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1 Deve-se Culpar a Mídia - Gilles Lipovetsky

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IV Deve-se culpar a mídia? 
Faz mais de meio século que os intelectuais não param de ter um discurso hipercrítico a respeito dos meios de comunica ção de massa. Muito cedo, estes foram acusados de ser instru mentos de manipulação e de alienação de essência totalitária. 
A Escola de Frankfurt estigmatizou as indústrias cultu rais, que transformam obras de arte em produtos de consumo. Viu na mídia uma fábrica de estereótipos a serviço da consoli dação do conformismo, da justificação da ordem estabelecida, do desenvolvimento da "falsa consciência” e da asfixia do espaço público da discussão. Os situacionistas denunciaram a comuni cação unilateral que destrói a comunidade, isolando os indiví duos. O perfil dominante da mídia veicula a idéia de um poder total: controle e manipulação da opinião, uniformização dos pensamentos e dos gostos, desagregação do espaço público, atomização do social. 
A violência aumentar a culpa é da "TV crime". O rendi mento escolar cai: a culpa é das horas passadas na frente da telinha e da imbecilidade dos programas. Reaparece a xenofobia: não se devia ter convidado os líderes dos partidos de extrema direita para falar na televisão. A abstenção eleitoral aumentar a culpa é da mídia, que imbeciliza os eleitores com seus programas de variedades e transforma a política em espetáculo. O culpado é sempre o mesmo. Temos um novo demônio responsável por todos os nossos males: a mídia. 
Tamanha diabolização, que lembra um vinil arranhado, não me parece sustentável. A mídia tem uma influência na sociedade ria ridículo minimizar, mas ela não pode tudo, não tem rodos os poderes. Qual é, realmente, a extensão da influência exercida pela mídia sobre a opinião pública e sobre os indivíduos? Em que medida a mídia chegou a degradar o espaço público democrático? A mídia é inimiga da sociedade liberal? Quero retomar essas questões que levam, com freqüência, a análises apocalípticas. 
Massificação e individualização 
A mídia exerce um poder social em matéria de transfor mação dos modos de vida, dos gostos e dos comportamentos? Isso é dificilmente contestável. Nos anos 20, a publicidade em penhou-se na destruição dos costumes locais e dos comporta mentos tradicionais, inculcando normas modernas de consu mo, propagando as idéias de conforto, de juventude e de novi dade. 
Desde os anos 50, vê-se, sem trégua, na publicidade uma máquina de uniformização capaz de produzir uma "felicidade conformista", materialista e mercantil. O mesmo vale para jornais, rádio, cinema e televisão, que adquiriram um imenso po the der de uniformização dos gostos e das atitudes. A capacidade midiática de criar, em grande escala, fenômenos comportamentais. Distais e de emoções similares expressa-se em best-sellers, em hits, na idolatria de stars, na adesão às modas, no sucesso do mês, etc. Mesmo os gestos mais cotidianos tendem a homogeneizar-se. Mais de três franceses em cada quatro olham televisão todos os dias e o aumento do número de horas semanais de audiência atinge a totalidade da população. Os números de homens e de mulheres não são muito diferentes: vinte e uma horas para o sexo masculino; vinte e três para o feminino. Cada dia, milhões e milhões de pessoas escutam os mesmos discos, olham as mesmas séries de televisão, acompanham as mesmas publicidades. A mídia busca alcançar indivíduos diferentes, mas isso não ocorre sem um processo de padronização, de massificação dos modos de vida, dos gostos e das práticas. Seria o caso de afirmar, como alguns, que o poder de condicionamento e de massificação da mídia nos transforma em bobos alegres, autómatos, hipnotiza dos por slogans, imagens e espetáculos do entretenimento pro gramado? 
As imagens publicitárias, as fotos da moda e a imprensa feminina exemplificam bem essa penetração da mídia até no mais intimo, especialmente em tudo o que diz respeito à apa rência do corpo. Alguns, em função disso, falam de uma "tira nia” da beleza exercida pelos meios de comunicação contempo râneos. Quanto menos a moda (vestuário) é diretiva, mas a lei da magreza e da juventude é exaltada e valorizada. Quanto mais a moda se torna pluralista, mais o corpo esbelto e firme torna-se um ideal consensual. Mesmo se a estética da "linha” não se ex plica somente pelas imagens das top models, é impossível não reconhecer o papel da mídia nessa dinâmica de normatização obsessiva da aparência. O poder da mídia coincide com uma capacidade de imposição de modelos que, por não serem obri gatórios, não deixam de ter menos eficácia. Daí os inúmeros alertas contra as ameaças de conformismo e de despersonalização engendradas pela mídia, cuja influência, para falar como Heidegger, permitiria o desenvolvimento da típica ditadura do "se", do impessoal. 
A tese da massificação foi criticada por sociólogos com base na ação de outros condicionamentos, diferencia Pons diferenciadores, como os de classe social. Mesmo se, de mídia dirige-se a todos, ela não homogeneiza o corp de do que a escola, sendo que os gostos o amplamente determinados pelas culturas de geneiza o corpo social mais e os gostos e as práticas continuam s culturas de classe e pelas lutas travadas em nome da aquisição de sinais de distinção. A mitolo gia da massa indiferenciada, é preciso opor os classificados e classificadores, os diferentes habi bólicas entre as classes. Essas críticas têm se embora não cheguem a penetrar no esse mídia em nossas sociedades democráticas, diferenciada, é preciso opor os estilos de vida, classificadores, os diferentes habitus, as lutas sim classes. Essas críticas têm seus fundamentos, guem a penetrar no essencial das práticas da as sociedades democráticas, ou seja, no que se ao da mídia para o advento histórico de uma nova cultura individualista. 
A mídia, de fato, é uma das forcas subentendidas na for dinâmica de individualização dos modos de vida e dos eventos da nossa época. A imprensa, o cinema, a pu blicidade e a televisão disseminaram no corpo levisão disseminaram no corpo social as normas e do consumo privados, da liberdade individual, do lazer e das viagens e do prazer erótico: a realização intima e a satisfação individual tornaram-se ideais de massa exaustivamen te valorizados. Ao sacralizar o direito à autonomia individual, promovendo uma cultura relacional, celebrando o amor pelo corpo, os prazeres e o bem-estar privados, a mídia funcionou como agente de dissolução da força das tradições e das barreiras de classe, das morais rigoristas e das grandes ideologias políticas. Impôs-se como nova e legítima norma majoricária o viver aqui e agora, conforme as vontades próprias. A mídia acionou, ao mes mo tempo que os objetos”, uma dinâmica de emancipação dos indivíduos em relação às autoridades institucionalizadas e às coerções identitárias. 
A partir dos anos 60, as grandes instituições coletivas perderam uma considerável parte do seu poder regulador. Mu lheres, jovens, minorias sexuais, cidadãos e crentes, entre ou 
libertaram-se dos modos de enquadramento sociais anterio 
Comunicação e consumo, juntas, colocaram em órbita, há meio século, a "segunda revolução individualista falência dos grandes sistemas ideológicos''. 
evolução individualista", marcada pelos sistemas ideológicos, pela cultura do corpo, do hedonismo e do psicologismo, pelo culto à autonomia subjetiva. Nesse contexto, as condutas individuais são cada vez menos limitadas socialmente, cada um tendo liberdade para compor e recompor suas orientações e modo de vida através da oferta crescente de referências. Paradoxalmente, o império do consumo e da comunicação de massa gerou um individuo desinstitucionalizado e opcional, disposto, em todos os planos, a ter o direito de dirigir a si mesmo. 
Foi também mais "mecanicamente" que as técnicas de comunicação de massa favoreceram os novos modos de vida in dividualistas. Assim, a presença da televisão nos lares acelerou a erosão de certas formas de sociabilidade tradicionais, como a vida de bairro, os encontros de rua, o café. A televisão acabou com a ida regular dos homens ao café do bairro, assim comofez cair a freqüência às salas de cinema. Os rituais do café e do cine ma foram substituídos pelo jornal de televisão e pelo filme de 
liga-se a televisão. Da mesma forma, o esporte é cada vez mais olhado na telinha. Na atualidade, os franceses gastam cada vez mais tempo de consumo individual em casa (televisão, rádio, discos) do que no trabalho: quarenta e três horas, em média, por pessoa com uma atividade profissional. Os lugares tradicio nais de sociabilidade (trabalho, Igreja, sindicatos, cafés) cedem, por toda parte, terreno ao universo privatizado do consumo de objetos, de imagens e de sons. 
Essa tendência à individualização aumenta com a possibi lidade de equipar cada lar com múltiplos equipamentos eletrô nicos: aparelhos de som, videocassetes, leitores de CDs, televi são à cabo, computadores, etc. Essas tantas tecnologias permi tem uma maior individualização dos usos, maior dessincronização das práticas, mais possibilidades para cada um escolher os seus programas e libertar-se das limitações colerivas ou semicoletivas (família) de tempo e espaço. Nesse sentido, a fórmula bastante conhecida de McLuhan, o meio é a mensa gem", continua válida: sejam quais forem os programas exibi dos, a mídia, nas sociedades democráticas, trabalha para privatizar os comportamentos, individualizar as práticas, privilegiar o in dividual em detrimento do coletivo. É um individualismo desregulado, dessincronizado, à la carte, que não cessa de favo recer a galáxia dos mass media. 
As polêmicas a respeito da mídia são conhecidas. Acusada de imbecilizar e infantilizar o público, a mídia é vista como mecanismo que atrofia as faculdades intelectuais das pessoas por meio de um jorro de imagens e de informações superficiais, frag mentárias, difundidas para divertir. Assim, a mídia - especial mente a televisão - não se preocuparia em educar ou levar à reflexão, mas somente em distrair e em obter o máximo de au diência. Nada mais do que futilidade, espetáculo, variedades, temas desfilando a toda velocidade, sem qualquer possibilidade de reflexão. A duração média de um assunto num boletim de televisão americano é 45 segundos. Não haveria necessidade, hoje, de um déspota para tirar a autonomia dos indivíduos; a mídia ocupa-se disso pela sedução. A empreitada da "devastação espiritual" já seria, portanto, começado. Todas essas acusações não podem ser descartadas. Contudo, trata-se de apenas uma parte de um fenômeno muito mais complexo. 
De fato, através dos noticiários e dos debates, a mídia "me canicamente" abre os horizontes de cada um, dando a conhecer diferentes pontos de visca e oferecendo diversos esclarecimentos. As questões relativas à vida política, aos problemas sociais, à cul tura e à saúde, entre outras, chegam a todos e blocos de saber tornam-se disponíveis para a maioria. Por meio disso, os indivíduos estão, agora, em condições de estabelecer comparações entre eles mesmos e os outros, entre o aqui e o distante, o hoje e o ontem. Amplificadores de comparações, os meios de comunica cão de massa trabalham para liberar os espíritos da influência das tradições e das culturas de grupo ou de classes; contribuem, mes mo de forma imperfeita e muito desigual, para a individualização dos julgamentos, para a multiplicação dos valores de referência, para liberar os indivíduos da fidelidade a partidos políticos e igre jas, emancipando-os das ideologias monolíticas. Isso não elimina o conformismo nem os clichês, mas os torna menos rígidos, me 
Por permitirem a comparação e informar o público inde pendentemente da autoridade do Estado, de um partido ou de uma igreja, os meios de comunicação de massa favorecem globalmente, um uso mais intenso da razão individual. Mesmo se não existem mais grandes ideologias de oposição, o espírito crítico não desaparece, tende a generalizar-se, envolvendo todas as questões da vida. As críticas radicais cedem lugar a críticas e rejeições parciais. Na escala da longa duração, os indivíduos têm mais possibilidades de questionar e de mudar suas próprias posições, de avaliar e de julgar livremente, de tomar distância em relação às posições das autorida des institucionais. O superficial e o lúdico da mídia apresentam-se mais como instrumentos do iluminismo do que como seu túmulo. E a cultura? 
Nada disso é motivo para grandes comemorações. Primeiro porque essa difusão social iluminista convive, como se sabe, com diversos tipos de fanatismo, com a multiplicação de certas as esotéricas e outros gêneros de fundamentalismo. Nag laginar que se trata apenas de um "resíduo" ou de "poca; e da própria dinâmica do neo-individual de crenças esotéricas e ou gio de outra época; é da propedo enfraquecimento das grandes des instituições de enquadramento que emanam esses novo 
Depois, a mídia está muito longe de realizar as promessas de uma democratização completa da cultura. Enquanto, cada vez mais, os programas literários de televisão passam em horários tardios, os gostos do público migram para filmes, esportes, shows de auditório e espetáculos de variedades. Faz anos que o índice de leitura não aumenta; um francês em cada quatro não leu um único livro nos últimos doze meses. Diminui o núcleo dos lei tores apaixonados. Os jovens preferem gastar com CDs ou tele fone. Preferem videogames, chats e esportes à leitura. Apesar do aumento extraordinário do número de professores e de estu- -- dantes, a venda de obras de ciências humanas e de filosofia - excetuados alguns best-sellers --- não ultrapassa, em média, algu mas centenas de exemplares, um nível idêntico ao existente no final do século XIX. 
Fala-se, atualmente, do "retorno da filosofia”. Mas se trata menos de paixão pelas idéias e pela verdade que da busca de “reccitas" para o bem-estar subjetivo. Nem o livro nem a cultura estão morrendo, mas atendem menos à procura de soluções teóri cas que a interrogações pessoais. Os indivíduos não ambicio nam tanto compreender e mais bem pensar o mundo, mas-an res viver um pouco mais felizes no imediato. Depois do tempo dos pensadores radicais, chegou a época dos “passadores” curati vos e simpáticos de lições de existência. Melhor que Prozac, a filosofia cranqüilizante. Apareceram muitos artigos na imprensa saudando o surgimento de uma filosofia agradável, acessível, que ajuda os indivíduos a resolverem os seus conflitos. Retorno da 
De forma alguma. Nada mais que uma nova estraté via individualista e consumista do ego em busca de menos sofri mento, tentando enxergar-se melhor e resolver", sem es nem disciplina, seus problemas. Para isso, buscam 
maticamente, em algumas obras o que as coisas" na N a filosofia grega que volta com força; é o hom 
as. Para isso, busca, muito prag ras o que as coisas" não lhe dão. ra com força; é o homo consumans 
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que triunfa anexando um novo território, até então fora dos domínios do fast-food. O sucesso da filosofia traduz menos uma busca de sentido que a extensão da lógica do consumo; menos uma vontade de inteligibilidade do mundo que a preocupação terapêutica do eu pós-moderno obcecado por seus problemas íntimos e pelo seu mal-estar. 
As livrarias encontram-se tomadas por manuais, livros • práticos, resumos, guias de todo tipo, obras úteis às atividades profissionais. Cada vez mais, os livros tornam-se objeto de um uso utilitário, seja em relação à atividade profissional, seja em relação à vida cotidiana: como envelhecer melhor, dormir me lhor, relaxar, usar melhor a própria casa (feng shui), comer me lhor. O indivíduo pós-moderno quer soluções eficazes e técni cas para os diversos problemas e questões da vida. Não é a pai xão pelo pensamento que está ganhando, mas a exigência de saberes e de informações imediatamente operacionais. 
Perda da aura da cultura, hit parade dos pensadores e dos livros, programas espetaculares, livros kleenex, estagnação da lei tura, modas filosóficas ou semelhantes: todos esses fenômenos não são sinônimos de uma falência do pensamento e não po dem ser colocados no mesmo plano. Se a mídia não é, eviden temente, estranha a essas evoluções,não cabe condená-la suma riamente, pois toda a nossa civilização tecnocientífica, utilitária, consumista e individualista empurra nessa direção. A responsa bilidade da mídia nesse campo existe, mas é limitada. 
Mídia e individualismo paradoxal 
Freud 
o universo contemporâneo da mídia convive com um 
individual paradoxal. A cultura pós-moderna incensa a qualidalo oma de de vida, mas, ao mesmo tempo, os indivíduos permanec 
colados" à telinha, mesmo quando os programas só propor 
Adenorfor 
nam uma pequena satisfação. Colocam-se num pedestal a inici riva e a autonomia, mas apenas um telespectador em cada cinco na França, decide antecipadamente o programa que verá; um telespectador em cada dois liga a televisão sem conhecer o pro grama que estará passando. O consumo de televisão apresenta se mais como um hábito que como a expressão de uma escolha individual deliberada. Assim, o telespectador pós-moderno não se identifica nem com o homem padronizado das multidões nem com o indivíduo soberano. Ele é o indivíduo "zapeador”, de audiência flutuante. Mais da metade dos jovens entre 20 e 24 anos veem vários programas ao mesmo tempo. Em conseqüên cia, as ameaças que espreitam não decorrem mais da manipula ção, da massificação, da doutrinação, mas se encarnam, antes, no triunfo das práticas aditivas, nas cibercompulsões e em ou tras utilizações imoderadas ou incontroláveis. A mídia favore ceu o desenvolvimento da autonomia dos indivíduos; eis eles, agora, prisioneiros de novas dependências. Um francês em cada quatro diz que sofreria muito se ficasse sem televisão durante dois meses. 
Se a mídia funciona como instrumento de estimulação e 
lar uma situação de insegurança, amplificando os temores coti dianos: medo alimentar, medo de vírus, da pedofilia, da obesi dade, da violência urbana, da poluição, quase tudo, hoje, tende a cair no regime da fobia. O individuo liberado da sujeição ao coletivo acha-se cada vez mais submetido aos poderes do modo e da inquietude. Essa nova figura do indivíduo ameaçado tem relação com a mídia. É através desta que tomamos consciência dos novos riscos que nos cercam. Pelo sensacionalismo, a midia constitui uma extraordinária caixa de ressonância dos perigos que planam sobre nossas existências. Por um lado, a mídia mer gulha no lúdico e nas distrações superficiais; por outro lado 
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não para de intensificar as imagens de um mundo repleto de catástrofes e de perigos. 
De um certo ponto de vista, a mídia apresenta-se como ins trumento da "irracionalidade", fabricando emoções com o excesso de novos perigos. De um outro ponto de vista, pode-se vê-la como aquilo que leva os indivíduos a reagir, a protestar, em outras pala vras, a agir como protagonistas num mundo onde o controle das grandes decisões escapa-lhes. Já se disse interminavelmente que a mídia torna passivos os cidadãos. É forçoso observar que ela tam bém cria uma situação capaz de levar os indivíduos a questionar a existência, tomar partido, exigir mais controles, reclamar medidas de prevenção e de "precaução". Através do sensacionalismo da mídia, avança a astúcia da razão individualista; quando fortalece as reações de indignação, faz recuar a alma fatalista tradicional, possibilita mobilizações e protestos de consumidores e cidadãos. 
Cabe, entretanto, acrescentar que la capacidade da mídia de gerar ansiedade ou pânico está longe de ser sistemática. As sim, apesar das reportagens "trágicas” e de inúmeras campanhas de sensibilização e de prevenção, os milhares de mortos e de feridos de acidentes de carro continuam a não impressionar o público. Superestimando suas capacidades, os motoristas sen tem-se estranhos ao perigo, como se os acidentes só atingissem os outros. O mesmo sentimento de invulnerabilidad envolve os jovens fumantes. Se esse medo relativo pode ser inte precado como uma certa forma de irresponsabilidade da parte dos atores individuais, revela também os limites do poder da mídia para influenciar e transformar as condutas individuais. 
Da sociabilidade em tempos midiáticos 
iao há dúvida de que a mídia acelerou a dissolução de algumas formas de sociabilidade tradicional, não ever 
abilidade tradicional, não é verdade que 
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tenha eliminado todos os laços sociais, destruído o gosto pela so ciabilidade e pelas relações humanas num consumismo sem intersubjetividade. Veja-se a televisão: mesmo se funciona como uma comunicação sem resposta", ela é um objeto privilegiado da conversação entre amigos e familiares. Não se fica apenas no olhar os programas. Fala-se deles. De fato, a televisão reconstitui, como observa Dominique Wolton, uma forma de laço social na medida 
olhando e eles mesmos sabem que eu o estou olhando 
Contrariamente a uma idéia recorrente, a sociedade hipermidiatizada não tem levado a um cooconing estreito e a um "confinamento doméstico" geral. Se é verdade que as sociabili dades de proximidade (conversas e relações com os vizinhos, bares, associações de locatários, de bairros ou pais de alunos) têm pouca intensidade, outras relações sociais florescem a partir de outras bases. Os bistros de bairro diminuem, mas nunca houve tanta ida a restaurantes entre amigos. As horas passadas diante da televisão aumentan, mas os concertos, os espetáculos ao vivo, as visitas a exposições, a monumentos históricos e museus expe rimentam também uma tendência de alta - mesmo ligeira e pecialmente entre os habitantes das grandes cidades 
Ao longo dos últimos doze meses, 47% dos franceses as sistiram a um espetáculo, 46% visitaram uma exposição. 39% foram a um local de patrimônio histórico. Os festivi 
m-se e atingem um público amplo. A mídia sufoca-nos e fe cam cha-nos para os outros? As associações e os voluntári cam-se. As relações de proximidade só recu de "sociabilidade ampliada", escolhida, móvel acordo com as novas personalidades individi 
Mesmo a Web não destrói ol 
As associações e os voluntários multipli roximidade só recuam num panorama da". escolhida, móvel e temporária, de 
idades individualistas. 
Web não destrói o laço social. Um estudo re 
p. Wolton. Eloge du grand publie. Paris. Flam 
Paris. Flammarion, 1990. 
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cente revela que 84% dos internautas americanos utilizam a Net para entrar em comunicação com os outros nas comunidades conectadas. Mais de um internauta comunitário em cada dois aderiu a uma associação depois de um primeiro contato na rede. Outros estudos mostram igualmente que os jovens que utilizam freqüentemente os chats também se encontram fora da Internet, combinando assim dois modos de vida relacional, virtual e 
ais; as completam ou ampliam. Os contatos diários, fora da rede, permanecem. 
A mídia destrói as experiências afetivas comuns e o prazer das enormes reuniões? Tampouco. Apesar do seu efeito de atomização ou de dispersão social, não impediu a multiplicação de novas formas de emoção e de efervescencia coletivas. Prova disso são as emoções suscitadas pela morte da princesa Diana, pela Love Parade de Berlim e por outras tantas tecno-parades, pela final da Copa do Mundo de futebol, pelas Jornadas Mun diais da Juventude -- um milhão de jovens reunidos em Longchamp, em 1997, para ver o Papa. Paralelamente à "multi dão solicária”, surgem as novas "multidões emocionais” pós modernas, que cabem mal na grade da sociedade do espetácu lo", ou seja, da fabricação da passividade e da separação genera lizadas. 
Parece evidente que a midia não conseguiu dissolver os desejos e as exuberâncias da festa, os momentos de afetividade partilhada, as diversas formas de agregação social, alegres ou tris tes. Os laços comunitários tradicionais rompem-se, mas novas formas do "nós", efémeras, constituem-se, baseadas em experiên cias intensamente emocionais, em escolhas provisórias, em prá ticas pessoais sem compromisso formal. De agora em diante, as grandes instituições, o Estado, os partidos políticos e as igrejas, entre outras, estarão cada vez menos aptos a criar "explosões" 
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coletivas, quese desenvolvem sob o signo da "auto-organiza ção", da espontaneidade emocional, da adesão flexível, tempo rária e voluntária. Com um detalhe: quase não se vê um modo de expressão emocional sem a mediação das imagens e das men sagens da comunicação de massa. 
Atualmente, a mídia funciona, ao menos episodicamente, como catalisadora de reuniões efervescentes, de afetos comuns, de participações emocionais em amplas manifestações. As novas exteriorizações coletivas dos sentimentos estão ligadas, de perto ou de longe, ao impacto da mídia: inexiste emoção coletiva sem. hipermidiatização dos acontecimentos. Não são mais os ritos, os costumes, as normas herdadas do passado que organizam os estados de efervescência coletiva; estes, agora, vinculam-se aos acontecimentos do presente e à sua cobertura midiática. 
Como imaginar o efeito Diana ou a noite turbulenta da final da Copa do Mundo sem as imagens e as reportagens da imprensa e da televisão? A enorme emoção suscitada pela des 
de televisão? É forçoso reconhecer que a mídia não se reduz a instrumentos de clausura doméstica; ela também é fator de co munhão, fermento de participação afetiva e de efusão comuni tária, ao menos por alguns momentos. Diretamente, pois torna, pelo sensacionalismo, próximo e íntimo o que é discante. Mas ainda é possível aprofundar a relação entre mídia e emocionalidade pós-moderna de massa. Ao provocar o "isola mento dos indivíduos, a mídia não promoveria, como reação, a necessidade de estar juntos, de reunir-se, de vibrar em comum? 
As grandes mobilizações de caráter emocional só podem ser compreendidas se vinculadas ao criunfo dos valores hedonistas, lúdicos e psicológicos amplamente veiculados pelos sistemas de comunicação. Para estes, a espontaneidade dos afe tos, a vida no presente e a liberdade nos engajamentos adquiri 
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ram uma legitimidade de massa. Em paralelo, as participações institucionalizadas e os compromissos inflexíveis perderam ter reno. As reuniões festivas e as manifestações emocionais inten sas de massa, facilmente observáveis hoje, refletem a ascensão do complexo mídia/individualismo e são a expressão coletiva de .ma cultura que sacraliza o livre governo de si mesma, a experien cia íntima, os prazeres do presente. Longe de ser, como alguns afirmam, um tanto precipitadamente, o signo do esgotamento do individualismo, reproduzem suas características numa escala de massa. Assim como a cultura midiática é uma "cultura de mosaico", descontínua, sem memória, os grupos sociais pós modernos são caracterizados pela fluidez e pela instantaneidade, pela instabilidade e pelo efêmero. Um ano depois da trágica morte da princesa Diana, o culto desaparecera: deusa das revis tas, Diana não entrou para o panteão dos deuses imortais. 
Assim, o poder emocional da mídia é, ao mesmo tempo, profundo e superficial, direto, mas não mecânico", sem dúvi da, impossível de ser comparado a um maestro dirigista e sobe rano. Mesmo se a mídia cobrisse em "alcas doses” os campeona tos de natação, de ping-pong ou de vôlei, tudo leva a imaginar que as experiências coletivas do público nada teriam em comum com aquelas da Copa do Mundo de futebol. Desde alguns anos, a televisão fez do telefon um grande sucesso, mas não consegue repetir o êxito quando se trata da AIDS. Significa que a mídia não consegue controlar e fabricar, peça por peça, os gostos e as reações do público. Estimula-os, mas não os comanda. 
Midialiberalismo e democracia 
Outra grave acusação do processo contra a mid são perverte a democracia e degrada o espaço pu um resumo da denúncia: a televisão simplific 
Processo contra a mídia: a televi grada o espaço público. Façamos revisão simplifica abertamente o 
Metamorfoses da cultura liberal 
lol 
debate político; o show substitui a ideologia; a imagem, as idéi as; as "frases", a argumentação. Assim, a televisão operaria para despolitizar o político, diminuir o prestígio dos homens de Es tado, enfraquecer as instâncias reguladoras da República. O militante é substituído por um telecidadão distraído e passivo, menos interessado pelos problemas de fundo que pelo espetá culo, inclusive o da política midiática. Pobre democracia espe tacular, pobre cidadão, que, apenas libertado das megaideologias, cai na rede da imagem catódica! 
Se o impacto da videosfera no espaço político é indiscuti vel, cabe perguntar se as suas conseqüências coincidem mesmo com um processo de corrosão do espaço público. Bernard Manin mostrou que dois fenômenos principais acompanham a ascen são dos meios de comunicação de massa. Numa sociedade marcada pela onipresença da televisão, assiste-se, em primeiro lugar, à valorização da personalidade dos líderes, fazendo com 
que os eleitores possam conhecê-los diretamente, sem passar pela 2. intermediação dos partidos, o que leva, cada vez mais, a votar 
em pessoas, não mais em um programa. A época dos homens de aparelho ficou para trás. Com a televisão, o espaço político é dominado pelas "figuras midiáticas” capazes de dominar as téc nicas de comunicação 
Em segundo lugar, nossas sociedades liberais são contem porâneas de uma neutralização da mídia em relação aos partidos políticos. Razões diversas provocaram o declínio da imprensa partidária, da imprensa de opinião e da televisão estatal. Em conseqüência disso, os cidadãos podem formar opinião a partir de informações menos "marcadas" politicamente e apre quase da mesma forma a todos. Naturalmente, os iul apreciações divergem, mas os indivíduos recebem mações pouco diferentes, seja qual for o partido d rências. Transformações que significam 
ntadas ma a todos. Naturalmente, os julgamentos e sos individuos recebem, agora, infor 
hual for o partido de suas prefe Armações que significam menos uma desagrega 
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ção do espaço público que um declínio de uma forma historica mente datada de democracia, aquela da dominação dos partidos 
de massa, e o advento de uma nova figura de governo represen .wet tativo. Nessa ordem inédita, a mídia menos alienou o cidadão 
miodo que o tornou autônomo em relação aos partidos políticos. A em mídia fez menos do cidadão um espectador passivo que o trans bli formou em eleitor mais capaz de julgar independentemente das 
preferências e das clivagens partidárias. Passamos de uma demo 
• cracia de partidos para uma "democracia do público", baseada num midialiberalismo. 
Essa evolução não é totalmente positiva. Nas sociedades político-midiáticas, grande parte dos cidadãos não se interessa pela vida política, não crê nos grandes projetos coletivos, perde interesse pelas clivagens partidárias. Durante as eleições, as par tidas de futebol tem mais audiência que os debates políticos. As grandes utopias, portadoras de esperança de mudança, foram substituídas pelo ceticismo, pelo descrédito da política, pela desconfiança, em relação aos homens de poder, alimentada pela 
impotência, cada vez mais nítida, dos governos e pelos casos de Carrycorrupção. Ao dar ampla publicidade aos “escândalos", a mídia 
acentua a perda de confiança na classe política, a idéia do “nin guém presta" e uma separação entre a elite e o povo. É nesse contexto que a Europa acompanha, aqui e ali, o retorno dos movimentos populistas e xenófobos. Sucesso dos líderes de ex trema direita que alguns atribuem à irresponsabilidade dos jor nalistas em busca de audiência a qualquer preço. 
Fragilidade das novas democracias liberais? Sim, caso se enfatize o desinvestimento individualista na coisa pública, a sen sação crescente de ingovernabilidade do coletivo, o descrédito das elites dirigentes, a ascensão limitada, mas real, da extrema 
Sobre todos esses pontos. Net B. Manin. Principe di gonnerwenu representatifs. Paris. Calmann-Levy 1995. 
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direita. Mas como, ao mesmo tempo, não destacar a solidez dac democracias liberais reconciliadas, desde há pouco, com seus princípios fundadores e ordenando-se em torno dos Direitos do Homem, elevados à condição de centro de gravidade ideológica e referencialde consenso? Pela primeira vez, depois do fim do século 19, as sociedades liberais não têm outro projeto político além da democracia. Mais nenhum grande partido político tem no programa a destruição das instituições da liberdade; nenhum reivindica o uso da violência política. Esse dado histórico, radi calmente novo, é a grande chance das sociedades liberais. 
Sem dúvida, as democracias de mercado acompanham o esvaziamento do poder de governar-se!?? Mas esse processo está longe de ser total, como demonstram a nova situação e o novo papel da Justiça: impotência dos políticos, poder dos juízes. O controle pleno do conjunto social não faz mais sentido? Certa mente, mas essa perda política é contrabalançada por um voluntarismo de um novo tipo, perceptível, por exemplo, na construção da União Européia. Os partidos de extrema direita ganham eleições? Mas tudo indica que permanecerão forma ções marginais e de protesto, incapazes de subverter as institui ções liberais. O terrorismo realiza operações sangrentas? Isso, mais do que nunca, fortalece os povos democráticos em torno dos seus valores e dos seus modos de vida. A "crise" atual das democracias é menos significativa que o triunfo delas. Os inú meros problemas que surgem não questionam mais a legitimi dade dos princípios humanistas democráticos. São múltiplos e complexos os fatores que levaram à consagração da democracia: a mídia, do seu jeito, contribui para isso. 
Em tempos de midialiberalismo, observa-se, é verdade, 
uan uma maior volatilidade dos eleitores, uma adesão mais mu 
1998. 
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te, uma identificação menos forte com as famílias políticas. Fra casso da cidadania democrática ou maior autonomia dos eleito 
apenas com uma parte das idéias do partido pelo qual pensam votar são mais numerosos do que aqueles que aderem à totalida de de um programa. Enquanto cresce a instabilidade eleitoral, 
rau 
seguros de suas escolhas no momento de depositar o voto na urna. Se os comportamentos podem exprimir um certo consumismo eleitoral, ilustram igualmente uma maior liberda de da opinião pública e um menor fechamento ideológico e social dos eleitores. 
Nas democracias de partidos, com efeito, o voto expri mia, antes de tudo, uma identidade de classe: os eleitores vota vam, com freqüência, como os pais, campo contra campo, e muito mais em função da posição social e econômica ocupada que em razão de escolhas pessoais. Tendiam assim a votar du rante longos períodos pelo mesmo partido, reconhecido como 
o instrumento dos seus interesses de classe. A novidade está em da que os cidadãos pós-modernos não avançam mais como “reba 
nhos" disciplinados. Não escando mais às ordens", orientam-se mais individualmente em função das razões apresentadas por seus líderes e mudam de voto conforme a natureza e o que esti ver em jogo nas eleições. Volatilidade eleitoral que registra a dinâmica da autonomia individualista na própria esfera do poli tico. A deliberação pública não se esfumaçou, mas se diluiu no corpo social através de um eleitorado flutuante e informado da mídia. 
re de consolida A mídia deve ser considerada como agente de çao da democracia, pois opera no sentido da desq autoritarismo e das incitações histe 
opera no sentido da desqualificação do was incitações histéricas à violência e às cruza 
lo da moderação, não da excomunhão. 
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Exaltando os Direitos do Homem e a tolerância, glorificando o bem-viver individual em detrimento das grandes militâncias, acelerando o esquecimento dos acontecimentos com outros acon tecimentos sempre novos, superficializando as mensagens, a mídia funciona como um amplificador da pacificação Corava da desdramatização da vida social, seja qual for o volume de imagens de violência estampado nas telinhas. Paradoxamens a mídia deu maior estabilidade à ordem democrática, mesmo que seja uma ordem "mole", desinvestida em benefício dos pra zeres e realizações privados. 
A diminuição da influência dos partidos políticos sobre os juízos individuais não deve ser interpretada como a marca de uma dominação sempre maior da mídia sobre as consciências. Não posso tratar aqui, na totalidade, uma questão que já foi objeto de tantos estudos, mas gostaria somente de examinar, a esse respeito, um acontecimento recente que me parece muito rico de sentidos, mesmo se provocou risos e brincadeiras de um lado a outro do planeta: o caso Clinton/Monica Lewinski. Du rante meses, a mídia americana não parou de estigmatizar os desvios de conduta do presidente, de reclamar a sua demissão. de anunciar o seu atestado de óbito político. Resultado: Apesar desse linchamento midiático diário, a opinião pública america na permaneceu extraordinariamente estável, muito pouco fou rivel a saída do presidente da Casa Branca. Assim, a máquina midiática mais formidável do mundo não foi capaz d nem de influenciar a opinião da maioria. Onde está a midia todo-poderosa? 
ar a degradação dos programas de 
dos pela violència, pelo sexo e 
Karl Popper, ao comentar a degradação dos p televisão, cada vez mais dominados pela violencia 
lismo, viu na televisão um perigo imenso para a a educação e para a sociedade civilizada 
Para as 
pelo sensacionalismo, viu na televisão 
crianças, 
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fundir a violência na sociedade e por ter seu poder submetido a nenhum controle, a televisão representaria, aos seus olhos, uma terrível ameaça para a democracia. "Tornou-se um poder colos sal; pode-se até mesmo dizer que é potencialmente o mais im portante de todos, como se tivesse substituído a voz de Deus"). Ao longo destà explanação, eu me esforcei para combater essa satanização, pois a televisão é sobretudo um instrumento da vida política democrática de massa, não uma nova barbárie. Nem "voz de Deus” nem teatro do diabo, a televisão não é um poder sem limites capaz de destruir todo sentido crítico e de dissemi nar o gosto pelo crime. Lembrarei apenas, neste ponto, que ne nhum estudo científico conseguiu estabelecer uma causalidade direta entre violência televisiva e criminalidade real. 
Não deixa de ser menos verdadeiro, porém, que a televi são desempenha um papel crucial no processo de socialização dos jovens. Ora, isso acarreta diversos problemas, pois se sabe que uma criança americana olha, em média, sete horas por dia de televisão e vê 22 mil anúncios publicitários por ano. Em cer tos meios, a televisão representa a fonte essencial dos conheci mentos dos jovens. Isso justifica o apelo de Popper por uma ética da responsabilidade de parte dos produtores de programas de tclevisão. Mas será suficiente? A telinha não é a única respon sável pelo "mal-estar na socialização". Outras instâncias, sociais, familiares, escolares, são responsáveis diretas. Assim, o processo contra a televisão deve indiciar outras partes, criticando especial mente a escola e os sistemas de formação. Medidas restritas ao campo da televisão mostrarão rapidamente os seus limites. 
A tarefa parece clara: deve-se melhor "armar" os jovens e os cidadãos em referências fundamentais a fim de que o diverti mento midiático possa ser recebido com distanciamento e li 
WK Popper. "Une loi pour la rélévision" em K. Loppure J. Condry, Lirikrisian: un danger pour la democrni. Paris, 10/18, 1994. 
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berdade. Nesse sentido, nada é mais urgente que refletir, refletir, sempre refletir sobre o que deve mudar nos sistemas educativos para que preparem melhor os jovens a enfrentar os problemas do presente e do futuro. Esse é o ponto central de nossa questão. Reduzir as imagens da violência na televisão é bom, mas, fran camente, um pouco limitado como ambição humana e demo crática. Restringir-se aos vícios da mídia não garante nenhum progresso real. Precisa-se, para avançar numa via de maior auto nomia e responsabilidade dos indivíduos, menos de disposições éticas e midiáticas que de inovação, de imaginação, de diversifi cação e de experimentação aplicadas aos processos de ensino e de aprendizagem. 
Cabe invocar menos a virtude, convocar mais asinteli gências formadoras. Tudo ainda está por fazer. A tarefa é inter minável, difícil, mas incontornável, para se dar novas chances as democracias liberais.

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