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1 Tutorial 8 – Vitor Benincá A ativação elétrica do coração normalmente tem origem no nó sinoatrial (SA), o marca-passo dominante. Outros marca-passos subsidiários, como o nó atrioventricular (AV), os sistemas especializados de condução e o próprio miocárdio, podem iniciar a ativação elétrica se o nó SA não estiver funcional ou se encontrar suprimido. Os marca-passos subsidiários estimulam em uma frequência mais baixa e, se não houver aumento compensatório adequado do volume sistólico, pode ocorrer hipoperfusão tecidual. Os potenciais de ação no coração são heterogêneos regionalmente. Os potenciais de ação em células isoladas do tecido nodal são distintos dos registrados nos miócitos atriais e ventriculares. A combinação das correntes iônicas nas células nodais resulta em um potencial de membrana em repouso menos negativo quando comparado ao dos miócitos atriais e ventriculares. A diástole elétrica nas células nodais é caracterizada por uma despolarização diastólica lenta (fase 4), a qual gera um potencial de ação quando a voltagem da membrana atinge o limiar de excitação. A fase de despolarização rápida do potencial de ação (fase 0) é lenta quando comparada à dos miócitos atriais ou ventriculares, sendo mediada mais pela corrente de cálcio do que pela de sódio. As células no nó SA apresentam a fase 4 da despolarização mais rápida e, portanto, formam o marca-passo dominante no coração normal. A bradicardia ocorre como consequência de uma falha, seja na iniciação do impulso, seja na sua condução. A falha na iniciação do impulso pode ser causada por depressão da automaticidade resultante de retardo ou supressão da fase 4 de despolarização diastólica (Fig. 239-2), a qual pode ser consequência de doença ou de exposição a fármacos. O sistema nervoso autônomo modula a frequência da fase 4 de despolarização diastólica e, assim, a frequência de disparo dos marca-passos primário (nó SA) e subsidiários. A disfunção do nó SA e o bloqueio na condução AV são as causas mais comuns da bradicardia patológica. A disfunção do nó SA aumenta em frequência entre os 50 e os 60 anos de idade, devendo ser considerada nos pacientes que se apresentem com fadiga, intolerância ao exercício ou síncope e bradicardia sinusal. A instalação de marca-passo permanente é a única forma confiável de tratamento para a bradicardia sintomática na ausência de etiologias extrínsecas e reversíveis, como aumento do tônus vagal, hipoxia, hipotermia e fármacos Tutorial 8 : 2 Tutorial 8 – Vitor Benincá ESTRUTURA E FISIOLOGIA DO NÓ SA O nó SA é formado por um conglomerado de pequenas células fusiformes no sulco terminal sobre a superfície do epicárdio, na junção entre o átrio direito e a veia cava superior, onde circundam a artéria do nó SA. O nó SA é ricamente inervado por gânglios e nervos simpáticos e parassimpáticos. Os potenciais de ação das células do nó SA são caracterizados por um potencial de membrana relativamente despolarizado de –40 a –60 mV, por uma fase 0 de ativação lenta e por uma fase 4 de despolarização diastólica relativamente rápida, quando comparados aos potenciais de ação registrados nas células musculares cardíacas. A ausência relativa de corrente de potássio retificadora de influxo (IK1) é responsável pelo potencial de membrana despolarizado; a ativação lenta da fase 0 é resultado da indisponibilidade da corrente rápida de sódio (INa), sendo mediada pelos canais de cálcio tipo L (ICa-L ); e a fase 4 de despolarização é o resultado da atividade combinada de diversas correntes iônicas. Os canais de cálcio tanto do tipo L quanto do tipo T (ICa-T), a corrente de marca-passo (denominada corrente funny ou If), formada pelos canais sincronizados com nucleotídeo cíclico e ativados na hiperpolarização, e o trocador eletrogênico de sódio-cálcio fornecem a corrente de despolarização, antagonizada pelas correntes de potássio retificador tardio (IKr) e sensível à acetilcolina (IKACh). ETIOLOGIA DA DOENÇA DO NÓ SINOATRIAL A disfunção do nó SA é classificada como intrínseca ou extrínseca. A distinção é importante, uma vez que a disfunção extrínseca com frequência é reversível, devendo ser corrigida antes de se considerar a possibilidade de implantar um marca-passo. As causas mais comuns da disfunção extrínseca são os fármacos e as influências do sistema nervoso autônomo que suprimem a automaticidade e/ou comprometem a condução. Outras causas extrínsecas incluem hipotireoidismo, apneia do sono e condições que costumam ocorrer nos pacientes em estado crítico, como hipotermia, 2ipóxia, aumento da pressão intracraniana (reação de Cushing) e aspiração endotraqueal com estimulação vagal MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA DOENÇA DO NÓ SINOATRIAL A disfunção do nó SA pode ser completamente assintomática e se manifestar na forma de anomalias detectadas no ECG, como bradicardia sinusal; parada sinusal e bloqueio de saída; ou alternância de taquicardia supraventricular, geralmente fibrilação atrial e bradicardia. Os sintomas associados à disfunção do nó SA, em particular à síndrome taquicardia-bradicardia, podem estar relacionados com frequências cardíacas tanto altas quanto baixas. Por exemplo, a taquicardia pode estar associada a palpitações, angina pectoris e insuficiência cardíaca; e a bradicardia, à síncope por hipotensão, pré-síncope, fadiga e fraqueza. Entre 33 e 50% dos pacientes com disfunção do nó SA desenvolvem taquicardia supraventricular, geralmente fibrilação ou flutter atriais. Em sua história natural, a disfunção do nó SA apresenta sintomas de intensidade variável mesmo nos pacientes que apresentam síncope. Os sintomas relacionados com a disfunção do nó SA podem ser significativos, mas a longevidade global em geral não é comprometida na ausência de comorbidades significativas. As características da história natural devem ser levadas em consideração ao decidir sobre o tratamento desses pacientes 3 Tutorial 8 – Vitor Benincá ECG NA DOENÇA DO NÓ SINOATRIAL As manifestações eletrocardiográficas da disfunção do nó SA incluem bradicardia sinusal, pausas sinusais, parada sinusal, bloqueio de saída do nó, taquicardia (na SNSD) e incompetência cronotrópica. Muitas vezes, é difícil distinguir a bradicardia sinusal patológica da fisiológica. Frequências cardíacas em repouso < 60 bpm são muito comuns entre jovens saudáveis e nos indivíduos com bom condicionamento físico. A pausa e a parada sinusais são resultantes da incapacidade do nó SA de disparar, produzindo uma pausa sem ondas P visíveis no ECG. São comuns as pausas sinusais por até 3 segundos em atletas no estado de vigília, e pausas maiores ou iguais a essas podem ser observadas em indivíduos idosos assintomáticos. O bloqueio SA de segundo grau tipo I é causado pelo prolongamento progressivo da condução pelo nó SA com falha intermitente na condução dos impulsos originados no nó sinusal para os tecidos atriais circundantes. O bloqueio SA de segundo grau aparece no ECG sob a forma de ausência intermitente das ondas P No bloqueio SA de segundo grau tipo II, não há alteração na condução pelo nó SA antes da pausa. O bloqueio completo ou de terceiro grau do nó SA resulta em ausência de ondas P no ECG. A síndrome de taquicardia-bradicardia manifesta- se como alternância entre bradicardia sinusal e taquiarritmia atrial. EXAMES DIAGNÓSTICOS Na maioria das vezes, a disfunção do nó SA é estabelecida por diagnóstico clínico ou eletrocardiográfico. A bradicardia sinusal ou as pausas observadas no ECG em repouso raramente são suficientes para o diagnóstico de doença do nó SA, sendo necessários registros prolongados correlacionados aos sintomas apresentados.A presença de sintomas, sem registro concomitante de bradiarritmia sinusal, pode ser suficiente para excluir o diagnóstico de disfunção do nó SA. O registro eletrocardiográfico tem papel central no diagnóstico e tratamento da disfunção do nó SA. O Holter é melhor, pois pode identificar as arritmias ao longo de 24h. A impossibilidade de aumentar a frequência cardíaca com o exercício é denominada incompetência cronotrópica. Uma definição alternativa seria a incapacidade de atingir 85% da frequência cardíaca máxima prevista para a carga máxima de exercício. Os testes de esforço podem ser úteis para isso. O exame do sistema nervoso autônomo é útil para o diagnóstico da hipersensibilidade do seio carotídeo; pausas > 3 segundos são compatíveis com o diagnóstico, mas podem estar presentes em indivíduos idosos assintomáticos. A determinação da frequência cardíaca intrínseca (FCI) pode distinguir entre a disfunção do nó SA e frequências cardíacas baixas causadas por tônus vagal elevado. Os testes eletrofisiológicos têm papel importante na avaliação dos pacientes presumivelmente portadores de disfunção do nó SA e na investigação de casos de síncope, em particular naqueles casos de cardiopatia estrutural. Nessas circunstâncias, o teste eletrofisiológico é usado para afastar as etiologias mais graves de síncope, como as taquiarritmias ventriculares e o bloqueio AV. TRATAMENTO Como a disfunção do nó SA não está associada a aumento da mortalidade, o objetivo da terapia é o alívio dos sintomas. A exclusão das causas extrínsecas para a disfunção do nó SA e a correlação entre o ritmo cardíaco e a ocorrência de sintomas são essenciais para o tratamento do paciente. O implante de marca-passo é a intervenção terapêutica primária nos pacientes com disfunção sintomática do nó SA. Além disso, deve-se atentar à medicamentos utilizados que podem modular a função do nó SA, como betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio ou antiarrítmicos. O isoproterenol, assim como a atropina, administrados por via intravenosa, podem aumentar agudamente a frequência sinusal. A teofilina tem sido usada, tanto aguda quanto 4 Tutorial 8 – Vitor Benincá cronicamente, para aumentar a frequência cardíaca, mas seu uso implica riscos nos pacientes com a síndrome de taquicardia- bradicardia, aumentando a frequência das taquiarritmias supraventriculares e, nos pacientes com cardiopatia estrutural, aumentando o risco de arritmias ventriculares potencialmente graves. Em determinadas circunstâncias, a bradicardia sinusal não requer tratamento específico ou necessita apenas de suporte temporário para a frequência cardíaca. A bradicardia sinusal é comum nos pacientes com IAM inferior ou posterior, podendo ser exacerbada pela ativação vagal induzida por dor ou pelo uso de fármacos, como a morfina. Marca-Passos Permanentes A principal intervenção terapêutica nos casos com disfunção no nó SA é o implante de marca- passo permanente. Os modos de estimulação e a função do marca-passo são nomeados usando um código composto por 5 letras. A primeira letra indica a(s) câmara(s) cujo ritmo está sendo controlado (O, nenhuma; A, átrio; V, ventrículo; D, dupla; S, única). A segunda, a(s) câmara(s) na(s) qual(is) ocorre a leitura (O, nenhuma; A, átrio; V, ventrículo; D, dupla; S, única). A terceira, a resposta a um evento detectado (O, nenhum; I, inibição; T, disparo; D, inibição + disparo). A quarta, a programação ou resposta à frequência (R, responsivo à frequência). A quinta, a existência de funções reativas a uma possível taquicardia, quando presente (O, nenhuma; P, estímulo antitaquicardia; S, choque; D, controle de ritmo + choque). Os modos de programação mais usados nos marca-passos bicameral e unicameral são, respectivamente, o VVIR e o DDDR, ainda que haja diversas programações possíveis nos marca-passos modernos. Nos adultos, os marca-passos permanentes são, na maioria das vezes, implantados com acesso ao coração por meio do sistema venoso subclávia-veia cava superior. Entre as complicações agudas raras, mas possíveis, do implante transvenoso estão infecção, hematoma, pneumotórax, perfuração cardíaca, estimulação diafragmática/do nervo frênico e deslocamento dos eletrodos. É possível haver complicações relacionadas com a utilização crônica de marca- passo cardíaco resultantes de distúrbios na sincronia AV e/ou na sincronia mecânica do ventrículo esquerdo. As diretrizes indicam utilizar marca-passo nas seguintes condições: As condições classe I são aquelas para as quais há evidências ou consenso de que a terapia é útil e efetiva. Nas condições classe II, as evidências são conflitantes ou há divergência de opinião acerca da eficácia do procedimento ou tratamento; e nas condições classe IIa, o peso das evidências ou das opiniões favorece o tratamento; e nas condições IIb, a eficácia está menos bem estabelecida pelas evidências ou na opinião dos especialistas. Nas condições classe III, as evidências ou as opiniões indicam que a terapia não é eficaz ou pode ser prejudicial. A hipersensibilidade do seio carotídeo, quando acompanhada por componente cardioinibitório significativo, responde bem ao implante de marca-passo. Nesses casos, a estimulação só é necessária de forma intermitente, sendo o marca- passo unicameral ventricular em geral suficiente. O mecanismo da síncope vasovagal ainda não está completamente compreendido, mas parece envolver a ativação de mecanorreceptores cardíacos com a consequente ativação dos centros nervosos que medeiam a ativação vagal e a supressão do tônus nervoso simpático. Em um estudo de seguimento recente de um desses estudos, os resultados encontrados foram menos convincentes, levantando algumas dúvidas sobre a utilidade do marca-passo para os casos de síncope com mediação vagal 5 Tutorial 8 – Vitor Benincá Os impulsos gerados no nó sinoatrial (SA) ou em locais atriais ectópicos são conduzidos aos ventrículos pelo nó atrioventricular (AV), anatômica e eletricamente complexo. As células localizadas no nó AV têm potencial de membrana de repouso relativamente mais alto em comparação com os miócitos atriais e ventriculares circundantes, apresentam despolarização espontânea na fase 4 do potencial de ação e fase 0 de despolarização (mediada pelo influxo de cálcio no tecido nodal) mais lenta do que a encontrada no tecido ventricular (mediada por influxo de sódio). Ocorre bradicardia quando a condução pelo nó AV está comprometida, resultando em frequências ventriculares lentas, com possibilidade de haver sintomas como fadiga, síncope e (quando a atividade de marca-passo subsidiária é insuficiente) até morte. A falha na condução AV adquirida e persistente é rara entre adultos saudáveis, com uma incidência estimada em cerca de 200 a cada 1 milhão de habitantes por ano. Contudo, nos quadros de isquemia do miocárdio, envelhecimento e fibrose, ou em caso de doença infiltrativa do coração, o bloqueio AV persistente é muito mais comum. ESTRUTURA E FISIOLOGIA DO NÓ AV O nó AV é uma estrutura subendocárdica originada na zona de transição, composta por agregados celulares na região posteroinferior do átrio direito. O suprimento de sangue para o segmento penetrante do feixe AV é feito pela artéria do nó AV e pela primeira perfurante septal da artéria coronária descendente anterior esquerda. Os ramos dos feixes também têm suprimento sanguíneo duplo, vindo das perfurantes septais da coronária descendente anterior esquerda e de ramos da coronária descendente posterior. O nó AV é intensamente inervado por nervos simpáticos e parassimpáticos pós-ganglionares. Foram descritas vias rápidas e lentas no nó AV, mas há controvérsias sobre se tais vias seriamanatomicamente distintas ou se representariam heterogeneidades funcionais em diferentes regiões do complexo nodal AV. AV. Os miócitos que formam o nó compacto são despolarizados (potencial de membrana em repouso de cerca de –60 mV) e apresentam potenciais de ação de baixa amplitude, curvas ascendentes lentas na fase 0 (< 10 V/s) e na fase 4 de despolarização diastólica; resistência de alta intensidade; e insensibilidade relativa ao [K+] externo. O feixe de His e seus ramos ficam isolados do miocárdio ventricular. A condução mais rápida do coração é observada nesses tecidos. Os potenciais de ação apresentam uma curva de ascensão da despolarização (fase 0) muito rápida, platô prolongado (fase 2) e automaticidade reduzida (fase 4 de despolarização). ETIOLOGIA : 6 Tutorial 8 – Vitor Benincá ELETROCARDIOGRAFIA E ELETROFISIOLOGIA DO BLOQUEIO NA CONDUÇÃO ATRIOVENTRICULAR O bloqueio na condução AV geralmente é diagnosticado por meio do eletrocardiograma (ECG), que caracteriza a gravidade do distúrbio na condução e permite que sejam feitas inferências acerca da localização do bloqueio. Nas suas formas mais leves, o bloqueio AV manifesta-se como retardo na condução e, nos casos mais graves, como interrupção na condução de forma intermitente ou persistente. O bloqueio AV de primeiro grau (intervalo PR > 200 ms) é o retardo na condução pela junção AV. O local em que geralmente ocorre o atraso é no nó AV, mas também pode ocorrer nos átrios, no feixe de His ou no sistema de Purkinje. A presença de complexo QRS alargado sugere retardo no sistema distal de condução, enquanto um complexo QRS estreito sugere retardo no nó AV propriamente dito ou, mais raramente, no feixe de His. No bloqueio AV de segundo grau, há falha intermitente na condução do impulso elétrico do átrio para o ventrículo. O bloqueio de segundo grau é subdividido em Mobitz tipo I (Wenckebach) ou Mobitz tipo II. A falha periódica na condução nos casos com bloqueio Mobitz tipo I é caracterizada por prolongamento progressivo do intervalo PR, encurtamento no intervalo RR e uma pausa menos de duas vezes o intervalo RR precedente no ECG. O complexo QRS após a pausa mostra intervalo PR mais curto do que o da pausa imediatamente precedente. Esse padrão de ECG com frequência surge em razão da condução decremental dos impulsos elétricos no nó AV O bloqueio de segundo grau tipo II caracteriza-se por falhas intermitentes na condução da onda P sem alterações nos intervalos PR ou RR precedentes. Quando o bloqueio AV é 2:1, pode ser difícil fazer a distinção entre os bloqueios tipos I e II. Em comparação ao tipo I, o bloqueio AV de segundo grau tipo II ocorre no sistema de condução distal ou infra-His, costuma estar associado a retardo na condução intraventricular (p. ex., bloqueio de ramos) e tem maior probabilidade de evoluir para graus mais elevados de bloqueio AV. O bloqueio AV de segundo grau (particularmente o tipo II) pode estar associado a séries de ondas P não conduzidas, fenômeno conhecido como bloqueio AV paroxístico, o que implica doença significativa do sistema de condução e é indicação de implante de marca-passo permanente. A falha completa na condução do estímulo elétrico do átrio para o ventrículo é denominada bloqueio AV total ou de terceiro grau. O bloqueio AV intermediário entre segundo e terceiro graus é denominado bloqueio AV de alto grau e, assim como o BAVT, implica doença avançada no sistema de condução. EXAMES DIAGNÓSTICOS Os exames diagnósticos para a avaliação do bloqueio AV visam determinar o nível em que ele ocorre, em particular nos pacientes assintomáticos, uma vez que o prognóstico e o tratamento dependem de sua localização no nó AV ou abaixo dele. Manobras vagais, massagem no seio carotídeo, exercício e administração de fármacos, como atropina e isoproterenol, podem produzir informações importantes para o diagnóstico. Em razão das diferenças na inervação do nó AV e do sistema de condução infranodal, a estimulação vagal e a massagem no seio carotídeo produzem retardo na condução no nó AV, mas seu efeito é menor sobre o tecido infranodal, podendo, inclusive, melhorar a condução em razão da redução da frequência de ativação dos tecidos distais. Por outro lado, a atropina, o isoproterenol e os exercícios melhoram a condução no nó AV, bem como impedem a condução infranodal. Nos pacientes com BAVT congênito e complexo QRS estreito, o exercício caracteristicamente provoca aumento da frequência cardíaca; já aqueles com BAVT adquirido, particularmente com QRS alargado, 7 Tutorial 8 – Vitor Benincá não respondem ao exercício com aumento da frequência cardíaca. Talvez haja necessidade de investigação diagnóstica complementar, incluindo testes eletrofisiológicos, em pacientes com síncope e suspeita de bloqueio AV de alto grau. Essa possibilidade é mais relevante se os testes não invasivos não revelarem a causa da síncope, ou se o paciente apresentar cardiopatia estrutural com taquiarritmia ventricular como causa dos sintomas. Os testes eletrofisiológicos fornecem informações mais precisas acerca da localização do bloqueio na condução AV e permitem estudar a condução AV sob condições de estresse farmacológico e com exercício. Um eletrograma do feixe de His registrado adequadamente revela a atividade atrial local, o eletrograma de His e a ativação ventricular local; quando monitorado simultaneamente com os registros do traçado do ECG de superfície, é possível avaliar os tempos de condução intra-atrial, no nó AV e infranodal. O tempo desde a deflexão mais rápida do eletrograma atrial no registro do feixe de His até o eletrograma de His (intervalo AH) representa a condução pelo nó AV e normalmente é < 130 ms. O período desde o eletrograma de His até o início mais precoce do QRS no ECG de superfície (intervalo HV) representa o tempo de condução pelo sistema His-Purkinje, que normalmente é ≤ 55 ms. A frequência produzida por estímulo com marca- passo artificial pode revelar condução AV anormal. No estudo eletrofisiológico, o registro intracardíaco que revela prolongamento da condução pelo sistema His-Purkinje (i.e., prolongamento do intervalo HV) está associado a maior risco de evolução para bloqueios de grau mais avançado e geralmente indica a necessidade de implante de marca-passo. TRATAMENTO O marca-passo, temporário ou permanente, é a forma mais confiável de tratamento para os pacientes com distúrbios sintomáticos da condução AV. A correção dos desequilíbrios eletrolíticos e de isquemia, a inibição de tônus vagal excessivo e a suspensão de fármacos com propriedades bloqueadoras do nó AV são medidas que podem aumentar a frequência cardíaca. O tratamento farmacológico adjunto com atropina ou isoproterenol poderá ser útil se o bloqueio estiver no nó AV. Até o tratamento farmacológico fazer efeito, e é possível a necessidade do uso de marca-passo temporário (marca-passo transcutâneo). 8 Tutorial 8 – Vitor Benincá As arritmias ventriculares se originam a partir de um foco nas células do miocárdio ou de Purkinje capazes de automaticidade, ou por automaticidade deflagrada, ou, ainda, por reentrada em áreas de cicatriz ou em um sistema de Purkinje enfermo. A condução a partir do foco ventricular pelo miocárdio ventricular é mais lenta do que a ativação dos ventrículos pelo sistema Purkinje. Assim, nas arritmias ventriculares o complexo QRS é amplo, caracteristicamente > 0,12 s. EXTRASSÍSTOLES VENTRICULARES Também conhecidas como contrações ventriculares prematuras (CVP) São vistas no ECG como um QRS de morfologia anormal, que vem “antes do tempo”, sem ser precedido por uma onda P,sendo que geralmente atuam como mecanismo de gatilho para uma taquiarritmia. Uma característica eletrocardiográfica típica da extrassístole ventricular é a existência de uma pausa pós-extrassistólica do tipo compensatória, onde o intervalo entre o batimento sinusal que precede e o que sucede a extra sístole é igual ao intervalo de dois ciclos de batimento sinusal Existem 5 padrões de extrassístole ventriculares, sendo eles: 1. Bigeminismo → Ocorre quando há uma extrassístole para cada batimento sinusal (ECG A) 2. Trigeminismo → Ocorre quando se tem uma extrassístole para cada dois batimentos sinusais 3. Extrassístoles pareadas → É definido como pareadas quando se tem duas extrassístoles seguidas entre batimentos sinusais 4. Extrassístole polimórficas → Quando duas ou mais extrassístoles possuem morfologias diferentes vistas em uma mesma derivação (ECG B) 5. Extrassístoles R-sobre-T → Ocorre quando o intervalo entre o batimento sinusal anterior e a extrassístole é muito curto, fazendo com que a extrassístole se inscreva no final da onda T precedente É definido como taquicardia ventricular, quando ocorre três ou mais batimentos consecutivos em frequência acima de 100 bpm, que pode ser sustentada caso dure mais de 30 segundos, ou não sustentada caso dure menos que 30 segundos. Sendo visível no ECG o complexo QRS alargado e de morfologia aberrante. As taquiarritmias ventriculares são divididas em diversos subtipos clínico-eletrocardiográficos, sendo eles: TAQUIARRITMIA VENTRICULAR MONOMÓRFICA SUSTENTADA DEFINIÇÃO ELETROCARDIOGRÁFICA São critérios do ECG para enquadrar esta TV os seguintes: 1. Frequência Cardíaca superior a 100 BPM 9 Tutorial 8 – Vitor Benincá 2. QRS alargado, com tamanho superior a 120 ms e morfologia diferente da normal 3. Morfologia do QRS que se repete precisamente em cada derivação 4. R-R regular Sendo que para se enquadrar nos critérios de taquicardia ventricular sustentada é necessário durar mais que 30 segundos OU causar instabilidade, independentemente do tempo de duração. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL MECANISMO ELETROFISIOLÓGICO Geralmente a taquicardia ventricular ocorre por um circuito de reentrada que se desenvolve no miocárdio ventricular por conta de um distúrbio eletrofisiológico que ocorre ocasionando uma área de condução lenta (miocárdio isquêmico ou “doente”) e uma dispersão ou heterogeneidade dos períodos refratários, que com um “gatilho” (extrassístole ventricular) gera a taquiarritmia. Porém a T.V.M.S. também pode surgir a partir de um foco superautomático, entretanto isso raramente ocorre, que vem de uma atividade deflagrada por pós-potenciais tardios em um pequeno conjunto de células do miocárdio ventricular ETIOLOGIA A causa mais comum da T.V.M.S. é a doença coronariana, que geralmente ocasiona um infarto agudo do miocárdio de grande tamanho, alterando a eletrofisiologia do ventrículo. Entretanto também pode ocorrer de causas cardiomiopatias dilatadas ou hipertrofia ventriculares T.V.M.S PÓS-INFARTO Quando uma T.V.M.S. é detectada em um paciente após 48h de um infarto agudo, seu mecanismo provavelmente provém da formação de uma área de fibrose miocárdica, de zonas de necrose entremeadas com miocárdio variável. O circuito de reentrada ocorre em volta da área de fibrose, utilizando o tecido de miocárdio viável como condutor. Além disso, geralmente em casos assim, a função sistólica ventricular está bastante deprimida, com a fração de ejeção inferior a 40%. O tempo médio de incidência da T.V.M.S. pós- infarto é de 3 anos, mas pode ocorrer até 10 anos depois do infarto Entretanto, caso ocorra nos 3 primeiros meses, o prognóstico é geralmente de arritmias mais instável e associadas a 40- 50% de mortalidade nos próximos 2 anos, geralmente por morte cardíaca súbita 10 Tutorial 8 – Vitor Benincá T.V.M.S NA FASE AGUDA DO IAM É o tempo das primeiras 48 horas do infarto, tendo uma incidência de aproximadamente 3%, tendo uma frequência cardíaca geralmente superior a 170 bpm que ocasiona instabilidade hemodinâmica. Para ocorrer, depende de uma grande área de isquemia, que torna propensa a reentrada no miocárdio ventricular. Essa arritmia funciona como um “marcador de mortalidade intra-hospitalar”, por precipitar a extensão do infarto, porém não aumenta a mortalidade tardia pós-hospitalar. T.V.M.S NAS CARDIOMIOPATIAS E VALVOPATIAS As arritmias ventriculares são encontradas com frequência em cardiomiopatias dilatadas e hipertrófica, e nas valvopatias que levam a sobrecarga ventricular, como aórtica, mitral ou pulmonar. Isso ocorre porque as doenças miocardicas formam áreas de fibrose, condução lenta e dispersão da refratariedade, o que facilita o surgimento de reentradas. T.V.M.S RAMO A RAMO É uma taquicardia incomum de pacientes com cardiomiopatia dilatada, porém totalmente curável, em que os ramos esquerdo e direito podem sofrer alentecimento da condução, o que predispõe um mecanismo de reentrada que usa os próprios ramos, onde o estímulo sobe pelo ramo esquerdo, atinge o feixe de His e desce pelo ramo direito fechando o circuito, ou vice- versa. T.V.M.S IDIOPÁTICA BENIGNA Ocorre geralmente em adultos jovens sem cardiopatia estrutural, se manifestado na forma de palpitações, pré-síncope ou síncope, sendo subdividida em dois tipos: 1. Taquicardia Ventricular do Trato de Saída do VD → Se caracteriza por um foco de “atividade deflagrada” por pós-potenciais tardios (cálcio- dependente) localizado na região septal do trato de saída do Ventrículo Direito. É caracterizada por possuir um QRS de padrão BRE-símile e um eixo desviado para direita. Geralmente é desencadeada por estímulos adrenérgicos, como exercícios físicos e estresse emocional, sendo uma TV catecolamina-dependente. 2. Taquicardia Ventricular Fascicular → Tem origem geralmente de um foco localizado na região ínfero-apical do Ventrículo Esquerdo, que se manifesta com episódios esporádicos e sintomáticos de T.V.M.S., possuindo um padrão BRD-Símile e eixo desviado para a esquerda. Por possuir uma resposta ao verapamil, também é chamada de TV verapamil-sensível. Ocorre por conta de um mecanismo de reentrada que utiliza a rede fascicular posterior do ramo esquerdo SINAIS E SINTOMAS Os sinais e sintomas da taquicardia ventricular depende de dois fatores: Frequência da taquicardia; Função ventricular e coronariana prévia. Sendo assim, quanto maior for a frequência cardíaca e pior a função miocárdica e coronariana, mais grave serão as consequências clínicas, tendo repercussão hemodinâmica. De forma geral, dá pra se dizer que T.V.M.S. com frequência acima de 170 BPM geralmente se 11 Tutorial 8 – Vitor Benincá manifesta com uma “instabilidade”, que se apresenta como síncope, pré-síncope, hipotensão sintomática, angina de peito ou dispneia por congestão pulmonar Para uma mesma frequência cardíaca, a TV traz consequências hemodinâmicas piores que a TSV, já que ocorre uma perda da associação atrioventricular, onde os ventrículos não contam mais com a contração atrial para se encherem. Além disso, caso a T.V.M.S. seja muito rápida, pode ocorrer a fibrilação ventricular, que tem como consequência a morte cardíaca súbita, já que o coração para de bombear sangue. TRATAMENTO O tratamento da T.V.M.S. ocorre por meio da reversão da taquicardia para o ritmo sinusal, junto da prevenção de novos episódios, visando impedir a morte cardíaca súbita. Para isso é dividido em dois tipos: Terapia Aguda É feita em todo paciente que possui uma T.V.M.S. com qualquer sinal de instabilidade. Sendo realizada uma cardioversão elétrica sincronizada, que inicia com 100J e algum antiarrítmico (Amiodarona, Procainamida,Sotalol ou Lidocaína em casos de IAM em menos de 48h). Caso a T.V.M.S. não apresente sinais de instabilidade, sendo apenas oligossintomática, a cardioversão elétrica não é necessária, podendo ser feito a reversão da taquiarritmia de forma farmacológica com antiarrítmicos. → Em taquicardias ventriculares idiopáticas benignas, é realizado um tratamento diferente. Na TV do trato de saída do VD é usado verapamil e betabloqueadores como drogas de primeira escolha. Já na TV fascicular, é usada o verapamil sozinho como droga de primeira linha. Terapia Crônica É o tratamento realizado após a reversão da taquicardia para o ritmo sinusal, que visa impedir novos episódios, evitando a morte súbita do paciente. Esse tratamento se divide em 4 tipos, dependo do paciente, sendo eles: 1. T.V.M.S. em portadores de cardiopatia estrutural, com instabilidade ou FE menor que 40% → São os pacientes que possuem maior risco de morte cardíaca súbita (20% no ano seguinte do episódio). Nesses pacientes, o uso crônico de antiarrítmicos não previne novos episódios letais. Por conta disso, o tratamento se baseia na instalação de um cardiodesfibrilador implantável, que é colocado por via percutânea no ventrículo direito, que é capaz de reconhecer um ritmo anormal de condução e automaticamente aplica um choque que visa voltar ao ritmo normal. OBS: Para evitar choques desnecessários, a terapia antiarrítmica crônica deve ser feita, dando preferência para antiarrítmicos do grupo III (amiodarona e sotalol) 2. T.V.M.S. em portadores de cardiopatia estrutural, sem instabilidade e FE maior que 40% → Esses pacientes podem ser tratados com drogas antiarrítmicas normais (amiodarona ou sotalol), sem que haja a necessidade de instalar um cardiodesfibrilador. 3. T.V.M.S. Ramo a Ramo → Essa arritmia é refratária a terapia antiarrítmica, porém é facilmente curada pela ablação por radiofrequência do ramo direito. 4. T.V.M.S. Idiopática Benigna → Em pacientes com essa TV pode-se tentar a profilaxia por meio de betabloqueadores ou verapamil, porém a cura também pode ser feita por meio da ablação por radiofrequência do foco primário, tendo um sucesso de 80-100% dos casos O Papel Do Estudo Eletrofisiológico (EEF) É um exame muito útil na T.V.M.S., principalmente quando há dúvidas em relação à repercussão hemodinâmica e ao tipo de taquicardia. O exame é realizado com a introdução de três cateteres pela veia femoral, cujas extremidades são colocadas no átrio direito, no feixe de His e no ventrículo direito. Com isso é possível realizar extra estímulos para tentar provocar artificialmente no ventrículo uma taquicardia ventricular, sendo útil para diagnosticar e tratar TV ramo a ramo e formas idiopáticas benignas de T.V.M.S. Além disso o exame pode ser usado para avaliar a resposta terapêutica aos antiarrítmicos. A droga é considerada eficaz quando, após seu uso, uma T.V.M.S. instável não pode mais ser induzid 12 Tutorial 8 – Vitor Benincá TAQUIARRITMIA VENTRICULAR POLIMÓRFICA SUSTENTADA DEFINIÇÃO ELETROCARDIOGRÁFICA É considerada uma TVPS quando no ECG é identificado osnseguintes critérios: 1. Frequência cardíaca geralmente maior que 200 BPM 2. QRS alargado, superior a 120 ms e com morfologia diferente do normal 3. Morfologia do QRS variando significativamente em cada derivação CLASSIFICAÇÃO Existem dois subtipos clínico-eletrocardiográficos de TVPS, de acordo com o intervalo QT antes do surgimento da taquicardia, durante o ritmo sinusal, sendo eles: TV Polimórfica Com Intervalo QT Normal Por definição é a taquicardia que possui um QT normal, mesmo que possua morfologia semelhante a uma “torção de pontas”, por ter um QT normal, possui mecanismo eletrofisiológico e etiologia diferentes, sendo: Mecanismo Eletrofisiológico e Etiologia QT Normal - Quase sempre é decorrente de uma isquemia miocárdica aguda grave, onde o mecanismo eletrofisiológico de reentrada se faz presente. A isquemia causa alterações na repolarização dos miócitos, encurtando o seu período refratário e predispondo o surgimento de focos de reentrada funcional, que pode facilmente se tornar uma fibrilação ventricular. Está arritmia é geralmente vista em 2% dos pacientes que estão em fase aguda do infarto do miocárdio. Tratamento - O tratamento para essa TV polimórfica isquêmica é a sua reversão imediata para ritmo sinusal com uma desfibrilação elétrica não sincronizada caso não tenha pulso. Depois de revertida, para evitar episódios de recidiva, é utilizado a amiodarona, que é o único antiarrítmico que possui efeito preventivo nesses casos. Além disso é obrigatório a realização de uma coronariografia, junto com a investigação de espasmo coronariano, pois a maioria dos pacientes possui placas “instáveis” que faz necessário uma revascularização miocárdica. TV Polimórfica Com intervalo QT Longo (Torsades Des Pointes) Para definir um QT longo é necessário que o intervalo QT seja corrigido pela frequência cardíaca, utilizando a fórmula de Bazet. Na síndrome do QT longo, associado ao torsades des pointes, o intervalo QTc deve estar acima de 0,45 segundos (maior que 11 quadradinhosS MECANISMO ELETROFISIOLÓGICO E ETIOLOGIA É subdividido em mecanismos que aumentam o QT e em mecanismos que causam a TV polimórfica torsades des pointes O intervalo QT do ECG representa o período refratário dos miócitos ventriculares, desde a despolarização até o momento de recuperação da excitabilidade. Sendo assim, o aumento do intervalo QT representa um aumento do tempo em que os miócitos estão despolarizados, com canais de potássio inibidos (fechados) ou canais de sódio ou cálcio abertos por um tempo maior. Essa alteração de tempo de despolarização pode ocorrer por duas síndromes, sendo elas: 13 Tutorial 8 – Vitor Benincá Síndrome do QT Longo Congênita ocorre por 3 motivos diferentes (na verdade 7, mas só 3 são importantes). No tipo 1, há um defeito genético no canal de potássio lento (IKs) que pode ou não se associar a surdez congênita; No tipo 2, o problema está no canal de potássio rápido (IKr); Já no tipo 3, o defeito está na inativação do canal de sódio. Síndrome do QT Longo Adquirida ocorre por conta do uso de medicamentos (antiarrítmicos do grupo IA e do Grupo III) que podem inibir os canais de potassio, aumento o intervalo QT. Além de drogas não cardiológicas que podem interferir aumentando o intervalo QT, como por exemplo Tricíclicos, cocaína, haloperidol, cloroquina/quinino, Cisaprida, Amantadina, Pentamidina, Eritromicina, Terfenadina/Astemizol. Além dessas síndromes, distúrbios eletroliticos, como hipocalemia, hipomagnesemia e hipocalcemia, também podem aumentar o intervalo QT. Com esse aumento do intervalo QT, ocorre uma predisposição para ocorrência de TV de Torsades des pointes, pois quando os miócitos ventriculares ficam despolarizados por mais tempo, ocorre o surgimento de “pequenos picos transitórios de despolarização”, que são chamados de Pós-Potenciais Precoces sódio- dependentes, que eventualmente podem produzir um potencial de ação que se propague pelo ventrículo, manifestado-se como uma extrassístole ventricular no ECG. Quando ocorre vários estímulos sucessivos, acaba ocorrendo uma “atividade deflagrada” que gera uma taquicardia ventricular não sustentada no ECG. Porém, se houver uma dispersão importante de períodos refratários no miocárdio ventricular, essa atividade deflagrada se converte em um circuito de reentrada funcional ventricular que faz com que se instale uma TV polimórfica torsades des pointe Apesar de ser um antiarrítmico do grupo III e aumentar o QTc, a amiodarona raramente causa TV torsades des pointes, por conter propriedades protetoras, como betabloqueio e bloqueiodo cálcio. DIAGNÓSTICO Só é possível realizar o diagnóstico da síndrome do QT longo quando é feito o cálculo do QTc durante o ritmo sinusal. A morfologia da TV polimórfica é sugestiva, porém não serve para fechar diagnóstico de torsades des pointes. Além disso, em casos de ondas T modificadas (largas, amplas, negativas ou bifásicas), história de uso de drogas que alterem o QT, presença de surdez e histórico familiar positivo para QT longo, são sugestivos para síndrome de QT longo. TRATAMENTO Em pacientes com instabilidade, o torsades des pointes deve ser tratado urgentemente com Desfibrilação elétrica não sincronizada com 200J iniciais. Após a reversão, o paciente deve realizar uma reposição de sulfato de magnésio, mesmo se estiver ausência de hipomagnesemia. Além disso, o torsades des pointes costuma ocorrer após uma pausa, que aumenta ainda mais o intervalo QT, sendo chamada de taquicardia bradicardia-dependente. Sendo assim, em pacientes que após a reversão mantenham frequência cardíaca menor que 80 bpm, deve ser feito o uso de um marcapasso provisório transvenoso que mantenha a frequência em torno de 90 bpm. Pode ser usado também antiarrítmicos do grupo IB (lidocaína ou fenitoína) que possuem efeito redutor do intervalo QT. Pode ser usado também o isoproterenol em casos de torsades repetitivo. Obviamente se o paciente estiver fazendo uso de alguma droga que aumente o intervalo QT, ela deve ser suspendida imediatamente. Na síndrome do QT longo congênita, deve-se incluir o uso de betabloqueadores para reduzir os efeitos adrenérgicos sobre os miócitos. Em pacientes que tenham história previa de síncope ou Parada Cardiorrespiratória revertida, é indicado o uso de um cardiodesfibrilador implantável. 14 Tutorial 8 – Vitor Benincá TAQUIARRITMIA VENTRICULAR BIDIRECIONAL DEFINIÇÃO ELETROCARDIOGRÁFICA São consideradas TV bidirecional todas as taquicardias que possuem os seguintes critérios: 1. Frequência cardíaca geralmente entre 100-130 BPM; 2. QRS alargado, com mais de 120 ms, e aberrante 3. Dois complexos QRS aberrantes diferentes que se alternam entre si, apresentando eixos opostos (um positivo e outro negativo) 4. R-R regular. É uma forma rara de taquicardia ventricular, estando associada a intoxicação digitálica é comum em pacientes hipocalemicos. O mecanismo eletrofisiológico depende de pós- potenciais tardios cálcio-dependentes, que geram uma atividade deflagrada sustentada, causando uma taquiarritmia automática. O tratamento consiste em suspender o medicamento digital, junto da reposição de potássio e administração de antiarrítmicos do grupo IB (Lidocaína ou Fenitoína) TAQUIARRITMIA VENTRICULAR NÃO SUSTENTADA DEFINIÇÃO É definida pela presença dos critérios de taquicardia ventricular (monomórfica ou polimórfica) que dura menos de 30 segundos e que não cursam com instabilidade hemodinâmica, sendo subdividida em dois tipos conforme o traçado do ECG TAQUIARRITMIA VENTRICULAR NÃO SUSTENTADA SEM CARDIOPATIA ESTRUTURAL Está presente em 4% dos pacientes que realizam teste de Holter. Em pacientes que possuem um ecocardiograma normal, sem coronariopatia, a ocorrência de TVNS não aumenta a incidência de eventos cardiovasculares ou morte futura, sendo assim, pacientes que não possuem história de cardiopatia e possuem TVNS no ECG-Holter, deve-se investigar doença cardíaca estrutural através de ecocardiograma e testes para doença isquêmica do miocárdio. Em casos de exame negativo, nada deve ser feito se a arritmia for assintomática. Em casos sintomáticos, deve-se dar um betabloqueador para o paciente, e em casos refratários, é possível dar outro antiarrítmico, como amiodarona ou realizar a terapia ablativa TAQUIARRITMIA VENTRICULAR NÃO SUSTENTADA COM CARDIOPATIA ESTRUTURAL São enquadradas como “cardiopatia estrutural” as seguintes entidades: Coronariopatia, Cardiomiopatia dilatada ou hipertrófica, e Valvopatia. Caso seja encontrado uma TVNS em pacientes com uma dessas patologias, deve-se tratar com urgência, pois isso aumenta o risco de 15 Tutorial 8 – Vitor Benincá eventos cardiovasculares e morte futura, incluindo morte súbita. Geralmente essa taquicardia ocorre nas primeiras 48h do IAM, sendo associada diretamente ao evento isquêmico agudo, não alterando o prognóstico tardio desse paciente. Porém, se a TVNS ocorrer após 48h, ocorre um aumento considerável de morte cardíaca súbita, principalmente se a fração de ejeção for menor que 40%. Já na cardiomiopatia dilatada e valvopatias, a TVNS é um marcador de mau prognóstico do paciente, porém não é um fator de risco independente para morte cardíaca súbita AVALIAÇÃO E TRATAMENTO Os pacientes com TVNS, coronariopatia comprovada e disfunção importante do VE no ecocardiograma, que apresentam menos de 40% de fração de ejeção, devem ser estratificados com ECG de alta resolução (ECG-AR). Caso este ECG de positivo (com presença de potencial tardio), deve ser feito um estudo eletrofisiológico para tentar induzir uma TV sustentada com extra estímulos (três sucessivos). Caso seja possível induzir a TV sustentada, deve ser aplicado um cardiodesfibrilador implantável, com intuito de prevenir a morte cardíaca súbita, associado com antiarrítmicos do grupo III (Amiodarona e sotalol) Nos demais pacientes com TVNS e cardiopatia estrutural, a terapia antiarrítmica de escolha é o betabloqueador, que reduz o risco de morte súbita em qualquer paciente pós-IAM Caso o paciente seja sintomático, recomenda-se o uso de outros antiarrítmicos (menos os do grupo IC e a morizicina) TAQUIARRITMIA DE BIGEMINISMO E TRIGEMINISMO VENTRICULAR DEFINIÇÃO A definição clínica destas arritmias é semelhante, de forma que são consideradas como extrassístoles ventriculares complexas, sendo que: A bigeminismo é definida como a presença de uma extrassístole ventricular a cada batimento sinusal A Trigeminismo ventricular é definida pela presença de uma extrassístole ventricular a cada dois batimentos sinus Essas extrassístoles ventriculares (ESV) complexas ocorrem em maior frequência em pacientes com cardiopatia estrutural, representando um fator de risco independente para morte cardíaca súbita. Para tratamento, é utilizado betabloqueadores, que possuem a capacidade de reduzir o número de ESV, em especial em pacientes pós-IAM. Outros antiarrítmicos só devem ser administrados se as ESV forem sintomáticas, e nesses casos o antiarrítmico usado é a amiodarona, por ser uma droga bem tolerada e segura. PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA A parada cardiorrespiratória (PCR) é a maior emergência existente, causando uma falência circulatória e respiratória do paciente, levando ele a óbito em poucos minutos. DEFINIÇÃO A parada cardiorrespiratória é a ausência de atividade mecânica cardíaca efetiva, confirmada por ausência de pulso junto com falha mecânica ventilatória. EPIDEMIOLOGIA A PCR possui grande importância epidemiológica, atingindo cerca de 50 e 100 a 16 Tutorial 8 – Vitor Benincá cada 100 mil habitantes na população geral da América do Norte e Europa ETIOLOGIA Em ambiente extra-hospitalar a PCR tem como principal etiologia a síndrome coronariana aguda, que gera arritmias graves de origem ventricular que cursam com fibrilação ventricular (54-76% dos casos). Já em ambiente intra-hospitalar, a PCR é geralmente uma evolução de algum quadro metabólico e grave, como uma sepse. RITMOS DE PARADA São divididos em quatro grupos: 1. Fibrilação Ventricular - A fibrilação ventricular pode ter várias origens, como uma isquemia miocárdica que leva a distúrbios de ritmo e contração, ou um distúrbio de condução por doença de chagas por exemplo. A fibrilaçãoventricular ocorre por conta de múltiplos focos de reentrada que possuem tempos diferentes, resultando em contrações sem ordem e efetividade alguma, sendo representada no ECG por um traçado completamente anárquico, sem padrão nenhum. 2. Taquicardia Ventricular Sem Pulso (TVsp) - Ocorre com uma taquicardia ventricular sustentada proveniente de focos ectópicos que não geram frequência e intensidade adequadas para manter o débito cardíaco, gerando a ausência de pulso palpável. A maioria dos ritmos que evoluem para TVsp ocorrem em pacientes com cardiopatias significativas, distúrbios hidroeletrolíticos importantes como hipocalemia ou uso de fármacos que alteram o QT em paciente com problemas de condução prévios. A taquicardia ventricular pode surgir gradativamente com um alargamento do QRS e aumentando a frequência, até que evolua para uma taquicardia ventricular sem pulso que pode evoluir para uma fibrilação ventricular. 3. Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP) - SOcorre quando há atividade elétrica organizada no traçado do ECG, porém essa atividade não possui intensidade suficiente para gerar uma contração efetiva para perfusão e geração de pulso, sendo constituído por um grupo heterogêneo de ritmos eletrocardiográficos 4. Assistolia - É quando não há nenhuma atividade elétrica, sendo a degeneração de todos os ritmos anteriores, caso medidas de ressuscitação não sejam aplicadas. A assistolia pode ser um problema técnico também, por isso sempre deve ser conferido o equipamento quando o paciente entrar em assistolia. 17 Tutorial 8 – Vitor Benincá CAUSAS REVERSÍVEIS DE PCR SUPORTE BÁSICO DE VIDA A maioria dos casos de PCR extra-hospitalares ocorrem por conta da fibrilação ventricular, para o qual o retorno da circulação espontânea e mudança da mortalidade vem através da desfibrilação. Porém, em ambiente extra- hospitalar, a desfibrilação não se faz presente, sendo necessário manter o paciente com massagem cardíaca até que seja possível desfibrilar. A técnica adequada é feita com as duas mãos apoiadas sobre o peito do paciente, com braços esticados e compressões utilizando o peso do corpo, realizando uma compressão de 5 centímetros da caixa torácica com aguardo do retorno total do peito para próxima compressão, em uma frequência entre 100-120 compressões por minuto. SUPORTE AVANÇADO DE VIDA É um conjunto de medidas que são feitas sob a coordenação de um médico, utilizando-se dispositivos invasivos e drogas vasoativas.
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