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PRÁTICA DE PESQUISA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES AULA 3 Profª Kátia Cristina Dambiski Soares 2 CONVERSA INICIAL Esta aula trata sobre concepções e teorias da formação docente no Brasil. Conteúdos abordados na aula: Formação de professores na Pedagogia Tradicional Formação de professores na Pedagogia Escolanovista Formação de professores na Pedagogia Tecnicista Formação de professores na Pedagogia Libertadora Formação de professores na Pedagogia Histórico-Crítica Teremos como objetivo geral identificar as diferentes teorias pedagógicas e verificar sua correspondência com a concepção de formação docente. Nesse sentido, os objetivos específicos se referem à compreensão da relação entre cada uma das tendências pedagógicas, e suas respectivas concepções relativas à formação de professores. Assim, procuraremos demonstrar, por meio de estudo, discussão e exemplos práticos, como cada forma de se pensar a educação, a sociedade e o sujeito humano acaba também por determinar uma prática pedagógica específica na formação docente. Existem diferentes concepções de educação. Cada uma delas foi hegemonicamente mais marcante em determinado período da nossa história. Veremos como essas concepções refletem diferentes maneiras de entender o mundo, a sociedade, o sujeito humano e, por sua vez, a educação, o ensino e a aprendizagem. Dessa forma, cada concepção de educação ou tendência pedagógica revela uma maneira diferente, às vezes oposta, de entender a formação dos professores. Veremos as concepções Tradicional, Escola Nova, Tecnicista, Libertadora e Histórico-Crítica, cada qual com suas especificidades. Algumas dessas concepções são conservadoras, outras são progressistas em relação à crítica social. No geral, gostaríamos de colaborar para o entendimento de que conhecer as concepções é muito importante para que possamos fazer escolhas adequadas para a nossa prática pedagógica, que deve ser intencional. 3 TEMA 1 – FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA PEDAGOGIA TRADICIONAL A Pedagogia Tradicional remete à uma concepção ou entendimento de mundo, sociedade e sujeito numa visão essencialista, ou seja, idealista. Nessa concepção, que vigorou no Brasil até as décadas de vinte e trinta, o professor era visto como o centro do processo ensino-aprendizagem. Ele era considerado o mestre, o detentor dos conhecimentos, e deveria ser reconhecido como a autoridade máxima em sala de aula. Os alunos, por sua vez, deveriam ser submissos e obedecer aos ensinamentos do mestre, sem questionamentos e sem o direito ao debate de ideias e pensamentos. Também podemos ressaltar que na Pedagogia Tradicional o método de ensino era predominantemente expositivo, baseado na memória, no decorar, no desenvolvimento de um aluno adaptado à sala de aula, à escola e à sociedade. Nesse contexto, muitas vezes a autoridade de confundia com autoritarismo. Os conteúdos na Pedagogia Tradicional eram bastante eruditos, mas em geral descontextualizados. Dermeval Saviani (2002, p. 6) nos auxilia a melhor compreender a Pedagogia Tradicional como aquela que tinha o papel de: Difundir a instrução, transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente. O mestre-escola será o artífice dessa grande obra. A escola organiza-se como uma agência centrada no professor, o qual transmite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conteúdos que lhes são transmitidos. (Saviani, 2002, p.06) Na história da educação brasileira, no contexto da concepção pedagógica tradicional, a formação de professores passou a ser organizada de forma mais sistematizada apenas após a chegada da família real ao Brasil, quando foi criada a primeira escola normal (de magistério), em 1835. Essa escola permaneceu funcionando até 1849. Depois disso, aparecem outras escolas normais, como iniciativas isoladas pelo país. Somente após a proclamação da República em nosso país, em 1888, é que se passou a exigir que os professores fossem formados no curso normal para lecionar nos chamados grupos escolares. A concepção tradicional de educação vigorou com maior força até a década de trinta, quando surge o movimento escolanovista, que veremos no próximo tema. 4 TEMA 2 – FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA PEDAGOGIA ESCOLANOVISTA A Pedagogia Escolanovista se desenvolve no nosso país a partir da década de trinta. Ela se origina como crítica à Pedagogia Tradicional. Assim, muda o foco do processo de ensino e aprendizagem, e, portanto, reconfiguram- se o papel do professor e de sua formação. Ao escolanovismo, são fundamentais os seguintes princípios: Puericentrismo – Aprendizagem motivada, reconhecimento do papel essencialmente ativo da criança; Valorização do fazer; Motivação segundo a qual toda aprendizagem real e orgânica deve estar ligada a um interesse por parte da criança, movida pelas determinações emotivas; Centralidade do estudo do ambiente; Socialização, vista como uma necessidade primária da criança; Antiautoritarismo – Regime – político contrário ao autoritarismo. (Pereira, 2012, p. 138) Nesta concepção, baseada numa visão de mundo naturalista e predominantemente empírica, o centro do processo ensino-aprendizagem passa a ser o aluno, como sujeito ativo e participante do processo. Assim, o professor deixa de ser o detentor máximo dos conhecimentos, e passa a ser visto e formado para ser um facilitador, um orientador da aprendizagem. Os métodos de ensino passam a ser ativos e baseados na pesquisa e na manipulação de materiais concretos. O foco do processo não é o conteúdo a ser aprendido, dado que tais conteúdos precisam ser descobertos pelos alunos, numa perspectiva construtivista. Nessa concepção, valorizam-se os diferentes ritmos de aprendizado dos alunos. Para atender à nova demanda na formação de professores: Já na década de 1930, as escolas normais haviam ampliado consideravelmente a duração e o nível de seus estudos, articulando- se com o curso secundário. Houve também o alargamento da formação profissional propriamente dita, por meio da introdução de disciplinas, princípios e práticas inspirados no escolanovismo. Neste período as escolas-modelo ou escolas de aplicação anexas, também possibilitavam o aperfeiçoamento da formação docente. (Almeida; Soares, 2011, p. 65) Pode-se afirmar que, neste período em que o escolanovismo foi mais forte como tendência pedagógica no Brasil, entre a década de trinta e a década de sessenta, houve incremento nos currículos dos cursos de formação de professores. No entanto, haviam ainda muitos profissionais leigos atuando, e a educação de modo geral não foi atingida por esses avanços. 5 Na sequência, abordaremos a concepção tecnicista de educação, e suas influências no campo da formação de professores. TEMA 3 – FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA PEDAGOGIA TECNICISTA A Pedagogia Tecnicista se desenvolve no Brasil na década de setenta, no período da ditadura militar no nosso país, e traz implicações para a prática pedagógica e a formação de professores. No período que corresponde à ditadura militar no Brasil, houve o fortalecimento de uma tendência pedagógica intitulada pedagogia tecnicista, que teve como pressupostos os princípios de neutralidade científica, racionalidade, eficiência e produtividade, baseando-se na ideia de que o objetivo da escola era, prioritariamente, formar mão de obra qualificada para o mercado de trabalho. Ou seja, a escola passou a se voltar para a formação dos trabalhadores adaptáveis à lógicacapitalista, capazes de contribuir para o aumento da produtividade da fábrica e da sociedade em geral. (Almeida; Soares, 2011, p. 67) De acordo com essa tendência pedagógica, o foco do processo de ensino-aprendizagem não é nem o professor, nem o aluno, mas os meios, os recursos a serem utilizados – daí o nome tecnicismo, que remete à técnica. Nesta tendência pedagógica, o professor deve conhecer e saber aplicar diferentes técnicas de ensino, seguindo manuais de instrução preparados por especialistas. O aluno, por sua vez, deve se adaptar aos métodos utilizados nas aulas. Deve seguir instruções programáticas, pois o método de ensino se baseia sobretudo no treinamento, na repetição, na valorização do acerto e na penalização do erro. Os conteúdos de ensino são extremamente técnicos e pragmáticos, ou seja, precisam ter aplicação prática e imediata, considerando o contexto capitalista e de industrialização do país. De acordo com Saviani (2002, p. 13): Na pedagogia tecnicista, o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária, relegados que são a condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. A organização do processo converte-se na garantia da eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do professor e maximizando os efeitos de sua intervenção. Em geral, o período em que vigorou mais efetivamente a pedagogia tecnicista, na década de 1970, não trouxe avanços significativos para a formação de professores no nosso país; ao contrário, em termos da 6 organização curricular dos cursos voltados para a preparação dos docentes, houve um processo de fragmentação dos currículos, como se observa na citação abaixo: Ainda que possamos considerar a elevação da formação do professor ao segundo grau como avanço nesse período, a lógica da pedagogia tecnicista apresentou-se no curso de formação de professores por meio da fragmentação do currículo (separando as disciplinas pedagógicas das de base comum no decorrer do curso), das disciplinas (fragmentadas por especialidades como, por exemplo, a psicologia geral, do desenvolvimento e da aprendizagem) e das habilidades (para atuar com as 1ª e 2ª séries, 3ª e 4ª séries, pré- escola). (Almeida; Soares, 2011, p. 69) Ressalta-se a necessidade de olhar com atenção para os determinantes, condicionantes e características dessa concepção pedagógica, dado que alguns de seus aspectos parecem reanimados nos tempos atuais, por meio da ênfase em competências e habilidades, racionalidade e eficiência no campo curricular, e sua articulação com as propostas de avaliações da aprendizagem emanadas do governo federal para a Educação Básica. Estaríamos vivenciando um período de neotecnicismo? Velhas práticas, com uma nova roupagem? Deixamos aqui esses pensamentos para reflexão e vamos adiante, com propostas críticas e progressistas para o meio educacional e a formação docente. TEMA 4 – FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA PEDAGOGIA LIBERTADORA A Pedagogia Libertadora tem base nas ideias do educador Paulo Freire. Algumas de suas obras mais conhecidas são: Pedagogia da Autonomia, Pedagogia do Oprimido e Professora sim, tia não. Suas ideias se desenvolvem no contexto da ditadura militar no Brasil, mas acabam por ser mais divulgadas a partir do período da abertura política nos anos oitenta, até porque o autor foi inclusive exilado do país no contexto da ditadura militar, e havia censura aos seus escritos, por seu caráter de crítica social. Por esses motivos, esta tendência pedagógica é considerada uma concepção de educação progressista, ou seja, preocupada com a crítica social à sociedade capitalista. Nesta concepção educacional, muito relacionada com movimentos sociais e com a educação de jovens e adultos, o professor assume também o papel de orientador ou facilitador da aprendizagem, de alguém que orienta e promove o debate e a discussão com seus alunos a partir de questões sociais implicadas em suas vidas: 7 O professor era visto como orientador das atividades que deveriam ser organizadas em conjunto com os alunos. O foco do processo educacional não era diretamente o conhecimento sistematizado, mas o processo de participação ativa dos alunos nas atividades e debates desenvolvidos por meio de temas geradores. (Almeida; Soares, 2011, p. 75) O aluno, na concepção Libertadora, é visto como sujeito histórico, ativo e participante do processo educativo; suas ideias e visão de mundo devem ser respeitadas e valorizadas. O método de ensino é predominantemente baseado no diálogo, no debate, na discussão com temas e palavras geradoras para esse fim, com significado e crítica social. TEMA 5 – FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA PEDAGOGIA HISTÓRICO- CRÍTICA A Pedagogia Histórico-Crítica se desenvolve nos anos oitenta no Brasil, com base nas ideias do professor Dermeval Saviani, também numa perspectiva crítica progressista, voltada para uma concepção contra hegemônica de sociedade: A pedagogo histórico-crítica, por sua vez, apontou para a necessidade de que as classes trabalhadoras se apropriassem dos conhecimentos científicos/elaborados, e essa apropriação foi entendida como possibilidade de maior compreensão e maiores possibilidades de intervenção sobre a realidade. (Almeida; Soares, 2011, p. 76-77) Esta tendência pedagógica tem base no materialismo histórico, e indica o papel do professor como mediador do processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, o professor retoma seu papel de autoridade no processo de ensino, mas sua autoridade não se confunde com autoritarismo, como era o caso na pedagogia tradicional. Agora, a autoridade do professor está relacionada com o domínio do conhecimento e sua capacidade de mediar a aprendizagem, organizando o processo pedagógico, de modo que o aluno possa se apropriar de conhecimentos científicos e elaborados. Em outras palavras, o professor domina conhecimentos que devem ser apropriados também pelos alunos, e assim lhe cabe organizar, intencional e sistematicamente, o processo de ensino. O aluno é considerado sujeito histórico e social, e, portanto, os conteúdos precisam ser contextualizados, ter sentido e significado, a partir da 8 práxis social, econômica e política em que a escola está inserida. Os métodos de ensino são definidos de acordo com os objetivos do que se ensina. Em síntese, a pedagogia histórico-crítica primou por um ensino com base na relação entre teoria e prática, ou seja, na práxis, e, nesse sentido, exigiu-se que o professor tivesse uma sólida formação teórico-metodológica que lhe daria sustentação para buscar efetivar a prática pedagógica, no sentido de trabalhar com os conteúdos de ensino, de forma contextualizada, com cunho histórico e comprometida com um projeto mais amplo de transformação social. (Almeida; Soares, 2011, p. 79) A Pedagogia Histórico-Crítica baseia-se em um método de ensino, explicitado no livro Escola e Democracia (2002), do professor Dermeval Saviani, que apresenta como passos do processo ensino-aprendizagem a seguinte sequência: Prática social inicial – realidade vivenciada, por professores e alunos. Problematização – o conteúdo é problematizado a partir do contexto em que se insere, ou seja, se indagam os motivos de estudar aquele tema, Instrumentalização: quando o professor traz para a sala de aula os subsídios que irão possibilitar ao aluno entender o tema/conteúdo em estudo (textos, vídeos, músicas, mapas, materiais diversos...). Catarse – a apropriaçãointerna, de cada aluno, a partir do seu referencial, do conteúdo estudado. Nova prática social – nada mais é do que a mesma prática social inicial, mas agora renovada, no sentido de que a compreensão sobre o assunto/tema/conteúdo foi aprofundada e pode modificar a compreensão da realidade e as possibilidades de intervenção sobre ela. Este método de ensino é a expressão da dialética, de um movimento não linear, pois a realidade é o ponto de partida e de chegada da prática pedagógica, como a metáfora de que nunca nos banhamos em um mesmo rio, pois o rio é movimento e nós também estamos em constante transformação. Assim, o conhecimento só tem sentido na medida em que transforma nossa consciência e nos prepara para compreender melhor o mundo em que vivemos, para que possamos intervir na realidade. As mudanças não são imediatas; a educação transforma o mundo, mas isso ocorre com a mediação de todas as múltiplas determinações do ambiente em que estamos inseridos como seres sociais. 9 NA PRÁTICA Para buscar entender melhor as diferentes tendências pedagógicas e suas influências para a formação de professores, propomos que você busque conhecer o projeto político-pedagógico (PPP) de uma escola que seja próxima da sua residência ou de fácil acesso. Leia a parte do PPP que traz a concepção de educação definida pela escola, e procure perceber se há uma tendência pedagógica específica. Registre: qual é a concepção da escola; em que autores dessa concepção se fundamenta; quais são os objetivos de ensino; qual a compreensão do papel do aluno; como deve ser a metodologia de ensino; há perspectiva de crítica social? Essas questões podem ajudar a entender melhor qual o caminho que a escola busca trilhar, e também qual o perfil desejado para a atuação desse profissional. Podemos, a partir dessas anotações, refletir criticamente sobre a formação desejável para que o professor possa desenvolver sua prática. FINALIZANDO Nesta aula, procuramos conversar sobre as diferentes tendências pedagógicas, e de que forma elas influenciam a formação dos professores. As tendências pedagógicas se desenvolvem historicamente, e são mais ou menos predominantes, dependendo do contexto social, econômico e político em que vigoram. A partir do conhecimento dessas tendências pedagógicas, é possível entender como se desenvolvem formas diferentes e por vezes opostas de se compreender o papel do professor, e a direção muitas vezes definida para a sua formação. Dependendo do entendimento, o professor pode ser visto como alguém autoritário, como transmissor de conhecimentos, facilitador da aprendizagem, orientador de estudos, treinador, organizador de debates ou mediador do processo ensino-aprendizagem. Cada um desses entendimentos traz consequências para a prática pedagógica a ser desenvolvida nas escolas, com implicações para a aprendizagem dos alunos. Deixamos aqui a reflexão: com qual das tendências pedagógicas você mais se identifica? Para fazer nossas escolhas, no campo teórico e prático, é preciso conhecer o que desejamos. Então, caro aluno, fica o convite para que você estude mais a respeito das tendências pedagógicas, e escolha aquela 10 que, na sua visão e de acordo com os estudos realizados, apontam para um projeto de sociedade emancipatório. REFERÊNCIAS ALMEIDA, C. M. de; SOARES, K. C. D. Professor de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental: aspectos históricos e legais da formação. Curitiba: IBPEX, 2011. PEREIRA, M. de F. R. Trabalho e educação: uma perspectiva histórica. Curitiba: InterSaberes, 2012. SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo: Autores Associados, 2002.
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