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UFV – Universidade Federal de Viçosa Matéria: MED 191 – Prática Profissional e Trabalho em Saúde I Perspectiva estrutural – limitações potenciais - O foco nas estruturas sociais dirige a análise social a fenômenos macrossociais, tais como: políticas, sistemas e economia da saúde, pobreza, racismo e sexismo estruturais, organização social do trabalho, das famílias e das religiões, o funcionamento das instituições políticas, médicas e de saúde. - Essa perspectiva possui diversas potências como analisamos até aqui. No entanto, propomos que ela possui duas limitações potenciais principais: → Podemos deixar um pouco de lado a compreensão das categorias médicas e da saúde de forma geral como categorias sociais: • Na proposta de reconhecimento/intervenção nas estruturas sociais, o foco está em como essas estruturas “moldam” as práticas de saúde, mas recebe pouca atenção como as próprias práticas de saúde são fenômenos sociais. Há uma tensão entre o social e o biomédico, mas não reconhecemos o biomédico e as diversas representações e práticas de cuidado como fenômeno social. → Há o risco de naturalizar ou generalizar as “estruturas sociais” • A perspectiva estrutural pode perder de vista o lugar das pessoas, pequenos grupos e comunidades em uma compreensão mais ampla e “palpável” dessas questões. O que existe nos “pequenos mundos” pode ter diferenças e ser tão significativo para o entendimento da saúde como fenômeno social quanto a compreensão de fenômenos macrossociológicos. Binômio sociológico fundacional - Estrutura: todo conjunto das circunstâncias sociais que exercem alguma influência restritiva e/ou habilitadora sobre a produção, o desempenho e os efeitos das ações individuais. (Peters, Agência e Estrutura na Sociologia Fenomenológica, 2011) - Agência: denota a capacidade individual de pensar e agir livremente, sem a coerção social. (Bruce e Yesrley, The Sage dictionary of Sociology, 2006) Perspectivas complementares - Vamos apresentar duas perspectivas teórico- metodológicas das ciências sociais que oferecem referenciais de trabalho que focam exatamente nesses dois aspectos do “social” que recebem pouca atenção na discussão das competências estruturais. Construcionismo social - Construção social: entendimento da realidade social como sendo continuamente produzida, reproduzida e transformada pela ação humana no quadro de dinâmicas de processos, contextos, relações e formas de organização específicas, não constituindo, deste modo, uma essência ou uma entidade natural. - O construcionismo social examina como indivíduos e grupos contribuem para a UFV – Universidade Federal de Viçosa Matéria: MED 191 – Prática Profissional e Trabalho em Saúde I produção do conhecimento e da realidade social percebidos. - Os autores Peter Berger e Thomas Luckmann argumentam que existe um processo dialético no qual os significados dados pelos indivíduos a seu mundo se tornam institucionalizados ou transformados em estruturas sociais, e as estruturas então se tornam parte dos sistemas de significado empregados pelos indivíduos e limitam suas ações. - Embora o mundo material e social sejam experimentados como objetivos, como realidades pré-existentes, essas realidades envolvem a reprodução de significados e conhecimentos através da interação social e socialização e repousam sobre definições compartilhadas. Devido à construção contínua da realidade, seus significados são precários e sujeitos à mudança. - Para a maioria dos construcionistas sociais, os tipos de conhecimento que são desenvolvidos e trazidos à tona sobre saúde, doença e cuidados médicos podem ser vistos como um agregado de crenças que são criadas através da interação humana e significados pré-existentes. - Para Konrad e Baker, construcionismo contribui para uma compreensão sociológica da saúde, do adoecimento e do cuidado através de três “descobertas” principais: → Os significados sociais das doenças → A experiência das doenças é socialmente construída → Os saberes e práticas das profissões de saúde – a medicina incluída – são socialmente construídos. - Os significados sociais das doenças: diagnósticos implicam mudanças no mundo social das pessoas que não são inerentes a essas condições. Algumas doenças são estigmatizadas, outras não (IST/HIV/SIDA); algumas são questionadas, outras não (fibromialgia, síndrome metabólica, síndrome do climatério); algumas são consideradas incapacidades, outras não (síndrome de Asperger) - A experiência das doenças é socialmente construída: como é a vida de uma pessoa com diabetes, câncer, hipertensão, demência? Por quais experiências essas pessoas passam? Como reagem seus familiares? Como os profissionais de saúde lidam com essas pessoas? Como as pessoas dão sentido ao seu adoecimento? - Os saberes e práticas das profissões de saúde – a medicina incluída – são socialmente construídos → Exemplo: por que a síndrome pré-menstrual é considerada um transtorno? Seria porque as mulheres apresentam comportamentos e mudanças subjetivas que não são socialmente aceitos para o gênero feminino? → Influência da indústria farmacêutica na construção do conhecimento médico, através do financiamento utilitarista de pesquisas, palestrantes, congressos, etc. → A “medicalização” progressiva das experiências e problemas que trazem qualquer tipo de mal estar ou sofrimento: o envelhecimento (climatério, alterações do sono, cansaço, dificuldade para ter ou manter a ereção), as emoções disfóricas (tristeza, raiva), etc. Antropologia - Antropologia é uma disciplina das ciências sociais que estuda o mundo social humano a partir da “imersão”, do acompanhamento “denso” das experiências e trajetórias de indivíduos e/ou “pequenos grupos de pessoas. - É um mergulho nos mundo do outro que, ao mesmo tempo, leva o pesquisador a um mergulho na própria existência. - O trabalho antropológico envolve a descrição crítica e reflexiva desse mergulho, UFV – Universidade Federal de Viçosa Matéria: MED 191 – Prática Profissional e Trabalho em Saúde I analisada através de um diálogo entra as teorias sociais e os saberes construídos localmente através da interação entre o pesquisador e as pessoas que participam da investigação antropológica. Usualmente, este trabalho é chamado etnografia. - Etnografia é a descrição de como é a vida em um mundo local, aproximando-se da experiência de quem vive esse mundo. - Ao buscar compreender os mundos do outro, a antropologia, em sua abordagem de comparações e contrastes, aponta que a vida social é delineada por semelhanças, diferenças e recriações locais. - O entendimento do mundo social aponta, portanto, para uma diversidade contextualmente situada da vida em sociedade, para as transformações constantes, para a incerteza, para as tensões e os encontros. - É por isso uma contestação empiricamente fundamentada de toda forma de rotular ou estereotipar o humano. Antropologia de Saúde – Métodos - Defendemos mapear a vida de indivíduos e instituições ao longo do tempo, narrando as interpretações variadas das pessoas sobre suas condições, ao mesmo tempo desnaturalizando categorias operacionais e iluminando as formas concretas com que atores, de nível “meso” e “macro”, interferem nos mundos locais e se tornam parte dos ordenamentos globais. - Rejeitando a divisão entre aqueles que conhecem o mundo e aqueles que devem simplesmente lutar para sobreviver a ele, e defendendo uma igualdade de inteligências, nossas incursões etnográficas podem registrar as tensões vividas entre teoria e prática e invocar estruturas conceituais alternativas e novos tipos de imaginação. Antropologia da Saúde – Descobertas - As pessoas e os mundos pelos quais navegam e as perspectivas que articulam são mais confusas, incompletas e múltiplas do que os esquemas analíticos dominantes tendem a explicar. - A teoria etnográfica emergede e na conversa com pessoas e práticas que “fazem mundos”, com várias formas de conhecer e se relacionar. É uma forma de permanecer conectado a processos sociais abertos e desconhecidos – uma forma de contrabalançar a geração de certezas e conclusões de outras disciplinas. - Mantendo a inter-relação, a precariedade, a incerteza e a curiosidade em foco, nossa teorização nunca está separada da práxis, mas molda e canaliza diretamente o envolvimento da antropologia nos processos de transformação. Modelo explanatório – Arthur Kleinman, 1988 - Como você chama este problema? - O que você acredita ser a causa deste problema? - Qual o curso espera que este problema irá tomar? Quão sério é ele? - O que pensa que este problema faz com seu corpo? - Como ele afeta seu corpo e sua mente? - O que você mais teme sobre esta condição? - O que você mais teme sobre o tratamento? Abordagem minietnográfica - Abordar a identidade étnica – a experiência de pertencimento a um grupo ou categoria social. - Compreender e descrever “o que está em questão?” - Construir a narrativa da doença – modelo explanatório UFV – Universidade Federal de Viçosa Matéria: MED 191 – Prática Profissional e Trabalho em Saúde I - Identificar e abordar estressores psicossociais - Autocrítica aos vieses da cultura biomédica - Prevenir os efeitos indesejados da abordagem cultural Habilidades socioantropológicas em medicina - Desenvolver uma consciência da construção social dos saberes e práticas da medicina e da saúde em geral, conhecendo as bases teóricas e exemplos ilustrativos de três “descobertas”: as doenças possuem significados sociais; as experiências das doenças são socialmente construídas; os saberes e práticas da medicina são socialmente construídas. - Reconhecer categorias e práticas “locais” e “nativas” que traduzem a compreensão das pessoas sobre o mundo de maneira geral, também sobre adoecimento e cuidado, bem como aprender com essas pessoas como incorporar essas categorias e práticas no seu cuidado. - Desenvolver e cultivar ao longo da vida profissional uma atitude “simétrica” de curiosidade e abertura diante da incomensurabilidade e da diversidade contextualizada do mundo social humano, das trajetórias de sofrimento e de cuidado de pessoas e pequenos grupos. Esse cultivo pode ser estimulado através do estudo de etnografias da saúde, de narrativas literárias médicas, e de filmes que tocam questões de “saúde” nesse sentido social mais amplo. - Cultivar uma “mentalidade etnográfica” na prática clínica. → Não tirar conclusões rápidas, embora isso possa atrasar a formação de hipóteses sobre o que está acontecendo, e também embora o objetivo seja alcançar algum tipo de conclusão. → Prestar atenção às aparências e, ao mesmo tempo, não toma-las de imediato como necessariamente relevantes. → Buscar compreender as visões de outras pessoas sem tratar o que dizem como obviamente verdadeiro ou falso. → Examinar as circunstâncias em que as pessoas agem, com atenção especial àquelas em que estão menos conscientes de si mesmas sem perder de vista a que dirigem seu foco e atenção. Observando o familiar - O processo de estranhar o familiar torna-se possível quando somos capazes de confrontar intelectualmente, e mesmo emocionalmente, diferentes visões e interpretações existentes a respeito de fatos, situações. - O estudo de situações de conflitos e disputas pode ser particularmente útil neste sentido. O estudo de rompimento e rejeição do cotidiano por parte de grupos ou indivíduos desviantes ajuda-nos a iluminar, como casos limites, a rotina e os mecanismos de conservação e dominação existentes. - O “familiar” vai se constituindo uma realidade bem mais complexa do que aquela representada pelos mapas e códigos básicos através dos quais fomos socializados.
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