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Toxicologia – 4ª fase Maria Ed. Sborz O etanol (CH3CH2OH), álcool etílico, ou vulgarmente designado apenas como álcool, é um composto químico pertencente ao grupo dos álcoois. Trata-se de um hidrocarboneto líquido, incolor e volátil. É um composto solúvel em água, que atravessa rapidamente as membranas celulares, conduzindo a um rápido equilíbrio entre as concentrações intra e extracelular, o que explica o seu efeito em diversos órgão. É produzido a partir da fermentação alcoólica de hidratos de carbono, tal como a glucose, sob a influência de leveduras ou ainda através da hidratação de etileno, como demonstram as seguintes reações: Mecanismo de ação O etanol induz alteração da composição e fluidez das membranas, provocando aumento da concentração de fosfoglicerídeos, o que conduz a uma maior fluidez, tornando a membrana particularmente sensível. Em consequência, ocorrem alterações funcionais nas membranas, tomando este efeito especial importância nas células do sistema nervoso central (SNC), nomeadamente no sistema ativador reticular. A depressão que o etanol provoca neste sistema é responsável pela inibição de várias funções de controlo, observando- se alterações comportamentais, caraterísticas da intoxicação alcoólica aguda. A ação toxicológica do álcool etílico envolve também a atuação a nível dos neurotransmissores e seus receptores. Provoca a potenciação dos efeitos inibitórios do Gamma Amynobutiric-Acid (GABA) nos receptores GABAA que se encontram associados a canais de cloro, formando um complexo funcional. A estimulação deste sistema de canais contribui para os sintomas de sonolência e relaxamento muscular associados à ingestão aguda de etano Por outro lado, o etanol induz bloqueio dos receptores de glutamato (neurotransmissor excitatório), nomeadamente do N-metil-D- aspartato (NMDA), causando assim efeito depressor no SN. De acordo com estudos feitos em animais, este bloqueio deve-se à inibição competitiva da ligação das glicinas à subunidade Glu-N1, no receptor NMDA, conduzindo a um bloqueio na neurotransmissão do glutamato. Do bloqueio do receptor NMDA resulta uma diminuição no influxo de cálcio pelos neurónios. Estes efeitos, resultantes do excessivo consumo de etanol, ajudam a compreender a perda de memória a curto prazo e, também a deterioração da função motora. Para além dos mecanismos supracitados, o receptor nicotínico da acetilcolina (ACh) também é sensível aos efeitos do etanol, pois a ingestão aguda de etanol aumenta a quantidade de ACh na área tegmentar ventral, com aumento subsequente da concentração de dopamina no núcleo acumbente, desempenhando um papel importante nas sensações de euforia e gratificação, efeitos resultantes do consumo excessivo de etanol O etanol também pode agir na pré-sinapse para aumentar a liberação de GABA. O etanol produz um aumento consistente da função do receptor de glicina. O etanol reduz a liberação de transmissores em resposta à despolarização dos terminais nervosos ao inibir a abertura de canais de cálcio voltagem-dependentes nos neurônios. O etanol também reduz a excitabilidade neuronal ao ativar canais de K + retificadores de influxo ativados pela proteína G (GIRK), assim como potencializa a atividade do canal de potássio ativado por cálcio (BK). Os efeitos excitatórios do glutamato são inibidos pelo etanol em concentrações que produzem efeitos depressores do SNC in vivo. A ativação do receptor de glutamato NMDA é inibida em concentrações de etanol menores das que são necessárias para afetar os receptores AMPA. Efeitos do álcool no sistema Além dos efeitos agudos do etanol no sistema nervoso, a administração crônica também causa dano neurológico irreversível. Isso pode ser devido ao próprio etanol ou a metabólitos como acetaldeído ou ésteres de ácidos graxos ou a deficiências nutricionais (p. ex., de tiamina) que são comuns em alcoólatras. O principal efeito agudo cardiovascular do etanol é o de produzir vasodilatação cutânea, central em sua origem, que causa uma sensação de calor, mas que na verdade aumenta a perda de calor. Diurese é um efeito familiar do etanol. É causada pela inibição da secreção do hormônio antidiurético (HAD) e a tolerância se desenvolve rapidamente, de modo que a diurese não seja mantida. O etanol produz uma série de efeitos endócrinos: Ele aumenta a produção de hormônios esteroides adrenais ao estimular a glândula pituitária anterior (adeno-hipófise) a secretar o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). No entanto, a elevação da hidrocortisona (cortisol) plasmática, geralmente observada em alcoólatras (produzindo uma “síndrome pseudo-Cushing”), deve-se parcialmente à inibição do metabolismo da hidrocortisona no fígado pelo etanol. Junto com o dano cerebral, o dano hepático é a consequência grave mais comum, a longo prazo, do consumo excessivo de etanol. A acumulação aumentada de gordura (esteatose) progride para hepatite (i. e., inflamação do fígado) e eventualmente para necrose hepática irreversível e fibrose. Cirrose é um estágio final, com fibrose extensa e focos de hepatócitos em regeneração que não são corretamente “canalizados” para o sangue e sistema biliar. Desvio Toxicologia – 4ª fase Maria Ed. Sborz do fluxo sanguíneo portal ao redor do fígado cirrótico geralmente leva ao desenvolvimento de varizes esofágicas, que podem sangrar. Ocorre aumento do acúmulo de gordura no fígado após uma grande dose única de etanol por: Liberação aumentada de ácidos graxos do tecido adiposo, que é resultado de estresse aumentado, causando descarga simpática; Prejuízo à oxidação dos ácidos graxos, devido à carga metabólica imposta pelo próprio etanol Dose tóxica As doses tóxicas são muito variáveis e dependem principalmente da tolerância individual, do uso concomitante de outros fármacos e da porcentagem aproximada de etanol em alguns produtos. Intoxicação leve a moderada é esperada com a ingestão de 0,7 g/Kg de etanol absoluto (correspondente a 100 mg/dL de etanolemia). EFEITOS DO ÁLCOOL - DOSE DADA EM mg etanol/100 ml de sangue DOSE EFEITO DO ETANOL 40 início da embriaguez ou do estado de euforia 150 intoxicação grave 300 coma alcoólica 500 morte por insuficiência respiratória Farmacocinética Absorção É um álcool que atravessa rapidamente as membranas celulares; Bem absorvido pelo trato digestivo (25% no estômago, 75% no intestino delgado, com uma pequena quantidade absorvida pelo restante do intestino), 80 a 90% da dose ingerida é absorvida em 60 minutos; Atravessa a barreira hematoencefálica e placentária; Alguns fatores podem alterar a absorção do etanol, dentre eles alta concentração de etanol, presença de alimentos, etc. Pico plasmático 30 a 90 minutos. Distribuição Volume de distribuição: 0,5 a 0,6 L/Kg; Ligação proteica: 0%. Metabolismo A quase totalidade do álcool etílico ingerido, aproximadamente 90 a 95%, é metabolizado por um processo de oxidação em duas etapas, que ocorre nos hepatócitos. A primeira etapa desta oxidação é a passagem do etanol a acetaldeído e tem lugar no citoplasma celular. Esta reação pode ocorrer através de três mecanismos diferentes dependentes de três enzimas distintas: Via Principal: das desidrogenases => álcool-desidrogenase converte o etanol a acetaldeído e a seguir a aldeído-desidrogenase converte este em ácido acético. Via sistema oxidativo microssomal do etanol (MEOS; CYP2E1), metabolizando o acetaldeído em ácido acético – passível de indução; Via peroxidase-catalase, também metabolizando o acetaldeído em ácido acético; O metabolismo hepático do etanol mostra cinética de saturação em concentrações bem baixas de etanol, logo a fração de etanol removido diminui com o aumento da concentração que atinge o fígado. Se a absorção do etanol é rápida e a concentração na veia porta é alta, a maior parte do etanol escapa para a circulaçãosistêmica enquanto, com a absorção lenta, mais é removido pelo metabolismo de primeira passagem. Essa é uma das razões pelas quais beber etanol com estômago vazio produz um efeito farmacológico mais intenso. A disponibilidade de NAD + limita a taxa de oxidação de etanol para cerca de 8 gramas por hora em um adulto normal, independentemente da concentração de etanol, causando o aparecimento de cinética de saturação no processo. Também leva à competição entre etanol e outros substratos metabólicos para os estoques disponíveis de NAD +, o que pode ser um fator no dano hepático induzido pelo etanol. O metabólito intermediário, acetaldeído, é um composto reativo e tóxico e isso também pode contribuir para a hepatotoxicidade. O metabolismo do etanol faz com que a razão entre NAD + e NADH diminua, e isso tem outras consequências metabólicas (p. ex., aumento do lactato e lentificação do ciclo de Krebs). Praticamente todo o acetaldeído produzido é convertido para acetato no fígado, pela aldeído desidrogenase. Toxicologia – 4ª fase Maria Ed. Sborz O acetaldeído circulante geralmente tem pouco ou nenhum efeito, mas a concentração pode tornar-se muito maior em certas circunstâncias e produzir efeitos tóxicos. Excreção Primariamente por oxidação no fígado e segue cinética de ordem- zero. A grande maioria do etanol ingerido é eliminado metabolicamente no fígado através de oxidações enzimáticas (cerca de 90 a 95%), sendo que a restante quantidade é excretada sem alterações pelos rins, pulmões e pele (através do suor). Há ainda uma ínfima quantidade que pode ser excretada pela saliva ou pelo leite em mães lactantes A excreção através dos pulmões ocorre devido à elevada volatilidade do álcool etílico. Representa cerca de 2 a 3% do total do etanol excretado e é extremamente importante em termos analíticos, uma vez que é através deste tipo de eliminação que se determina a quantidade de álcool etílico presente no ar expirado, de onde se estima a quantidade de álcool no sangue No rim, o etanol chega sem ter sido metabolizado e passa através do glomérulo sem sofrer qualquer alteração, não ocorrendo reabsorção tubular, fazendo com que haja sempre uma pequena concentração de álcool etílico na urina em caso de ingestão alcoólica. Manifestações clínicas Dependem do nível sérico de etanol e da tolerância do paciente. De acordo com o nível de alcoolemia observa-se: 50 a 150 mg/dL: Verborragia, reflexos diminuídos, visão borrada, excitação ou depressão mental; 150 a 300 mg/dL: Ataxia, confusão mental, hipoglicemia (principalmente em crianças), logorreia; 300 a 500 mg/dL: Incoordenação acentuada, torpor, hipo- termia, hipoglicemia (convulsões), distúrbios hidreletrolíticos (hiponatremia, hipercalcemia, hipomagnesemia, hipofosfatemia), distúrbios ácido-básicos (acidose metabólica); > 500 mg/dL: Coma e falência respiratória e/ou circulatória podendo levar ao óbito. Diagnóstico Clínico: Baseado na história de exposição ao agente e no exame físico atentando para os sintomas citados nas manifestações clínica. Complementar: Laboratorial específico: Determinação em sangue total do nível de etanol e metanol por cromatografia gasosa. Colher o sangue utilizando seringa heparinizada. É importante ter o cuidado de antes da punção venosa fazer a assepsia com água e sabão. Laboratorial geral: Hemograma; Eletrólitos; Cálcio, magnésio; Glicemia (Hipoglicemia); Gasometria + pH (acidose); Avaliar presença de cetonúria e determinar a presença de lactato sérico; RX de tórax (verificar broncoaspiração); ECG (arritmias); Função hepática e renal; TC de crânio em caso de associação com trauma com sintomas neurológicos. Tratamento Medidas de suporte: Desobstruir vias aéreas e administrar oxigênio suplementar quando necessário; Monitorizar sinais vitais; Manter acesso venoso calibroso; Hidratação adequada. Descontaminação: Descontaminação por lavagem gástrica somente em caso de ingestão recente (01 hora) de grande quantidade de álcool ou associação com outros produtos tóxicos, sempre tendo o cuidado de proteger as vias aéreas. Não induzir vômitos, para evitar broncoaspiração. Sintomáticos: Administrar tiamina para prevenir a encefalopatia de Wernicke, previamente ou associada à administração de glicose. Adultos: 100 mg diluídas em SF 0,9% ou SG a 5% IV ou VO. Crianças: 50 mg diluídas em SF 0,9% ou SG a 5% IV ou VO. Obter glicemia capilar e repor glicose se necessário. Em caso de hipoglicemia: Adultos – 25 g de glicose (50 mL de glicose 50%) IV – exceto em caso de edema cerebral. Repetir se necessário. Manter com SG a 5% IV. Crianças – 0,5 a 1 g/kg (2 a 4 mL de glicose a 25%) IV - exceto em caso de edema cerebral. Repetir se necessário. Manter com SG a 10% (2 a 4 mL/Kg/h) IV em infusão contínua. Em caso de convulsão, administrar: Diazepam: Atenção para efeito aditivo da associação de benzodiazepínicos e etanol na depressão respiratória. □ Adultos: 5 a 10 mg por via endovenosa, em bolus (podendo repetir se necessário até um máximo de 30 mg); □ Crianças: 0,2 a 0,5mg/kg (máximo de 5mg). Repetir a cada 5 a 10 minutos se necessário até um total de 5 mg em crianças abaixo de 5 anos ou 10 mg em crianças acima de 5 anos; □ Na falta de acesso venoso, pode ser utilizada a via retal na dose de: * Adultos: 0,2 mL/Kg. * Crianças: 0,5 mL/Kg em crianças. Se houver edema cerebral, administrar manitol (0,5 a 1 g/kg) IV; Choque, desidratação e acidose: aportar soluções isotônicas de cloreto ou bicarbonato de sódio. Hipoglicemia e intoxicação alcoólica O álcool é metabolizado no fígado por duas reações de oxidação. O etanol é primeiramente convertido em acetaldeído pela álcool- desidrogenase. O acetaldeído é oxidado posteriormente a acetato pela aldeído-desidrogenase. Em cada reação, elétrons são transferidos para o NAD +, resultando em um aumento maciço na concentração de NADH citosólico. A abundância de NADH favorece a redução de piruvato em lactato e de oxalacetato (OAA) em malato. (Nota: o aumento nos níveis de Toxicologia – 4ª fase Maria Ed. Sborz lactato pode resultar em acidose láctica, e como o lactato compete com urato para excreção pelos rins, pode também resultar em hiperuricemia.) O piruvato e o oxaloacetato são ambos intermediários na síntese de glicose via gliconeogênese. Assim, o aumento de NADH mediado por etanol faz com que os intermediários da gliconeogênese sejam desviados para vias alternativas de reação, resultando na síntese diminuída de glicose. Isso pode acelerar a hipoglicemia, especialmente em indivíduos que tiveram depleção em seus estoques de glicogênio hepático. (Nota: a reduzida disponibilidade de OAA permite o desvio de acetil-CoA para síntese de corpos cetônicos no fígado, e isso pode resultar em cetoacidose alcoólica.) A hipoglicemia pode produzir muitos dos comportamentos associados à intoxicação alcoólica – agitação, prejuízo de julgamento e agressividade. Assim, o consumo do álcool por indivíduos vulneráveis – aqueles em jejum ou que se submeteram a exercício exaustivo e prolongado – pode produzir hipoglicemia, que pode contribuir para os efeitos comportamentais do álcool. O consumo de álcool pode também aumentar o risco de hipoglicemia em pacientes que fazem uso da insulina. Dessa forma, os pacientes que seguem um protocolo de tratamento intensivo com insulina são advertidos acerca do risco aumentado de hipoglicemia, que geralmente ocorre muitas horas depois do consumo de álcool. (Nota: o consumo crônico de álcool pode também resultar em fígado graxo alcoólico, devido ao aumento na síntese de triacilgliceróis. Isso ocorre como resultado da diminuição na oxidação de ácidos graxos, devido à queda na razão NAD+/NADH, e ao aumento na lipogênese, devido à maior disponibilidade de ácidos graxos catabolismo diminuído e de gliceraldeído 3-fosfato a desidrogenase é inibida pela baixarazão NAD+/NADH. Com o consumo continuado de álcool, o fígado graxo pode progredir para hepatite alcoólica, seguida por cirrose alcoólica). Resumex O álcool é absorvido sem passar pela digestão química no corpo. A bebida é absorvida já no estômago, no duodeno e no cólon e atravessa a membrana do tecido sem digestão. No fígado, o etanol é metabolizado, inicialmente pela presença da álcool-desidrogenase (ADH) que o converte em acetaldeído. Depois, o acetaldeído, pela aldeído desidrogenase, é convertido é acetato. Nestes dois processos de metabolização, há a participação das coenzimas de transporte de elétrons, que é o NAD+, convertido em NADH. O acetato é convertido em acetil CoA, que pode ser usado no ciclo de Krebs e até na síntese de lipídios (lipogênese). No caso do alcoolismo, a enzima álcool- desidrogenase pode estar bloqueada, então o organismo usa um sistema mitocondrial de oxidação do etanol, chamado de MEOS .JEJUM Quando não nos alimentamos, falta glicose, e o corpo a produz usando uma das vias que é a gliconeogênese. Essa via usa NAD+ para acontecer. Se bebermos antes de comer, teremos aumento do NADH, pois o NAD+ já foi utilizado e vai estar diminuído, não permitindo que haja síntese de glicose que o corpo precisa, causando uma hipoglicemia. GLICONEOGÊNESE A glicose é produzida a partir do lactato, que depois é convertido em piruvato, depois em oxalacetato que vira malato e volta a ser oxalacetato por uma série de reações que irão culminar na síntese da glicose. Nestas reações, são usadas as coenzimas NAD+ e NADH (elevado devido à ingestão de etanol). O NADH ajuda o piruvato a voltar a ser lactato e também transforma o oxalacetato em malato, ou seja, ele trava a reação, fazendo aumentar o lactato (sendo transformado em ácido lático causando uma acidose metabólica) e não deixando ele ser convertido em piruvato e também aumentando o malato não deixando ele ser convertido em oxalacetato, ou seja, não deixa a reação continuar e não forma glicose, gerando uma hipoglicemia.
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