Desigualdades estruturais em saúde Estruturas sociais – conceito chave para as contribuições das Ciências Sociais na Saúde - A estrutura é um antídoto conceitual para a tendência da medicina clínica de abordar todos os problemas como resultado de UFV – Universidade Federal de Viçosa Matéria: MED 191 – Prática Profissional e Trabalho em Saúde I escolhas individuais e residindo em corpos individuais. - Por estrutura social, nos referimos a arranjos duráveis padronizados – desde barreiras linguísticas e hierarquias sociais a políticas, sistemas econômicos e outras instituições (como sistemas judiciais e sistemas educacionais) – que produzem e mantêm as desigualdades sociais e disparidades de saúde, muitas vezes através de categorias sociais como raça, classe, gênero e sexualidade. - Uma análise estrutural contextualiza comportamentos relacionados à saúde mapeando como o design de complexas instituições sociais (como hospitais, planos de saúde, prisões, agências reguladoras e instituições religiosas), bem como forças poderosas que orientam vida social cotidiana (como racismo, preconceito de gênero, redes sociais, segregação de bairro e idioma) que determinam o que acontece aos corpos individuais. - As estruturas sociais têm papel crucial em definir se, quem e como as pessoas irão adoecer. - Compreender as estruturas sociais é tão importante para o exercício da medicina quanto compreender as estruturas moleculares e anatômicas (exemplo da Epigenética) Violência estrutural - A violência estrutural é um conceito desenvolvido pelo sociólogo norueguês Johan Galtung em 1969 para explicar o processo pelo qual instituições sociais causam danos a indivíduos ou grupos, impedindo-os de alcançar seu potencial ou privando-os dos recursos que eles precisam para sobreviver. - Em seu uso geral, a palavra violência frequentemente transmite uma imagem física; contudo, de acordo com Galtung, violência também é o comprometimento evitável das necessidades fundamentais humanas ou o comprometimento da vida humana, que diminui o grau real em que alguém é capaz de atender às suas necessidades abaixo do que seria possível. Vulnerabilização estrutural - O risco que um indivíduo experimenta como resultado de violência estrutural – incluindo sua localização em múltiplas hierarquias socioeconômicas. A vulnerabilidade/Vulnerabilização estrutural não é causada por, nem pode ser reparada exclusivamente por uma agência individual ou comportamentos. Desigualdades naturalizantes - Quando a desigualdade e a violência estruturalsão justificadas por – ou não são reconhecidas devido a – explicações não estruturais para danos e iniquidades estruturalmente mediados. - Essas explicações não estruturais – que muitas vezes enfatizam comportamentos individuais, características “culturais” ou categorias raciais biologizadas – ajudam a preservar as desigualdades sociais, dando a impressão de que o status quo é “natural”, no sentido de não ser principalmente social ou estrutural em origem. Competências estruturais na educação médica - Trata-se de uma série de competências de referência para reconhecer e intervir em fatores estruturais à medida que surgem em cenários clínicos, em que médicos: → Reconhecem as estruturas sociais que moldam as interações clínicas. → Desenvolvem uma linguagem extra-clínica para compreensão das estruturas sociais. → Rearticulam as formulações “culturais” em termos estruturais. UFV – Universidade Federal de Viçosa Matéria: MED 191 – Prática Profissional e Trabalho em Saúde I → Analisam e implementam intervenções estruturais. → Desenvolvem humildade estrutural. - Um caso clínico: Lúcia é uma mulher negra, na casa dos 60 anos, que chega atrasada em sua consulta de acompanhamento da hipertensão, e se recusa tomar a medicação para pressão arterial conforme prescrito. - Reconhecem as estruturas sociais que moldam as interações clínicas → Em vez de interpretar as apresentações dos pacientes apenas em termos de crenças e comportamentos individuais dos pacientes, os médicos também examinam as condições sociais e políticas institucionais que podem ter contribuído para as apresentações dos pacientes. → Por exemplo: como a questão do financiamento e da gestão do SUS impacta no acesso de Lúcia a tratamento em saúde? E nas condições de trabalho de profissionais de saúde que atendem Lúcia? - Desenvolvem uma linguagem extra-clínica para compreensão das estruturas sociais → Muda a ênfase para além dos hospitais ou clínicas, transmitindo fluência em entendimentos disciplinares e interdisciplinares das estruturas sociais, à medida que referem-se a doenças e saúde em ambientes comunitários. → Por exemplo: Como os conhecimentos de história, urbanismo, economia, sociologia (além da saúde) podem contribuir para a análise das dificuldades para o tratamento enfrentadas por Lúcia? → Não biologizar o social. → Estudos que demonstram os efeitos fisiológicos das estruturas sociais na saúde (por exemplo: o impacto do racismo nos níveis de cortisol) contêm pouca discussão sobre a natureza das estruturas sociais que promovem seus efeitos nocivos (por exemplo: de que forma surge o racismo). - Rearticulam as formulações “culturais” em termos estruturais → A linguagem da estrutura oferece uma alternativa mais construtiva, pois permite enfatizar como as barreiras “culturais” surgem quando as forças estruturais manifestam-se em padrões de comunicação interpessoal e práticas institucionais. → Continuando a leitura da vinheta acima, as questões podem incluir: • Que tipo de fatores infra estruturais ou econômicos podem permitir ou atrasar o deslocamento da Sra. Lúcia para a consulta? Quais fatores baseados na comunidade podem impactar, positiva ou negativamente, suas demandas de consulta? - Analisam e implementam intervenções estruturais → Os profissionais trabalham em projetos baseados na comunidade ou advocacy de políticas que atendem às necessidades sistêmicas de suas populações de pacientes. → O escopo de advocacy inclui trabalhar com agências e instituições para mudar a política social e de saúde, modificando os sistemas de saúde e as práticas clínicas, educando e informando o público e apoiando coalizões e grupos que buscam abordar causas estruturais de adoecimento. → Advocacy, portanto, requer uma ampla gama de habilidades, incluindo a capacidade de identificar os níveis sistêmicos e cenários adequados para promover a mudança, bem como a habilidade retórica para apresentar evidências e argumentos que convençam e sensibilizem a população e autoridades. → Imigração no Canadá: depois de lutar para apoiar pacientes individuais que experimentaram os efeitos da detenção UFV – Universidade Federal de Viçosa Matéria: MED 191 – Prática Profissional e Trabalho em Saúde I migratória, uma coalizão canadense de psiquiatras, pediatras, médicos de família, advogados e os defensores dos direitos das crianças estabeleceram uma rede intersetorial para defender a mudança na política de imigração nesse país, com sucesso. - Desenvolvem humildade estrutural → Cunhado por Metzl e Hansen, a humildade estrutural destaca a importância de respeitar e deferir o conhecimento dos pacientes e comunidades, ao invés de apenas ou principalmente considerar o conhecimento “especializado” da saúde. → Também incentiva médicos a seguir o exemplo dos pacientes e das comunidades no desenvolvimento de intervenções adequadas e sustentáveis para lidar com estruturas sociais prejudiciais. → Compreensão de que as mudanças estruturais são complexas mas podem ser alcançadas por ações multidisciplinares e colaborativas. - Objetivos de aprendizagem no ensino de competências estruturais: → Identificar as influências das estruturas sociais na saúde do paciente. → Identificar as influências das estruturas sociais na prática de cuidados de saúde. → Gerar estratégias para responder às influências de estruturas na clínica → Gerar estratégias para responder às influências estruturais além da clínica. → Descrever a humildade estrutural como uma abordagem a ser aplicada em e além da clínica. Níveis de intervenção - Individual (pessoal) Ex: Desenvolver a consciência e trabalhar para combater o próprio racismo/preconceito implícito - Interpessoal Ex: Aplicar o pensamento estrutural para abordar os pacientes sem culpa ou julgamento. - Institucional Ex: Diversificar a equipe e fornecer treinamento de competência estrutural para todos os trabalhadores. - Comunitário Ex: Colaborar com membros/organizações da comunidade em iniciativas de transformação local como organização de moradias populares para pacientes vulneráveis. - Político Ex: Participar de esforções coletivos para estabelecer a saúde universal reformar leis e práticas que prejudicam os pacientes, etc. - Estrutural Ex: Realizar pesquisas que considerem a influência das estruturas (não apenas comportamento/cultura/genética) sobre saúde e cuidados de saúde. Quando os cuidados médicos ignoram as estruturas sociais - Quando as condições crônicas são vistas como mau funcionamento exclusivamente biológico ou comportamental, o diagnóstico não considera as principais causas de adoecimento do paciente, e frequentemente, o diagnóstico incorreto leva a tratamentos ineficazes. - Médicos com competências estruturais podem: • Abordar e buscar junto com pacientes, comunidades, associações e governos, alternativas para as verdadeiras causas do adoecimento de pacientes. • Navegar por barreiras estruturais e burocráticas que dificultam o acesso ao cuidado – benefícios de assistência social, previdenciários e de assessoria jurídica. UFV – Universidade Federal de Viçosa Matéria: MED 191 – Prática Profissional e Trabalho em Saúde I • Aplicar de forma crítica o conhecimento médico, suas categorias diagnósticas e intervenções. • Médicos podem ser mais empáticos quando aprendem sobre fatores estruturais que afetam a saúde de seus pacientes. • Também podem ficar menos sobrecarregados quando aprendem sobre exemplos históricos e contemporâneos de ações que podem alterar aqueles fatores.
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